Espiritismo.
www.febnet.org.br. Texto de Allan Kardec
(1804-1869). Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Livro A Gênese – Os Milagres e
as Predições Segundo o Espiritismo. Capítulo I. CARÁTER DA REVELAÇÃO ESPÍRITA
I. Pode-se considerar o Espiritismo como uma revelação? Neste caso, qual o seu
caráter? Em que se funda a sua autenticidade? A quem e de que maneira ela foi
feita? A Doutrina Espírita é uma revelação, no sentido teológico da palavra,
isto é, o produto do ensino oculto vindo do Alto? É absoluta ou suscetível de
modificações? Trazendo aos homens a verdade integral, a revelação não teria por
efeito impedi-los de fazer uso das suas faculdades, pois que lhes pouparia o
trabalho da investigação? Qual a autoridade do ensino dos Espíritos, se eles
não são infalíveis nem superiores à humanidade? Qual a utilidade da moral que
pregam, visto que essa moral não é diferente da moral cristã, já conhecida?
Quais as verdades novas que eles nos trazem? O homem precisará de uma
revelação? E não poderá achar em si mesmo e em sua consciência tudo quanto lhe
é necessário para se conduzir na vida? Tais as questões que devemos considerar.
2. Definamos primeiro o sentido da palavra revelação. Revelar vem do latim
revelāre, cuja raiz vēlum, véu, significa literalmente sair de sob o véu e,
figuradamente, descobrir, dar a conhecer uma coisa secreta ou desconhecida. Em
sua acepção vulgar mais genérica, diz-se de toda coisa ignorada que é
divulgada, de qualquer ideia nova que nos põe ao corrente do que não sabíamos.
Deste ponto de vista, todas as ciências que nos fazem conhecer os mistérios da
natureza são revelações e se pode dizer que há para a humanidade uma revelação
incessante. A Astronomia revelou o mundo astral, que não conhecíamos; a
Geologia revelou a formação da Terra; a Química, a lei das afinidades; a
Fisiologia, as funções do organismo etc. Copérnico,2 Galileu,3 Newton,4
Laplace,5 Lavoisier6 foram reveladores. 3. A característica essencial de
qualquer revelação tem que ser a verdade. Revelar um segredo é tornar conhecido
um fato; se é falso, já não é um fato e, por conseguinte, não existe revelação.
Toda revelação desmentida pelos fatos deixa de o ser, caso seja atribuída a
Deus. E, visto que não podemos conceber Deus mentindo, nem se enganando, ela
não pode emanar dele; logo, deve ser considerada produto de concepção humana.
4. Qual o papel do professor diante dos seus discípulos, senão o de um
revelador? O professor lhes ensina o que eles não sabem, o que não teriam tempo
nem possibilidade de descobrir por si mesmos, porque a Ciência é obra coletiva
dos séculos e de uma infinidade de homens que trazem, cada qual, o seu
contingente de observações aproveitáveis àqueles que vêm depois. O ensino é,
portanto, na realidade, a revelação de certas verdades, científicas ou morais,
físicas ou metafísicas, feitas por homens que as conhecem a outros que as
ignoram e que, se assim não fosse, as teriam ignorado sempre. 5. Mas o
professor não ensina senão o que aprendeu: é um revelador de segunda ordem; o
homem de gênio ensina o que descobriu por si mesmo: é o revelador primitivo;
traz a luz que pouco a pouco se vulgariza. Que seria da humanidade sem a
revelação dos homens de gênio que aparecem de tempos em tempos? Mas quem são
esses homens de gênio? E por que são homens de gênio? De onde vieram? Que é
feito deles? Notemos que a maioria deles traz, ao nascer, faculdades transcendentes
e alguns conhecimentos inatos, que com pouco trabalho desenvolvem. Pertencem
realmente à humanidade, pois nascem, vivem e morrem como nós. Onde, pois,
adquiriram esses conhecimentos que não puderam aprender durante a vida?
