sexta-feira, 20 de novembro de 2020

INTRODUÇÃO

 

Religião Afro-brasileira. UMBANDA. Texto de Yamunisiddha Arhapiagha. Mestre Tântrico Curador. Médium F. Rivas Neto. INTRODUÇÃO. Entregamos ao público leitor a nova edição, revista e atualizada, de Umbanda — A Proto-Síntese Cósmica, escrita e editada pela primeira vez em 1989, exatos cem anos após a Proclamação da República Federativa do Brasil e a abolição (13 de maio de 1888) da escravatura. Para a coletividade umbandista, esta obra, bem como Umbanda de Todos Nós, escrita em 1956 por W. W. da Matta e Silva (Mestre Yapacany), foi responsável por grandes mudanças no panorama do Movimento Umbandista, mostrando uma organização estrutural, filosófica e doutrinária até então inexistentes. Temos nas palavras de Mestre Orishivara (senhor Sete Espadas) a pedra basilar sobre a qual edificamos nosso santuário que se transmite ao mundo através dos livros que escrevemos subsequentemente. Acreditamos que tudo evolui e que os conceitos aqui apresentados correspondem aos necessários para o momento. Muitas pessoas podem ter avançado além dos ensinamentos entregues a nós por Mestre Orishivara; outros ainda não atingiram a compreensão mesmo de assuntos mais básicos. Compreendemos então que o momento a que este livro é dedicado está no interior de cada pessoa, não no calendário temporal, mas no das vivências espirituais. Assim, esperamos contribuir com todos os irmãos planetários, não importando em que etapa da jornada espiritual se encontrem. Bênçãos de Paz e Luz dos Arashas a todos! Aranauam. ESCLARECIMENTOS PRELIMINARES – HISTÓRIA DO MOVIMENTO UMBANDISTA. O Movimento Umbandista surgiu no final do século XIX, utilizando-se como cenário os cultos miscigenados de negros, índios e brancos, conhecidos como macumbas, candomblés, catimbós, torés, xambás, babassuês, xangôs, etc. Nesse contexto, começaram a se manifestar entidades espirituais, através da incorporação, nas formas de índios (Caboclos) e de Pais-Velhos trazendo as mensagens dos espíritos ancestrais desses povos. O processo do sincretismo facilitou a inclusão da cultura católica pela assimilação dos santos com as divindades do panteão africano e ameríndio. Logo apareceriam também as entidades que se apresentavam como Crianças, completando o ternário de manifestação mediúnica que serviria de base para a sustentação da doutrina umbandista. Essas três formas de apresentação, Crianças, Caboclos e Pais-Velhos, correspondem a arquétipos do inconsciente coletivo com seus valores intrínsecos — o enigma da esfinge desvendado. Assim, a forma "infantil" representa o início do ciclo e também a Pureza; a forma adulta, de "caboclo", carrega o valor da Fortaleza e da Simplicidade; e a forma senil, de "pai-velho", identifica-se com a Sabedoria e a Humildade. Pureza, Simplicidade e Sabedoria Humilde seriam as virtudes a serem cultivadas por todos os umbandistas, bem como regeriam a ética desse setor filorreligioso. No início do século XX, com o médium Zélio Fernandino de Moraes (1891-1975), a Umbanda recebeu sua primeira roupagem, com organização à parte dos cultos afro-ameríndios. Nessa época também surgiu o vocábulo Umbanda para designar aquela forma ritualística monoteísta, que cultuava os Orishas como representantes da Divindade e que tinha as entidades espirituais, que se manifestavam pela mediunidade dos adeptos, como ancestrais ilustres enviados pelos Orishas. A característica mais marcante do culto, nesse tempo, era o fato de ser simples, objetivo, aberto a todos os segmentos sociais, econômicos, religiosos ou étnicos. Desde o início, a abertura universal era estigma da Umbanda. Com o passar do tempo, várias formas de culto surgiram, cada uma com proporções diferenciadas de influências africanas, ameríndias, europeias e mesmo orientais, facilitando a adaptação e assimilação da doutrina por recém-egressos de outros cultos. Essa fase caracterizou-se por uma rápida propagação e expansão da Umbanda, especialmente pela