domingo, 3 de abril de 2022

O PAI DO BUDA

 

Budismo. Por Yogi Kharishnanda. Livro O Evangelho do Buda. O PAI DO BUDA. O Buda estava em Radjagriha, quando recebeu um recado de seu pai. Suddhodana, que dizia: “Desejo ver meu filho antes de morrer. Todos têm recebido o benefício de sua doutrina, menos seu pai e seus parentes. Ó Tathágata a que o mundo adora! Seu pai o espera, como o lírio impaciente aguarda a saída do sol”. O Senhor Buda atendeu ao pedido de seu pai, e se pôs a caminho para Kapilavastu. Esse acontecimento foi conhecido por toda a Comarca, cujas pessoas diziam: “O príncipe Sidarta, que deixou seu lar para adquirir luz e conhecimento, volta iluminado”. Suddhodana saiu para receber o príncipe, acompanhado da família real e de seus ministros. Ao vê-lo de longe, admirou-se da majestade de seu porte e da beleza de sua fisionomia, e alegrou-se em seu coração sem que seus lábios conseguissem proferir uma palavra. Realmente aquele era seu filho, outrora o príncipe Sidarta, o herdeiro do trono, porém agora transformado em Buda, o Bem-aventurado, o Santo, o Iluminado, o Tathágata, o Senhor da Verdade, o Instrutor do mundo. O rei Suddhodana desceu do carro e foi ao encontro de seu filho, dizendo-lhe; “Faz sete anos que não vejo você, e com que impaciência esperava este momento”. O Senhor Buda sentou-se em frente de seu pai, que avidamente o olhava sem atrever-se a chamá-lo pelo nome. Depois, ele lhe disse: “Sidarta, junte-se ao seu velho pai e seja de novo seu filho”. Porém, ao ver a serena firmeza de seu filho, reprimiu seus sentimentos dolorosos. E assim o rei, sentado em frente de seu filho, gozava em sua aflição e sofria em seu gozo. Podia ufanar-se de seu filho, contudo sofria ao pensar que não seria ele o seu herdeiro. O rei disse ao Senhor Buda: “Queria oferecer a você o meu reino, porém, você faria tanto caso desta oferta como de um punhado de cinzas”.  O Senhor Buda respondeu-lhe: “Sei que o coração do rei transborda de amor, e está profundamente triste por causa do seu filho. Todavia, os amorosos laços que ligam ao filho que perdeu hão de ligá-lo com igual bondade a todos os servos. Ou em lugar deste filho, receberá outro maior do que Sidarta. Receberá o Buda, o Mestre de Verdade, o pregador da Justiça. A paz do nirvana inundará o seu coração”. Suddhodana estremeceu de alegria ao ouvir as palavras suaves de seu filho, e de mãos juntas exclamou com os olhos banhados de lágrimas: “Que transmutação maravilhosa! Minha dolorosa tristeza se desvaneceu. Antes, eu estava pesaroso e meu coração aflito, porém agora colho o fruto de sua magna renúncia. Movido de profunda compaixão, você fez muito bem em renunciar às mesquinhas manifestações do régio poder. Para cumprir seus nobres propósitos de religiosa devoção. Você encontrou o caminho e já pode pregar a verdade ao mundo ansioso por libertação”. Segundo relatam as Escrituras Sagradas, no vasto prado às margens do Kohana, o Mestre sentou-se dominando a multidão respeitosa ali congregada para ouvir a sua palavra. Buda estava sentado à direita do rei, seu pai. Ao redor se agrupavam os magnatas da corte, e a seus pés estava Yasodhara, que com seu manto prateado cobriu as pregas do pobre manto amarelo do seu esposo. A noite caiu sobre os ouvintes, como celestial donzela extasiada de amor, cujas tranças de cabelo eram como ondulantes nuvens. As belas estrelas, as pérolas e os diamantes de sua coroa. A lua, seu diadema e as densas trevas teciam a sua vestimenta. Assim disse o Senhor Buda: Os livros ensinam que as trevas eram o princípio e que Brahma meditava solitário naquela noite. Não busquem ali Brahma nem o Princípio. Olhos mortais não podem vê-lo, nem a mente humana é capaz de o conhecer. Erguerá um véu após outro, mas sempre encontrará outro véu atrás. Os astros rodam e não perguntam. Basta que a vida e a morte, a alegria e a dor subsistam. Assim como a causa e o efeito, o transcurso do tempo e o incessante fluxo e refluxo da existência que é sempre mutável e desliza como um rio. Cujas ondas lentas ou rápidas se sucedem umas às outras desde sua longínqua fonte até o mar onde deságuam. O sol evapora o mar e restitui ondas perdias em forma de aveludadas nuvens. Que gotejarão montanhas abaixo, para refluir de novo, sem paz sem trégua. Isso basta para se saber quão ilusórios são os céus, as terras, os mundos e as mudanças que o alteram em potentes rodas de lutas e violências. Cujo giro turbilhonante ninguém pode deter nem inverter. Não