domingo, 23 de novembro de 2014

Acreditar ou Não Acreditar na Religião Cristã.

Essa reflexão é do filósofo cristão Blaise Pascal (1623-1662), trazendo como título O que é mais vantajoso: Acreditar ou não acreditar na Religião Cristã. Os leitores perceberão que os argumentos de Pascal são lógicos e racionais dentro da perspectiva filosófica que ele apresenta. Tenta explicar suas ponderações recorrendo a abstrações cognitivas, fugindo de uma crendice ou superstição cristã onde os pressupostos acabam enfraquecendo, chegando a aporia (dificuldade lógica sem solução) do desentendimento só possivelmente compreendido pela fé cega; coisa que Pascal sempre procura evitar. Então os leitores estão diante de primeiramente um filósofo e depois um cristão, que assumindo suas convicções teológicas procura pela sua sinceridade transmitir seu sentimento e opinião em relação a vida humana e espiritual. Não estranhem a defesa contundente de Pascal em relação ao Cristianismo. Isso é devido a inúmeros fatores como: seus temores em relação a morte, pois reconhecia que não viveria muito tempo, o ambiente espiritual onde se enclausurou na Abadia de Port Royal em Paris; o Mosteiro dos Jansenitas, um movimento cristão austero e rígido, baseado em penitências, santidade e pureza de vida. Pascal necessitou usar sua filosofia teológica, pois o século XVII trouxe tendências e práticas de vulgarização, secularismo e ceticismo das doutrinas cristãs contidas no Evangelho. Como o Clero Romano fazia alianças e comprometimentos políticos com os Governos Europeus; a autoridade espiritual da Igreja se fragilizava e grande parte da Cúria era corrompida na venda de cargos eclesiásticos para leigos e homem profanos, sem honra, ética e decoro. Esses assumiam altos postos no Vaticano, e nas principais dioceses das capitais europeias. A população dos fieis desconfiadas, esvaziavam as catedrais, desacreditadas de seus "pastores" e seus superiores hierárquicos, encontrando abrigo e conforto nos recentes movimentos protestantes que começavam a se estruturarem. Assim, nesse ambiente de negativismo e pessimismo surgiu o Movimento de Reforma do Catolicismo Medieval europeu no século XVI, desencadeando rupturas teológicas que favoreceram o surgimento do Protestantismo. Como muitos outros fenômenos religiosos, o Protestantismo primitivo nasceu plural. Desse modo, ao longo de seus primeiros três séculos de existência se desdobrou em instituições e movimentos. Destaca-se no campo institucional eclesiástico as Igrejas Luterana, Calvinista, Anglicana e Metodista; nos espaços de movimentos, por sua vez, apareceram os Anabatistas, Pietistas, Jansenistas e Puritanos. Igrejas e Movimentos que surgem em escala ascendente depois do movimento Metodista, na Inglaterra dos primórdios da revolução industrial por volta das primeiras décadas do século XVIII, são desdobramentos de ênfases dos primeiros três séculos de Protestantismo europeu e, de certa forma, norte americano. Destituídos de uma centralização institucional eclesiástica, como o Cristianismo Católico Apostólico Romano, o Protestantismo tem em seu centro um conflito de interpretação da Bíblia, que o diversifica fazendo-o crescer e expandir pela dinâmica da fissiparidade (reprodução através de fragmentação). Logo, frente à multiplicidade de instituições eclesiásticas e movimentos, sempre deveríamos declinar o termo no plural: Protestantismo Europeu e, de certa forma, Norte Americano. Após essa breve introdução iniciamos o texto de Pascal em sua íntegra. "Nossa alma está lançada no corpo, no qual acha número, tempo, dimensões. Raciocina sobre isso e lhe dá o nome de natureza, necessidade, sem poder acreditar em outra coisa. A unidade agregada ao infinito em nada o aumenta, do mesmo modo que um pé a uma medida infinita. O finito se aniquila em presença do infinito e se torna um simples zero. Assim o nosso espírito diante de Deus; assim a nossa justiça diante da justiça divina. Não há tão grande desproporção entre a nossa justiça e a de Deus como entre a unidade e o infinito. É preciso que a justiça de Deus seja enorme como sua misericórdia; ora, a justiça para com os réprobos (que foi destituído da sociedade; que demonstra perversidade ou malvadeza; detestado) é menos enorme e deve aliviar menos do que a misericórdia para com os eleitos. Sabemos que há um infinito e ignoramos a sua natureza, assim como sabemos que é falso que os números sejam finitos; é, pois, verdade que há um infinito em número, mas não sabemos o que ele é. É falso que seja par, é falso que seja ímpar. Porque, acrescentando-lhe a unidade, ele não muda de natureza; no entanto, é um número, e todo número é par ou é ímpar; isso é verdadeiro para todos os números finitos. Pode-se, pois, saber que existe um Deus sem o que ele é. Conhecemos, pois, a existência e a natureza do finito, porque somos finitos e extensos com ele. Conhecemos a existência do infinito e ignoramos sua natureza, porque ele tem extensão como nós, mas não tem limites como nós. Não conhecemos, porém, nem a existência nem a natureza de Deus, porque ele não tem extensão nem limites. Mas, pela fé, conhecemos sua existência, pela glória, conheceremos sua natureza. Ora, já mostrei que não se pode conhecer bem a existência de uma coisa sem conhecer a sua natureza. Falemos, agora, segundo as luzes naturais. Se há um Deus, ele é infinitamente incompreensível, de vez que, não tendo nem partes nem limites, nenhuma relação possui conosco; somos, pois, incapazes de conhecer não só o que ele é, como também