Espiritismo.
www.fetnet.org.br. Texto de Allan
Kardec (1804-1869). Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Livro A Gênese – Os Milagres e as
Predições Segundo o Espiritismo. Capítulo I. CARÁTER DA REVELAÇÃO ESPÍRITA II.
Já não é o Deus que faz da vingança uma virtude e ordena se retribua olho por
olho, dente por dente; mas o Deus de misericórdia, que diz: “Perdoai as
ofensas, se quiserdes ser perdoados; fazei o bem em troca do mal; não façais a
outrem o que não quereis que vos façam.” Já não é o Deus mesquinho e
meticuloso, que impõe, sob as mais rigorosas penas, o modo como quer ser
adorado, que se ofende com a inobservância de uma fórmula; mas o Deus grande,
que vê o pensamento e não se honra com a forma. Enfim, já não é o Deus que quer
ser temido, mas o Deus que quer ser amado. 24. Sendo Deus o eixo de todas as
crenças religiosas e o objetivo de todos os cultos, o caráter de todas as
religiões é conforme à ideia que elas têm de Deus. As religiões que fazem de
Deus um ser vingativo e cruel julgam honrá-lo com atos de crueldade, com
fogueiras e torturas; as que têm um Deus parcial e cioso são intolerantes e
mais ou menos meticulosas na forma, por o acreditarem mais ou menos contaminado
das fraquezas e bagatelas humanas. 25. Toda a doutrina do Cristo se funda no
caráter que Ele atribui à Divindade. Com um Deus imparcial, soberanamente
justo, bom e misericordioso, Ele fez do amor de Deus e da caridade para com o
próximo a condição expressa da salvação, dizendo: Amai a Deus sobre todas as
coisas e o vosso próximo como a vós mesmos; nisto estão, toda a lei e os
profetas; não existe outra lei. Sobre esta crença, assentou o princípio da
igualdade dos homens perante Deus e o da fraternidade universal. Mas era
possível amar o Deus de Moisés? Não; só se podia temê-lo. A revelação dos
verdadeiros atributos da Divindade, juntamente com a da imortalidade da alma e
da vida futura, modificava profundamente as relações mútuas dos homens,
impunha-lhes novas obrigações, fazia- -os encarar a vida presente sob outro
aspecto e tinha, por isso mesmo, de reagir contra os costumes e as relações
sociais. É esse incontestavelmente, por suas consequências, o ponto principal
da revelação do Cristo, cuja importância não foi compreendida suficientemente
e, é lamentável dizer, é também o ponto de que a humanidade mais se tem
afastado, que mais tem ignorado na interpretação dos seus ensinos. 26.
Entretanto, o Cristo acrescenta: “Muitas das coisas que vos digo ainda não as
podeis compreender, e muitas outras eu teria a dizer, que não compreenderíeis;
é por isso que vos falo por parábolas; mais tarde, porém, enviar-vos-ei o
Consolador, o Espírito de Verdade, que restabelecerá todas as coisas e vo-las
explicará todas.” (João, 14:16; Mateus, 17.) Se, pois, o Cristo não disse tudo
quanto poderia dizer, é que julgou conveniente deixar certas verdades na sombra
até que os homens estivessem em condição de compreendê-las. Como Ele próprio o
confessou, seu ensino era incompleto, visto anunciar a vinda daquele que
deveria completá-lo; previra, pois, que suas palavras seriam desprezadas ou mal
interpretadas, e que os homens se desviariam do seu ensino; em suma, que
desfariam o que Ele fez, uma vez que todas as coisas hão de ser restabelecidas.
