Espiritismo.
Texto de Allan Kardec (1804-1869). Livro O Céu e o Inferno. Capítulo X. OS
DEMÔNIOS. Origem da crença nos demônios • Os demônios segundo a Igreja • Os
demônios segundo o Espiritismo. ORIGEM DA CRENÇA NOS DEMÔNIOS. 1. Os demônios
têm, em todas as épocas, desempenhado um grande papel nas diversas teogonias;
embora consideravelmente decaídos na opinião geral, a importância que ainda se
lhes atribui em nossos dias dá a essa questão uma certa gravidade, porque ela
toca mesmo no fundo das crenças religiosas; eis por que é útil examiná-la com
os desdobramentos que ela comporta. A crença em um poder superior é instintiva
nos homens, por isso a encontramos, sob diferentes formas, em todas as épocas
no mundo. Se hoje, com o grau de adiantamento intelectual a que os homens
chegaram, eles ainda discutem sobre a natureza e os atributos desse poder,
quanto mais imperfeitas deviam ser as suas noções a esse respeito no começo da
humanidade! 2. O quadro que para nós se apresenta da inocência dos povos
primitivos em contemplação diante das belezas da natureza, na qual eles admiram
a bondade do Criador, é sem dúvida muito poético, mas nele falta a realidade.
Quanto mais o homem se aproxima do estado natural, mais o instinto o domina,
como se pode verificar ainda entre os povos selvagens e bárbaros dos nossos
dias; o que mais o preocupa, ou melhor, o que exclusivamente o ocupa, é a
satisfação das necessidades materiais, porque outras ele não tem. O único
sentido que pode torná-lo acessível aos prazeres puramente morais só se
desenvolve com o tempo e gradualmente; a alma tem sua infância, sua
adolescência e sua virilidade, assim como o corpo humano; mas, para atingir a
virilidade que a torna apta a compreender as coisas abstratas, quanto de
evolução ela deve realizar. Quanto de existências lhe é necessário cumprir! Sem
recuar às primeiras épocas, vemos à volta de nós as pessoas dos nossos campos, e
nos perguntamos que sentimentos de admiração nelas despertam o esplendor do Sol
nascente, o céu estrelado, o cantar dos pássaros, o murmúrio das ondas claras,
os campos cobertos de flores! Para elas, o Sol se ergue porque tem esse hábito
e, sob a condição de que ele dê bastante calor para amadurecer as colheitas, e
não muito para calciná-las, é tudo o que elas querem. Se olham o céu é para
saber se fará bom ou mau tempo no dia seguinte; se os pássaros cantam ou não,
isso lhes é indiferente, contanto que não comam o seu grão; em lugar do canto
dos rouxinóis preferem o cacarejar das galinhas e o grunhir dos seus porcos; o
que pedem aos regatos claros ou lodosos é que não sequem nem inundem as terras;
aos campos, que de boa erva, com ou sem flores. É tudo o que desejam, dizemos
mais, é tudo o que compreendem da natureza, e, no entanto já estão longe dos
homens primitivos. 3. Se nos reportarmos a estes últimos, nós os vemos, mais
exclusivamente ainda, preocupados com a satisfação das necessidades materiais;
o que serve para abastecê-los e o que pode prejudicá-los resume para eles o bem
e o mal nesse mundo. Eles creem em um poder extra-humano; mas, como o que lhes
traz um prejuízo material é o que mais lhes importa, eles o atribuem a esse
poder, do qual, apesar disso, fazem uma ideia muito vaga. Não podendo ainda
conceber nada fora do mundo visível e tangível, eles imaginam que esse poder
resida nos seres e nas coisas que lhes são prejudiciais. Os animais nocivos,
portanto, são, para eles, os representantes naturais e diretos desse poder.
