Budismo. www.maisbelashistoriasbudistas.com.br. BUDISMO E CRISTIANISMO. Texto de Greg Marin (1984- ). Esta abordagem inicia uma nova série
que enfocará esclarecer dúvidas frequentes que surgem entre os que propagam o
Budismo Nitiren no ocidente. Durante muito tempo, os membros têm procurado
assistência para responder perguntas a respeito da visão budista sobre Deus,
Jesus, Satanás, o céu, etc. Durante os próximos meses, nosso foco será
oferecer-lhes respostas diretas. Ao examinar sob a
perspectiva budista palavras e significados fundamentais da fé cristã,
esperamos que esta série ajude aos membros da SGI (comunidade budista
americana) a transmitir da melhor maneira o Budismo Nitiren aos seus familiares
e amigos cristãos. Esperamos também ajudar aos membros com antecedentes
culturais cristãos a compreender melhor o Budismo Nitiren, as semelhanças e
diferenças deste Budismo com o Cristianismo, e igualmente esperamos que o
resultado seja uma melhoria na eficácia da prática budista. Além disso,
desejamos estabelecer pontes que ajudem os cristãos e não-membros em geral a
compreender melhor e criar vínculos com o Budismo, e talvez para alguns
facilitar-lhes a transição para a prática do Budismo. Porém, antes de começar, gostaria de oferecer algumas explicações para
esclarecer o contexto de nossa análise. Primeiro, nos
focaremos no que acreditamos são princípios do Cristianismo geralmente aceitos,
sem deixar de reconhecer que dentro da fé cristã existe uma grande diversidade
de opiniões. Dentro do alcance desta série, seria impossível examinar
plenamente todas as variantes da doutrina cristã. Solicitamos a indulgência
(tolerância) do leitor ou leitora pelas inevitáveis generalizações no que
refere-se a conceitos que obrigatoriamente nosso enfoque tem que adotar. Segundo, nossa intenção também não é assumir um enfoque de refutação
perante o Cristianismo. Não vemos a necessidade, nem o valor, em tentar socavar
uma tradição religiosa que tem ampla aceitação e é de valor palpável. Ao mesmo
tempo, não podemos evitar a evidência histórica dos aspectos menos nobres desta
tradição (cristianismo), aspectos que deram lugar à propagação violenta e à
Inquisição, assim como o uso desta tradição como ferramenta de colonização e
subjugação. Finalmente, não assumimos uma posição exclusivista, aquela de que o
Budismo Nitiren é o único veículo capaz de levar seus seguidores e seguidoras
aos pináculos da verdade e à beira da felicidade. Ao mesmo tempo que certamente
acreditamos que existe uma única realidade máxima, reconhecemos que as
principais tradições religiosas, desde distintos níveis, também buscam e
entendem esta verdade. E mais, a maioria das tradições religiosas
compartilham com o Budismo Nitiren a intenção de levar os praticantes para esta
verdade e para atingir o objetivo de conquistar o desenvolvimento humano, assim
como estabelecer uma comunidade harmoniosa. Portanto, ao mesmo tempo que não
reclamamos ser os únicos possuidores da verdade (de todos modos, quem pode
possuí-la?), o que mais nos interessa é o grau em que a tradição religiosa
possa cumprir com o que promete. Na realidade, quantas pessoas podem superar suas
tendências mais obscuras e viver segundo as doutrinas daquilo no que acreditam,
para assim transformar-se em pessoas de caráter genuinamente digno, com
intenções sábias, e comportamento benevolente? Serve uma prática religiosa em
particular como veículo maior ou como um veículo menor no caminho para
conquistar estas metas? Desde há muito tempo, nós budistas temos
discutido este ponto com o uso de analogias tais como a de uma balsa para
atravessar o mar do sofrimento, ou como a de um veículo para fazer a viagem
para a iluminação. Por exemplo, em vez de rejeitar como falsos os ensinos dos
anciãos na fé, os Budistas do Mahayana caracterizavam as práticas desses
anciãos como práticas de “veículo menor” que somente podia levar a uns poucos,
monges e monjas de muita dedicação, para alcançar o objetivo da iluminação. Em
contraste, com o enfoque em desenvolver práticas para monásticos, leigos e
leigas, e igualmente com a intenção de incluir todas as pessoas na viagem, a
designação de “veículo maior”, ou Mahayana, aplicou-se às práticas e ensinos
posteriores. Neste contexto, todas as religiões principais são veículos; alguns maus,
alguns bons, e alguns melhores que os outros, mas veículos em última instância.