Ora, só se restabelece aquilo que foi desfeito. 27. Por que Ele chama de
Consolador ao novo messias? Este nome, significativo e sem ambiguidade, encerra
toda uma revelação. Assim, Ele previra que os homens teriam necessidade de
consolações, o que implica a insuficiência daquelas que eles achariam na crença
que iam fundar. Talvez nunca o Cristo fosse tão claro, tão explícito como
nestas últimas palavras, às quais poucas pessoas deram a devida atenção,
provavelmente porque evitaram esclarecê-las e aprofundar-lhes o sentido
profético. 28. Se o Cristo não pôde desenvolver o seu ensino de maneira
completa, é que faltavam aos homens conhecimentos que eles só podiam adquirir
com o tempo e sem os quais não o compreenderiam; há muitas coisas que teriam
parecido absurdas no estado dos conhecimentos de então. Completar o seu ensino entende-se
no sentido de explicar e desenvolver, e não no de juntar-lhe verdades novas,
porque tudo nele se encontra em estado de germe, faltando-lhe somente a chave
para se apreender o sentido de suas palavras. 29. Mas quem se arroga o direito
de interpretar as Escrituras Sagradas? Quem tem esse direito? Quem possui as
luzes necessárias senão os teólogos? Quem o ousa? Primeiro, a Ciência, que não
pede permissão a ninguém para dar a conhecer as leis da natureza e que salta
sobre os erros e os preconceitos. Quem tem esse direito? Neste século10 de
emancipação intelectual e de liberdade de consciência, o direito de exame
pertence a todos, e as Escrituras não são mais a arca santa11 na qual ninguém
se atreveria a tocar com a ponta do dedo sem correr o risco de ser fulminado. Quanto
às luzes especiais necessárias, sem contestar as dos teólogos, por mais
esclarecidos que fossem os da Idade Média, e, em particular, os Pais da Igreja,
eles, contudo, ainda não eram esclarecidos o bastante para não condenarem, como
heresia, o movimento da Terra e a crença nos antípodas.12 Mesmo sem ir tão
longe, os teólogos dos nossos dias não lançaram anátema à teoria dos períodos
de formação da Terra? Os homens só puderam explicar as Escrituras com o auxílio
do que sabiam, das noções falsas e incompletas que tinham sobre as leis da
natureza, mais tarde reveladas pela Ciência. Eis por que os próprios teólogos,
de muito boa-fé, se enganaram sobre o sentido de certas palavras e fatos do
Evangelho. Querendo a todo custo encontrar nele a confirmação de uma ideia
preconcebida, giraram sempre no mesmo círculo, sem abandonar o seu ponto de
vista, de modo que só viam o que queriam ver. Por mais instruídos que fossem,
eles não podiam compreender as causas dependentes de leis que lhes eram
desconhecidas. Quem, porém, julgará interpretações diversas e muitas vezes
contraditórias, dadas fora do campo da Teologia? O futuro, a lógica e o bom
senso. Os homens, cada vez mais esclarecidos, à medida que novos fatos e novas
leis se forem revelando, saberão separar da realidade os sistemas utópicos.
Ora, as ciências tornam conhecidas algumas leis; o Espiritismo revela outras;
todas são indispensáveis à compreensão dos textos sagrados de todas as
religiões, desde Confúcio13 e Buda14 até o Cristianismo. Quanto à Teologia, essa
não poderá judiciosamente alegar contradições da Ciência, visto como também ela
nem sempre está de acordo consigo mesma. 30. O Espiritismo, partindo das
próprias palavras do Cristo, como este partiu das de Moisés, é consequência
direta da sua doutrina. À ideia vaga da vida futura, acrescenta a revelação da
existência do mundo invisível que nos rodeia e povoa o espaço, e com isso
precisa a crença, dá-lhe um corpo, uma consistência, uma realidade à ideia.