supliquem, porque as trevas não iluminarão. Nada peçam ao silêncio, porque ele está mudo. Nada esperem dos deuses implacáveis, oferecendo-lhes hinos e dádivas. Não pretendam suborná-los com sacrifícios de sangue. Devemos buscar a libertação em nós mesmos. Cada qual cria o seu próprio cárcere. Cada qual tem tanto poder quanto os mais potentes. Porque tanto para as potestades que estão em cima, ao redor e embaixo de nós. Como para toda a carne e toda a vida, a ação engendra o prazer e a dor. Do que foi provém aquilo que é e o que será, melhor ou pior. Vocês podem elevar o seu destino à maior altura do que o de Indra ou rebaixá-lo mais do que o da larva. O que sobe pode cair, o que cai pode subir. Os raios da roda não param de girar. Ó vocês que sofrem! Saibam que sofrem porque querem. Ninguém os excita à vida nem nela os retém condenados à morte, girando sobre a roda e abraçando seus raios de agonia. Seu aro de lágrimas, seu cubo de rija madeira. Mais fundo que o inferno, mais alto que o céu, além das longínquas estrelas, mais além da morada de Brahma. Há um poder estável e divino, existente antes do princípio e que não terá fim. Eterno como o tempo, seguro como a certeza, que impele para o bem e é súdito e suas próprias leis. A um toque seu, florescem os rosais e sua mão modela as pétalas de lótus. E no obscuro solo e nas silenciosas sementes, tece o enfeite da primavera. Seu pincel colore as luzentes nuvens, e no pescoço do pavão real engasta suas esmeraldas. As estrelas são o seu porto, e o relâmpago, o vento e a chuva seus escravos. Constrói nas trevas o coração do homem, e na obscuridade do ovo o faisão de colo multicor. Sempre ativo, transmuta a ira e o ódio em amor. Seus tesouros são os cinzentos ovos no ninho do colibri dourado. As hexágonas favas de abelha são suas redomas de mel. A formiga obedece aos seus mandatos e a pomba branca o conhece bem. Solta as asas da águia toda vez que com pressa volta ao seu ninho. Conduz a loba para junto aos seus lobinhos. E encontra sustento e amigos para os seres abandonados. Nada o repugna, nada o detém. Tudo ama. Enche os seios maternais de doce leite, bem como de veneno mortífero os dentes da serpente. Concorda no interminável dossel do firmamento a harmoniosa música das esferas móveis. Nos seios abismais da Terra esconde o ouro, o ônix, a safira e as lazulitas. Envolto perpetuamente no mistério, oculta-se na espessura dos bosques e alimenta ao pé dos cedros admiráveis rebentos com novas fibras, ervas e flores. Mata e salva sem outro motivo que o cumprimento do destino. O amor e a vida são os fios, e a morte e a dor as lançadeiras do seu tear. Faz, desfaz e emenda tudo. Com o que faz, supera o que fez. Cada vida do homem é o resultado de suas vidas precedentes. Os erros passados engendram tristeza e sofrimento. A retidão passada traz felicidade. Eles colhem o que semeiam. Olhem para seus campos. O sésamo foi sésamo e o trigo, trigo. O silêncio e a sombra o sabem. Assim nasce o destino do homem. Vem a vida e colhe o que semeou: sésamo ou trigo, ou ervas venenosas e daninhas que corrompem tanto a ele mesmo quanto a terra doentia. Porém, se a terra for bem lavrada e as ervas más extirpadas, sendo semeada em lugar delas as sãs e puras, o solo será formoso e fértil e a colheita será ótima. Se aprende, a causa da dor e pacientemente suporta, esforçando-se por pagas as dívidas contraídas por suas culpas passadas, sempre fiel ao amor e a verdade. Se limpa seu sangue da mentira e concupiscência, e sem prejuízo de outrem sofre tudo mansamente, perdoando as ofensas. Pagando o mal com o bem. Se dia a dia é compassivo santo, justo, amável e sincero, e extirpa o desejo de onde quer que penetre com raízes até extinguir o apego à vida. Se agir assim, terminará a conta de sua vida liquidando e saldando seus débitos. E acrescentando e vivificando os créditos recentes ou longínquos, que também produzirão créditos frutíferos. Quem age assim não precisa do que vocês chamam vida. Realizou o propósito que o fez homem. Já não o torturará a ansiedade nem o mancharão os pecados, nem os prazeres e dores humanas turvarão a sua perpétua paz. Nem voltarão a eles morte e renascimentos. Entra no nirvana. Uniu-se com a Vida e, no entanto, não vive. É feliz porque deixou de existir, todavia não deixou de ser. E o Senhor Buda retirou-se para o bosque próximo da cidade. Livro O Evangelho do Buda. Abraço. Davi

 

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