Dir-se-á, como os materialistas, que o acaso lhes deu a matéria cerebral em
maior quantidade e de melhor qualidade? Neste caso, não teriam mais mérito que
um legume maior e mais saboroso do que outro. Dir-se-á, como certos
espiritualistas, que Deus lhes deu uma alma mais favorecida que a do comum dos
mortais? Suposição igualmente ilógica, pois que qualificaria Deus de parcial. A
única solução racional do problema está na preexistência da alma e na
pluralidade das existências. O homem de gênio é um Espírito que, tendo vivido
mais tempo, adquiriu e progrediu mais do que aqueles que estão menos
adiantados. Ao encarnar, traz o que sabe e, como sabe muito mais do que os
outros e não precisa aprender, é chamado homem de gênio. Mas seu saber é fruto
de um trabalho anterior e não resultado de um privilégio. Antes de renascer, já
era Espírito adiantado; reencarna para fazer que outros aproveitem do seu saber
ou para adquirir mais do que possui. Os homens progridem incontestavelmente por
si mesmos e pelos esforços da sua inteligência. Mas, entregues às próprias
forças, só muito lentamente progrediriam, se não fossem auxiliados por outros
mais adiantados, como o estudante o é pelos professores. Todos os povos tiveram
homens de gênio, que surgiram em diversas épocas para impulsioná-los e tirá-los
da inércia. 6. Desde que se admite a solicitude de Deus para com as suas
criaturas, por que não se há de admitir que Espíritos capazes — por sua energia
e superioridade de conhecimento —, de fazer que a humanidade avance, encarnem
pela vontade de Deus, a fim de ativarem o progresso em determinado sentido? Por
que não admitir que eles recebam missões, como um embaixador as recebe do seu
soberano? É este o papel dos grandes gênios. Que vêm eles fazer senão ensinar
aos homens verdades que estes ignoram e ainda ignorariam durante largos
períodos, a fim de lhes dar um ponto de apoio mediante o qual possam elevar-se
mais rapidamente? Esses gênios, que aparecem através dos séculos como estrelas
brilhantes, deixando longo traço luminoso sobre a humanidade, são missionários
ou, se o quiserem, messias. As coisas novas que ensinam aos homens, quer na
ordem física, quer na filosófica, são revelações. Se Deus suscita reveladores
para as verdades científicas, pode, com mais forte razão, suscitá-los para as
verdades morais, que constituem elementos essenciais do progresso. Tais são os
filósofos cujas ideias atravessam os séculos. 7. No sentido especial da fé
religiosa, a revelação se diz mais particularmente das coisas espirituais que o
homem não pode descobrir por si mesmo, nem com o auxílio dos sentidos; e esse
conhecimento lhe é dado por Deus ou por seus mensageiros, quer por meio da
palavra direta, quer pela inspiração. Neste caso, a revelação é sempre feita a
homens predispostos, designados sob o nome de profetas ou messias, isto é,
enviados ou missionários, incumbidos de transmiti-la aos homens. Considerada
sob esse ponto de vista, a revelação implica a passividade absoluta e é aceita
sem controle, sem exame, nem discussão. 8. Todas as religiões tiveram seus
reveladores, e estes, embora estivessem longe de conhecer toda a verdade,
tinham uma razão de ser providencial, porque eram apropriados ao tempo e ao
meio em que viviam, ao caráter particular dos povos a quem falavam e aos quais
eram relativamente superiores. Apesar dos erros das suas doutrinas, não
deixaram de agitar os espíritos e, por isso mesmo, de semear os germes do
progresso, que mais tarde haviam de desabrochar, ou se desabrochariam um dia à
luz brilhante do Cristianismo. É, pois, injusto lançar anátema contra eles em
nome da ortodoxia, porque dia virá em que todas essas crenças, tão diversas na
forma, mas que repousam realmente sobre um mesmo princípio fundamental: Deus e
a imortalidade da alma, se fundirão numa grande e vasta unidade, tão logo a
razão triunfe dos preconceitos. Infelizmente, as religiões têm sido, em todos
