Espiritismo.
Por Allan Kardec (1804-1896). Livro A Gêneses – Os Milagres e as Predições
Segundo o Espiritismo. Capítulo VIII. TEORIAS SOBRE A FORMAÇÃO DA TERRA. Teoria
da projeção 1. De todas as teorias relativas à origem da Terra, a que alcançou
mais credibilidade nestes últimos tempos foi a do Conde de Buffon (1707-1788),
seja pela posição que ele desfrutava no mundo científico, seja porque nada mais
se sabia além do que ele disse naquela época. Vendo que todos os planetas se
movem na mesma direção, do ocidente para o oriente, e no mesmo plano,
percorrendo órbitas cuja inclinação não passa de 7 graus e meio, Buffon
concluiu, dessa uniformidade, que eles devem ter sido postos em movimento pela
mesma causa. Em sua opinião, sendo o Sol uma massa incandescente em fusão, um
cometa se teria chocado com ele e, raspando-lhe a superfície, destacou uma
porção que, projetada no espaço pela violência do choque, se dividiu em vários
fragmentos. Esses fragmentos formaram os planetas, que continuaram a mover-se
circularmente, pela combinação das forças centrífuga e centrípeta, no sentido
dado pela direção do choque primitivo, isto é, no plano da eclíptica. Os
planetas seriam assim partes da substância incandescente do Sol e, por
conseguinte, também teriam sido incandescentes em sua origem. Levaram para se
resfriar e consolidar um tempo proporcional aos seus volumes respectivos e,
quando a temperatura o permitiu, a vida apareceu na sua superfície. Em virtude
da diminuição gradual do calor central, a Terra chegaria, ao fim de certo
tempo, a um estado de resfriamento completo; a massa líquida se congelaria
inteiramente e o ar, cada vez mais condensado, acabaria por desaparecer. A
diminuição da temperatura, tornando impossível a vida, acarretaria o decréscimo
e, depois, o desaparecimento de todos os seres organizados. O resfriamento,
tendo começado pelos polos, ganharia pouco a pouco todas as regiões, até mesmo
a linha do equador. Tal é, segundo Buffon, o estado atual da Lua que, menor do
que a Terra, seria hoje um mundo extinto, do qual a vida se acha excluída para
sempre. O próprio Sol viria a ter, um dia, mesma sorte. De acordo com os seus
cálculos, a Terra teria gastado cerca de 74.000 anos para chegar à sua
temperatura atual e dentro de 93.000 anos veria o termo da existência da
natureza organizada. 2. A teoria de Buffon, contraditada pelas novas
descobertas da Ciência, está hoje completamente abandonada, pelas seguintes
razões: 1º ) Durante muito tempo acreditou-se que os cometas eram corpos
sólidos, cujo encontro com um planeta podia ocasionar a destruição deste. Nessa
hipótese, a suposição de Buffon nada tinha de improvável. Sabe-se agora, porém,
que os cometas são formados de uma matéria gasosa que, embora condensada, é
bastante rarefeita95 para que se possam perceber estrelas de grandeza média
através de seus núcleos. Nesse estado, oferecendo menos resistência que o Sol,
é impossível que num choque violento com este, eles sejam capazes de arremessar
ao longe qualquer porção da massa solar. 2º ) A natureza incandescente do Sol é
também uma hipótese que nada, até o presente, confirma, e que as observações,
ao contrário, parecem desmentir. Se bem ainda não haja certeza quanto à sua
natureza, os poderosos meios de observação de que hoje dispõe a Ciência têm
permitido que ele seja mais bem estudado. Hoje a Ciência admite, de modo geral,
que o Sol é um globo composto de matéria sólida, cercada de uma atmosfera
luminosa, ou fotosfera, que não se acha em contato com a sua superfície. 3º )
Ao tempo de Buffon, somente se conheciam os seis planetas de que os Antigos
eram conhecedores: Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter e Saturno.