Pela mesma razão, viram nas coisas úteis a personificação do bem: daí o culto
dispensado a certos animais, a certas plantas e mesmo a objetos inanimados. Mas
o homem geralmente é mais sensível ao mal que ao bem; o bem lhe parece natural,
enquanto que o mal o afeta mais; eis por que, em todos os cultos primitivos, as
cerimônias em homenagem ao poder maligno são as mais numerosas; o medo
prevalece sobre o reconhecimento. Durante muito tempo, o homem concebeu apenas
o bem e o mal físicos; o sentimento do bem moral e do mal moral marcou um
adiantamento na inteligência humana; somente então o homem entreviu a
espiritualidade, e compreendeu que o poder sobre-humano está fora do mundo
visível, e não nas coisas materiais. Esse foi o trabalho de algumas
inteligências de alta qualidade, mas que não puderam, no entanto, superar
certos limites. 4. Como se via uma luta incessante entre o bem e o mal, e,
frequentemente, o mal suplantar o bem; como, por outro lado, não se podia
racionalmente admitir que o mal fosse a obra de um poder benéfico, chegou-se à
conclusão de que existiam dois poderes rivais governando o mundo. Daí nasceu a
doutrina dos dois princípios: o do bem e o do mal, doutrina lógica para essa
época, porque o homem ainda era incapaz de conceber uma outra, e de penetrar a
essência do Ser supremo. Como poderia ele compreender que o mal é apenas um
estado momentâneo de onde pode surgir o bem, e que os males que o afligem devem
conduzi-lo à felicidade, ajudando-o no seu adiantamento? Os limites do seu
horizonte moral nada lhe permitiam ver fora da vida presente, nem para a
frente, nem quanto ao passado; ele não podia compreender que havia progredido,
nem que ainda progrediria individualmente, e muito menos que as vicissitudes da
vida são o resultado da imperfeição do ser espiritual que está nele, que
preexiste e sobrevive ao corpo, e se purifica em uma série de existências, até
que ele tenha atingido a perfeição. Para compreender o bem que pode surgir do
mal, não se pode analisar apenas uma existência; é preciso abranger o conjunto:
só então aparecem as verdadeiras causas e seus efeitos. 5. O duplo princípio do
bem e do mal foi, durante muitos séculos e sob diferentes nomes, a base de
todas as crenças religiosas. Foi personificado sob os nomes de Oromaze e
Arimane entre os persas, de Jeová e Satã entre os hebreus. Porém, como todo
soberano deve ter ministros, todas as religiões admiram os poderes secundários,
os gênios bons ou maus. Os pagãos os personificavam sob uma inumerável multidão
de individualidades, tendo cada uma atribuições especiais para o bem e para o
mal, para os vícios e para as virtudes, e aos quais deram o nome geral de
deuses. Os cristãos e os muçulmanos receberam dos hebreus os anjos e os
demônios. 6. A doutrina dos demônios, portanto, tem sua origem na antiga crença
nos dois princípios: o do bem e o do mal. Vamos examiná-la aqui apenas no ponto
de vista cristão, e ver se ela está de acordo com o conhecimento mais exato que
temos atualmente dos atributos da Divindade. Esses atributos são o ponto de
partida, a base de todas as doutrinas religiosas; os dogmas, o culto, as
cerimônias, os usos, a moral, tudo está em harmonia com a idéia mais ou menos
justa, mais ou menos elevada que se faz de Deus, desde o fetichismo até o
Cristianismo. Se a essência íntima de Deus ainda é um mistério para a nossa
inteligência, nós, entretanto, o compreendemos melhor do que ele jamais foi
compreendido, graças aos ensinamentos do Cristo. O Cristianismo, de acordo com
a razão, nos ensina que: Deus é único, eterno, imutável, imaterial,
todo-poderoso, soberanamente justo e bom, infinito em todas as suas perfeições.
Assim como foi dito em outra parte (cap. VII, “Penas Eternas”): “Se se tirasse
a mais pequena parcela de um só dos atributos de Deus, não mais haveria Deus,
porque poderia existir um ser mais perfeito.” Esses atributos, em sua plenitude
mais absoluta, são pois o critério de todas as religiões, a medida da verdade
de cada um dos princípios que elas ensinam. Para que um desses princípios seja
verdadeiro, é preciso que ele não atente contra nenhuma das perfeições de Deus.
Vejamos se assim acontece na doutrina comum dos demônios. OS DEMÔNIOS SEGUNDO A
IGREJA. Segundo a Igreja, Satã, o chefe ou o rei dos demônios, não é uma
personificação alegórica do mal, mas um ser real, fazendo exclusivamente o mal,
enquanto que Deus faz exclusivamente o bem. Aceitemo-lo, pois, tal como nos é
dado. Satã existe de toda a eternidade, como Deus, ou é posterior a Deus? Se
existe de toda a eternidade, ele é incriado, e por consequência igual a Deus.
Neste caso Deus não é mais único, existe o Deus do bem e o Deus do mal. Satã é
posterior a Deus? Então ele é uma criatura de Deus. Visto que só faz o mal, que
é incapaz de fazer o bem e de se arrepender pelo mal praticado, Deus criou um
ser consagrado eternamente ao mal. Se o mal não é a obra de Deus, mas a obra de
uma de suas criaturas predestinada a fazê-lo, Deus sempre é o primeiro autor do
mal, e então ele não é infinitamente bom. O mesmo acontece com todos os seres
maus chamados demônios. 8. Essa foi, durante muito tempo, a crença sobre esse
assunto. Atualmente, dizem: “Deus, que é a bondade e a santidade por essência,
não os havia criado maus, e nocivos. Sua mão paternal, que se regozija em
espalhar sobre todas as obras um reflexo de suas perfeições infinitas, lhes
havia concedido em grande quantidade seus mais magníficos dons. Às elevadas
qualidades de sua natureza, acrescentara as generosidades de sua benevolência;
em tudo os fizera semelhantes aos sublimes espíritos que estão na glória e na
felicidade; distribuídos em todas as suas ordens e misturados em todas as suas
classes, eles tinham o mesmo objetivo e os mesmos destinos; seu chefe foi o
mais belo dos arcanjos. Eles também poderiam ter o mérito de ser, para sempre, confirmados
na justiça e acolhidos para desfrutarem, eternamente, da felicidade dos céus.