Nós também acreditamos que não existe veículo maior que o Budismo de Nitiren
Daishonin, o veículo capaz de incluir nessa viagem a todas as pessoas, e não
somente a uns poucos. Para a maioria daqueles que ainda não estão
familiarizados com o Budismo, a ideia de que a viagem para a iluminação é algo
que somente uns poucos podem fazer e que está reservado para santos e sábios
tem se convertido numa crença amplamente aceita. Isto sugere que para a maioria
das pessoas, a própria existência de um grande veículo para alcançar a
Budicidade e a felicidade absoluta é um conceito alheio que não faz parte da
experiência religiosa cotidiana. Porém, atualmente no Budismo Nitiren, o
veículo para fazer esta viagem está disponível para todas as pessoas, sem
importar gênero sexual, raça, condição social, nível de escolaridade ou econômico,
preferência sexual, nem idade. E assim, com isto como pano de fundo, comecemos a
examinar nossa primeira interrogante. Os budistas
Nitiren acreditam em Deus? Como conceituamos, Deus tem grande peso na
resposta a esta pergunta. Uma pesquisa informa que 99% dos norte-americanos
declara acreditar em Deus. Porém, não obstante a magnitude da religiosidade nos
USA, a ascendente taxa de criminalidade, crescente adição aos narcóticos,
epidemia de aflições mentais, e o reatamento da pena capital, para só enumerar
alguns sintomas, não são exemplos de uma sociedade espiritualmente saudável.
Por outra parte, os europeus apresentam um crescente vácuo, um vazio com forma
de deus, onde uma vez existiu Deus na consciência humana. Algo que também parece estar claro é que o conceito de Deus não é algo
uniforme. Existem tantas versões de Deus como pessoas que acreditam nessas
versões, já que o conceito de Deus nunca tem sido algo estático. Tal e como
escreve Karen Armstrong (1944- ) em A History of
God (Uma história de Deus): “Porém, parece que criar deuses é algo que
os seres humanos sempre têm feito. Quando uma ideia de deus deixa de funcionar,
simplesmente é substituída. Estas ideias desaparecem tranquilamente e sem
grandes estardalhaços, tal e como aconteceu com a ideia do Deus do Firmamento.
Em nossos tempos atuais, muitas pessoas diriam que o Deus adorado durante
séculos por judeus, cristãos e muçulmanos tornou-se tão distante como o Deus do
Firmamento”. Armstrong conclui como segue: “Os seres humanos não podem resistir o
vácuo e a desolação, e preencherão esse vácuo com a criação de um novo foco
para dar sentido às coisas. Os ídolos do fundamentalismo não são bons
substitutos para Deus. Se devemos criar uma vibrante nova fé para o século 21,
talvez deveríamos ponderar a história de Deus para extrair algumas lições e
alertas. Quanto aos budistas nos perguntam se acreditamos em Deus, tendemos a
responder com nossa própria pergunta: A que Deus se refere? Trata-se do Deus de Abraham, o Deus do Velho Testamento? Este deus era
um pai rigoroso, criador, protetor, que castigava e outorgava leis. Este deus
também exigiu a Abraham que sacrificasse seu filho, Isaac, e autorizou a
conquista e chacina de milhares de pessoas. Trata-se do Deus
de Santo Agostinho (354-430), o Deus da Igreja Cristã primitiva? Este era o
deus da igreja poderosa, herdeira dos remanescentes do império romano. Este
Deus julgava à toda a humanidade, baseado no pecado original de Adão. A
religião baseada neste deus exige que nos consideremos como fundamentalmente
falhos e originalmente pecaminosos. Trata-se do Deus
de Michelangelo (1475-1564), um deus pessoal, tal e como aparece pintado no
teto da Capela Sistina, no Vaticano, em Roma - Itália? Este conceito de Deus
ajudou a desenvolver o humanismo liberal tão altamente valorizado no Ocidente.
Ajustou-se bem a uma Europa que despertava e expandia-se. Este deus ama, julga,
castiga, vê, ouve, cria e destrói, tal e como nós o fazemos. Este deus inspira.
Porém, isto também poderia significar um impedimento se presumimos que este
deus quer o que nós queremos, e detesta o que nós detestamos, o que validaria
nossos preconceitos, em vez de incentivar-nos a superá-los. O fato de que este
Deus “pessoal” é homem (e usualmente da raça branca) tem criado profundos
problemas existenciais tanto para as mulheres, como para aqueles que não são de
raça branca. Trata-se do Deus onipotente que alguns teólogos acreditam morreu em
Auschwitz, o campo de concentração alemão que exterminou milhões de judeus em
suas câmara de gás e fornos a carvão vegetal extremamente aquecidos. Uma
atrocidade que a humanidade nunca esquecerá. Para alguns, a ideia de um Deus
todo sapiente e todo poderoso é difícil de reconciliar com a maldade do
Holocausto. Isto é assim, já que se Deus é verdadeiramente onipotente, ele
poderia ter evitado essa desgraça. E se não conseguiu evitá-la, é impotente; e
se podia evitá-la, mas optou por não fazê-lo, não é benevolente. Igualmente, nosso rápido avanço no conhecimento científico sobre o
universo torna aparente que Deus já não está “lá em cima”, nem “lá fora”.