os tempos, instrumentos de dominação; o papel de profeta sempre tentou as
ambições secundárias e tem-se visto surgir uma multidão de pretensos
reveladores ou messias, que, valendo-se do prestígio deste nome, exploram a
credulidade em proveito do seu orgulho, da sua ganância ou da sua indolência,
achando mais cômodo viver à custa dos iludidos. A religião cristã não pôde
evitar esses parasitas. A tal propósito, chamamos toda a atenção para o capítulo
XXI de O evangelho segundo o espiritismo – Haverá falsos cristos e falsos
profetas. 9. Haverá revelações diretas de Deus aos homens? É uma questão que
não ousaríamos resolver, nem afirmativamente nem negativamente, de maneira
absoluta. O fato não é radicalmente impossível, porém, nada nos dá dele prova
certa. O que parece certo é que os Espíritos mais próximos de Deus pela
perfeição se impregnam do seu pensamento e podem transmiti- -lo. Quanto aos
reveladores encarnados, segundo a ordem hierárquica a que pertencem e ao grau
de saber a que chegaram, esses podem tirar de seus próprios conhecimentos as
instruções que ministram, ou recebê-las de Espíritos mais elevados, mesmo dos
mensageiros diretos de Deus, os quais, falando em nome deste, têm sido às vezes
tomados pelo próprio Deus. As comunicações deste gênero nada têm de estranho
para quem conhece os fenômenos espíritas e a maneira pela qual se estabelecem
as relações entre os encarnados e os desencarnados. As instruções podem ser
transmitidas por diversos meios: pela inspiração pura e simples, pela audição
da palavra, pela vidência dos Espíritos instrutores, nas visões e aparições,
quer em sonho, quer em estado de vigília, como se vê tantas vezes na Bíblia e
nos livros sagrados de todos os povos. É, pois, rigorosamente exato dizer-se
que a maioria dos reveladores são médiuns inspirados, audientes ou videntes, o
que não significa que todos os médiuns sejam reveladores, nem, ainda menos,
intermediários diretos da Divindade ou dos seus mensageiros. 10. Só os Espíritos
puros recebem a palavra de Deus com a missão de transmiti-la; mas sabe-se hoje
que nem todos os Espíritos são perfeitos e que existem muitos que se apresentam
sob falsas aparências, o que levou João a dizer: “Não acrediteis em todos os
Espíritos; vede antes se os Espíritos são de Deus.” (1a Epístola, 4:1.) Pode,
pois, haver revelações sérias e verdadeiras, como há revelações apócrifas e
mentirosas. O caráter essencial da revelação divina é o da eterna verdade. Toda
revelação eivada de erros ou sujeita a modificações não pode emanar de Deus. É
assim que a lei do Decálogo tem todos os caracteres de sua origem, enquanto as
outras leis mosaicas, essencialmente transitórias, muitas vezes em contradição
com a lei do Sinai, são obra pessoal e política do legislador hebreu. Com o
abrandamento dos costumes do povo, essas leis por si mesmas caíram em desuso,
ao passo que o Decálogo ficou sempre de pé, como farol da humanidade. O Cristo
fez dele a base do seu edifício, abolindo as outras leis. Se estas fossem obra
de Deus, seriam conservadas intactas. O Cristo e Moisés foram os dois grandes
reveladores que mudaram a face do mundo e nisso está a prova da sua missão
divina. Uma obra puramente humana não teria tal poder. Importante revelação se
opera na época atual: a que nos mostra a possibilidade de nos comunicarmos com
os seres do mundo espiritual. Não é novo, sem dúvida, esse conhecimento; mas
ficara até agora, de certo modo, como letra morta, isto é, sem proveito para a
humanidade. A ignorância das leis que regem essas relações estava abafada sob a
superstição; o homem era incapaz explicados pelas leis conhecidas, o
Espiritismo os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas,
chega à lei que os preside; depois, lhes deduz as consequências e busca as
aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não
estabeleceu como hipótese a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o
perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da Doutrina.