Define os laços que unem a alma ao corpo e levanta o véu que ocultava aos
homens os mistérios do nascimento e da morte. Pelo Espiritismo, o homem sabe de
onde vem, para onde vai, por que está na Terra, por que sofre temporariamente e
vê por toda parte a Justiça de Deus. Sabe que a alma progride incessantemente,
através de uma série de existências sucessivas, até atingir o grau de perfeição
que a aproxima de Deus. Sabe que todas as almas, tendo um mesmo ponto de
origem, são criadas iguais, com a mesma aptidão para progredir, em virtude do
seu livre-arbítrio; que todas são da mesma essência e que não há diferença
entre elas, senão quanto ao progresso realizado; que todas têm o mesmo destino
e alcançarão o mesmo fim, mais ou menos rapidamente, conforme seu trabalho e
boa vontade. Sabe que não há criaturas deserdadas, nem mais favorecidas umas do
que outras; que Deus não privilegiou a criação de nenhuma delas, nem dispensou
quem quer que fosse do trabalho imposto às outras para progredirem; que não há
seres perpetuamente votados ao mal e ao sofrimento; que os que se designam pelo
nome de demônios são Espíritos ainda atrasados e imperfeitos, que praticam o
mal no Espaço, como o praticavam na Terra, mas que se adiantarão e
aperfeiçoarão; que os anjos ou Espíritos puros não são seres à parte na
Criação, mas Espíritos que chegaram à meta depois de terem palmilhado a estrada
do progresso; que, desse modo, não há criações múltiplas, nem diferentes
categorias entre os seres inteligentes, mas que toda a Criação resulta da
grande lei de unidade que rege o universo e que todos os seres gravitam para um
fim comum, que é a perfeição, sem que uns sejam favorecidos à custa de outros,
visto serem todos filhos das suas próprias obras. 31. Pelas relações que agora
pode estabelecer com aqueles que deixaram a Terra, o homem possui não só a
prova material da existência e da individualidade da alma, como também
compreende a solidariedade que liga os vivos aos mortos deste mundo, e os deste
mundo aos dos outros planetas. Conhece a situação deles no mundo dos Espíritos,
acompanha-os em suas migrações, testemunha suas alegrias e penas; sabe por que
são felizes ou infelizes e a sorte que lhes está reservada, conforme o bem ou o
mal que fizeram. Essas relações iniciam o homem na vida futura, que ele pode
observar em todas as suas fases, em todas as suas peripécias; o futuro já não é
uma vaga esperança, mas um fato positivo, uma certeza matemática. Desde então,
a morte nada mais tem de aterrador, por lhe ser a libertação, a porta da
verdadeira vida. Pelo estudo da situação dos Espíritos, o homem sabe que a
felicidade e a infelicidade na vida espiritual são inerentes ao grau de
perfeição e de imperfeição; que cada um sofre as consequências diretas e
naturais de suas faltas, ou, por outra, que é punido no que pecou; que essas
consequências duram tanto quanto a causa que as produziu; que, por conseguinte,
o culpado sofreria eternamente se persistisse sempre no mal, mas que o
sofrimento cessa com o arrependimento e a reparação. Ora, como depende de cada
qual o seu aperfeiçoamento, todos podem, em virtude do livre-arbítrio,
prolongar ou abreviar seus sofrimentos, como o doente sofre, pelos seus
excessos, enquanto não lhes põe termo. 33. Se a razão repele, como incompatível
com a bondade de Deus, a ideia das penas irremissíveis, perpétuas e absolutas,
muitas vezes infligidas por uma única falta; a dos suplícios do inferno, que
não podem ser minorados nem sequer pelo arrependimento mais ardente e mais
sincero, a mesma razão se inclina diante dessa justiça distributiva e
imparcial, que leva tudo em conta, que nunca fecha a porta ao arrependimento e
estende constantemente a mão ao náufrago, em vez de o empurrar para o abismo.
34. A pluralidade das existências, cujo princípio o Cristo estabeleceu no
Evangelho, sem, todavia, defini-lo como a muitos outros, é uma das leis mais
importantes reveladas pelo Espiritismo, visto demonstrar a sua realidade e a
necessidade para o progresso. Com esta lei, o homem explica todas as aparentes
anomalias da vida humana; as diferenças de posição social; as mortes prematuras
que, sem a reencarnação, tornariam inúteis para a alma as vidas de curta
duração; a desigualdade de aptidões intelectuais e morais, pela ancianidade do
Espírito que mais ou menos aprendeu ou progrediu, e que traz, ao renascer, o
que adquiriu em suas existências anteriores. (Item 5.) 35. Com a doutrina da
