segunda-feira, 13 de outubro de 2014

A Cabala.

Amigos leitores segue algumas ponderações  do misticismo esotérico da Cabala e alguns fatos históricos quanto a essa importante Escola de Mistério, que a despeito de fortes perseguições desde os primórdios, inclusive de facções conservadoras do judaísmo continua viva e atuante até hoje. Grande parte dos ensinos profundos do micro cosmo (homem) e macro cosmo (universo) estão descritos em seus livros de interpretação apenas para os iniciados em ocultismo, teurgia e magia. A Cabala prática e a Cabala revelada podem ser acessadas por interessados e neófitos nos mistérios exotéricos da ciência oculta, como nós que pela leitura entendemos num nível epidermial aquilo que os místicos cabalistas levaram anos para compreenderem. A "Cabala" é uma doutrina esotérica que diz respeito a Deus e o Universo, sendo afirmado que nos chegou como uma revelação para eleger santos de um passado remoto, e preservada apenas por alguns privilegiados. Formas antigas de misticismo judaico consistiam inicialmente de doutrina empírica. Mais tarde, sob a influência da filosofia neoplatónica e neopitagórica, assumiu um carácter especulativo. Na era medieval desenvolveu-se bastante com o surgimento do texto místico, Sepher Yetzirah, ou Sheper Bahir que significa Livro da Luz, do qual há menção antes do século XIII. Porém o mais antigo monumento literário sobre a cabala é o Livro da Formação (Sepher Yetzirah), considerado anterior ao século VI, onde se defende a idéia de que o mundo é a emanação de Deus. Transformou-se em objeto de estudo sistemático do eleito, chamado o "baale ha-kabbalah-kabbalah" (בעלי הקבלה "possuidores ou mestres da Cabala "). Os estudantes da Cabala tornaram-se mais tarde conhecidos como "maskilim" (משכילים "o iniciado"). Do décimo terceiro século para frente ramificou-se em uma literatura extensiva, ao lado e frequentemente na oposição ao Talmud.Grande parte das formas de Cabala ensinam que cada letra, palavra, número, e acento da Escritura contêm um sentido escondido; e ensina os métodos de interpretação para verificar esses significados ocultos. Alguns historiadores de religião afirmam que devemos limitar o uso do termo Cabala apenas ao sistema místico e religioso que apareceu depois do século XX e usam outros termos para referir-se aos sistemas esotéricos-místicos judeus de antes do século XII. Outros estudiosos vêem esta distinção como sendo arbitrária. Neste ponto de vista, a Cabala do pós século XII é vista como a fase seguinte numa linha contínua de desenvolvimento que surgiram dos mesmos elementos e raízes. Desta forma, estes estudiosos sentem que é apropriado o uso do termo Cabala para referir-se ao misticismo judeu desde o primeiro século da Era Comum. O Judaismo ortodoxo discorda com ambas as escolas filosóficas, assim como rejeita a idéia de que a Cabala causou mudanças ou desenvolvimento histórico significativo. Desde o final do século XIX, com o crescimento do estudo da cultura dos Judeus, a Cabala também tem sido estudada como um elevado sistema racional de compreensão do mundo, mais que um sistema místico. Um pioneiro desta abordagem foi Lazar Gulkowitsch. A Qabalah literal possui três matérias principais:

  1. Gematria (GMTRIA): baseada nos valores numéricos das palavras;
  2. Notariqon (NVTRIQVN): em uma de suas formas, as letras de uma palavra são usadas como iniciais de outra; e na sua segunda forma, a letra inicial de várias palavras forma uma só;
  3. Temurá (TMVRH): as letras de uma palavras são permutadas com outra, conforme uma tabela de substituição.
Antiquidade do misticismo esotérico. Formas iniciais de misticismo esotérico existem já há 2.000 anos. Ben Sira alerta sobre isto ao dizer: "Você não deve ter negócios com coisas secretas" (Sirach) ii.22; compare com o Talmud Hagigah 13a; Midrash Genesis Rabbah viii.