Concluiu pela existência dos Espíritos quando essa existência ressaltou
evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros
princípios. Não foram os fatos que vieram depois confirmar a teoria: a teoria é
que veio subsequentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente
exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da
imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus
estudos se basearam sobre o método experimental; até então acreditou-se que esse
método também só era aplicável à matéria, quando também se aplica às coisas
metafísicas. 15. Citemos um exemplo: Passa-se no mundo dos Espíritos um fato
muito singular, de que seguramente ninguém havia suspeitado: o de haver
Espíritos que não se consideram mortos. Pois bem! os Espíritos superiores, que
conhecem perfeitamente esse fato, não vieram dizer previamente: “Há Espíritos
que julgam viver ainda a vida terrestre, que conservaram seus gostos, costumes
e instintos.” Em vez disso, provocaram a manifestação de Espíritos desta
categoria para que os observássemos. Tendo-se visto Espíritos incertos quanto
ao seu estado, ou afirmando ainda serem deste mundo, julgando-se aplicados às
suas ocupações habituais, deduziu-se a regra. A multiplicidade de fatos análogos
provou que o fato não era excepcional, mas uma das fases da vida do Espírito;
pode-se então estudar todas as variedades e as causas de tão singular ilusão,
reconhecer que tal situação é sobretudo própria de Espíritos pouco adiantados
moralmente e peculiar a certos gêneros de morte; que é temporária, podendo,
todavia, durar dias, meses e anos. Foi assim que a teoria nasceu da observação.
Deu-se a mesma coisa com relação a todos os outros princípios da Doutrina
Espírita. 16. Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo
das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o
conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio
é uma das forças da natureza, a reagir incessantemente sobre o princípio material
e reciprocamente, segue-se que o conhecimento de um de tirar daí qualquer
dedução salutar. Estava reservado à nossa época desembaraçá-las dos acessórios
ridículos, compreender-lhes o alcance e fazer surgir delas a luz destinada a
clarear o caminho do futuro. 12. O Espiritismo, dando-nos a conhecer o mundo
invisível que nos cerca e no meio do qual vivíamos sem o suspeitarmos, assim
como as leis que o regem, suas relações com o mundo visível, a natureza e o
estado dos seres que o habitam e, por conseguinte, o destino do homem após a
morte, é uma verdadeira revelação, na acepção científica da palavra. 13. Por
sua natureza, a revelação espírita tem duplo caráter: participa ao mesmo tempo
da revelação divina e da revelação científica. Participa da primeira porque foi
providencial o seu aparecimento e não o resultado da iniciativa, nem de um
desejo premeditado do homem; porque os pontos fundamentais da Doutrina provêm
do ensino que deram os Espíritos encarregados por Deus de esclarecer os homens
sobre coisas que eles ignoravam, que não podiam aprender por si mesmos e que
lhes importa conhecer, já que hoje estão aptos a compreendê-las. Participa da
segunda por não ser esse ensino privilégio de indivíduo algum, mas ministrado a
todos do mesmo modo; por não serem os que o transmitem e os que o recebem seres
passivos, dispensados do trabalho da observação e da pesquisa; por não
renunciarem ao raciocínio e ao livre-arbítrio; porque não lhes é interdito o
exame, mas, ao contrário, recomendado; enfim, porque a Doutrina não foi ditada
completa, nem imposta à crença cega porque é deduzida, pelo trabalho do homem,
da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sob os olhos e das instruções
que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio
as consequências e aplicações. Em suma, o que caracteriza a revelação espírita
é o fato de ser divina a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua
elaboração fruto do trabalho do homem. 14. Como meio de elaboração, o
Espiritismo procede exatamente da mesma maneira que as ciências positivas, isto
é, aplicando o método experimental. Quando fatos novos se apresentam, que não
podem ser xplicados pelas leis conhecidas, o Espiritismo os observa, compara,
analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os preside;
depois, lhes deduz as consequências e busca as aplicações úteis. Não
estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não estabeleceu como hipótese a
existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação,
nem qualquer dos princípios da Doutrina. Concluiu pela existência dos Espíritos
quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos, procedendo
de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os fatos que vieram
depois confirmar a teoria: a teoria é que veio subsequentemente explicar e
resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma
ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram
progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método
experimental; até então acreditou-se que esse método também só era aplicável à
matéria, quando também se aplica às coisas metafísicas. 15. Citemos um exemplo:
Passa-se no mundo dos Espíritos um fato muito singular, de que seguramente
ninguém havia suspeitado: o de haver Espíritos que não se consideram mortos.