criação da alma no instante do nascimento, cai-se no sistema das criações
privilegiadas; os homens são estranhos uns aos outros e nada os liga; os laços
de família são puramente carnais; não são de nenhum modo solidários com um
passado em que não existiam. Com a doutrina do nada após a morte, todas as
relações cessam com a vida e, assim, os seres humanos não são solidários no
futuro. Pela reencarnação, são solidários no passado e no futuro e, como as
suas relações se perpetuam, tanto no mundo espiritual como no corpóreo, a
fraternidade tem por base as próprias leis da natureza; o bem tem um objetivo,
e o mal, consequências inevitáveis. 36. Com a reencarnação, desaparecem os
preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer
rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou
escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça
da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte,
nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a
reencarnação firma numa Lei da natureza o princípio da fraternidade universal,
também firma na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por
conseguinte, o da liberdade.15 37. Tirai ao homem o Espírito livre e
independente, sobrevivente à matéria, e fareis dele uma simples máquina
organizada, sem finalidade nem responsabilidade, sem outro freio além da lei
civil e pronta para ser explorada como um animal inteligente. Nada esperando
depois da morte, faz de tudo para aumentar os gozos do presente; se sofre, só
tem a perspectiva do desespero e o nada como refúgio. Com a certeza do futuro,
com a convicção de encontrar novamente aqueles a quem amou e com o temor de
tornar a ver aqueles a quem ofendeu, todas as suas ideias mudam. Ainda que o
Espiritismo só servisse para libertar o homem da dúvida quanto à vida futura,
já teria feito mais pelo seu aperfeiçoamento moral do que todas as leis
disciplinares, que o detêm algumas vezes, mas que não o transformam. 38. Sem a
preexistência da alma, a doutrina do pecado original não somente seria
inconciliável com a Justiça de Deus, como tornaria todos os homens responsáveis
pela falta de um só; seria um contrassenso, e tanto menos justificável porque,
segundo essa doutrina, a alma não existia na época em que se pretende fazer
remontar a sua responsabilidade. Com a preexistência o homem traz, ao renascer,
o germe das suas imperfeições, dos defeitos de que não se corrigiu e que se
traduzem pelos instintos naturais e pelos pendores para tal ou qual vício. É
esse o seu verdadeiro pecado original cujas consequências sofre naturalmente,
mas com a diferença capital de que sofre a pena das suas próprias faltas, e não
a pena das faltas cometidas por outrem. Contudo, existe ainda outra diferença,
ao mesmo tempo consoladora, animadora e soberanamente equitativa, segundo a
qual cada existência lhe oferece os meios de progredir e de se redimir pela
reparação, quer despojando-se de alguma imperfeição, quer adquirindo novos
conhecimentos, até que, suficientemente depurado, o homem não mais necessite da
vida corpórea e possa viver exclusivamente a vida espiritual, eterna e
bem-aventurada. Pela mesma razão, aquele que progrediu moralmente traz, ao
renascer, qualidades naturais, como o que progrediu intelectualmente traz
ideias inatas. Identificado com o bem, pratica-o sem esforço, sem cálculo e,
por assim dizer, sem pensar. Aquele que é obrigado a combater as suas más
tendências vive ainda em luta; o primeiro já venceu, o segundo está prestes a
vencer. Existe, pois, a virtude original, como existe o saber original, e o
pecado ou, antes, o vício original. 39. O Espiritismo experimental estudou as
propriedades dos fluidos espirituais e a ação deles sobre a matéria. Demonstrou
a existência do perispírito, suspeitado desde a Antiguidade por Paulo sob o
nome de corpo espiritual, isto é, corpo fluídico da alma, após a destruição do
corpo tangível. Sabe-se hoje que esse envoltório é inseparável da alma, forma
um dos elementos constitutivos do ser humano, é o veículo da transmissão do
pensamento e, durante a vida do corpo, serve de laço entre o Espírito e a
matéria. O perispírito representa importantíssimo papel no organismo e numa
porção de afecções que se ligam à Fisiologia, assim como à Psicologia. 40. O
estudo das propriedades do perispírito, dos fluidos espirituais e dos atributos
fisiológicos da alma abre novos horizontes à Ciência e dá a solução de uma