abundância de manifestações espiríticas concretas, fenômenos físicos, curas espirituais e movimentação das forças sutis da natureza pela magia manipuladas pelos orishas, guias e protetores que "baixavam" nos vários terreiros, cabanas, choupanas, tendas de Umbanda de todo Brasil. Apesar de todas as manifestações impressionantes, o tônus do movimento umbandista nessa época era dado pelo pragmatismo e pelo empirismo doutrinário, não havendo um sistema consistente filosófico acessível aos praticantes. A partir de 1956, com o lançamento do livro Umbanda de Todos Nós, novo alento foi dado à Umbanda por Mestre Yapacany (W. W. da Matta e Silva) que viria mostrar o aspecto oculto do conhecimento trazido pelas entidades militantes nesse movimento. Em mais oito obras, Mestre Yapacany desenvolveu as bases da escrita sagrada da Lei de Pemba, a hierografia umbandista, apresentou os fundamentos da metafísica da Umbanda e revelou a conexão com o sistema cosmogônico ligado à cabala ário-egípcia, descrito em 1911 por Saint-Yves d'Alveydre (1842-1909) em seu L'Archéomètre. Apesar de toda a contribuição filosófica e científica dada à Umbanda por Mestre Yapacany, na denominada Umbanda Esotérica, as mudanças práticas no sistema ritualístico foram modestas, considerando-se que a profundidade da doutrina era alcançada por poucos e raros iniciados, não havendo um método sistemático de transmissão de conhecimento, nem uma organização templária capaz de conduzir os neófitos aos patamares superiores da iniciação, a não ser que uma predisposição inata se fizesse sentir de maneira muito evidente. Chegamos então à fase representada pela Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino, fundada por nós em 1970, honrando o compromisso que temos com nossos mentores e com Mestre Yapacany, do qual fomos discípulo e recebemos a incumbência de continuar a tarefa. Dois anos se passaram do desencarne de nosso Mestre quando lançamos nossa primeira obra, esta Umbanda — A Proto-Síntese Cósmica, agora com sua quarta edição nas mãos do leitor. Muitos fatores fizeram de Umbanda — A Proto -Síntese Cósmica um novo marco para o Movimento Umbandista, a começar pelo fato de ter sido a primeira obra a ser escrita diretamente por uma entidade de Umbanda, o Caboclo Sete Espadas (Mestre Orishivara) que deixou o linguajar de terreiro, o jargão umbandista, para transmitir os conceitos próprios de um sábio do Astral Superior. Nesta obra, o Senhor Sete Espadas apresentava, já no início, uma controvertida teoria antropológica que, se ainda não confirmada, ao menos encontra nos estudos recentes do sítio arqueológico da Pedra Furada no Piauí respaldo para o benefício da dúvida. Se esperarmos que aconteça como na profecia concretizada em relação ao vigésimo primeiro aminoácido ou nas questões que trata de matéria e anti-matéria, basta o tempo para que o rigor científico venha ratificar esses escritos. A heterodoxia de Umbanda — A Proto Síntese Cósmica avança ainda na demonstração geométrica e aritmética do número correto dos Arcanos Maiores e Menores e ainda explica o motivo do conceito vigente. Discorre sobre magia etérico-física em minúcias conceituais e aprofunda-se nos métodos oraculares restituindo seus valores adormecidos. Um capítulo especial é dedicado à organização do processo iniciático, em suas várias fases, ilustrado como acontecia nos tempos antigos dos grandes Colégios Divinos da tradição hermética. Finalizando, Mestre Orishivara levanta os véus da universalidade da Umbanda, antecipando as mudanças sociais esperadas para o Movimento Umbandista no Brasil e para a coletividade planetária como um todo. Constituindo-se como tratado de filosofia hermética, magia, doutrina espiritual e prática mediúnica. Umbanda — A Proto Síntese Cósmica foi elevada à condição de texto sagrado basilar para boa parte dos templos umbandistas de todo o país e se tornou o paradigma da fase iniciática da Umbanda, por ela inaugurada. Tudo isso contribuiu para uma transformação