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REVISITANDO O JARDIM DO ÉDEN. “E plantou o Eterno, D’us um jardim no Éden, no
Oriente, e lá colocou o homem que criou. E, fez brotar da Terra, o Eterno,
D’us, toda árvore cobiçável aos olhos e apetitosa ao paladar, e nesse jardim
estava a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal”. Gênesis 2:
8-9. A história do Jardim do Éden – Adão e Eva e a
serpente, e da partilha do fruto proibido é universal em seu escopo. Apesar de
ser uma história da Toráh, não é dirigida exclusivamente ao Povo Judeu.
Envolveu pai e mãe de toda a humanidade, pertencendo, portanto, a todos os
seres humanos de todas as gerações. De fato, o ocorrido no Jardim do Éden, não
constituiu um evento singular em um passado longínquo; constitui uma história
recorrente na vida de qualquer homem e qualquer mulher. A Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. O pecado de Adão e Eva é por demais conhecido. Enquanto
viviam no Jardim do Éden, tinham permissão para comer de todas as árvores,
exceto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. D'us previne Adão que a
consequência de se violar a proibição seria a morte. Mas, a despeito do severo
alerta, Eva se deixa seduzir pela serpente e partilha do fruto proibido, o
qual, mais tarde, oferece ao marido e a todos os animais. Em decorrência disso,
a morte é introduzida no mundo e Adão e Eva são banidos do Éden para sempre. O mais peculiar em todo o incidente é a natureza da
proibição, em si. Por que razão haveria de ser proscrito o conhecimento e
associado ao pecado e à morte? A superioridade do homem perante os demais
reinos reside não apenas em sua capacidade espiritual, mas também na mental.
Com efeito, essa mesma Toráh, que conta a história de Adão e Eva, exacerba o
valor supremo do aprendizado e da busca pelo saber e pela verdade. Como diz o
Talmud, quem possui conhecimento, tudo possui; quem não o possui, nada possui. Outro problema intrigante é o argumento usado pela serpente
para convencer Eva a provar do fruto proibido. Era verdadeira a sua alegação de
que "No dia em que do fruto comeres, teus olhos se abrirão e serás como
D'us, que conhece o bem e o mal". Isto traz à tona a pergunta: por que
razão D'us, que criou o homem à Sua imagem, não quis que desfrutasse de parte
de Sua sabedoria? Ao tentar responder a tais perguntas, é preciso, primeiro,
conhecer mais sobre a natureza do primeiro homem e da primeira mulher. Antes de
incidir em pecado, a existência física do homem era pura santidade. Como nos
ensina Rabi Shimon bar Yochai (século II), autor do Zohar, até o mais
espiritual dos seres humanos na História não consegue se equiparar à estatura
espiritual de Adão. Ele nasceu para ser imortal e para viver livre de
preocupações, esforços e sofrimentos. Sua missão consistia em tornar o Éden
mais perfeito e poderoso para que tal perfeição e força pudessem estender-se
por todo o mundo. Adão nasceu sem maldade; mas isso não significa
que o mal não existisse no mundo. De fato, o antagonista na história – a
serpente – era a própria encarnação do Mal. Os livros místicos sugerem que a
serpente, que também personificava a Árvore do Conhecimento, estava exasperada
pela imunidade humana ao mal. Ressentia-se do fato de o homem viver livre dos
conflitos e tormentos, e, por isso, tentou atraí-lo para um círculo vicioso de
luta e sofrimento. Várias outras são as explicações para o que teria levado a
serpente a tentar Eva, mas esta, em especial, alinha-se com os ensinamentos
cabalísticos de que o mal sente uma irresistível atração pela bondade. Parasita
por excelência, o mal se alimenta de santidade e é a bondade o que lhe dá
sustento e significado. Exemplificado de forma simplista: o homem malvado
apenas ascende ao status de "super vilão" quando se lança em
guerra contra um "super-herói"; caso contrário, não passa de um
simples malfeitor. De modo similar, o Mau Instinto não demonstra grande
interesse nos indivíduos que com ele naturalmente se alinham. Ao invés disso,
não mede esforços tentando atrair os bons e puros. Isto explica o ensinamento
talmúdico de que "quanto maior o homem, maior seu instinto maligno".
É por isso que Adão e Eva foram presa fácil da tentação: o Mau Instinto sobre
eles lançou potentes forças hostis que os levaram a pecar. Uma das lições óbvias do episódio da Árvore do Conhecimento é
que o homem tem atração pelo que lhe é proibido. A Torá reconhece que (…).