série de fenômenos incompreendidos até agora, por falta de conhecimento da lei
que os rege; fenômenos, aliás, negados pelo materialismo, por se prenderem à
espiritualidade, e qualificados como milagres ou sortilégios por outras
crenças. Tais são, entre outros, o fenômeno da dupla vista, da visão a distância,
do sonambulismo natural e artificial, dos efeitos psíquicos da catalepsia e da
letargia, da presciência, dos pressentimentos, das aparições, das
transfigurações, da transmissão do pensamento, da fascinação, das curas
instantâneas, das obsessões e possessões etc. Demonstrando que esses fenômenos
repousam em leis naturais, como os fenômenos elétricos, e em que condições
normais se podem reproduzir, o Espiritismo destrói o império do maravilhoso e
do sobrenatural e, por conseguinte, a fonte da maior parte das superstições. Se
leva à crença na possibilidade de certas coisas consideradas por alguns como
quiméricas, também impede que se creia em muitas outras, comprovando a sua
impossibilidade e irracionalidade. 41. Longe de negar ou destruir o Evangelho,
o Espiritismo vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver, pelas novas
leis da natureza que ele revela, tudo quanto o Cristo disse e fez; elucida os
pontos obscuros do ensino cristão, de tal sorte que aqueles para quem eram
ininteligíveis certas partes do Evangelho, ou pareciam inadmissíveis, as
compreendem e admitem, sem dificuldade, com o auxílio desta doutrina, veem
melhor o seu alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria; o
Cristo lhes parece maior: já não é simplesmente um filósofo, mas um Messias
divino. 42. Além disso, se se considerar o poder moralizador do Espiritismo,
pela finalidade que confere a todas as ações da vida, por tornar quase
tangíveis as consequências do bem e do mal, pela força moral, a coragem e as
consolações que dá nas aflições, mediante inalterável confiança no futuro, pela
ideia de ter, cada um, perto de si os seres a quem amou, a certeza de os rever,
a possibilidade de conversar com eles; enfim, pela certeza de que tudo quanto
se fez, quanto se adquiriu em inteligência, sabedoria, moralidade, até a última
hora da vida, não fica perdido, que tudo aproveita ao adiantamento do Espírito,
reconhece-se que o Espiritismo realiza todas as promessas do Cristo a respeito
do Consolador anunciado. Ora, como é o Espírito de Verdade que preside ao
grande movimento regenerador, a promessa do seu advento se acha por essa forma
cumprida, porque, de fato, é ele o verdadeiro Consolador. 16 43. Se a estes
resultados adicionarmos a rapidez prodigiosa da propagação do Espiritismo, apesar
de tudo quanto têm feito para abatê-lo, não se poderá negar que a sua vinda
seja providencial, visto que ele triunfa de todas as forças e de toda a má
vontade dos homens. A facilidade com que é aceito por tão grande número de
pessoas, sem constrangimento, apenas pelo poder da ideia, prova que ele
corresponde a uma necessidade, qual a de crer o homem em alguma coisa para
encher o vácuo aberto pela incredulidade e que, portanto, veio no momento
preciso. 44. Os aflitos de toda sorte são em grande número. Não é, pois, de
admirar que tanta gente acolha uma doutrina que consola, de preferência às que
desesperam, porque aos deserdados, mais que aos felizes do mundo, é que o
Espiritismo se dirige. O doente vê chegar o médico com maior satisfação do que
aquele que está bem de saúde; ora, os aflitos são os doentes e o Consolador é o
médico. Vós, que combateis o Espiritismo, se quereis que o abandonemos para vos
seguir, dai-nos mais e melhor do que ele; curai com maior segurança as feridas
da alma. Dai mais consolações, mais satisfações ao coração, esperanças mais
legítimas, maiores certezas; fazei do futuro um quadro mais racional, mais
sedutor; porém, não julgueis vencê-lo com a perspectiva do nada, com a
alternativa das chamas do inferno ou com a inútil contemplação perpétua. 45. A
primeira revelação teve a sua personificação em Moisés, a segunda no Cristo,
mas a terceira não tem indivíduo algum a personificá-la. As duas primeiras
foram individuais, a terceira foi coletiva; aí está um caráter essencial de
grande importância. Ela é coletiva no sentido de não ser feita ou dada como
privilégio a pessoa alguma; ninguém, por conseguinte, pode arrogar-se como seu
profeta exclusivo. Foi espalhada simultaneamente por sobre toda a Terra, a
milhões de pessoas, de todas as idades e condições, desde a mais baixa até a