da Umbanda e do que se pensava da mesma. Vivemos, atualmente, uma fase prolífica no setor umbandista que deixou de ter um caráter regional e passou a se relacionar naturalmente com outros setores filorreligiosos. A Umbanda participa ativamente das discussões das necessidades sociais e espirituais brasileiras e planetárias, propondo um método de abordagem da Realidade que se direciona para o universalismo expresso na meta de Convergência com vistas à Paz Mundial. Temos sido testemunha das mudanças na Umbanda. Atuamos no meio umbandista desde a década de 1960, quando ainda aos doze anos de idade tivemos os primeiros contatos mediúnicos. Já aos dezoito anos assumíamos a direção de um templo e em 1969 tivemos a honra de conhecer Mestre Yapacany, do qual nos tornamos discípulo. Em 1970, fundamos a Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino que, desde então, representa uma referência para os adeptos umbandistas, contando com vários templos em todo o Brasil e discípulos por todo o mundo. Em função da atividade espiritual, sentimo-nos inclinado ao estudo aprofundado das mazelas humanas, inclusive do ponto de vista físico, o que nos levou à graduação em Medicina e especialização em Cardiologia. Desde que iniciamos nossa produção literária, temos sentido o peso da oposição, mesmo dentro do próprio Movimento Umbandista. Acreditamos que tudo evolui, tudo precisa transformar-se e por que não a Umbanda? Afinal, o universo todo progride, caminha (...). E justo que nossa compreensão da Realidade também o faça. Preferimos ser heterodoxo (ter opinião diferente), especialmente em relação àqueles que se acomodaram no misoneísmo e fizeram de suas verdades os dogmas que lhes garantiram o conforto material. Longe, muito longe estamos da Realidade Absoluta, que é uma e não duas. O mínimo que podemos esperar daqueles que buscam a evolução espiritual é uma atitude aberta, não sectária, disposta a modificar-se em função do aprendizado. Empenhado nessa atitude de evolução constante, iniciamos a tarefa de escritor em 1989 com Umbanda — A Proto-Síntese Cósmica. A cada novo lançamento, em obediência ao Astral, temos revisado conceitos, aprofundado conhecimentos, ampliado nossos horizontes. Esperamos assim colaborar para o ressurgimento da Tradição-Una, que é patrimônio de toda humanidade e se encontra eclipsada pela visão fragmentária e parcial que temos da Realidade. Nossa segunda obra, Umbanda – O Elo Perdido, também psicografada por Mestre Orishivara (Caboclo Senhor Sete Espadas), lançou nova luz sobre os delicados mecanismos hiper físicos da mediunidade, esclarecendo as várias formas de intermediação dimensional, como a incorporação nas fases inconsciente e semiconsciente, a irradiação intuitiva, a clarividência, a clariaudiência, a psicografia, a psico hierografia e a dimensão-mediunidade. Discorre Mestre Orishivara ainda sobre os distúrbios da mediunidade classificados em animismo vicioso, ficção anímica, atuação espirítica patológica e obsessões. A fisiologia astral é detalhada em O Elo Perdido na seção que fala sobre prana, kundalini e chacras. Sempre temos nos posicionado como aprendizes do Astral Superior, que nos incumbiu de transmitir alguns poucos ensinamentos aos nossos irmãos planetários. A repercussão de nossa obra no Movimento Umbandista deve ser creditada aos Mestres Astralizados e nosso próprio mestrado se faz em obediência a eles. Lições Básicas de Umbanda, nossa terceira obra, firmou-se como manual prático seguido por muitos umbandistas para a formação de várias coletividades de terreiros, com orientações no tocante à rito-liturgia da Umbanda, bem como a movimentações magísticas básicas necessárias ao funcionamento dessas casas espirituais. Umbanda - O Arcano dos Sete Orixás, nova obra escrita por Mestre Orishivara, foi determinante para a mudança de concepção dos praticantes umbandistas acerca dos Orishas, nossos Genitores Divinos e suas hierarquias. Através das correlações vibratórias que