"As águas roubadas são doces (…)" (Provérbios, 9: 17) - ou seja, é do
gênero humano cobiçar o proibido. O fruto proibido se tornou uma metáfora, um
símbolo da atração e do fascínio pelo pecado. Desde o Jardim do Éden, isto tem
sido uma realidade na vida de praticamente todos os seres humanos. Para alguns,
pode tratar-se de algo tão mundano quanto o alimento que não deve ser ingerido;
para outros, pode ser uma tentação mais destrutiva, como um relacionamento
proibido. Mas, qualquer tentação empalidece face ao que a serpente, falando em
nome da Árvore do Conhecimento, ofereceu a Adão e Eva. O partilhar do fruto
proibido significava a realização do maior desejo dos homens: a capacidade de
se parecer a D'us – controlar o próprio destino e exercer poder sobre o mundo.
Sem dúvida, a perspectiva mais atraente que pode ser oferecida a um ser humano:
a possibilidade de "cruzar a barreira", de ir além e se tornar
divino. Desde os dias de Adão, o homem tem tentado fazê-lo. Atrai-o a magia, o
conhecimento esotérico, o misticismo, tudo na esperança de se sobrepor às
dimensões do humano. À semelhança de outros vilões da história, a
serpente foi fiel à sua palavra. Entregou o que prometera. Assim que Eva e Adão
comeram do fruto da Árvore do Conhecimento, passaram a possuir algo que era
reservado a D'us, algo com que nem mesmo os anjos mais elevados contavam - o
livre arbítrio. Por ter provado do fruto do bem e do mal, descobriram dentro de
si novas aptidões, tornando-se fatores mais dinâmicos no Universo. Como D'us,
ganharam o poder de querer, criar e destruir. A
serpente demonstrou astúcia extraordinária, pois contou a verdade a Eva – mas
não a contou por inteiro. Após daquele fruto comer, o homem efetivamente passou
a conhecer o bem e o mal; mas, ao contrário do Criador e dos seres espirituais,
ele interiorizou tal conhecimento. Os animais não são dotados de livre
arbítrio, nem os anjos, que são meros mensageiros divinos, e, portanto,
impenetráveis ao mal. O homem, vulnerável a qualquer influência, não tem o dom
de conhecer o maligno e permanecer imune ao mesmo. Uma vez tendo provado do fruto
proibido, pode continuar sendo boa pessoa, mas jamais recuperará a inocência
perdida. Não há riqueza nem sabedoria, por maior que seja, que possa
restaurá-la. Em vista do que acabamos de discutir, podemos tratar do
motivo para que o fruto da Árvore do Conhecimento fosse proscrito. Como se pode
prever, as respostas são várias. Uma destas diz que o homem não foi criado para
saber tudo. De fato, quantas pessoas excelentes e talentosas caíram vítima da
confusão intelectual e espiritual, do vício e do comportamento destrutivo,
simplesmente por buscarem conhecer e experimentar tudo o que a vida lhes tinha
a oferecer? Adão foi proibido de comer da Árvore do Conhecimento do Bem e do
Mal porque o homem não tem condições de se manter totalmente alheio e imune àquilo
com o que tem contato. D'us sabia que se o homem viesse a conhecer a maldade os
resultados seriam desastrosos, pois ele ficaria atraído pelo mal. E foi
exatamente o que ocorreu. Após sentir o gosto do fruto proibido, bem e mal se
fundiram no interior de Adão e Eva. Na língua
hebraica, a palavra lada'at – “conhecer, saber” - contém um elemento
emocional. O versículo que aparece no mesmo capítulo do relato sobre a Árvore
do Conhecimento – e que conta que "Adão conheceu Eva, sua mulher” – não
contém um eufemismo, como se pensa. Pelo contrário. Conta-nos que um
relacionamento físico entre duas pessoas nunca é completamente desvinculado de
um elemento emotivo relacional. Assim o ensinou Rashi, clássico
comentarista da Toráh: "Conhecer alguém é amá-lo". E como o amor é um
vínculo mais profundo do que qualquer ato da mente ou do intelecto, conhecer
algo significa estabelecer uma conexão com este algo. O homem foi criado para
jamais conhecer o mal, assim como há situações às quais nenhuma criança jamais
deveria ser exposta. Mas desde o pecado de Adão e Eva, a maldade se tornou
parte intrínseca de seus descendentes. Sequer importa o que se pensa sobre isto
– se o indivíduo desfruta do mal ou se este o repulsa. O simples ato de
conhecer implica em arcar com as consequências. D'us queria que o homem
continuasse santificado, como fora criado, e que não caísse presa da tentação.