mais alta da escala, conforme esta predição registrada pelo autor dos Atos dos
Apóstolos: “Nos últimos tempos, disse o Senhor, derramarei do meu espírito
sobre toda a carne; os vossos filhos e filhas profetizarão, vossos jovens terão
visões e vossos velhos sonharão.” (Atos, 2:17 e 18.) Ela não proveio de nenhum
culto especial, a fim de servir um dia a todos de ponto de ligação. 46. As duas
primeiras revelações, sendo fruto do ensino pessoal, ficaram forçosamente
localizadas, isto é, apareceram num só ponto, em torno do qual a ideia se
propagou pouco a pouco; mas foram precisos muitos séculos para que atingissem
as extremidades do mundo, sem mesmo o invadirem completamente. A terceira tem
isto de particular: não sendo personificada em um só indivíduo, surgiu
simultaneamente em milhares de pontos diferentes, que se tornaram centros ou
focos de irradiação. Multiplicando-se esses centros, seus raios se reúnem pouco
a pouco, como os círculos formados por uma imensidade de pedras lançadas na
água, de tal sorte que, em dado tempo, acabarão por cobrir toda a superfície do
globo. Essa é uma das causas da rápida propagação da Doutrina. Se ela tivesse
surgido num só ponto, se fosse obra exclusiva de um homem, teria formado seitas
em torno dela e talvez decorresse meio século sem que atingisse os limites do
país onde começara, ao passo que, após dez anos, já fincou balizas de um polo a
outro. 47. Essa circunstância, verdadeiro fenômeno na história das doutrinas,
lhe dá força excepcional e irresistível poder de ação. De fato, se a
perseguirem num ponto, em determinado país, será materialmente impossível que a
persigam em toda parte e em todos os países. Em contraposição a um lugar onde
lhe dificultem a marcha, haverá mil outros em que florescerá. Ainda mais: se a
ferirem num indivíduo, não poderão feri-la nos Espíritos, que são a fonte de
que ela promana. Ora, como os Espíritos estão em toda parte e existirão sempre,
se, por um acaso impossível, conseguissem sufocar a Doutrina Espírita em todo o
globo, ela reapareceria pouco tempo depois, porque repousa sobre um fato que
está na natureza e não se podem suprimir as leis da natureza. Eis aí o de que
devem convencer-se aqueles que sonham com o aniquilamento do Espiritismo.
(Revista espírita, fevereiro de 1865: Perpetuidade do Espiritismo.) 48.
Entretanto, em virtude da disseminação dos centros, estes poderiam ainda
permanecer por muito tempo isolados uns dos outros ou confinados em países
longínquos, como sucede com alguns deles. Faltava entre eles uma ligação que os
pusesse em comunhão de ideias com seus irmãos em crença, informando-os do que
se fazia em outro lugar. Esse traço de união, que na Antiguidade teria faltado
ao Espiritismo, hoje existe nas publicações que vão a toda parte, condensando,
sob uma forma única, concisa e metódica, o ensino dado universalmente sob
formas múltiplas e nas diversas línguas. 49. As duas primeiras revelações só
podiam resultar de um ensino direto. Como os homens não estivessem ainda
bastante adiantados a fim de concorrerem para a sua elaboração, elas tinham que
ser impostas pela fé, sob a autoridade da palavra do Mestre. Contudo, notam-se
entre as duas, bem sensível diferença, devida ao progresso dos costumes e das
ideias, embora feitas ao mesmo povo e no mesmo meio, mas com dezoito séculos de
intervalo. A doutrina de Moisés é absoluta, despótica; não admite discussão e
se impõe ao povo pela força. A de Jesus é essencialmente conselheira; é
livremente aceita e só se impõe pela persuasão; foi controvertida desde o tempo
do seu fundador, que não desdenhava de discutir com os seus adversários. 50. A
Terceira Revelação, vinda numa época de emancipação e de maturidade
intelectual, em que a inteligência, já desenvolvida, não se conforma em
representar um papel meramente passivo, em que o homem nada aceita às cegas,
mas, ao contrário, quer ver aonde o conduzem, quer saber o porquê e o como de
cada coisa, tinha ela que ser ao mesmo tempo o produto de um ensino e o fruto
do trabalho, da pesquisa e do livre-exame. Os Espíritos só ensinam o que é
preciso para guiar o homem no caminho da verdade, mas se abstêm de revelar o
que ele pode descobrir por si mesmo, deixando-lhe o cuidado de discutir,
verificar e submeter tudo ao crivo da razão, deixando mesmo, muitas vezes, que
adquira experiência à própria custa. Os Espíritos fornecem-lhe o princípio, os
materiais, cabendo a ele aproveitá-los e pô-los em prática. (Item 15.) 51.