Este último favor teria posto o coroamento em todos os outros favores dos quais
eram o objeto; porém, esse favor seria o prêmio por sua docilidade, e eles se
tornaram indignos dele, perderam-no por uma revolta audaciosa e insensata. Qual
foi o obstáculo à sua perseverança? Que verdade desconheceram? Que ato de fé e
de adoração eles recusaram a Deus? A Igreja e os anais da história santa não o
dizem de uma maneira positiva, mas parece certo que eles não concordaram nem
com a mediação do Filho de Deus por eles mesmos, nem com a exaltação da
natureza humana em Jesus Cristo. O Verbo Divino, por quem todas as coisas foram
feitas, é também o único mediador e salvador, no céu e na Terra. O fim
sobrenatural foi dado aos anjos e aos homens somente na previsão de sua
encarnação e de seus méritos; porque não existe nenhuma proporção entre as
obras dos mais eminentes espíritos e essa recompensa, que não é outra senão o
próprio Deus; nenhuma criatura poderia ali chegar sem essa intervenção
maravilhosa e sublime da caridade. Ora, para preencher a distância infinita que
separa a essência divina das obras de suas mãos, seria preciso que ele reunisse
em sua pessoa os dois extremos, e que associasse à sua divindade a natureza do
anjo ou a do homem; e ele escolheu a natureza humana. Esse plano concebido de
toda a eternidade, foi manifesto aos anjos muito antes da sua execução; o
Homem-Deus lhes foi mostrado no futuro como aquele que devia confirmá-los em
graça e introduzi-los na glória, sob a condição de que o adorassem sobre a
Terra durante sua missão, e no céu por toda a eternidade. Revelação inesperada,
visão deslumbrante para os corações generosos e agradecidos, porém, mistério
profundo, opressivo para os espíritos soberbos! Esse fim sobrenatural, essa
carga imensa de glória que lhes era proposta não seria, pois, unicamente a
recompensa por seus méritos pessoais! Eles não poderiam jamais atribuir a si
mesmos os títulos e a posse. Um mediador entre eles e Deus, que injúria feita à
sua dignidade! A preferência gratuita concedida à natureza humana, que
injustiça! que ofensa dirigida aos seus direitos! Essa humanidade, que lhes é
tão inferior, eles a verão, um dia, divinizada pela sua união com o Verbo, e
sentada à direita de Deus, sobre um trono resplandecente? Consentirão eles em
lhe oferecer eternamente suas homenagens e sua adoração? Lúcifer e a terça
parte dos anjos foram vencidos por esses pensamentos de orgulho e de ciúme. São
Miguel, e com ele a maioria, exclamaram: ‘Quem é semelhante a Deus? Ele é o
mestre dos seus dons e o soberano Senhor de todas as coisas. Glória a Deus e ao
Cordeiro que será sacrificado pela salvação do mundo!’ Mas o chefe dos
rebeldes, esquecendo que a sua nobreza e as suas prerrogativas eram devidas ao
seu Criador, ouviu apenas a sua imprudência, e disse: Sou eu mesmo quem subirá
ao céu; estabelecerei minha morada acima dos astros; eu me sentarei sobre a
montanha da aliança, nos flancos do Aquilão; dominarei as nuvens mais elevadas,
e serei semelhante ao Altíssimo. Aqueles que partilharam seus sentimentos
acolheram suas palavras com um murmúrio de aprovação; e eles se encontravam em
todas as ordens da hierarquia, mas o seu grande número não os colocou a salvo
do castigo.” 9. Essa doutrina provoca várias objeções: 1a ) Se Satã e os
demônios eram anjos, eles eram perfeitos; como, sendo perfeitos, puderam
fracassar e desconhecer a esse ponto a autoridade de Deus, em presença de quem
se encontravam? Ainda poderíamos conceber tal fato se eles tivessem chegado a
esse grau eminente de forma gradual e, após haverem passado pela experiência da
imperfeição, tivessem sofrido por um retrocesso lamentável; mas o que torna o
fato mais incompreensível é que eles nos são apresentados como tendo sido
criados perfeitos. A consequência dessa teoria é esta: Deus quis criar neles
seres perfeitos, já que os havia cumulado de todos os dons, e ele se enganou;
logo, segundo a Igreja, Deus não é infalível. 2ª pois que nem a igreja e nem os
sagrados anais explicam a causa da rebelião dos anjos contra Deus, e que apenas
dão como problemática quase certa na recusa deles em reconhecer a missão futura
do Cristo, que valor pode ter o quadro tão preciso e tão detalhado da cena que
teve lugar nessa ocasião? De qual fonte foram tiradas as palavras, tão
claramente narradas, como tendo sido pronunciadas naquele momento, e até os
simples murmúrios? De duas coisas, uma: ou a cena é verdadeira ou ela não o é.