atribuem a cada Orisha número, cor, som, letras sagradas, dias propícios, horários vibratórios, ervas sagradas, essências voláteis específicos, estabeleceu as bases para o que seria conhecido, mais tarde, como yoga umbandista. Exu - O Grande Arcano abalou a coletividade umbandista desde sua base até suas "instituições coordenadoras". Ditado pelo Exu Senhor (...), esse livro descerrou os véus do arcano e separou a real manifestação de Exu da mitologia que anima o inconsciente de muitos que dizem estar por ele mediunizados. Separado o joio do trigo, revelou-se Exu como o Agente Executor da Magia e da Justiça Kármica, entidade responsável e conhecedora da movimentação de forças magísticas nos processos de agregação de forças positivas e desagregação de forças negativas no "eró" da encruzilhada de Exu (a cruz dos quatro elementos). Em 1996, escrevemos a obra Fundamentos Herméticos de Umbanda onde consta a exposição inicial da Doutrina do Tríplice Caminho. Apoiada nas Doutrinas Tântrica (Luz), Mântrica (Som) e Yântrica (Movimento) representadas pelos Mestres da Sabedoria (Pais-Velhos), do Amor e da Pureza (Crianças) e da Atividade (Caboclo), a Doutrina do Tríplice Caminho é a base dialética da iniciação dentro da Umbanda. Compromissado com a qualidade e não com a quantidade, voltamo-nos para o interior do Templo e nos dedicamos à prática dos ensinamentos recebidos do Astral Superior. Acreditamos que teoria e prática devem caminhar pari passu e, por isso, estabelecemos a Escola de Síntese que deu origem a um Centro de Meditação Umbandista e à Faculdade de Teologia Umbandista. A ESCOLA DE SÍNTESE. No Movimento Umbandista, em decorrência da variedade de ritos, de formas de se compreender a Umbanda e de cultuar o Sagrado, várias tendências ou correntes doutrinárias surgiram. Naturalmente, essas tendências agruparam-se por afinidade e favoreceram a eclosão do conceito de escolas de pensamento filosófico dentro da Umbanda. Assim, no universo que engloba todos os umbandistas, há escolas mais voltadas à tradição africana, à ameríndia, como também outras que privilegiam os conhecimentos do dito esoterismo, além das denominações conhecidas como Umbanda Omolocô, Traçada, Oriental, etc. Consonante com a visão universalista preconizada pelos Mestres Astralizados responsáveis pela Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino, formalizamos nossa abordagem da Umbanda através da Escola de Síntese, que coincide com o pensamento filosófico de conciliar todos os segmentos umbandistas e, ao mesmo tempo, conectar-se com os demais setores filo religiosos existentes no globo terrestre em busca da Convergência para a Paz Mundial. A base discursiva para essa escola compreende a ideia de que as Religiões são visões particulares e parciais do Sagrado, que é a Realidade Una, portanto, Absoluta. Em que pesem os variados graus de percepção da realidade espiritual, cada religião e, analogamente, cada setor do movimento umbandista correspondem a uma visão mais ou menos abrangente dessa Realidade. Partindo-se do pressuposto de que ninguém detém o conhecimento integral da Verdade, chegamos à conclusão de que todos devem ser respeitados por conterem parte da Verdade. Por outro lado, evidencia-se a necessidade de evolução para toda a humanidade, o que implica o desapego gradual dos vários rótulos e partir em busca da Essência que deve ser comum a todos. Aí está delineado o processo de Convergência que a Escola de Síntese propaga. Na prática, o que se verifica na Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino são seis ritos diferentes, seis níveis de interpretação do Sagrado, partindo da apreensão pela Forma e caminhando, dialeticamente, até a percepção da Essência. Por conseguinte, nos ritos de primeiro nível prevalecem as raízes étnicas e folclóricas da Umbanda; logo a seguir, observam-se os valores sincréticos, místicos, no segundo nível; o aspecto de Exu, no terceiro nível; a chamada escola esotérica, no quarto nível; os