Literatura Apocalíptica pertence aos séculos II e I do pré-Cristianismo contendo alguns elementos da futura Cabala e, segundo Josephus, tais escritos estavam em poder dos Essênios, e eram cuidadosamente guardados por eles para evitar sua perda, o qual eles alegavam ser uma antiguidade valiosa (veja Fílon de Alexandria, "De Vita Contemplativa", iii., e Hipólito, "Refutation of all Heresies", ix. 27). Estes muitos livros contém tradições secretas mantidas ocultas pelos "iluminados" como declarado em IV Esdras xiv. 45-46, onde Pseudo-Ezra é chamado a publicar os vinte e quatro livros canônicos abertamente, de modo a que merecedores e não merecedores pudessem igualmente ler, mas mantendo sessenta outros livros ocultos de forma a "fornece-los apenas àqueles que são sábios" (compare Dan. xii. 10); pois para eles, estes são a primavera do entendimento, a fonte da sabedoria, e a corrente do conhecimento. Instrutivo ao estudo do desenvolvimento da Cabala é o Livro dos Jubilados, escrito no reinado do Rei João Hircano, o qual refere a escritos de Jared, Cainan, e Noé, e apresenta Abraão como o renovador, e Levi como o guardião permanente, destes escritos antigos. Ele oferece uma cosmogênese baseada nas vinte e duas letras do Alfabeto Hebraico, e conectada com a cronologia judaica e a messianologia, enquanto ao mesmo tempo insiste na Heptade como número sagrado ao invés do sistema decádico adotado por Haggadistas posteriores e pelo "Sefer Yetzirah". A idéia Pitagórea do poder criador de números e letras, sobre o qual o "Sepher Yetzirah" está fundamentado, o qual era conhecido no tempo da Mishnah (antes de 200DC).
Gnosticismo e Cabala. A literatura gnóstica dá testemunho da antiguidade da Cabala. Gnosticismo — isto é, a "Chokmah" cabalística (חכמה "sabedoria") - parece ter sido a primeira tentativa por parte dos sábios judeus em fornecer uma tradição mística empírica, com ajuda de idéias Platônicas e Pitagóricas (ou estóicas), um retorno especulativo. Isto conduziu ao perigo da heresia pela qual as personalidades rabínicas judias Akiva e Ben Zoma esforçaram-se por libertar-se.
Dualidade Cabalística. O sistema dualístico de poderes divinos bons e maus, o qual provêm do Zoroastrismo, pode ser encontrado no Gnosticismo; tendo influenciado a cosmologia da antiga Cabala antes de ela ter atingido a idade média. Assim é o conceito em torno da árvore cabalística (Árvore da Vida), onde o lado direito é fonte de luz e pureza, e o esquerdo é fonte de escuridão e impureza, encontrado entre os Gnósticos. O fato também que as Qliphoth (קליפות as "cascas" primevas de impureza), os quais são tão proeminentes na Cabala medieval, são encontradas nos velhos encantamentos babilônicos, é evidência em favor da antiguidade da maioria das idéias cabalísticas. Doutrinas Místicas nos Tempos do Talmude.Nos tempos do Talmude os termos "Ma'aseh Bereshit" (Trabalhos da Criação) e "Ma'aseh Merkabah" (Trabalhos do Divino Trono/Carruagem) claramente indicam a vinculação com o Midrash nestas especulações; elas eram baseadas em Gen. i. e Ezequiel i. 4-28; enquanto os nomes "Sitre Torah" (Talmude Hag. 13a) e "Raze Torah" (Ab. vi. 1) indicam seu carater secreto. Em contraste com a afirmação explícita das Escrituras que Deus criou não somente o mundo, mas também a matéria da qual ele foi feito, a opinião é expressa em tempos muito recentes que Deus criou o mundo da matéria que encontrou disponível — uma opinião provavelmente atribuida a influência da cosmogênese platônica. Eminentes professores rabinos palestinos conservam a teoria da preexistência da matéria (Midrash Genesis Rabbah i. 5, iv. 6), em contrariedade com Gamaliel II. (ib. i. 9). Ao discorrer sobre a natureza de Deus e do universo, os místicos do período Talmúdico afirmaram, em contraste com o transcedentalis,o Bíblico, que "Deus é o lugar-morada do universo; mas o universo não é o lugar-morada de Deus". Possivelmente a designação ("lugar") para Deus, tão frequentemente encontrada na literatura Talmúdica-Midrashica, é devida a esta concepção, assim como Philo, ao comentar sobre Gen. xxviii. 11 diz, "Deus é chamado 'ha makom' (המקום "o lugar") porque Deus abarca o universo, mas Ele próprio não é abarcado por nada" ("De Somniis," i. 11). Baruc Spinoza (1632-1677) devia ter esta passagem em mente quando disse que os antigos judeus não separavam Deus do mundo. Esta concepção de Deus pode ser panteísta. Isto também postula a união do homem com Deus; ambas as idéias foram posteriormente desenvolvidas na Cabala mais recente.Até em tempos bem recentes,teologos da Palestina e de Alexandrei reconheceram dois atributos de Deus,"middat hadin",o atributo da justiça,e missa ha-rahamim", o atributo da misericórdia(Midrash Sifre,Deut.27);e esse é o contraste entre misericórdia e justiça,uma doutrina fundamental da Cabala. Cabala no cristianismo e na sociedade não judaica. O termo "Cabala" não veio a ser usado até meados do século XI, e naquele tempo referia-se à escola de pensamento (Judaica) relacionada ao misticismo esotérico.