Se é verdadeira, não há nenhuma incerteza, então por que a Igreja não resolve
claramente a questão? Se a Igreja e a História se calam, se a causa apenas
parece certa, ela não é mais que uma suposição, e a descrição da cena é uma
obra da imaginação. 3a ) As palavras atribuídas a Lúcifer demonstram uma ignorância
que é de espantar ser encontrada em um arcanjo que por sua própria natureza, e
no grau em que está colocado, não deve partilhar, sobre a organização do
Universo, os erros e os preconceitos que os homens professaram até que a
Ciência viesse esclarecê-los. Como Lúcifer pôde dizer: “Estabelecerei minha
morada acima dos astros; dominarei as nuvens mais elevadas”? É sempre a antiga
crença na Terra como centro do mundo, no céu de nuvens que se estende até às
estrelas, na região limitada de estrelas formando a abóbada, e que a Astronomia
nos mostra disseminadas ao infinito, no Espaço infi nito. Como se sabe hoje em
dia que as nuvens não se estendem além de duas léguas da superfície da Terra,
para dizer que ele dominará as nuvens mais elevadas, e falar das montanhas, era
preciso que a cena se passasse na superfície da Terra, e que lá fosse a morada
dos anjos; se a morada está nas regiões superiores, seria inútil dizer que se
elevaria para além das nuvens. Fazer com que os anjos tenham uma linguagem
entremeada de ignorância, é reconhecer que os homens, atualmente, sabem mais do
assunto que os anjos. A Igreja sempre tem cometido o erro de não levar em conta
os progressos da Ciência. 10. A resposta à primeira objeção se acha na seguinte
passagem: “A Escritura e a tradição dão o nome de céu ao lugar onde os anjos
haviam sido colocados no momento da sua criação. Mas esse não era o céu dos
céus, o céu da visão beatífica, onde Deus se mostra aos seus eleitos face a
face, e onde seus eleitos o contemplam sem esforços e sem nuvens; porque, lá,
não há nem perigo nem possibilidade de pecar; a tentação e a fraqueza são
desconhecidas; a justiça, a alegria e a paz reinam ali em uma imutável
segurança; a santidade e a glória não estão sujeitas a se perderem. Era,
portanto, uma outra região celeste, uma esfera luminosa e afortunada, onde
essas nobres criaturas, amplamente favorecidas por comunicações divinas, deviam
recebê-las e a elas aderir pela humildade da fé, antes de serem admitidas a ver
claramente a sua realidade na essência do próprio Deus.” Do que precede resulta
que os anjos que falharam pertenciam a uma categoria menos elevada, menos
perfeita, que não tinham ainda chegado ao lugar supremo onde o erro é
impossível. Seja; mas então há aqui uma contradição evidente, porque é dito
mais acima que “Deus os havia feito em tudo semelhantes aos sublimes espíritos
que, distribuídos em todas as suas ordens e misturados em todas as suas
classes, tinham o mesmo objetivo e o mesmo destino; que seu chefe era o mais
belo dos arcanjos.” Se eles foram feitos em tudo semelhantes aos outros, não
eram, portanto, de uma natureza inferior; se foram misturados em todas as
classes, não estavam em um lugar especial. Logo, a objeção vigora inteiramente.
11. Há uma outra objeção que é, sem contestação, a mais grave e a mais séria.
Está dito: “Esse projeto (a mediação do Cristo), concebido de toda a
eternidade, foi revelado aos anjos muito tempo antes da sua realização.” Deus
sabia, portanto, de toda a eternidade, que os anjos, assim como os homens, teriam
necessidade dessa mediação. Ele sabia, ou não sabia, que certos anjos
fracassariam; que essa queda lhes acarretaria a condenação eterna sem esperança
de retorno; que seriam destinados a tentar os homens e que aqueles homens que
se deixassem seduzir sofreriam a mesma sorte. Portanto, se Deus sabia disso,
ele criou esses anjos, com conhecimento de causa, para sua perda irrevogável e
para a perda da maior parte do gênero humano. Digam o que disserem, é
impossível, com semelhante previsão, conciliar sua criação com a soberana
bondade. Se ele não sabia, não era onipotente. Tanto em uma como em outra
hipótese, é a negação de dois atributos sem a plenitude dos quais Deus não
seria Deus. 12. Se admitirmos a falibilidade dos anjos, como também a dos
homens, a punição é uma consequência natural e justa da falta; porém, se
admitirmos ao mesmo tempo a possibilidade do resgate, pelo retorno ao bem, a
obtenção do perdão após o arrependimento e a expiação, não há nada que desminta
a bondade de Deus. Deus sabia que eles falhariam, que seriam punidos, mas sabia
também que esse castigo temporário seria um meio de fazê-los compreender seu
erro e se transformaria em seu benefício. Assim se achariam confirmadas estas
palavras do profeta Ezequiel: “Deus não quer a morte do pecador, mas a sua
salvação.” O que seria a negação dessa bondade é a inutilidade do
arrependimento e a impossibilidade do retorno ao bem. Nesta hipótese, é
rigorosamente exato dizer que: “Esses anjos, desde sua criação, já que Deus não
podia ignorá-lo, foram consagrados ao mal pela eternidade, e predestinados a se
tornarem demônios, para induzir os homens ao mal.” 13. Vejamos, agora, qual é o
seu destino e o que fazem. “Mal sua revolta se evidenciou na linguagem dos
espíritos, quer dizer no entusiasmo dos seus pensamentos, eles foram banidos,
irrevogavelmente, da cidade celeste e precipitados no abismo.” “Por essas
palavras, entendemos que eles foram relegados a um lugar de suplícios, onde
sofressem a pena do fogo, de acordo com este texto do Evangelho, que saiu da
própria boca do Salvador: Ide, malditos, para o fogo eterno que foi preparado