fundamentos básicos do Tríplice Caminho, no quinto nível; e, por fim, os fundamentos cósmicos do Tríplice Caminho, no sexto nível. Nesse último rito, a O.I.C.D. irmana-se com representantes de outros setores filo religiosos falando uma linguagem comum a todos. Finalizando, cabe ressaltar que a Escola de Síntese, em virtude de sua consistência doutrinária expressa em Epistemologia, Ética e Método próprios da Umbanda, tem ampliado sua atuação na sociedade planetária, contribuindo para a formação de uma consciência de cidadania planetária através da Fundação Arhapiagha para a Paz Mundial. Essa fundação promove ações educativas, difundindo a necessidade da mudança de valores sociais, contrapondo-se ao convencionalismo e ao condicionamento de pensamento que precisam ceder para que surja uma nova humanidade, na qual espírito e matéria não sejam conflitantes, mas partes integrantes de uma só Realidade. A DOUTRINA DO TRÍPLICE CAMINHO. O Movimento Umbandista, surgido no Brasil, apresenta duas perspectivas ou ângulos de visão a serem considerados: a dos seres encarnados que integram a coletividade de adeptos e a dos mestres astralizados, as entidades que se manifestam através do mediunismo dos umbandistas. Do ponto de vista dos seres encarnados, é evidente que o movimento umbandista surgiu como amalgamação de ritos oriundos de povos culturalmente diferentes. Tal integração cultural permitiu amenizar os conflitos ou choques de culturas. Esse meio-termo, representado pela Umbanda, conseguiu congregar uma variedade de influências étnicas que passaram a conviver harmoniosamente. É interessante notar que o Brasil pode ser considerado um mini planeta, pois aqui temos representantes de todos os continentes e tradições convivendo pacificamente, sem os atritos provenientes do fundamentalismo de um ou outro setor. O mesmo não acontece em outros pontos do planeta, onde os conflitos baseados na "fé" têm lugar, deixando marcas de dor e violência em todos os povos. Qual seria a causa do congraçamento entre tradições tão diferentes no Brasil? Não fosse o bastante, podemos ainda dizer que isso acontece com maior intensidade na Umbanda, onde não apenas tradições diferentes intercambiam valores, mas também todos os extratos sociais e econômicos encontram um campo de trégua, favorecendo o convívio em termos de igualdade perante o Astral. Esta é uma "magia" que a Umbanda faz e que poucos percebem. Por trás da aparência de colcha de retalhos, existe um princípio inteligente que coordena as diferenças e promove a união pelas semelhanças. Em outras palavras, na Umbanda não há o rico e o pobre, o douto e o analfabeto, essa ou aquela etnia. Todos sentem-se iguais e o mérito parece ser o principal fator determinante na hierarquia social. Quer dizer: o que tem mais a oferecer assume o posto de maior doador. Exercer uma função sacerdotal ou semelhante corresponde a uma responsabilidade maior, uma dedicação e doação maiores, e não privilégios eclesiásticos ou políticos. É claro que nos referimos aos umbandistas de fato e de direito, e não aos aproveitadores e mercadores do templo de todas as eras, que mancham nosso meio com suas atitudes farisaicas. Preferimos ser tachados de heterodoxos ou revolucionários a nos submetermos à fé institucionalizada que sempre contribuiu para a manutenção de um status quo onde prevalecem as diferenças e a concentração de poder tão a gosto do submundo astral e de seus feudos. Lutamos pela Umbanda de todos, sem a primazia de Pai Fulano ou Babalaô Sicrano, muito menos daqueles que se utilizam dos nomes das entidades para escudar suas empreitadas materiais. Pedimos escusas ao leitor por esse desabafo, mas acreditamos em uma Umbanda ampla, que atende a todos com igual respeito. Muito fomos criticados ao instituirmos em nosso templo seis níveis diferentes de rito, cada um representando um segmento da Umbanda. Queriam que fôssemos sectários, elitistas, dizendo: isso é certo, aquilo é errado. Nossa posição é a de