Pois bem! os Espíritos superiores, que conhecem perfeitamente esse fato, não
vieram dizer previamente: “Há Espíritos que julgam viver ainda a vida
terrestre, que conservaram seus gostos, costumes e instintos.” Em vez disso,
provocaram a manifestação de Espíritos desta categoria para que os
observássemos. Tendo-se visto Espíritos incertos quanto ao seu estado, ou
afirmando ainda serem deste mundo, julgando-se aplicados às suas ocupações
habituais, deduziu-se a regra. A multiplicidade de fatos análogos provou que o
fato não era excepcional, mas uma das fases da vida do Espírito; pode-se então
estudar todas as variedades e as causas de tão singular ilusão, reconhecer que
tal situação é sobretudo própria de Espíritos pouco adiantados moralmente e
peculiar a certos gêneros de morte; que é temporária, podendo, todavia, durar
dias, meses e anos. Foi assim que a teoria nasceu da observação. Deu-se a mesma
coisa com relação a todos os outros princípios da Doutrina Espírita. 16. Assim
como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio
material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do
princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da
natureza, a reagir incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente,
segue-se que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do
outro. O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência sem o
Espiritismo se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas
leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação.
O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a
matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes
das descobertas científicas, teria malogrado, como tudo quanto surge antes do
tempo. 17. Todas as ciências se encadeiam e se sucedem numa ordem racional;
nascem umas das outras à medida que encontram um ponto de apoio nas ideias e
conhecimentos anteriores. A Astronomia, uma das primeiras cultivadas, conservou
os erros da infância até o momento em que a Física veio revelar a lei das
forças dos agentes naturais; a Química, nada podendo sem a Física, teve de
acompanhá-la de perto para depois marcharem ambas de acordo, amparando-se uma à
outra. A Anatomia, a Fisiologia, a Zoologia, a Botânica, a Mineralogia só se
tornaram ciências sérias com o auxílio das luzes que lhes trouxeram a Física e
a Química. À Geologia, nascida ontem, sem a Astronomia, a Física, a Química e
todas as outras ciências, teriam faltado elementos de vitalidade; ela só podia
vir depois daquelas. 18. A ciência moderna refutou os quatro elementos
primitivos7 dos antigos e, de observação em observação, chegou à concepção de
um só elemento gerador de todas as transformações da matéria; mas a matéria,
por si só, é inerte, não tem vida nem pensamento; é preciso a sua união com o
princípio espiritual. O Espiritismo não descobriu nem inventou este princípio,
mas foi o primeiro a demonstrá-lo, por meio de provas irrecusáveis; estudou-o,
analisou-o e tornou-lhe evidente a ação. Ao elemento material, juntou ele o
elemento espiritual. Elemento material e elemento espiritual, eis os dois
princípios, as duas forças vivas da natureza. Pela união indissolúvel deles,
facilmente se explica uma imensidão de fatos até então inexplicáveis.8 Tendo
por objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do universo, o
Espiritismo toca forçosamente na maior parte das ciências; só podia, portanto,
vir depois da elaboração delas; nasceu pela força das coisas, pela
impossibilidade de o homem explicar todas as coisas apenas com o auxílio das
leis da matéria. 19. Acusam o Espiritismo de parentesco com a magia e a feitiçaria,
esquecendo, porém, que a Astronomia tem por irmã mais velha a Astrologia
judiciária, ainda não muito distante de nós; que a Química é filha da Alquimia,
com a qual nenhum homem sensato ousaria ocupar-se hoje. Ninguém nega,
entretanto, que na Astrologia e na Alquimia estivesse o germe das verdades de
que saíram as ciências atuais. Apesar das suas fórmulas ridículas, a Alquimia
encaminhou a descoberta dos corpos simples e da lei das afinidades. A
Astrologia se apoiava na posição e no movimento dos astros que ela estudara;