pelo demônio e pelos seus anjos. São Pedro diz expressamente que Deus os
abandonou às cadeias e às torturas do inferno, mas nem todos ficam ali
perpetuamente; isto só acontecerá no fim do mundo, quando eles ali serão presos
para sempre com os condenados. Presentemente, Deus permite que eles ocupem
ainda um lugar nessa criação a qual eles pertencem, na ordem das coisas a que
se prende sua existência, nas relações, enfim, que eles deviam ter com o homem
e das quais fazem o mais pernicioso abuso. Enquanto que uns estão na sua morada
tenebrosa, e ali servem de instrumento à justiça divina, contra as almas
infelizes que eles seduziram, uma infinidade de outros, formando legiões invisíveis
sob o comando de seus chefes, residem nas camadas inferiores da nossa atmosfera
e percorrem todas as partes do globo. Eles estão envolvidos com tudo o que se
passa aqui embaixo onde muitas vezes tomam uma parte muito ativa.” Quanto ao
que se refere às palavras do Cristo sobre o suplício do fogo eterno, essa
questão é tratada no capítulo IV, “O Inferno”. 14. Segundo essa doutrina, só
uma parte dos demônios está no inferno; a outra erra em liberdade,
envolvendo-se em tudo o que se passa aqui embaixo, dando-se ao prazer de fazer
o mal, e isto até o fim do mundo, cuja época, indeterminada, provavelmente não
acontecerá tão cedo. Por que essa diferença? Uns são menos culpados que outros?
Seguramente, não. A menos que eles dali não saiam alternadamente, o que
pareceria resultar desta passagem: “Enquanto que uns estão na sua morada
tenebrosa, e ali servem de instrumentos à justiça divina contra as almas
infelizes que eles seduziram.” Suas funções, portanto, consistem em atormentar
as almas que eles seduziram. Assim, não são encarregados de punir aquelas que
são culpadas de faltas livre e voluntariamente cometidas, mas sim daquelas que
eles mesmos provocaram. Eles são, ao mesmo tempo, a causa da falta e o
instrumento do castigo; e, coisa que a justiça humana, tão imperfeita como é,
não admitiria: a vítima que, por fraqueza, não resiste quando a ocasião se
apresenta para tentá-la é punida tão severamente quanto o agente provocador que
emprega a perfídia e a astúcia, até mais severamente porque ela vai para o inferno
ao deixar a Terra, para não sair mais dele, para ali sofrer sem interrupções
nem misericórdia durante a eternidade, enquanto que aquele que é o causador do
seu erro desfruta da moratória e da liberdade até o fim do mundo! Portanto, a
justiça de Deus não é mais perfeita que a dos homens! 15. Isso, porém, não é
tudo. “Deus ainda permite que eles ocupem um lugar nessa criação, nas relações
que deviam ter com o homem e das quais fazem o mais pernicioso abuso.” Deus
podia ignorar o abuso que fariam da liberdade que ele lhes concedeu? Então, por
que lhes permitiu tal liberdade? Portanto, é com conhecimento de causa que Deus
entrega suas criaturas à mercê de si mesmas, sabendo, por causa de toda a sua
presciência, que elas não resistirão e terão a sorte dos demônios. Não
possuíam, essas criaturas, a sua própria fraqueza em quantidade sufi ciente,
sem permitir que fossem incitadas ao mal por um inimigo tanto mais perigoso
porquanto é invisível? Ainda se o castigo fosse apenas temporário e se o
culpado pudesse se reabilitar pela reparação! Mas não, ele está condenado por
toda a eternidade. Seu arrependimento, seu retorno ao bem, seus lamentos são
inúteis. Os demônios são, por conseguinte, os agentes provocadores
predestinados a recrutar almas para o inferno, e isso com a permissão de Deus,
que sabia, ao criar essas almas, a sorte que lhes estava reservada. Na Terra, o
que se diria de um juiz que assim procedesse para povoar as prisões? Estranha
ideia nos dão da Divindade, de um Deus cujos atributos são a soberana justiça e
a soberana bondade! E é em nome de Jesus Cristo, daquele que só pregou o amor,
a caridade e o perdão, que se ensinam semelhantes doutrinas! Houve um tempo em
que tais anomalias passavam despercebidas; não eram compreendidas, não eram
sentidas; o homem, curvado sob o jugo do despotismo, submetia sua razão sem
discernimento, ou antes, renunciava à sua razão; mas atualmente soou a hora da
emancipação, o homem compreende a justiça, ele a quer durante sua vida e após
sua morte; eis por que ele diz: “Isto não é, isto não se pode, ou Deus não é
Deus!” 16. “O castigo segui por toda a parte esses seres decaídos e malditos,
por toda a parte levam seu inferno com eles, não têm paz nem repouso; até as
próprias doçuras da esperança para eles se transformaram em amargura: a
esperança lhes é odiosa. A mão de Deus incidiu sobre eles no próprio ato do seu
pecado, e sua vontade se obstinou no mal. Tornados perversos, não querem deixar
de ser perversos, e o são para sempre. Após o pecado, eles são o que o homem é
após a morte. A reabilitação daqueles que caíram é, pois, impossível; sua perda
é daqui em diante sem retorno, eles perseveram em seu orgulho, frente a frente
com Deus, em seu ódio contra seu Cristo, em seu ciúme contra a humanidade. Não
podendo se apropriar da glória do céu, pelo arrojo da sua ambição, eles se
esforçam em estabelecer seu império sobre a Terra e dela excluir o reino de
Deus. Não obstante, o Verbo feito carne realizou seus desígnios para a salvação
e a glória da humanidade; todos os seus meios de ação são consagrados a tirar
do Cristo as almas que ele resgatara; a astúcia e a impertinência, a mentira e
a sedução, valem-se de tudo para conduzi-los ao mal e para consumar sua ruína.