Pois que a presença da maldade no homem, especialmente em pessoa boa e
conscienciosa, é fonte de contínuo sofrimento. É difícil ser bom e, mais ainda,
ser espiritual, pois, no decorrer da vida o ser humano frequentemente se
encontra diante da escolha entre duas alternativas terríveis: a frustração de
um desejo não realizado ou - infinitamente pior - o amargo gosto do pecado, a
dizer, a culpa e a vergonha e o temor da retribuição, quer humana quer Divina. Desde que provou do fruto proibido, o homem se tornou uma
mescla entre bem e mal, luz e escuridão. Explica o Tanya, obra clássica da
Cabalá, que o mal se manifesta, no homem, de inúmeras formas: como desejo pelo
proibido; como orgulho e raiva indevidos; como depressão e indisposição para
fazer o certo; e, talvez o mais frequente, como frivolidade e desperdício – em
outras palavras, o uso inadequado da capacidade, energia e tempo que D'us
confiou a cada um de nós. Somente Tzadikim Gamurim – homens e mulheres
perfeitamente justos, como Avraham, Moshê Rabenu e Rabi Shimon bar Yochai - são
totalmente destituídos de maldade. Mas, infelizmente, tais seres são raríssimos
e mesmo esses podem errar. Ademais, mesmo o Tzadik Gamur é forçado a viver em
um mundo em que coexistem bem e mal, no qual este ser "justo e puro"
se vê cercado de situações em que sempre há uma opção reprovável, não importa
em que ambiente se encontre. Consta que Moshê perdeu a paciência em várias
ocasiões. Sua fúria, sem dúvida, foi uma falha de comportamento; mas as
situações a que foi submetido não lhe permitiram agir de outro modo. A expressão da raiva foi o único meio que encontrou para
corrigir alguns dos problemas surgidos em meio ao povo judeu durante sua
jornada de 40 anos a caminho da Terra Prometida. Um
dos temas atemporais na história de Adão e Eva é o fato de que, desde o Jardim
de Éden, todos nós, em maior ou menor grau, mantemos um relacionamento de amor
e ódio com a serpente. Como está na Toráh, "Na porta jaz o pecado; e a ti
fazer pecar é o desejo do Mau Instinto; mas tu podes dominá-lo" (Gênese,
4: 7). A serpente aparece de diferentes formas para diferentes pessoas. Muitos
seres humanos, como o primeiro casal da Terra, sucumbem a seu encantamento.
Outros conseguem dominá-la. Mas, à exceção dos Tzadikim Gamurim, os justos
perfeitos, a humanidade é fascinada pela mesma. Isto explica a razão para a
mídia e a indústria do entretenimento nos sufocarem de notícias e imagens, a cada
dia mais violentas e impróprias: fazem-no porque atraem nosso interesse, mesmo
que em sã consciência consideremos repulsivas as imagens em outras palavras, a
serpente. Se o homem apenas fizesse o que Eva devia ter feito, a dizer, ignorar
a "tentação", esta "serpente" perderia sua razão de existir
e acabaria desaparecendo. Não nos referimos, aqui, ao mal que se manifesta de
forma explícita no mundo e que deve ser combatido e vencido. Estamos falando da
"serpente" que vive dentro de cada um de nós. Esta não pode ser
vencida enquanto estivermos obcecados, nela pensando e falando. Esta se encolhe
e morre somente depois que o homem transfere seu pensamento para outros
assuntos, de preferência mais elevados, os quais, pela própria natureza, são
diametralmente opostos aos argumentos e tentações lançados pelo Mau Instinto. Banidos do Jardim do Éden. Pouco após comer da fruta da Árvore do Conhecimento, Adão e
Eva são expulsos do Jardim do Éden, pois D'us não permitiria que o homem
"estendesse sua mão, retirasse algo da Árvore da Vida, o ingerisse e
vivesse para sempre". O motivo de sua expulsão traz à tona outra
pergunta: por que o homem não podia comer da Árvore da Vida e viver para