mas, ignorando as verdadeiras leis que regem o mecanismo do universo, os astros
eram, para o vulgo, seres misteriosos aos quais a superstição atribuía uma
influência moral e um senso revelador. Quando Galileu, Newton e Kepler9 tornaram
conhecidas essas leis, quando o telescópio rasgou o véu e mergulhou nas
profundezas do espaço um olhar que algumas criaturas acharam indiscreto, os
planetas apareceram como simples mundos semelhantes ao nosso, e todo o castelo
do maravilhoso desmoronou. O mesmo se dá com o Espiritismo, relativamente à
magia e à feitiçaria, que se apoiavam também na manifestação dos Espíritos,
como a Astrologia no movimento dos astros; mas, na ignorância das leis que
regem o mundo espiritual, elas misturavam, a essas relações, práticas e crenças
ridículas, as quais o moderno Espiritismo, fruto da experiência e da
observação, nada tem a ver. Certamente, a distância que separa o Espiritismo da
magia e da feitiçaria é maior do que a que existe entre a Astronomia e a
Astrologia, a Química e a Alquimia. Querer confundi-las é dar provas de que
nada se sabe a respeito delas. 20. O simples fato de o homem poder comunicar-se
com os seres do mundo espiritual, traz consequências incalculáveis da mais alta
gravidade; é todo um mundo novo que se nos revela e que tem tanto mais
importância, quanto a ele hão de voltar todos os homens, sem exceção. O
conhecimento de tal fato não pode deixar de acarretar, generalizando-se,
profunda modificação nos costumes, caráter, hábitos, assim como nas crenças que
tão grande influência exerceram sobre as relações sociais. É uma revolução
completa a operar-se nas ideias, revolução tanto maior e mais poderosa por não
se circunscrever a um povo, nem a uma casta, visto atingir simultaneamente,
pelo coração, todas as classes, todas as nacionalidades, todos os cultos. Razão
há, pois, para que o Espiritismo seja considerado a terceira das grandes
revelações. Vejamos em que essas revelações diferem e qual o laço que as liga
entre si. 21. Moisés, como profeta, revelou aos homens a existência de um Deus
único, soberano Senhor e Criador de todas as coisas; promulgou a lei do Sinai e
lançou as bases da verdadeira fé. Como homem, foi o legislador do povo pelo
qual essa primitiva fé, depurando-se, havia de espalhar-se por sobre a Terra.
22. O Cristo, tomando da antiga lei o que é eterno e divino, e rejeitando o que
era transitório, puramente disciplinar e de concepção humana, acrescentou a
revelação da vida futura, de que Moisés não falara, assim como a revelação das
penas e recompensas que aguardam o homem depois da morte. (Veja-se a Revista
espírita de março e de setembro de 1861.) 23. A parte mais importante da
revelação do Cristo, no sentido de fonte primeira, de pedra angular de toda a
sua doutrina é o ponto de vista inteiramente novo sob o qual Ele considera a
Divindade. Esta já não é o Deus terrível, ciumento, vingativo, de Moisés; o
Deus cruel e implacável que rega a terra com o sangue humano, que ordena o
massacre e o extermínio dos povos, sem excetuar as mulheres, as crianças e os
velhos, e que castiga aqueles que poupam as vítimas; já não é o Deus injusto,
que pune um povo inteiro pela falta do seu chefe, que se vinga do culpado na
pessoa do inocente, que fere os filhos pelas faltas dos pais; mas um Deus
clemente, soberanamente justo e bom, cheio de mansidão e misericórdia, que
perdoa ao pecador arrependido e dá a cada um segundo as suas obras. Já não é o
Deus de um único povo privilegiado, o Deus dos exércitos, presidindo aos
combates para sustentar a sua própria causa contra o deus dos outros povos, mas
o pai comum do gênero humano, que estende a sua proteção por sobre todos os
seus filhos e os chama todos a si; já não é o Deus que recompensa e pune só
pelos bens da Terra, que faz consistir a glória e a felicidade na escravidão
dos povos rivais e na multiplicidade da progenitura, mas sim um Deus que diz
aos homens: “A vossa verdadeira pátria não é neste mundo, mas no reino
celestial, lá onde os humildes de coração serão elevados e os orgulhosos serão
humilhados. www.fetnet.org.br. Abraço.
Davi.
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