Com tais inimigos, a vida do homem, desde o seu nascimento até à morte, não
pode ser, valha-me Deus!, senão uma luta perpétua, porque eles são poderosos e
infatigáveis. Esses inimigos, efetivamente, são aqueles mesmos que, após
haverem introduzido o mal no mundo, vieram para cobrir a Terra com as densas
trevas do erro e do vício. Aqueles que, durante longos séculos, se fizeram
adorar como deuses e reinaram como soberanos sobre os povos da Antiguidade;
aqueles, enfim, que ainda exercem seu domínio tirânico sobre as regiões
idólatras, e que fomentam a desordem e o escândalo até dentre as sociedades
cristãs. Para avaliar todos os meios que eles possuem a serviço da sua maldade,
é sufi ciente observar que não têm perdido nada das prodigiosas faculdades que
são as propriedades características da natureza angélica. Sem dúvida, o futuro
e principalmente a ordem sobrenatural têm mistérios que Deus reservou para si e
que eles não podem descobrir, porém a inteligência deles é bem superior à nossa
porque eles percebem num relance os efeitos em suas causas, e as causas em seus
efeitos. Essa sagacidade lhes permite anunciar com antecedência acontecimentos
que estão muito além das nossas suposições. A distância e a diversidade dos
lugares desaparecem diante da sua agilidade. Mais súbitos que o relâmpago, mais
rápidos que o pensamento, eles se encontram quase ao mesmo tempo sobre diversos
pontos do globo, e eles podem descrever de longe as coisas das quais são
testemunhas na mesma hora em que elas acontecem. As leis gerais pelas quais
Deus rege e governa este Universo não estão sob o domínio deles, não podem
anulá-las nem, consequentemente, predizer ou realizar milagres verdadeiros,
porém, possuem a arte de imitar e de arremedar, em certos limites, as obras
divinas; eles sabem quais fenômenos resultam da combinação dos elementos, e
predizem com firmeza aqueles que acontecem naturalmente, assim como os que eles
mesmos têm o poder de produzir. Daí, esses numerosos oráculos, esses prestígios
extraordinários dos quais os livros sagrados e profanos guardaram a lembrança,
e que serviram de base e de alimento a todas as superstições. Sua substância
simples e imaterial faz com que não possamos vê-los; estão ao nosso lado sem
serem percebidos; eles impressionam nossa alma sem atingir nossos ouvidos;
cremos obedecer ao nosso próprio pensamento, quando, na verdade, nos submetemos
às suas tentações e à sua funesta influência. Nossas disposições, ao contrário,
são do conhecimento deles pelas impressões que elas despertam em nós, e eles
nos atacam, geralmente pelo nosso lado mais fraco. Para nos seduzirem com mais
segurança, têm o hábito de nos apresentarem adulações astuciosas e sugestões
conforme as nossas tendências. Eles modificam sua ação segundo as
circunstâncias e de acordo com os traços característicos de cada temperamento.
Suas armas favoritas, porém, são a mentira e a hipocrisia.” 17. Dizem que o
castigo os segue por toda a parte; não têm mais paz nem repouso. Isso, no
entanto, não destrói a observação feita sobre a trégua de que desfrutam aqueles
que não estão no inferno, trégua tanto menos justificada porquanto, estando
fora do inferno, eles fazem mais mal. Sem dúvida alguma, não são felizes como
os bons anjos, mas não se leva em conta a liberdade de que desfrutam? Se não
têm a felicidade moral proporcionada pela virtude, indiscutivelmente são menos
infelizes que seus cúmplices que estão entre as chamas infernais. E depois,
para o mau, existe uma espécie de prazer em fazer o mal em plena liberdade.
