Cristianismo.
www.ecclesia.com.br. Santo Agostinho
(354-430), bispo de Hipona. SOBRE A RESSURREIÇÃO DE CRISTO. A ressurreição de
nosso Senhor Jesus Cristo lê-se estes dias, como é costume, segundo cada um dos
livros do santo Evangelho. Na leitura de hoje ouvimos Jesus Cristo censurando
os discípulos, primeiros membros seus, companheiros seus: porque não criam
estar vivo aquele mesmo por cuja morte choravam. Pais da fé, mas ainda não
fiéis; mestres - e a terra inteira haveria de crer no que pregariam, pelo que,
aliás, morreriam - mas ainda não criam. Não acreditavam ter ressuscitado aquele
que haviam visto ressuscitando os mortos. Com razão, censurados: ficavam
patenteados a si mesmos, para saberem o que seriam por si mesmos os que muito
seriam graças a ele. E foi deste modo que Pedra se mostrou quem era: quando
iminente a Paixão do Senhor, muito presumiu; chegada a Paixão, titubeou. Mas
caiu em si, condoeu-se, chorou, convertendo-se a seu Criador. Eis quem eram os
que ainda não criam, apesar de já verem. Grande, pois, foi a honra a nós
concedida por aquele que permitiu crêssemos no que não vemos! Nós cremos pelas
palavras deles, ao passo que eles não criam em seus próprios olhos. A
ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo é a vida nova dos que creem em Jesus,
e este é o mistério da sua Paixão e Ressurreição, que muito devíeis conhecer e
celebrar. Porque não sem motivo desceu a Vida até a morte. Não foi sem motivo
que a fonte da vida, de onde se bebe para viver, bebeu desse cálice que não lhe
convinha. Por que a Cristo não convinha a morte. De onde veio a morte? Vamos
investigar a origem da morte. O pai da morte é o pecado. Se nunca houvesse pecado
ninguém morreria. O primeiro homem recebeu a lei de Deus, isto é, um preceito
de Deus, com a condição de que se o observasse viveria e se o violasse
morreria. Não crendo que morreria, fez o que o faria morrer; e verificou a
verdade do que dissera quem lhe dera a lei. Desde então, a morte. Desde então,
ainda, a segunda morte, após a primeira, isto é, após a morte temporal a eterna
morte. Sujeito. a essa condição de morte, a essas leis do inferno, nasce todo
homem; mas por causa desse mesmo homem, Deus se fez homem, para que não
perecesse o homem. Não veio, pois, ligado às leis da morte, e por isso diz o
Salmo: "Livre entre os mortos". Concebeu-o, sem concupiscência, uma
Virgem; como Virgem deu-lhe à luz, Virgem permaneceu. Ele viveu sem culpa, não
morreu por motivo de culpa, comungava conosco no castigo mas não na culpa. O
castigo da culpa é a morte. Nosso Senhor Jesus Cristo veio morrer, mas não veio
pecar; comungando conosco no castigo sem a culpa, aboliu tanto a culpa como a
castigo. Que castigo aboliu? O que nos cabia após esta vida. Foi assim
crucificado para mostrar na cruz o fim do nosso homem velho; e ressuscitou,
para mostrar em sua vida, como é a nossa vida nova. Ensina-o o Apóstolo:
"Foi entregue por causa dos nossos pecados, ressurgiu por causa da nossa
justificação". Como sinal disto, fora dada outrora a circuncisão aos
patriarcas: no oitavo dia todo indivíduo do sexo masculino devia ser
circuncidado. A circuncisão fazia-se com cutelos de pedra: porque Cristo era a
pedra. Nessa circuncisão significava-se a espoliação da vida carnal a ser
realizada no oitavo dia pela Ressurreição de Cristo. Pois o sétimo dia da
semana é o sábado; no sábado o Senhor jazia no sepulcro, sétimo dia da semana.
Ressuscitou no oitavo. A sua Ressurreição nos renova. Eis por que,
ressuscitando no oitavo dia, nos circuncidou. É nessa esperança que vivemos.
Ouçamos o Apóstolo dizer: "Se ressuscitastes com Cristo..." 3 Como
ressuscitamos, se ainda morreremos? Que quer dizer o Apóstolo: "Se
ressuscitastes com Cristo?" Acaso ressuscitariam os que não tivessem antes
morrido? Mas falava aos vivos, aos que ainda não morreram... os quais, contudo,
ressuscitaram: que quer dizer? Vede o que ele afirma: "Se ressuscitastes
com Cristo, procurai as coisas que são do alto, onde Cristo está assentado à
direita de Deus, saboreai o que é do alto, não o que está sobre a terra. Porque
estais mortos!" É o próprio Apóstolo quem está falando. Ora, ele diz a
verdade, e, portanto, digo-a também eu... E por que também a digo?
"Acreditei e por causa disto falei" 4.Se vivemos bem, é que morremos
e ressuscitamos. Quem, porém, ainda não morreu, também não ressuscitou, vive
mal ainda; e se vive mal, não vive: morra para que não morra. Que quer dizer:
morra para que não morra? Converta-se, para não ser condenado. "Se
ressuscitastes com Cristo", repito as palavras do Apóstolo, "procurai
o que é do alto, onde Cristo está assentado à direita de Deus, saboreai o que é
do alto, não o que é da terra. Pois morrestes e a vossa vida está escondida com
Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, aparecer, então também
aparecereis com ele na glória". São palavras do Apóstolo. A quem ainda não
morreu, digo-lhe que morra; a quem ainda vive mal, digo-lhe que se converta. Se
vivia mal, mas já não vive assim, morreu; se vive bem, ressuscitou. Mas, que é
viver bem? Saborear o que está no alto, não o que sobre a terra. Até quando és
terra e à terra tornarás? Até quando lambes a terra? Lambes a terra, amando-a,
e te tornas inimigo daquele de quem diz o Salmo: "os inimigos dele
lamberão a terra" Que éreis vós?