Desde esses tempos, trabalhos Cabalísticos ganharam uma audiência maior fora da comunidade Judaica. Assim versões Cristãs da Cabala começaram a desenvolver-se; no início do século XVIII a cabala passou a ter um amplo uso por filósofos herméticos, neo-pagãos e outros novos grupos religiosos. Hoje esta palavra pode ser usada para descrever muitas escolas Judaicas, Cristãs ou neo-pagãs de misticismo esotérico. Leve-se em conta que cada grupo destes tem diferentes conjuntos de livros que eles mantem como parte de sua tradição e rejeitam as interpretações de cada um dos outros grupo. Principais textos judaicos. O primeiro livro na Cabala a ser escrito, existente ainda hoje, é o Sepher Yetzirah ("Livro da criação"). Os primeiros comentários sobre este pequeno livro foram escritos durante o século X, e o texto em si é citado desde o século VI. Sua origem histórica não é clara. Como muitos textos místicos Judeus, o Sefer Yetzirah foi escrito de uma maneira que pode parecer insignificante para aqueles que o lêem sem um conhecimento maior sobre o Tanakh (Bíblia Judaica) e o Midrash. Outra obra muito importante dentro do misticismo judeu é o Bahir ("iluminação"), também conhecido como "O Midrash do Rabino Nehuniah ben haKana". Com aproximadamente 12.000 palavras. Publicado pela primeira vez em 1176 em Provença, muitos judeus ortodoxos acreditam que o autor foi o Rabino Nehuniah ben haKana, um sábio Talmúdico do século I. Historiadores mostraram que o livro aparentemente foi escrito não muito antes de ter sido publicado. O trabalho mais importante do misticismo judeu é o Zohar (זהר "Esplendor"). Trata-se de um comentário esotérico e místico sobre o Torah, escrito em aramaico. A tradição ortodoxa judaica afirma que foi escrito pelo Rabino Shimon ben Yohai durante o século II. No século XII, um judeu espanhol chamado Moshe de Leon declarou ter descoberto o texto do Zohar, o texto foi então publicado e distribuído por todo o mundo judeu. Célebre historiador e estudante da Cabala, Gershom Scholem mostrou que o próprio de Leon era o autor do Zohar. Entre suas provas, uma era que o texto usava a gramática e estruturas frasais da língua espanhola do século XII, e que o autor não tinha um conhecimento exato de Israel. O Zohar contém e elabora sobre muito do material encontrado no Sepher Yetzirah e no Sefer Bahir, e sem dúvida é a obra cabalística por excelência.
Ensinamentos cabalísticos sobre a alma humana. O Zohar propõe que a alma humana possui três elementos, o nefesh, ru'ach, e neshamah. O nefesh é encontrado em todos os humanos e entra no corpo físico durante o nascimento. É a fonte da natureza fisica e psicológica do indivíduo. As próximas duas partes da alma não são implantadas durante o nascimento, mas são criadas lentamente com o passar do tempo; Seu desenvolvimento depende da ações e crenças do indivíduo. É dito que elas só existem por completo em pessoas espiritualmente despertas. Uma forma comum de explicar as três partes da alma é como mostrado a seguir:
  • Nefesh (נפש) - A parte inferior, ou animal, da alma. Está associada aos instintos e desejos corporais.