Descobriram-se depois outros em grande número, três dos quais, principalmente,
Juno, Ceres e Palas, têm suas órbitas inclinadas de 13, 10 e 34 graus, o que
não concorda com a hipótese de um movimento único de projeção. 4º ) Após a
descoberta da lei da diminuição do calor, por Fourier, reconheceram-se
completamente errôneos os cálculos de Buffon sobre o resfriamento da Terra. Na
verdade, o nosso planeta não precisou apenas de 74.000 anos para chegar à sua
temperatura atual, mas de milhões de anos.98 5o ) Buffon só levou em conta o
calor central da Terra, sem considerar o dos raios solares. Ora, é sabido hoje,
mediante dados científicos de rigorosa precisão, baseados na experiência, que,
em virtude da espessura da crosta terrestre, o calor interno do globo não
contribui, há muito tempo, senão em parcela insignificante, para a temperatura
da superfície exterior. As variações que essa temperatura sofre são periódicas
e devidas à ação preponderante do calor solar. (Cap. VII, item 25.) Sendo
permanente o efeito dessa causa, enquanto o do calor central é nulo, ou quase
nulo, a diminuição deste não pode trazer à superfície da Terra sensíveis
modificações. Para que a Terra se tornasse inabitável pelo resfriamento geral,
seria preciso que o Sol se extinguisse.99 Teoria da condensação 3. A teoria da
formação da Terra pela condensação da matéria cósmica é a que hoje prevalece na
Ciência como a que a observação melhor justifica, a que resolve maior número de
dificuldades e que se apoia, mais do que todas as outras, no grande princípio
da unidade universal. Foi esta teoria que expomos no capítulo VI, intitulado
Uranografia geral. Como se vê, estas duas teorias conduzem ao mesmo resultado:
estado primitivo de incandescência do globo; formação de uma crosta sólida pelo
resfriamento; existência do fogo central e aparecimento da vida orgânica, logo
que a temperatura a tornou possível. Diferem, todavia, em pontos essenciais e é
provável que, se Buffon vivesse atualmente, por certo adotaria outras ideias. A
Geologia considera a Terra do ponto em que é possível a observação direta. Seu
estado anterior, por escapar à observação, só pode ser hipotético. Ora, entre
duas hipóteses, diz o bom senso que se deve preferir a que a lógica sanciona e
que mais se ache de acordo com os fatos observados. Teoria da incrustação 4.
Falamos desta teoria apenas para não deixar de mencioná-la. Embora nada tenha
de científica, conseguiu, não obstante, certa repercussão nos últimos tempos e
seduziu algumas pessoas. Acha-se resumida na carta seguinte: “Deus, segundo a
Bíblia, criou o mundo em seis dias, 4.000 anos antes da Era Cristã. Esta tese é
contestada pelos geólogos, firmados no estudo dos fósseis e dos milhares de
caracteres incontestáveis de vetustez que fazem remontar a origem da Terra a
milhões de anos. Entretanto, a Escritura disse a verdade e os geólogos também.
E foi um simples camponês100 que os pôs de acordo, informando que o nosso
planeta não é mais do que um planeta incrustativo, muito moderno, composto de
materiais antiquíssimos. “Após o arrebatamento do planeta desconhecido, que
chegara à maturidade, ou de harmonia com o que existiu no lugar que hoje
ocupamos, a alma da Terra recebeu ordem de reunir seus satélites para formar
nosso globo atual, segundo as regras do progresso em tudo e por tudo. Somente
quatro desses astros concordaram com a associação que lhes era proposta. Apenas
a Lua persistiu na sua autonomia, visto que também os globos têm o seu
livre-arbítrio. Para proceder a essa fusão, a alma da Terra dirigiu aos
satélites um raio magnético, que pôs em estado cataléptico todo o mobiliário
vegetal, animal e hominal que eles possuíam e que trouxeram para a comunidade.
A operação teve por únicas testemunhas a alma da Terra e os grandes mensageiros
celestes que a ajudaram nessa grande obra, abrindo aqueles globos para lhes dar
entranhas comuns. Praticada a soldadura, as águas se escoaram para os vazios
que a ausência da Lua deixara. As atmosferas se confundiram e começou o
despertar ou a ressurreição dos germens que estavam em catalepsia. O homem foi
o último a ser tirado do estado de hipnotismo e se viu cercado da luxuriante
vegetação do paraíso terrestre e dos animais que pastavam em paz ao seu
derredor. Tudo isto se podia fazer em seis dias, com obreiros tão poderosos
como os que Deus encarregara da tarefa. O planeta Ásia trouxe a raça amarela, a
de civilização mais antiga; o África, a raça negra; o Europa, a raça branca, e
o América, a raça vermelha. “Assim, certos animais, de que apenas os despojos
são encontrados, nunca teriam vivido na Terra atual, mas teriam sido
transportados de outros mundos extintos pela velhice. Os fósseis que se
encontram em climas sob os quais não teriam podido existir neste mundo viviam
sem dúvida em zonas muito diferentes nos globos onde nasceram. Na Terra, tais
despojos se encontram nos polos, ao passo que os animais viviam no equador dos
globos a que pertenciam.” 5. Esta teoria tem contra si os dados mais positivos
da ciência experimental, além de deixar intacta a própria questão que ela
pretende resolver, a questão da origem. Diz, é certo, como a Terra se teria
formado, mas não diz como se formaram os quatro mundos que se reuniram para
constituí-la. Se as coisas se houvessem passado assim, como se explicaria a
inexistência absoluta de quaisquer vestígios daquelas imensas soldaduras, não