sempre, eliminando a maldição imposta pelo pecado inicial? Porque a Árvore da
Vida não poderia servir como antídoto. Apenas agravaria o problema, pois, uma
vez incorporado o mal no ser humano, a Vida Eterna significaria que também o
mal viveria para sempre. Há uma história no Zohar que elucida a ideia. Consta
que Rabi Acha, de Kfar Tarsha, tentou expiar uma pestilência em uma aldeia
queimando incenso. Disseram-lhe que aquilo era inútil, pois os habitantes do
vilarejo não haviam expiado seus próprios pecados. Tivessem eles demonstrado
arrependimento, a oferenda do incenso promoveria a expiação; caso contrário,
apenas serviria de paliativo para desaparecerem os sintomas, mas jamais traria
cura à peste. De forma similar, o fruto da Árvore da Vida poderia curar a morte
- sintoma do pecado – mas não o pecado em si. Após
o pecado de Adão e Eva, era preciso corrigir as consequências de seu ato. Os
limites entre bem e mal tinham sido confundidos não só no homem, mas em todo o
mundo. Daí ter D'us expulso o ser humano do Jardim de Éden para que fosse
cultivar a terra. Para corrigir o dano que causara, o homem teria que refinar o
mundo, extirpando o bem que havia no mal. Isto só é alcançado através do
cumprimento dos Mandamentos Divinos, meio pelo qual Ele ensinou ao homem o que
não fazer, de modo a não aumentar as forças do mal. E pelo qual também determinou
quais as ações a realizar com a matéria física, de modo a que o bem que há no
mundo pudesse ser espiritualmente elevado. Neste ponto,
a identidade do fruto proibido adquire relevância. Com certeza, esse fruto não
era a maçã. Entre nossos Sábios predominava a opinião de que se tratava de
uvas, que Eva comeu e utilizou para fazer vinho, que então serviu ao
companheiro. Como as uvas foram o elemento físico envolvido no pecado inicial,
ajudamos a retificar espiritualmente sua utilização imprópria mediante a oração
do Kidush, com vinho santificar o Shabat e as festas judaicas. E, assim
fazendo, a mesmíssima fruta que foi consumida em pecado é usada em um ato de
santificação para proclamar que D'us é o Criador do mundo e para santificar
Seus dias sagrados. A isto se chama, na Cabalá, Tikun retificação espiritual.
Esta retificação do mundo ocorre quando o homem santifica o mundo físico,
utilizando seus elementos com propósito sagrado. Por exemplo, quando o couro é
usado para fazer os Tefilin, realiza-se um ato de fissão espiritual: são
liberadas as centelhas sagradas existentes na matéria física. Se isso ocorresse
constantemente se o ser humano apenas fizesse o certo sem nunca errar a
"serpente" definharia até a morte, por inanição. O pecado de Adão e
Eva seria, então, retificado e suas consequências luta e sofrimento e morte -
deixariam de ser parte integral da vida. O banimento
do homem do Jardim do Éden acabou sendo mais uma consequência do que uma
punição. Ele teria que trabalhar com afinco para reparar o dano causado a si
próprio e ao mundo. E pode-se dizer que até mesmo a praga de que "com o
suor de teu rosto comerás o teu pão" não veio isenta de alguma bênção em
seu interior. Pois o trabalho é o que dá significado à vida do ser humano. E o
que se consegue com muita facilidade, dificilmente é valorizado. A serpente, grande vilã e instigadora, foi punida com
exatamente o oposto - uma praga terrível que mais parece uma bênção.
Diferentemente do homem que precisa se empenhar para ganhar o seu sustento, a
serpente é amaldiçoada por D'us a buscar na terra a sua sobrevivência. De
relance, isto parece uma bênção: como o solo é tão abundante, o réptil jamais
passará fome. Mas, no íntimo, este decreto é o próprio significado do inferno.