Perguntem a um criminoso se para ele é a mesma coisa estar na prisão ou correr
pelos campos e cometer seus crimes à vontade. A posição é exatamente a mesma. O
remorso, dizem, os persegue sem trégua nem misericórdia. Mas esquecem que o
remorso é o precursor imediato do arrependimento, se já não é o próprio
arrependimento. Dizem: “Tornados perversos, eles não querem deixar de ser
perversos, e eles o são para sempre.” Desde que eles não querem deixar de ser
perversos, é porque não têm remorsos; se tivessem o menor arrependimento,
deixariam de fazer o mal e pediriam perdão. Portanto, para eles o remorso não é
um castigo. 18. “Eles são após o pecado o que o homem é após a morte. A
reabilitação daqueles que caíram é, pois, impossível.” De onde vem essa
impossibilidade? Não se compreende que ela seja a consequência da sua
similitude com o homem após a morte, enunciado que, além disso, não é muito
claro. Essa impossibilidade vem da sua própria vontade ou da de Deus? Se é o
ato da sua vontade, isso denota uma extrema perversidade, uma insensibilidade
absoluta no mal; por conseguinte não se compreende que seres tão profundamente
maus, pudessem ter sido anjos de virtude, e que, durante o tempo indefi nido
que eles passaram entre estes últimos, não tenham deixado que se descobrisse
nenhum traço da sua natureza má. Se é a vontade de Deus, compreende-se ainda
menos que ele imponha como castigo a impossibilidade do retorno ao bem, após
uma primeira falta. O Evangelho não diz nada semelhante. 19. “Sua perda,
acrescente-se, daqui em diante é sem retorno, e eles perseveram no seu orgulho
diante de Deus.” Para que lhes serviria não perseverarem nele já que todo
arrependimento é inútil? Se tivessem a esperança de uma reabilitação, qualquer
que fosse o seu preço, o bem teria uma finalidade para eles, entretanto não é
assim. Se eles perseveram no mal é porque a porta da esperança lhes foi
fechada. E por que Deus lhes fecha essa porta? Para se vingar da ofensa que
recebeu com a sua falta de submissão. Assim, para satisfazer o seu
ressentimento contra alguns culpados, ele prefere vê-los não somente sofrer,
mas antes fazerem o mal que o bem; induzir ao mal e empurrar para a perdição
eterna todas as suas criaturas do gênero humano, quando seria sufi ciente um
simples ato de clemência para evitar um tão grande desastre, e um desastre
previsto de toda a eternidade! Por ato de clemência, tratar-se-ia de uma graça
pura e simples que talvez fosse um encorajamento ao mal? Não, mas de um perdão
condicional, subordinado a um sincero retorno ao bem. Porém, em lugar de uma
palavra de esperança e de misericórdia, fizeram Deus dizer: Que morra toda a raça
humana, antes que a minha vingança! E se admiram que haja incrédulos e ateus
com semelhante doutrina! É assim que Jesus nos representa seu Pai? Ele que nos
deixou uma lei expressa do esquecimento e do perdão das ofensas, que nos diz
para dar o bem pelo mal, que coloca o amor aos inimigos no primeiro lugar entre
as virtudes que nos fazem merecer o céu, queria pois que os homens fossem
melhores, mais justos, mais complacentes que o próprio Deus? OS DEMÔNIOS
SEGUNDO O ESPIRITISMO. 20. Segundo o Espiritismo, nem anjos nem demônios são
seres à parte; a criação dos seres inteligentes é una. Unidos a corpos
materiais, eles constituem a humanidade que povoa a Terra e as outras esferas
habitadas; libertos desses corpos eles constituem o mundo espiritual ou dos espíritos
que povoam os espaços. Deus os criou suscetíveis de aperfeiçoamento e lhes deu
por objetivo a perfeição, e a felicidade que é a sua consequência, mas não lhes
deu a perfeição; Deus quis que eles a devessem ao trabalho pessoal de cada um,
a fim de que tivessem o mérito da sua conquista. Desde o momento da sua
formação, eles progridem seja no estado de encarnação, seja no estado
espiritual; chegados ao apogeu, tornam-se puros espíritos, ou anjos, segundo a
denominação comum; de modo que, desde o embrião do ser inteligente até o anjo,
temos uma cadeia não interrompida na qual cada elo marca um degrau no
progresso. Disso resulta existirem espíritos em todos os graus de adiantamento
moral e intelectual, conforme estejam no alto, embaixo ou no meio da escala.