  • Ruach (רוח) - A alma mediana, o espírito. Ela contem as virtudes morais e a habilidade de distinguir o bem e o mal.
  • Neshamah (נשמה) - A alma superior, ou super-alma. Essa separa o homem de todas as outras formas de vida. Está relacionada ao intelecto, e permite ao homem aproveitar e se beneficiar da pós-vida. Essa parte da alma é fornecida tanto para judeus quanto para não-judeus no nascimento. Ela permite ao indivíduo ter alguma conciência da existencia e presença de Deus.
A Raaya Meheimna, uma adição posterior ao Zohar por um autor desconhecido, sugere que haja mais duas partes da alma, a chayyah e a yehidah. Gershom Scholem escreve que essas "eram consideradas como representantes dos níveis mais elevados de percepção intuitiva, e estar ao alcance somente de alguns poucos escolhidos".
  • Chayyah (חיה) - A parte da alma que permite ao homem a percepção da divina força.
  • Yehidah (יחידה) - O mais alto nível da alma, pelo qual o homem pode atingir a união máxima com Deus
Tanto trabalhos Rabínicos como Kabalísticos sugerem que haja também alguns outros estados não permanentes para a alma que as pessoas podem desenvolver em certas situações. Essas outras almas ou outros estados da alma não tem nenhuma relação com o pós-vida.
  • Ruach HaKodesh (רוח הקודש) - Um estado da alma que possibilita a profecia. Desde o fim da era da profecia clássica, ninguém mais recebeu a alma da profecia.
  • Neshamah Yeseira - A alma suplementar que o Judeu demonstra durante o Shabbat. Ela permite um maior prazer espiritual do dia. Ela existe somente quando se observa o Shabbat e pode ser ganha ou perdida dependendo na observação do Shabbat da pessoa.
  • Neshoma Kedosha - Cedida aos Judeus quando alcançam a maioridade (13 anos para meninos, 12 para meninas), e está relacionada com o estudo e seguimento dos mandamentos da Torah; pode ser ganha ou perdida dependendo do estudo e prática da Torah pela pesso
Predizendo o Futuro. Um pequeno número de Cabalistas tentou predizer acontecimentos pela cabala. A palavra passou a ser usada como referência às ciências secretas em geral, à arte mística, ou ao mistério. Depois disso, a palavra cabala veio a significar uma associação secreta de uns poucos indivíduos que buscam obter posição e poder por meio de práticas astuciosas.
Outros termos que originalmente se referiam a associações religiosas mas que passaram a se referir de alguma forma a comportamentos perigosos e suspeitos incluem fanático, assassino, e brutamontes.
Cabala e a Tradição Esotérica Ocidental A Tradição Esotérica Ocidental (ou Hermética) é a maior precursora dos movimentos do Neo-Paganismo e da Nova Era, que existem de diversas formas atualmente, estando fortemente intrincados com muitos dos aspectos da Cabala. Muito foi alterado de sua raiz Judaica, devido à prática esotérica comum do sincretismo. Todavia a essência da tradição está reconhecidamente presente. A Cabala “Hermética”, como é muitas vezes denominada, provavelmente alcançou seu apogeu na “Ordem Hermética do Alvorecer Dourado” (Hermetic Order of the Golden Dawn), uma organização que foi sem sombra de dúvida o ápice da Magia Cerimonial (ou dependendo do referencial, o declínio à decadência). Na “Alvorecer Dourado”, princípios Cabalísticos como as dez emanações (Sephiroth), foram fundidas com deidades Gregas e Egípcias, o sistema Enochiano da magia angelical de John Dee, e certos conceitos (particularmente Hinduístas e Budistas) da estrutura organizacional estilo esotérico- (Maçônica ou Rosacruz).
Muitos rituais da Alvorecer Dourado foram expostos pelo legendário ocultista Aleister Crowley e foram eventualmente compiladas em formato de Livro, por Israel Regardie, autor de certa notoriedade. Crowley deixou sua marca no uso da Cabala, em vários de seus escritos; destes, talvez o mais ilustrativo seja Liber 777. Este livro é basicamente um conjunto de tabelas relacionadas: às várias partes das cerimônias de magias religiosas orientais e ocidentais; a trinta e dois números que representam as dez esferas e vinte e dois caminhos da Árvore da Vida Cabalística.