se ele é. Assim sendo, quem ousará empreender resolver essa questão? Não somos nós, que nenhuma relação temos com ele. Quem, pois, censurará os cristãos por não poderem dar satisfação de sua crença, eles que professam uma religião de que não podem dar satisfação? Expondo-a ao mundo, eles declaram que isso é uma tolice, stutitiam (loucura). No entanto, vós vos lastimais porque eles não a provam! Se a provassem, faltariam à sua palavra; é por não terem provas que não lhes falta o senso. Sim; mas, embora isso escuse (justificar, dispensar, desnecessário) os que assim a oferecem e os livre da censura de produzi-la sem razão, não escusa os que a recebem. Examinemos, pois, esse ponto, e digamos: Deus é, ou não é. Mas, para que lado penderemos? A razão nada pode determinar ai. Há um caos infinito que nos separa. Na extremidade dessa distância infinita, joga-se cara ou coroa. Que apostareis? Pela razão, não podeis fazer nem uma nem outra coisa; pela razão, não podeis defender nem uma nem outra coisa. Não acuseis, pois, de falsidade os que fizeram uma escolha de terem feito, não essa escolha, mas uma escolha; porque, embora o que prefere coroa e o outro estejam igualmente em falta, ambos estão em falta; o justo é não apostar. Sim, mas é preciso apostar; isso não é voluntário; sois obrigados a isso; (e apostar que Deus é, é apostar que ele não é). Que tomareis, pois? Vejamos. Já que é preciso escolher, vejamos o que menos vos interessa; tendes duas coisas que perder, o verdadeiro e o bem, e duas coisas que empenhar, vossa razão e vossa vontade, vosso conhecimento e vossa beatitude; e vossa natureza tem duas coisas que evitar, o erro e a miséria. Vossa razão não é mais atingida, desde que é preciso necessariamente escolher, escolhendo um dentre os dois. Eis um ponto liquidado; mas, vossa beatitude? Pesemos o ganho e a perda, preferindo cora, que é Deus. Estimemos as duas hipóteses; se ganhardes, ganhareis tudo; se perderdes, nada perdereis. Apostai, pois, que ele é, sem hesitar. Isso é admirável; sim, é preciso apostar, mas, talvez eu aposte demais. Vejamos. Uma vez que é tal a incerteza do ganho e da perda, se só tivésseis que apostar duas vidas por uma, ainda poderíeis apostar. Mas, se devessem ser ganhas três, seria forçado a jogar, não arriscásseis vossa vida para ganhar três num jogo em que é tamanha a incerteza da perda e do ganho. Há, porém, uma eternidade de vida e de felicidade; e, assim sendo, quando houvesse uma infinidade de probabilidade, das quais somente uma fosse por vós, ainda teríeis razão em apostar um para ter dois, e agiríeis mal, quando obrigado a jogar, se recusásseis jogar uma vida contra três num jogo em que, numa infinidade de probabilidades, há uma por vós, havendo uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar. Mas, há aqui uma infinidade de vida infinitamente feliz que ganhar, uma probabilidade de ganho contra uma porção finita de probabilidade de perda, e o que jogais é finito. Jogo é jogo; sempre onde há o infinito e onde não há infinidade de probabilidade de perda contra a de ganho, não há que hesitar, é preciso dar tudo; e, assim, quando se é forçado a jogar, é preciso renunciar à razão, para conservar a vida e não ariscá-la pelo ganho infinito tão prestes a chegar quanto a perda do nada. Por conseguinte, de nada serve dizer que é incerto ganhar-se e que é certo arriscar-se, e que a infinita distância entre a certeza do que se expõe e a incerteza do que se deve ganhar iguala o bem finito, que certamente se expõe, ao infinito incerto. Não é assim; todo jogador arrisca com certeza para ganhar incertamente o finito, sem pecar contra a razão. Não há infinidade de distância entre essa certeza do que se expõe e a incerteza do ganho; isso é falso. Há, na verdade, infinidade entre a certeza de ganhar e a certeza de perder. Mas, a incerteza de ganhar é proporcional à certeza do que se arrisca, segundo a proporção das probabilidades de ganho e de perda; de onde se conclui que, havendo tantas probabilidades de um lado como do outro, a aposta deve ser igual; e, então, a certeza do que se expõe é igual à incerteza do ganho; bem longe está de ser infinitamente distante. E, assim, a nossa proposição é de uma força infinita, quando há o infinito que arriscar num jogo em que há tantas probabilidades de ganho como de perda, e o infinito que ganhar. Isso é demonstrativo; e, se os homens são capazes de algumas verdades, essa é uma delas. Eu o declaro e o confesso. Mas, não haverá ainda um meio de ver o segredo do jogo? Sim, a Escritura Sagrada, e o resto, etc. Sim; mas, tenho as mãos atadas e a boca muda; forçam-me a apostar, e não estou em liberdade; não me soltam, e sou feito de tal maneira que não posso crer. Que quereis, pois, que eu faça? É verdade. Mas, conhecei ao menos a vossa impotência para crer, já que a razão a isso vos conduz, e que todavia não o podeis; trabalhai, pois, não pra vos convencerdes pelo aumento das provas de Deus, mas pela diminuição das vossas paixões. Quereis  chegar à fé, mas ignorais o caminho: quereis curar-vos da infidelidade, mas pedis os remédios; aprendei com os que estiveram atados como vós e que apostam agora todo o seu bem; são pessoas que se curaram do mal de que desejais curar-vos. Segui a maneira pela qual começaram; fazendo como se acreditassem, tomando água benta, mandando dizer missas, etc. Naturalmente, isso vos fará crer e vos embrutecer. Mas, é o que receio. E porquê? que tendes que perder?". Beijo. Davi.

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