obstante terem ido até as entranhas do globo? Cada um daqueles mundos, o Ásia,
o África, o Europa e o América, que se pretende haverem trazido os materiais
que lhes eram próprios, teria uma geologia particular, diferente da dos demais,
o que não é exato. Ao contrário, vê- -se, primeiramente, que o núcleo granítico
é uniforme, de composição homogênea em todas as partes do globo, sem solução de
continuidade. Depois, as camadas geológicas se apresentam com a mesma formação,
idênticas quanto à constituição, superpostas, em toda parte, na mesma ordem,
contínuas, sem interrupção, de um lado a outro dos mares, da Europa à Ásia, à
África, à América, e reciprocamente. Essas camadas que dão testemunho das
transformações do globo atestam que tais transformações se operaram em toda a
sua superfície e não apenas numa porção desta; mostram os períodos de
aparecimento, existência e desaparecimento das mesmas espécies animais e
vegetais, nas diferentes partes do mundo; mostram a fauna e a flora desses
períodos recuados a marcharem simultaneamente por toda parte, sob a influência
de uma temperatura uniforme, e a mudar de caráter por toda parte à medida que a
temperatura se modifica. Semelhante estado de coisas não se concilia com a
formação da Terra pela associação de muitos mundos diferentes. Além disso, é de
perguntar-se o que teria sido feito do mar, que ocupa o vazio deixado pela Lua,
se esta não se houvesse recusado a reunir-se às suas irmãs. O que aconteceria à
Terra atual se um dia a Lua tivesse a veleidade de vir tomar o seu lugar,
expulsando deste o mar? 6. Esse sistema seduziu algumas pessoas, porque parecia
explicar a presença das diferentes raças de homens na Terra e a localização
delas. Mas, considerando-se que essas raças puderam proliferar em mundos
distintos, por que não seriam capazes de desenvolver-se em pontos diversos do
mesmo globo? É querer resolver uma dificuldade por meio de outra dificuldade
maior. Efetivamente, quaisquer que fossem a rapidez e a destreza com que a
operação se praticasse, aquela junção não se teria podido realizar sem
violentos abalos. Quanto mais rápida ela fosse, tanto mais desastrosos haviam
de ser os cataclismos. Parece, pois, impossível que seres simplesmente
mergulhados em sono cataléptico hajam podido resistir- -lhes, para, em seguida,
despertarem tranquilamente. Se fossem apenas germens, em que consistiriam? Como
é que seres inteiramente formados se reduziriam ao estado de germens? Restaria
sempre a questão de saber- -se como esses germens novamente se desenvolveram.
Ainda aí, teríamos a Terra a formar-se por processo miraculoso, processo,
porém, menos poético e menos grandioso do que o da Gênese bíblica, ao passo que
as leis naturais dão, da sua formação, uma explicação muito mais completa e,
sobretudo, muito mais racional, deduzida da observação.Alma da Terra 7. A alma
da Terra desempenhou papel primordial na teoria da incrustação. Vejamos se esta
ideia tem melhor fundamento. O desenvolvimento orgânico está sempre em relação
com o desenvolvimento do princípio espiritual. O organismo se completa à medida
que se multiplicam as faculdades da alma. A escala orgânica acompanha
constantemente, em todos os seres, a progressão da inteligência, desde o pólipo
até o homem, e nem podia ser de outro modo, visto que a alma precisa de um
instrumento apropriado à importância das funções que lhe cabe desempenhar. De
que serviria à ostra possuir a inteligência do macaco, sem os órgãos necessários
à sua manifestação? Se, portanto, a Terra fosse um ser animado, servindo de
corpo a uma alma especial, essa alma, por efeito mesmo da sua constituição,
teria de ser ainda mais rudimentar do que a do pólipo, já que a Terra não tem
sequer a vitalidade da planta, ao passo que, pelo papel que atribuíram a essa
alma, fizeram dela um ser dotado de razão e do mais completo livre-arbítrio, um
Espírito superior, em suma, o que não é racional, porque Espírito algum se
achou menos bem aquinhoado, nem mais aprisionado. Ampliada nesse sentido, a
ideia da alma da Terra deve, então, ser arrolada entre as concepções
sistemáticas e quiméricas. Por alma da Terra pode-se entender, mais
racionalmente, a coletividade dos Espíritos encarregados da elaboração e da
direção de seus elementos constitutivos, o que já supõe certo grau de
desenvolvimento intelectual. Ou, melhor ainda: alma da Terra é o Espírito a
quem está confiada a alta direção dos destinos morais e do progresso de seus
habitantes, missão que não pode ser confiada senão a um ser eminentemente
superior em saber e em sabedoria. Em tal caso, esse Espírito não é,
propriamente falando, a alma da Terra, porquanto não se acha encarnado nela,
nem subordinado ao seu estado material. É um chefe preposto ao seu governo,
como um general é o elemento mais indicado para o comando de um exército. Um
Espírito, incumbido de missão tão importante qual a do governo de um mundo, não
poderia ter caprichos, ou então Deus seria muito imprevidente por confiar a
execução de suas leis a seres capazes de transgredi-las, a seu bel-prazer. Ora,
segundo a doutrina da incrustação, a má vontade da alma da Lua é que dera causa
a que a Terra ficasse incompleta. Há ideias que se refutam por si mesmas.
(Revista espírita, setembro de 1868.). Livro A Gêneses – Os Milagres e as
Predições Segundo o Espiritismo. Abraços. Davi
Nenhum comentário:
Postar um comentário