A atitude do sincretismo demonstrada pelos Cabalistas Herméticos é planamente evidente aqui, bastando checar as tabelas, para notar que Chesed corresponde a Júpiter, Isis, a cor azul (na escala Rainha), Poseidon, Brahma e ametista – nada, certamente, do que os Cabalistas Judeus tinham em mente. Cabalistas em fuga. A expulsão dos judeus da Espanha gerou uma profunda transformação na Cabala, que ergueu sua nova sede em Safed, Israel. No exílio, os cabalistas inventaram uma nova teoria para o Big  Bang e passaram a aguardar o retorno do Messias. Poucas pessoas viajaram tanto no século 13 quanto o místico judeu Abraham Abuláfia. Nascido na cidade espanhola de Zaragoza em 1240, o mestre cabalista passou a juventude perambulando pelos países da Europa e do Oriente Médio. Voltou para casa aos 31 anos, convencido de que a Espanha era seu lugar no mundo. Tinha uma razão forte para isso: foi nas encruzilhadas do país ibérico que o sábio desenvolveu uma técnica de meditação que, segundo ele, seria capaz de libertar a alma e proporcionar um encontro único com o Criador. Foi também na Espanha do século 13 que o rabino Moisés de León publicou o Zohar, o Livro do Esplendor, uma das obras fundamentais do misticismo judaico. Assim como eles, Joseph ben Gikatilla, Moshe ben Nahman e outros sábios integraram o restrito clube dos "eleitos" e fizeram da Espanha o berço da cabala na Idade Média. Cidades como Guadalajara e Barcelona viraram a paisagem espiritual perfeita para a busca do divino. O principal centro era Gerona, um povoado ribeirinho da Catalunha, quase na fronteira com a França. No século 15, porém, a idade do ouro da cabala espanhola chegou ao fim de forma trágica: com a expulsão dos judeus da península Ibérica. Os cabalistas então vagaram pelo mundo até encontrar refúgio na cidade de Safed, na Alta Galileia (atual Israel). Esses acontecimentos teriam profunda repercussão no misticismo judaico, com reflexos permanentes na forma como a cabala é entendida e praticada. Das fogueiras à expulsão. A perseguição da Igreja contra os cabalistas (e judeus em geral) não aconteceu de repente. Ela começou a se intensificar a partir do 4º Concílio de Latrão: em 1215, a Igreja Católica determinou que os judeus não poderiam se casar com cristãos nem exercer funções públicas. Também obrigou-os a usar distintivos sobre as roupas, como a estrela amarela imposta pelo rei Luís 9º na França. Em meio ao crescente antissemitismo na Europa, a Inglaterra expulsou-os de seu território em 1290. A França fez o mesmo em 1306. Na Espanha, a situação não era melhor. "Em 1391, uma onda de violentos ataques contra as comunidades judaicas varreu o país. Judeus de Sevilha, Córdoba, Toledo, Barcelona e outras cidades foram mortos, e suas propriedades incendiadas", diz o historiador britânico John Edwards no livro Inquisition ("Inquisição", sem tradução no Brasil). Para escapar da morte, milhares de judeus espanhóis recorreram ao batismo. Mas, mesmo assim, continuaram sendo objeto de repúdio e suspeitas. Judeus não eram o único alvo da Inquisição medieval. Protestantes, cátaros, bruxas e outros "hereges" também estavam entre as vítimas da caçada religiosa, que espalhou o terror pela França, pela Itália e outros países europeus. Os Tribunais do Santo Ofício entraram em decadência com o Renascimento, no século 15, mas foram revigorados na península Ibérica após a boda da rainha Isabel, de Castela, com o rei Fernando, de Aragão. Os chamados "reis católicos" se casaram em 1469 e promoveram a unificação da Espanha, mas logo viram que precisavam do apoio da Igreja para consolidar seu poder. Além disso, tinham de encher os cofres para expulsar os mouros de Granada, o último bastião muçulmano na península. A solução? Reeditar a Inquisição, tendo como alvo principal os judeus e convertidos, e usar os lucros dos confiscos das vítimas para financiar a guerra contra os mouros. Deu certo. Em 1478, o papa Xisto 4º autorizou a criação oficial do Tribunal da Inquisição na Espanha. Segundo o historiador medieval Andrés Bernáldez, mais de 700 convertidos seriam queimados e outros 5 mil presos até 1488. A morte