Tendo sido os elementos da revelação espírita ministrados simultaneamente em
muitos pontos, a homens de todas as condições sociais e de diversos graus de
instrução, é claro que as observações não podiam ser feitas em toda parte com o
mesmo resultado; que as consequências a tirar, a dedução das leis que regem
esta ordem de fenômenos, em suma, a conclusão sobre a qual haviam de firmar-se
as ideias não podiam sair senão do conjunto e da correlação dos fatos. Ora,
cada centro isolado, circunscrito dentro de um círculo restrito, não vendo na
maioria das vezes mais que uma ordem particular de fatos, não raro
contraditórios na aparência, geralmente lidando com a mesma categoria de
Espíritos e, além disso, embaraçados por influências locais e pelo espírito de
partido, se achava na impossibilidade material de abranger o conjunto e, por
isso mesmo, incapaz de conjugar as observações isoladas a um princípio comum.
Apreciando cada qual os fatos sob o ponto de vista dos seus conhecimentos e
crenças anteriores, ou da opinião particular dos Espíritos que se manifestam,
bem cedo teriam surgido tantas teorias e sistemas quantos fossem os centros,
todos incompletos por falta de elementos de comparação e exame. Numa palavra,
cada um se teria imobilizado na sua revelação parcial, julgando possuir toda a
verdade, ignorando que em cem outros lugares se obtinha mais e melhor. 52. Além
disso, convém notar que em parte alguma o ensino espírita foi dado de maneira
completa. Ele diz respeito a tão grande número de observações, a assuntos tão
diferentes, exigindo conhecimentos e aptidões mediúnicas especiais, que seria
impossível se acharem reunidas num mesmo ponto todas as condições necessárias.
Tendo o ensino que ser coletivo e não individual, os Espíritos dividiram o
trabalho, disseminando os assuntos de estudo e observação como, em algumas
fábricas, a confecção de cada parte de um mesmo objeto é repartida por diversos
operários. A revelação fez-se assim, parcialmente, em diversos lugares e por
uma multidão de intermediários, e é dessa maneira que ela prossegue ainda, pois
nem tudo foi revelado. Cada centro encontra nos outros centros o complemento do
que obtém, e foi o conjunto, a coordenação de todos os ensinos parciais que
constituíram a Doutrina Espírita. Era, pois, necessário agrupar os fatos
esparsos para se lhes verificar a correlação, reunir os documentos diversos, as
instruções dadas pelos Espíritos sobre todos os pontos e sobre todos os
assuntos, a fim de compará-las, analisá-las, estudar as suas analogias e
diferenças. Vindo as comunicações de Espíritos de todas as ordens, mais ou
menos esclarecidos, era preciso apreciar o grau de confiança que a razão
permitia conceder-lhes, distinguir as ideias sistemáticas individuais ou
isoladas das que tinham a sanção do ensino geral dos Espíritos; as utopias das
ideias práticas; afastar as que eram notoriamente desmentidas pelos dados da
ciência positiva e da lógica, utilizar igualmente os erros, as informações
fornecidas pelos Espíritos, mesmo os da mais baixa categoria, para conhecimento
do estado do mundo invisível e formar com isso um todo homogêneo. Era preciso,
em suma, um centro de elaboração independente de qualquer ideia preconcebida de
todo prejuízo de seita, resolvido a aceitar a verdade tornada evidente, embora
contrária às opiniões pessoais. Este centro se formou por si mesmo, pela força
das coisas e sem desígnio premeditado. 18 53. De todas essas coisas resultou
dupla corrente de ideias: umas se dirigindo das extremidades para o centro; as
outras se encaminhando do centro para a periferia. Desse modo a Doutrina
caminhou rapidamente para a unidade, apesar da diversidade das fontes de onde
emanou; os sistemas diversos ruíram pouco a pouco, devido ao isolamento em que
ficaram, diante do ascendente da opinião da maioria, por não encontrar
repercussão simpática. Desde então, uma comunhão de pensamentos se estabeleceu
entre os diversos centros parciais. Falando a mesma linguagem, eles se entendem
e estimam, de um extremo a outro do mundo. Sentindo-se mais fortes, os
espíritas lutaram com mais coragem, caminharam com passo mais firme, desde que
não mais se viram isolados, desde que sentiram um ponto de apoio, um laço a
prendê-los à grande família. Os fenômenos que presenciavam já não lhes pareciam
singulares, anormais, contraditórios, desde que puderam conjugá-los a leis
gerais de harmonia, perceber num piscar de olhos toda a obra e descobrir um fim
grandioso e humanitário em todo o conjunto. www.fetnet.org.br.
Abraço. Davi
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