Síntese; respeitamos a todos e entendemos que as diferenças de graus conscienciais são um fenômeno transitório. No decorrer do tempo e do espaço encontraremos cada vez mais pontos de união e caminharemos todos para uma mesma Realidade, à qual almejamos mas que ainda se encontra distante de todos nós. Assim posto, voltemos às considerações sobre o movimento umbandista em seu lado humano. Observamos um sistema aberto, que permite tantas variações quanto as necessárias para atender a multitude de graus conscienciais que encontram na Umbanda sua identidade espiritual. É claro que não podemos esperar um consenso universal entre os umbandistas. Se isso acontecesse agora, seria por força de imposição, contrariando o princípio de liberdade espiritual que deve beneficiar a todos. Contudo, não podemos negar que o amadurecimento deve conduzir a uma visão mais abrangente da Realidade, aparando as arestas e fazendo ressaltar a Essência até então velada pela pluralidade da Forma. Com isso, somos remetidos ao aspecto espiritual da Umbanda, à perspectiva das entidades atuantes nesse movimento. Penetremos agora nos bastidores do rito, na força motriz que impulsiona essa Umbanda ao resgate da Tradição-Una. Com a chegada de imigrantes de todos os continentes e os antecedentes espirituais de nossa terra (como poderá o leitor ver no Capítulo V), estabeleceu-se aqui o local ideal para se dar início à reintegração da Humanidade. Com esse compromisso, representantes de todas as culturas aqui se encontraram através de migrações físicas ou reencarnatórias em obediência aos desígnios traçados por nossos Ancestres Ilustres, na expectativa de construir uma nova sociedade. É claro que nossos Ancestres Ilustres — os Mestres Astralizados — necessitavam de um ponto de entrada para atuar entre os encarnados e incutir as novas diretrizes. Para isso, utilizaram-se dos cultos miscigenados de índios, negros e brancos, marcados ainda pelo fetichismo e crendices várias. De par em par, entidades de alto escola espiritual usaram das formas de Caboclos, Pais-Velhos, Crianças e outras para trazer nova luz à nascente identidade brasileira. Por essa perspectiva, podemos observar que o Movimento Umbandista não apenas surgiu para minimizar os choques étnicos, religiosos, econômicos e sociais brasileiros, mas também serviu como porta de entrada para um movimento que visa atingir todos os cidadãos planetários, aqui representados pela população de várias nacionalidades. Fica evidente que somente entidades espirituais elevadas, já destituídas de qualquer atavismo espiritual e conhecedoras da sistemática evolutiva planetária poderiam atuar nesse movimento. Mas, para serem mais bem aceitos, esses Mestres planetários necessitavam adaptar suas formas de apresentação para melhor entendimento da coletividade-alvo. Todos sabemos que espíritos superiores estão livres de atributos como idade, raça, língua ou religião. Contudo, escolheram as formas de Crianças, Caboclos, Pais-Velhos e sucedâneos para atuar entre a massa de adeptos. Qual o motivo de escolherem essas formas? Por que se travestir com essas roupagens fluídicas? Primeiro, escolheram estas variações regionais para facilitar o contato com aqueles que ainda traziam fortes traços culturais. Assim, os brasileiros de origem ameríndia facilmente se identificaram com os "Caboclos"; os brasileiros de origem africana se identificaram com os "Pais-Velhos"; os de origem europeia se identificaram com as "Crianças", e assim por diante. Um segundo aspecto é que Crianças, Caboclos e Pais-Velhos representam as três etapas da vida humana: infância, maturidade e senilidade (velhice), aspectos esses presentes em todas as raças. O terceiro aspecto são os valores inconscientes ou arquetípicos que essas roupagens traduzem. Assim, a Criança é símbolo de Amor e Pureza; o Caboclo é símbolo da Fortaleza e da Atividade; o Pai-Velho é símbolo da Sabedoria e da Humildade. Novos horizontes se descortinam. O que antes parecia um