Nos céus parece estar ausente a protetora, julgadora, e zelosa presença
divina, tal e como a concebia o mundo antigo. Segundo John Shelby Spong
(1931- ), bispo episcopal e autor de Why Christianity Must
Change or Die (Por quê o Cristianismo tem que mudar ou morre), o
resultado disto é que dezenas de milhões de pessoas são “crentes no exílio”,
que têm perdido contato com estas imagens de Deus, tal e como são ensinadas
desde os púlpitos tradicionais; porém, esses mesmos crentes não estão
preparados para abandonar o conceito de Deus em sua totalidade. Tal e como uma serpente muda a pele no processo de crescimento, no
presente, somos testemunhas do crescimento de nosso conceito coletivo de Deus,
ao deixar para trás a antiga, e para alguns, inadequada noção que tínhamos,
enquanto nasce um novo conceito que ainda não está claro? Há quem acredita que,
de fato, nesta era pós-moderna uma nova visão de Deus está em processo de
emergir. Esta visão deixa para trás as imagens do teísta, histórico e externo
Deus das alturas, e as substitui por imagens com profundidade interna de um
deus que não está fora, mas que é parte integrante e fundamental de nós. Esta é
uma perspectiva muito consistente com o conceito budista da Lei Mística. Esta Lei Mística é a entidade ou verdade máxima que impregna todos os
fenômenos no universo, e não é um ser personificado. O ser humano e esta Lei
máxima são supremamente inseparáveis, não existe brecha alguma entre os seres
humanos (todos, sem exceção) e esta ideia de Deus como uma Lei Mística. Esta verdade eterna e inalterável que reside dentro de nós é a fonte
onde podemos obter a sabedoria benevolente que concorda com as circunstâncias
cambiantes (transformadora), assim como conquistar a coragem e confiança para
viver de acordo com essa sabedoria. É mística, e não mágica, já que a
totalidade desta Lei está além da concepção humana, e os esforços por
enquadrá-la em forma humana, por assim dizê-lo, somente a restringe e a limita.
É uma lei porque é manifestamente verificável nas vidas cotidianas de cada ser
humano. Esta realidade máxima, verdade máxima, pureza máxima, existe nas
profundezas de cada ser humano. Por isto nós budistas consideramos que toda
pessoa é sagrada e está igualmente dotada com o potencial de atingir a
iluminação e ser maravilhosamente feliz. Não existe tal coisa como nós aqui e
eles lá, nem tampouco os fiéis e os incrédulos, todos somos filhos e filhas de
Deus, entidades da Lei Mística. Enquanto outros olharam para os céus, Budha olhou
para dentro e encontrou a inestimável joia da maravilha e o potencial humano.
Reconheceu que nós também somos feitos da “matéria prima” divina da qual é
feito o universo. Simplesmente, esquecemos quem éramos. Portanto, acreditamos em Deus? Segundo a maioria das definições
tradicionais, não. Mas em termos de como um crescente número de cristãos
conceitua Deus, acreditamos sim. Nosso nome para Deus é Nam myoho rengue kyo, a
Lei Mística. Acreditamos que existe tanto “aqui dentro”, como “lá fora”, e que
esta luz interior pode brilhar de dentro quando nos conscientizamos dela e lhe
abrimos nosso coração através do ato de recitar Nam myoho rengue kyo. Certamente, haverá muita gente para quem esta maneira de compreender
Deus será inaceitável. Tudo bem. Mas também haverá muitos, e segundo um estudo esta cifra alcança algo como
25% de todos os adultos dos USA, para os quais isto repercutirá. Gente que
encontrará que realmente deixou de aceitar as versões iniciais de Deus; que têm
começado a conceber o universo de forma diferente; e que o conceito de Deus
como Lei Mística equipara-se com o entendimento que têm alcançado por conta
própria. Descobrirão, tal e como podem testemunhá-lo a maioria dos membros da
SGI-USA, uma comunidade budista americana que procura promover a paz e o
relacionamento entre as religiões, que de maneira muito precisa, em nosso ser
espiritual a Lei Mística pode preencher o vácuo com forma de deus. http://maisbelashistoriasbudistas.com.br.
Abraço. Davi.
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