A serpente pode ser comparada a um filho que cometeu uma maldade tão monstruosa
que leva o pai a expulsá-lo de casa. E lhe diz: "Eu o criei e, portanto,
não posso deixá-lo morrer de fome. Por isso, dou-lhe agora todo o dinheiro de
que necessitará, na vida, para que nunca mais me procure - pois jamais quero
tornar a vê-lo ou saber de seu paradeiro". Aqui
jaz outra grande lição na história do Éden. Por vezes, D'us provê pessoas
malvadas de tudo o que necessitam e desejam porque Ele não deseja contatos com
esses indivíduos. Ao mesmo tempo, muita gente boa passa por dificuldades na
vida exatamente pelo fato de D'us se preocupar em ouvir suas preces. Ele sente
falta desses Seus filhos e quer ver melhorar o seu comportamento, ligando sua
alma a Ele por meio da prece, do estudo da Sabedoria Divina e da realização de
atos de caridade e bondade. A pergunta de D'us a
Adão. Ao estudar a história do Jardim do Éden, não
podemos esquecer um princípio básico no judaísmo: sob circunstância alguma
acreditamos na existência de poderes independentes; nada, nem mesmo o Mal,
consegue se opor a D'us. A serpente personificou o Mau Instinto, que é o
próprio Anjo da Morte. E, por se tratar de um anjo – simples mensageiro de D'us
– entranhado na carne de um animal, este não possuía livre arbítrio. O castigo
da serpente simboliza a maldição que é lançada contra os malfeitores,
especialmente aqueles que influenciam terceiros a fazer o mal. Já que a serpente, agindo em nome da Árvore do Conhecimento,
apenas desempenhava sua tarefa, podemos especular - como ousaram fazer alguns
comentaristas – que D'us teria feito propositalmente com que Adão e Eva
deslizassem, caindo em pecado. Pois se D'us não desejasse que o homem comesse
do fruto proibido, por que razão teria criado a Árvore do Conhecimento do Bem e
do Mal? A resposta não pode ser o "livre arbítrio", porque vimos
acima que antes do pecado original, o homem não fora agraciado com esse dom
divino. E, assim, ao contrário do que sugerimos acima, talvez o homem não tenha
nascido para viver livre do mal. Como ensinam os livros místicos, se D'us
tivesse desejado que o homem fosse perfeito, que orasse e estudasse a Toráh
todas as horas do dia, ele poderia ter criado milhões de anjos mais, que nada
fazem além de O servir e louvar. Ao invés disso, criou um ser diferente dos anjos
e dos animais - uma criatura que pode livremente escolher entre o bem e o mal.
Não fosse o pecado original, isto jamais teria sido possível. Como explica o Tanya, D'us permitiu que existisse o mal
porque sem este o homem viveria sem se esforçar. Se não houvesse batalhas, não
haveria vitórias. A existência humana adquire significado na batalha entre o
bem e o mal: a bondade ganha força quando luta e vence o Mau Instinto.
Retornando a uma analogia acima utilizada, um vilão necessita de um super-herói
para justificar sua existência. Mas o oposto também é verdadeiro: se não houver
vilões, para que heróis? O homem é a jóia da coroa da Criação porque,
contrariamente a todas as demais criaturas, ele pode vencer batalhas
interiores, em sua alma, e optar por fazer o certo - a despeito de todas as
tentações, interiores e exteriores, com que sempre se defronta. Uma história que reflete o que talvez seja a maior mensagem
que D'us nos transmite através do relato sobre o Éden envolve o autor do Tanya,
Rabi Shneur Zalman de Liadi (1745-1813). Enquanto encarcerado em uma prisão
russa - após a falsa acusação de atividades subversivas contra o Czar - ele foi
submetido a intenso interrogatório. As autoridades carcerárias sabiam tratar-se
de um grande erudito e filósofo, daí terem-no engajado em horas a fio de
discussões teológicas e filosóficas. Certa vez, o investigador chefe lhe
perguntou: "Sua Toráh relata que após o pecado de Adão, comendo do fruto
da Árvore do Conhecimento, D'us o confronta com a pergunta: 'Onde estás?' D'us
obviamente sabe onde estão os homens!" O Rebe, Baal HaTanya (o mesmo Rabi
Shneur Zalman), retrucou: "Você acredita que a Toráh é eterna e que suas
lições se aplicam a todos os homens, em todas as épocas? Quando o russo
respondeu que sim, o Rabi Shneur Zalman começou a explicar: 'Onde você está' é
o chamado de D'us a todos os homens da Terra. Ele está perguntando: 'Em que
ponto de sua jornada você se encontra?'. Cada um de nós recebeu tantos dias e
tantos anos na Terra, e portanto é necessário nos perguntarmos, constantemente,
o que conseguimos realizar nesses anos e quanto de bem contribuímos ao
mundo". A pergunta de D'us a Adão, pai de toda a humanidade, ecoa na
eternidade. Continua a ser constantemente feita a todo ser humano. Quando o
homem ousa respondê-la - quando percebe que não veio ao mundo por acaso, mas
foi enviado por D'us para aqui cumprir uma missão Divina, ele atinge um nível
mais alto de conscientização e embarca em um caminho que o levará a uma
existência mais significativa. Esta percepção do homem - de que D'us o chama e
sente sua falta, de que espera que ele faça algo construtivo e belo de sua vida
e de seu mundo - esta percepção é o início de uma jornada longa e árdua, às
vezes dolorosa, mas que o conduzirá de volta ao Jardim do Éden. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi.
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