na fogueira era o clímax do auto de fé, a representação terrena do Dia do Juízo. Os condenados iam em procissões carregando uma cruz, usando um chapéu em forma de cone (coroza) e vestidos com o sambenito, uma túnica com desenhos do demônio. Depois ardiam vivos na fogueira, sob os aplausos da multidão alvoroçada. "Durante a Inquisição espanhola, os judeus tinham duas alternativas. Uma era praticar sua fé nos porões das casas, com as cortinas fechadas, arriscando a vida. A outra era emigrar", diz o escritor americano-português Richard Zimler, autor do best seller O Último Cabalista de Lisboa. "Assim, a maioria dos judeus, incluindo os cabalistas, emigrou para lugares como Marrocos, Itália, Istambul, Salônica, norte da Europa e Palestina." O golpe final contra a cabala veio em 1492, quando os reis católicos expulsaram os judeus da Espanha. "Em Portugal, os judeus foram primeiro convertidos à força pelo rei dom Manuel, em 1497. E a partir daí emigraram", diz Zimler. Para os poucos que ficaram na península Ibérica, escondidos como judeus secretos, era impossível praticar a cabala, já que os livros em hebraico haviam sido confiscados. A nova capital da Cabala. Cerca de 40 anos após a expulsão da Espanha, os cabalistas se reuniram para formar um novo núcleo, a 3 mil quilômetros de distância dali. Assim como a cabala antiga havia florescido em Gerona, a nova cabala também encontrou sua máxima expressão numa pequena cidade: Safed, em Israel. Foi nesse vilarejo encravado no cume de uma montanha, ao norte do lago Tiberíades, que as novas doutrinas místicas foram formuladas pela primeira vez. Um dos expoentes da nova cabala foi Yossef Caro, autor do Schulchan Aruch (Código da Lei Judaica). Sua família foi expulsa da Espanha quando ele tinha 4 anos e se refugiou em Istambul, na Turquia, onde Caro começou os estudos rabínicos. Depois de vagar por Bulgária, Grécia e Egito, apontou sua bússola para Safed - uma antiga fortaleza do Reino Cruzado na Terra Santa. Diversos sábios tiveram histórias de vida semelhantes. E imprimiram suas experiências no novo misticismo. "O êxodo da Espanha gerou uma profunda transformação na cabala. Uma catástrofe de tal dimensão, que desarraigou um dos principais ramos do povo judeu, não podia deixar de afetar quase toda a esfera de vida judaica", diz o historiador Gershom Scholem no livro As Principais Correntes do Misticismo Judaico. Segundo o estudioso, a primeira transformação foi o ínicio da popularização do misticismo judeu. Na Espanha, a cabala havia sido praticada por uma elite de judeus mais estudiosos, os "eleitos", que não faziam questão de divulgar seus conhecimentos. Esse hermetismo diminuiu em Safed. Diversas referências cabalísticas começaram a aparecer em contos e livros sobre ética, por exemplo. As lendas judaicas passaram a falar de reencarnação, outro provável fruto das noções cabalísticas. Além de mais popular, a nova cabala também incorporou a ideia de exílio. "Não se tratava apenas do exílio da Espanha mas de Deus", afirma Zimler: era como se os cabalistas tivessem sido obrigados a se "separar" da divindade. "Essa noção estava intimamente ligada a outra: a de que o exílio acabaria quando o Messias viesse à Terra." Isso significava um baita cisma em relação à velha cabala. Afinal, Abuláfia e os antigos mestres recusavam qualquer tendência messiânica. "Eles concentravam seus esforços mentais não no fim messiânico do mundo, e sim no começo. Estavam mais interessados na Criação que na Redenção", diz Scholem. Por meio da cabala, tinham a esperança de retornar à estrutura primordial do Universo. Ou seja: o propósito era voltar ao ponto de partida. A expulsão da Espanha mudou esse pensamento. Em lugar de tentar retornar ao preâmbulo do mundo, os novos cabalistas tentaram apressar os capítulos finais. Afinal, eles acreditavam que, caso todos se comprometessem a viver em santidade, a recompensa seria a volta do Messias à Terra, e o retorno dos seres humanos à divindade. "Assim, se esforçavam para que a comunidade fosse a mais unida e forte possível", diz o professor de espiritualidade judaica Daniel C. Matt, no livro