fenômeno folclórico, fruto do animismo fetichista como quiseram fazer crer, agora passa a ser observado como movimento coordenado com intenções universalistas. Esse é o ponto de vista espiritual. Então a Umbanda não é uma religião brasileira? Não. Apenas surgiu no Brasil, mas destina-se a toda humanidade. Isso não significa que veremos Pais-Velhos "baixando" na China ou Caboclos incorporados na Rússia. Isso tudo faz parte do aspecto regional do movimento umbandista, das adaptações necessárias ao povo brasileiro, incluindo as formas de baianos, boiadeiros, marinheiros e outros, que têm funções ainda mais particulares e menos universais. Por outro lado, deve haver formas que simbolizam a Pureza, a Fortaleza e a Sabedoria em outros povos. Podemos ter, talvez, um Guerreiro europeu simbolizando a Fortaleza para aquele povo, ou um Velho Mestre oriental simbolizando a Sabedoria entre os chineses. Os arquétipos e seus valores são os mesmos para todos; mudam apenas as formas de simbolizá-los ou representá-los. Os arquétipos são universais e estão no inconsciente de todos os seres. Entendemos agora que, na verdade, os espíritos que se apresentam na forma de Crianças são Mestres do Amor e da Pureza que usam essa vestimenta para transmitir sua valência espiritual. Igualmente, os Mestres da Fortaleza e da Atividade se manifestam como Caboclos, e os Mestres da Sabedoria e da Humildade se apresentam como Pais-Velhos. Mas isso não é tudo. O objetivo da Umbanda é resgatar para o Homem sua cidadania espiritual, sua consciência eternal, perdida nas brumas do egoísmo, da vaidade e do orgulho. A perda da consciência espiritual levou-nos à fragmentação de nosso psiquismo e, consequentemente, a uma visão fragmentária do mundo. Para restituir a sanidade espiritual do Homem, os Mestres Astralizados apresentam-se como Mestres da Sabedoria, atuando diretamente no campo mental dos adeptos; os Mestres do Amor e da Pureza promovem a cura dos sentimentos; e, completando o ternário de forças, temos os Mestres da Fortaleza e da Atividade, atuando nas energias físicas dos consulentes. Nós, seres encarnados, expressamos nossa personalidade através de Pensamentos, Sentimentos e Ações. Os pensamentos têm sua sede no Organismo Mental, os sentimentos no Organismo Astral e as ações estão situadas no Organismo Etérico-físico. Por conseguinte, os "Pais-Velhos" atuam no Organismo Mental, as "Crianças" atuam no Organismo Astral e os "Caboclos" atuam no Organismo Etérico-físico. É precisamente isso o que se verifica nos templos de Umbanda. Sem que os consulentes percebam, os "Pais-Velhos" orientam as mentes através de seus conselhos e experiência; as "Crianças" infundem alegria, bom ânimo e felicidade; os "Caboclos" trazem energias positivas dos sítios sagrados da Natureza, para dar saúde, impulso e movimento aos filhos de fé. Resumindo, a tríplice manifestação dos Mestres Astralizados na Umbanda visa trazer Equilíbrio na Mente, Estabilidade no Sentimento e Harmonia nas Ações. Neste ponto, podemos dizer que já temos uma visão muito mais abrangente do que seja o Movimento Umbandista e uma leve noção do que seja a Tradição Cósmica, a umbanda ou simplesmente, Umbanda, que o Movimento Umbandista pretende resgatar. Compreendemos que a Umbanda tem caráter universalista e que o Movimento Umbandista tem o objetivo de adaptar as verdades universais ao entendimento de cada povo, enquanto a adaptação for necessária. Podemos ainda ir além e verificar que tudo no Universo é interligado e que o macrocosmo se reflete no microcosmo. O princípio ternário que faz o homem expressar sua personalidade em Organismos Mental, Astral e Físico é o mesmo que ordena a tríplice manifestação dos Mestres Astralizados e foi o mesmo que ordenou o caos e presidiu a gênese do Universo. No momento da cosmogênese, conhecido como big bang, três fenômenos concretizaram a Criação: a Luz, o Som e o Movimento. A interação da Essência Espiritual com a Substância Etérica amorfa produziu a