Por consequência, há espíritos em todos os graus do saber e da ignorância, de
bondade e de maldade. Nas classes inferiores, encontram-se os que ainda estão
profundamente inclinados para o mal, e que nele se comprazem. Se quisermos
pode-se chama-los demônios porque eles são capazes de todas as más ações
atribuídas a estes últimos. Se o Espiritismo não os denomina assim é porque tal
nome se prende à ideia de seres distintos da humanidade de uma natureza
essencialmente perversa, consagrados ao mal por toda a eternidade e incapazes
de progredirem no bem. 21. Segundo a doutrina da Igreja, os demônios foram
criados bons e tornaram-se maus pela sua desobediência: são os anjos decaídos;
eles foram colocados por Deus no alto da escala, e desceram. Segundo o Espiritismo,
são espíritos imperfeitos, mas que irão melhorar; ainda estão na parte inferior
da escala, e se elevarão. Durante os primeiros períodos da sua existência, os
espíritos estão sujeitos à encarnação material que é necessária ao seu
desenvolvimento, até que tenham chegado a um certo grau. O número das
encarnações é indeterminado e subordinado à rapidez do progresso; o progresso
se realiza em razão do trabalho e da boa vontade do espírito que age, em
qualquer circunstância, pelo poder do seu livre-arbítrio. Aqueles que, por seu
descuido, sua negligência, sua obstinação e sua má vontade permanecem mais
tempo nas classes inferiores, disso se ressentem, e o hábito da permanência no
mal torna-lhe mais difícil sair dele; mas chega um momento em que se cansam dessa
existência penosa e dos sofrimentos que são a sua consequência; é então que,
comparando sua situação à dos bons espíritos, eles compreendem que seu
interesse está no bem, e procuram melhorar-se, mas o fazem por sua própria
vontade e sem serem obrigados a isso. Eles estão submetidos à lei do progresso
por sua disposição inata para progredir, porém, não progridem contra sua
própria vontade. Deus lhes fornece incessantemente os meios, mas eles são
livres para aproveitá-los ou não. Se o progresso fosse obrigatório, nenhum
mérito teriam, e Deus quer que tenham o mérito das suas obras. Deus não coloca
nenhum no primeiro lugar por privilégio, o primeiro lugar está aberto a todos,
mas eles só o alcançam por seus esforços. Os anjos mais elevados conquistaram
seu grau percorrendo, como os outros, o mesmo caminho. Todos, desde o cimo até
a base, pertenceram ou pertencem ainda à humanidade. Os homens são, assim,
espíritos encarnados mais ou menos adiantados, e os espíritos são as almas dos
homens que deixaram seu invólucro material. A vida espiritual é a vida normal
do espírito; o corpo é apenas uma vestimenta temporária apropriada às funções
que eles devem exercer na Terra, assim como o guerreiro veste a armadura e a
cota de malha para o momento do combate, e as deixa após a batalha, sob a
condição de vesti-las novamente quando vier o momento de uma nova luta. A vida
corporal é o combate, a luta que os espíritos devem sofrer para avançar; em
vista disso, eles revestem a armadura que é para eles um instrumento de ação mas,
ao mesmo tempo, uma tortura. Os espíritos trazem na encarnação suas qualidades
de espírito; aqueles que são imperfeitos são os homens imperfeitos; aqueles que
são mais adiantados, bons, inteligentes, instruídos, são os homens
instintivamente bons, inteligentes e aptos a adquirir com facilidade novos
conhecimentos; da mesma forma, os homens ao morrerem fornecem ao mundo
espiritual espíritos bons ou maus, adiantados ou atrasados. O mundo corporal e
o mundo espiritual se inclinam assim constantemente um sobre o outro. Entre os
maus espíritos existem os que têm toda a perversidade dos demônios, e a quem se
pode aplicar perfeitamente a imagem que se faz desses últimos. Na sua
encarnação, eles produzem esses homens perversos e astuciosos que se comprazem
no mal, que parecem nascidos para a desgraça de todos aqueles que eles atraem
na sua intimidade, e dos quais pode-se dizer, sem lhes fazer injúria, que são
demônios encarnados. 22. Tendo alcançado um certo grau de purificação, os
espíritos têm missões relacionadas com o seu adiantamento; eles cumprem todas
aquelas que são atribuídas aos anjos de diferentes ordens. Como Deus criou
desde sempre, desde sempre se encontraram espíritos para satisfazer a todas as
necessidades do governo do Universo. Uma só espécie de seres inteligentes,
submetidos à lei do progresso, é, portanto, sufi ciente para tudo. Essa unidade
na criação, com a ideia de que todos têm um mesmo ponto de partida, o mesmo
caminho para percorrer, e que se elevam por seu próprio mérito, corresponde bem
melhor à justiça de Deus do que à criação de espécies diferentes, mais ou menos
favorecidas por dons naturais que seriam semelhantes a privilégios. 23. A
doutrina comum sobre a natureza dos anjos, dos demônios e das almas humanas,
não admitindo a lei do progresso, e vendo, no entanto, seres em diversos graus
de evolução, chegou à conclusão de que eles eram o produto de criações
igualmente especiais. Ela chegou, assim, a fazer de Deus um pai parcial, dando
tudo a alguns de seus filhos, enquanto a outros impunha o mais rude trabalho.
Não é de admirar que durante muito tempo os homens nada tenham achado de
chocante nessas preferências, porquanto eles agiam da mesma forma relativamente
aos seus próprios filhos, pelo direito de primogenitura e os privilégios do nascimento;
podiam esses homens acreditar que faziam mais mal do que Deus? Porém,
atualmente o círculo das ideias se ampliou; eles vêm mais claro; têm noções
mais nítidas da justiça e a querem para si mesmos; se não a encontram hoje
sobre a Terra, esperam, pelo menos, encontrá-la mais perfeita no céu; eis por
que, toda doutrina em que a justiça divina não lhes apareça em sua maior
pureza, contraria a sua razão. Livro O Céu e o Inferno. Abraço. Davi
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