O Essencial da Cabala. O leão de Safed. Três palavras sintetizam a essência da nova cabala: morte, arrependimento e renascimento. Era preciso saborear o amargor do exílio ao máximo e se arrepender junto com toda a humanidade para reencontrar a luz divina. Assim, ao tentar acabar com o exílio por meio do misticismo, os cabalistas de Safed assumiram um papel quase político. Eles mesmos se encarregaram de conquistar a comunidade e prepará-la para a vinda do Messias no teatro da Redenção, Israel. No século 16, um grande sábio se destacou na transmissão dessas ideias a cada lar judeu: Moisés Cordovero, fundador da Academia de Cabala de Safed. Ele descreveu e reinterpretou todo o legado da velha cabala, em particular o Zohar. Sua capacidade para escrever era enorme, comparável à de Tomás de Aquino. Quando o sábio morreu, em 1570, seus seguidores tinham uma obra imensa para basear seus estudos. Mas o maior expoente da cabala de Safed foi o rabino Isaac Luria. Ao contrário de Cordovero, Luria não deixou quase nada escrito. Sua sabedoria, que ficaria conhecida como "cabala luriânica", foi registrada pelos discípulos, sobretudo pelo rabino Chaim Vital. Embora tenha vivido pouco mais de dois anos em Safed, Luria exerceu tanto fascínio entre os colegas que foi adorado como um santo após sua morte, aos 38 anos. Não é à toa que ficou conhecido como Ha-Ari ("O Leão"), acrônimo de "o divino rabi Isaac". Luria trouxe uma ideia inovadora para explicar a criação do mundo: o tzimtzum, ou "contração" de Deus (veja quadro). E relacionou-a com o tikun, ou seja, a reparação do mundo por meio dos atos diários das pessoas. Mesmo que o povo de Safed não entendesse exatamente o que esses conceitos queriam dizer, de alguma forma eles passaram a fazer parte da vida de todos. Muitos se referiam ao tikun como um simples ato de generosidade. Somados, vários atos assim tornariam mais fácil o retorno do Messias. Em meados do século 17, essas ideias haviam se disseminado por grande parte do mundo judaico. "A cabala luriânica também exerceu forte influência sobre o hassidismo, o movimento de renascimento da fé judaica que ocorreu durante o século 18 no Leste Europeu", diz Matt. De lá para cá, rastros do misticismo de Safed têm sido encontrados na obra de diversos escritores, entre eles o checo Franz Kafka (1883-1924), o alemão Walter Benjamin (1892-1940) e o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Não fosse a expulsão dos judeus da Espanha, provavelmente nada disso teria acontecido. E hoje, quem diria, Luria não seria considerado o pai da cabala contemporânea. O exílio de Deus. Os antigos cabalistas espanhóis diziam que o Universo havia começado quando Deus decidiu liberar seu poder criativo - e a partir daí emanou tudo o que existe. O rabino Isaac Luria, porém, ofereceu uma resposta diferente, criando o conceito de tzimtzum (contração). Grosso modo, Deus foi compelido a dar espaço ao mundo, abandonando uma região dentro de sua infinidade. Ao se contrair, Ele deixou um lugar primordial para o mundo se desenvolver. Portanto, segundo Luria, o primeiro ato de Deus não foi um passo para fora, mas para dentro. Ok, essa é uma ideia complexa, mas o ponto é: o tzimtzum foi como um exílio de Deus dentro dele mesmo. "No vácuo criado, Deus lançou um raio de luz que foi canalizado por vasos. Mas, à medida que a emanação progredia, alguns vasos não resistiram à força da luz e se estilhaçaram", diz Daniel C. Matt. "A maior parte da luz voltou para sua fonte infinita, mas a restante caiu como centelhas - que ficaram presas na existência material. Portanto, a tarefa humana é libertar as centelhas para restituí-las à divindade. Esse processo de tikun ("reparo") é cumprido por meio de uma vida de santidade." Na visão luriânica, as ações humanas favorecem ou impedem o tikun, apressando ou adiando a vinda do Messias. De certo modo, o Messias é moldado por nossa atividade ética e espiritual - o que não deixa de ser um paradoxo. Como disse o escritor Franz Kafka (1883-1924), "o Messias só virá quando não for mais necessário". Beijo. Davi.

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