Existência consubstanciada em Luz, Som e Movimento. Por isso, tudo na Natureza se apresenta de forma ternária, pela interação entre o ativo e o passivo que dá origem ao neutro ou gerado. Por isso dizemos que a Umbanda tem fundamentos cósmicos, porque remontam à cosmogênese. A Doutrina do Tríplice Caminho contém Epistemologia, Ética e Método para conduzir o Homem à união com o Sagrado, através da Triunidade. Na Doutrina do Tríplice Caminho temos três doutrinas convergentes denominadas: Doutrina Tântrica, Doutrina Mântrica e Doutrina Yântrica. A Tântrica corresponde à Luz, a Mântrica ao Som e a Yântrica ao Movimento. Embora Tantra, Mantra e Yantra sejam termos conhecidos de outras línguas, como o sânscrito, seus valores são cósmicos e, cabalisticamente, seus significados diferem um pouco do que atualmente é conhecido na Ásia. A Doutrina Tântrica é o caminho para a purificação e sublimação do Organismo Mental no homem, e os Mestres Tântricos são os Mestres da Sabedoria e da Humildade. A Doutrina Mântrica é o caminho para a purificação e sublimação do Organismo Astral, e os Mestres Mântricos são os Mestres do Amor e da Pureza. A Doutrina Yântrica é o caminho para a purificação do Organismo Etéricofísico, e os Mestres Yântricos são os Mestres da Ação e da Fortaleza. Podemos agora observar o quadro sinóptico abaixo e fazer a síntese: O que varia entre os vários templos de Umbanda é o quanto esses fenômenos são expressos ou velados. Nos locais em que a vivência espiritual ainda é restrita, as entidades fazem tudo de forma menos aparente. Nos locais onde já há um certo amadurecimento espiritual, esses fundamentos são mais abertos e os adeptos buscam conscientemente se reajustarem nesses três aspectos. Em nosso humilde templo, em consonância com a vontade de Mestre Orishivara, recebemos pessoas de todos os graus conscienciais. Por isso temos seis níveis de rito, cada um direcionado a um grupo da nossa comunidade. Todos são igualmente importantes para nós, pois constituem etapas de um caminho que todos percorrem. Se alguns se encontram mais adiantados é porque começaram mais cedo. Os que iniciam agora também chegarão aos patamares superiores, de acordo com o tempo e sua vontade. Com esse espírito constituímos a primeira Faculdade de Teologia de Umbanda, onde podemos ensinar as bases de todos os segmentos umbandistas, seja o da Umbanda Omolocô, da Umbanda Traçada, da Kimbanda, da Umbanda Esotérica ou da Doutrina do Tríplice Caminho, em aspectos básicos ou avançados. Podemos falar disso porque realizamos todos esses ritos quinzenalmente; temos a teoria e a prática. Procuramos fazer um esboço geral de nossas atividades nesta introdução à nova edição de Umbanda – a Proto-Síntese Cósmica, na intenção de mostrar que tudo evolui e que continuamos trabalhando em busca do aperfeiçoamento. Estamos convencidos de que o Terceiro Milênio reserva grandes mudanças e surpresas para toda a humanidade. Haveremos de viver em um mundo mais espiritualizado, derrubaremos o tabu da morte física e experimentaremos a fraternidade e a igualdade da família planetária a que pertencemos. Esperamos contribuir para a evolução nossa e de todos, para extirpar de vez a dor, a miséria, a doença e a fome da face da Terra. Desejamos a todos os irmãos planetários votos de Luz na Mente e Paz no Coração concretizados em uma Vida Longa plena de realizações positivas, neutralizadoras do karma negativo. Temos certeza de que a Paz do indivíduo reflete-se na Paz do Mundo e de que somos todos interdependentes. Pedimos, humildemente, aos Augustos Arashas, Supremos Curadores do Mundo, que nos auxiliem a todos a neutralizarmos o Egoísmo, a Vaidade e o Orgulho, e que estejamos todos em sintonia com o Soberano e Misericordioso Arashala – o Senhor Jesus, que nos abençoa a todos desde sempre. Aranauam (...) Rá-anga (...) Eua (...) Arasha (...) Hum (...). Livro UMBANDA – A Proto Síntese Cósmica. Abraço. Davi.

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