Filhos de homens. Que sois vós? Filhos de Deus. O filhos dos homens, até quando
tereis o coração pesado? Por que amais a vaidade e buscais a mentira? Que
mentira buscais? O mundo. Quereis ser felizes, sei disto. Dai-me um homem que
seja ladrão, criminoso, fornicador, malfeitor, sacrílego, manchado por todos os
vícios, soterrado por todas as torpezas e maldades, mas não queira ser feliz.
Sei que todos vós quereis viver felizes, mas o que faz o homem viver feliz,
isso não quereis procurar. Tu, aqui, buscas o ouro, pensando que com o ouro
serás feliz; mas o ouro não te faz feliz. Por que buscas a ilusão? E com tudo o
mais que aqui procuras, quando procuras mundanamente, quando o fazes amando a
terra, quando o fazes lambendo a terra, sempre visas isto: ser feliz. Ora,
coisa alguma da terra te faz feliz. Por que não cessas de buscar a mentira?
Como, pois, haverás de ser feliz? "O filhos dos homens, até quando sereis
pesados de coração, vós que onerais com as coisas da terra o vosso
coração?" 6 Até quando foram os homens pesados de coração? Foram-no antes
da vinda de Cristo, antes que ressuscitasse o Cristo. Até quando tereis o
coração pesado? E por que amais a vaidade e procurais a mentira? Querendo
tornar-vos felizes, procurais as coisas que vos tornam míseros! Engana-vos o
que desejais, é ilusão o que buscais. Queres ser feliz? Mostro-te, se te
agrada, como o serás. Continuemos ali adiante (no versículo do Salmo):
"Até quando sereis pesados de coração? Por que amais a vaidade e buscais a
mentira?" "Sabei" - o quê? - "que o Senhor engrandeceu o
seu Santo". O Cristo veio até nossas misérias, sentiu a fome, a sede, a
fadiga, dormiu, realizou coisas admiráveis, padeceu duras coisas, foi
flagelado, coroado de espinhos, coberto de escarros, esbofeteado, pregado no
lenho, transpassado pela lança, posto no sepulcro; mas no terceiro dia
ressurgiu, acabando-se o sofrimento, morrendo a morte. Eis, tende lá os vossos
olhos na ressurreição de Cristo; porque tanto quis o Pai engrandecer o seu Santo,
que o ressuscitou dos mortos e lhe deu a honra de se assentar no Céu à sua
direita. Mostrou-te o que deves saborear se queres ser feliz, pois aqui não o
poderás ser. Nesta vida não podes ser feliz, ninguém o pode. Boa coisa a que
desejas, mas não nesta terra se encontra o que desejas. Que desejas? A vida
bem-aventurada. Mas aqui não reside ela. Se procurasses ouro num lugar onde não
houvesse, alguém, sabendo da sua não existência, haveria de te dizer: "Por
que estás a cavar? Que pedes à terra? Fazes uma fossa na qual hás de apenas
descer, na qual nada encontrarás!". Que responderias a tal conselheiro?
"Procuro ouro". Ele te diria: "Não nego que exista o que
desejas, mas não existe onde o procuras". Assim também, quando dizes: "Quero
ser feliz" . Boa coisa queres, mas aqui não se encontra. Se aqui a tivesse
tido o Cristo, igualmente a teria eu. Vê o que ele encontrou nesta região da
tua morte: vindo de outros paramos, que achou aqui senão o que existe em
abundância? Sofrimentos, dores, morte. Comeu contigo do que havia na cela de
tua miséria. Aqui bebeu vinagre, aqui teve fel. Eis o que encontrou em tua
morada. Contudo, convidando-te à sua grande mesa, à mesa do Céu, à mesa dos
anjos, onde ele mesmo é o pão. Descendo até cá, e tantos males recebendo de tua
cela, não só não rejeitou a tua mesa, mas prometeu-te a sua. E que nos diz ele?
"Crede, crede que chegareis aos bens da minha mesa, pois não recusei os
males da vossa". Tirou-te o mal e não te dará o seu bem? Sim, daremos.
Prometeu-nos sua vida, mas é ainda mais incrível o que fez: ofereceu-nos a sua
morte. Como se dissesse: "À minha mesa vos convido. Nela ninguém morre,
nela está a vida verdadeiramente feliz, nela o alimento não se corrompe, mas
refaz e não se acaba. Eis para onde vos convido, para a morada dos anjos, para
a amizade do Pai e do Espírito Santo, para a ceia eterna, para a fraternidade
comigo; enfim, a mim mesmo, à minha vida eu vos conclamo! Não quereis crer que
vos darei a minha vida? Retende, como penhor a minha morte". Agora, pois,
enquanto vivemos nesta carne corruptível, morramos com Cristo pela conversão
dos costumes, vivamos com Cristo pelo amor da justiça. Não haveremos de receber
a vida bem-aventurada senão quando chegarmos àquele que veio até nós, e quando
começarmos a viver com aquele que por nós morreu. www.ecclesia.com.br. Abraço. Davi
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