A palavra sânscrita
karma significa ação e se refere à causalidade, a
interdependência entre todos os atos e suas consequências naturais. De
modo geral, para que as coisas aconteçam, é necessária uma ação. Por
exemplo, se você quer tomar um chá, precisa praticar
vários atos que possibilitem isso: comprar a erva, arrumar uma xícara,
preparar a água etc., até que, enfim, esteja em condições de bebê-lo.
Essas ações, como toda e qualquer ação, têm seus resultados; esta é a
lei do
karma. Existem ações que frutificam
de imediato; outras, porém, frutificam em alguns meses ou anos, ou
depois de várias vidas, ou mesmo depois de várias eras, mas, apesar do
tempo que possa mediar, sempre haverá uma correspondência
entre a ação e o seu fruto. Certamente, a maneira mais utilizada para
se explicar o
karma é a analogia de que estamos
colhendo os frutos das ações que cultivamos anteriormente; do mesmo
modo, nosso futuro terá as consequências do que estamos fazendo agora. A
Bíblia Sagrada diz em Gálatas 6:5-9 “Porque cada qual
levará a sua própria carga. E o que é instruído na palavra reparta de
todos os seus bens com aquele que o instruir. Não erreis; Deus não se
deixa escarnecer; (zombar) porque tudo o que o homem semear, isso também
ceifará. Porque o que semeia na sua carne ceifará
a corrupção; mas o que semeia no Espírito ceifará a vida eterna. E não
nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não
houvermos desfalecido”. Tudo o que é colocado em movimento produz um
movimento correspondente. Se você joga uma pedra
numa lagoa, formam-se ondulações ou anéis que correm para fora, batem
na margem e voltam. O mesmo se passa com o movimento dos pensamentos:
ondulações correm para fora, ondulações retornam. Quando os resultados
desses pensamentos chegam de volta, sentimo-nos
vítimas indefesas: estávamos inocentemente vivendo nossa vida; por que
todas essas coisas estão acontecendo conosco? O que acontece é que os
anéis estão voltando para o centro. (...). Isto é o
Karma e, devido a ele, nossa experiência
da realidade continua a girar em ciclos, com todas as suas variações,
vida após vida. Assim é o interminável
Samsara a existência cíclica. Não
compreendemos que estamos vivendo resultados que nós mesmos criamos, e
que nossas reações produzem ainda mais causas, mais resultados;
incessantemente. (...). O
karma pode ser comparado a uma
semente que, em condições adequadas, dará lugar a uma planta. Se você
colocar na terra uma semente de cevada, pode ter certeza de que obterá
um broto de cevada. A semente não vai produzir
arroz. A mente é como um campo fértil; coisas de todos os tipos podem
crescer nele. Quando plantamos uma semente; um ato, uma palavra ou um
pensamento, num dado momento, será produzido um fruto que irá amadurecer
e cair por terra, perpetuando e incrementando
sementes de causalidade potentes em nosso corpo, fala e mente. Quando
se juntarem às condições adequadas para o amadurecimento do nosso
karma teremos que lidar com as consequências das coisas que plantamos. Portões da Prática Budista,
Chagdud Tulku
Rinpoche (1930-2002). A doutrina budista, ao delinear o que deve ser abandonado e o que deve ser aceito, classifica o
karma em dez não virtudes e dez
virtudes. As dez não virtudes incluem três do corpo; matar, roubar e
conduta sexual indevida; quatro da fala; mentir, difamar, fala rude e
conversa fiada; e três da mente; cobiça, maldade e visão
errônea. (...). As dez ações virtuosas são o oposto das dez não
virtuosas: não matar, e sim proteger a vida; não roubar, e sim praticar a
generosidade; não se entregar a uma conduta sexual indevida, e sim
praticar a moralidade em assuntos sexuais (realçada
pela manutenção do celibato em certos dias sagrados e durante certas
ocasiões como retiros espirituais); não mentir, e sim falar a verdade;
não difamar, e sim falar harmoniosamente; não usar a fala rude, e sim
usar palavras reconfortantes; não
tagalerar (falar frívola e
inconsequentemente, falar muito sem nada dizer de importante), e sim
falar com discrição e significado; não cobiçar, e sim regozijar-se com a
riqueza e as qualidades dos outros; não ter maldade, e sim
benevolência;
não defender visões errôneas, e sim cultivar as corretas. A palavra
reencarnação, apesar de ser bastante utilizada, não é muito correta para
o contexto budista; a palavra mais precisa seria renascimento. Algumas
pessoas acreditam que uma alma imortal, ou
Atma migra de vida para vida, ou que a
consciência individual é reabsorvida na consciência universal ou mente
divina para depois, mais uma vez, renascer. A visão
budista não é nenhuma dessas. (...). Segundo Buddha,
o que sobrevive à morte é o fluxo contínuo, sempre em mutação, da
energia de nosso corpo e mente muito sutis. Todos nós recebemos um nome
quando nascemos e, por toda
a nossa vida, respondemos a ele, embora nosso corpo e mente aos dez,
vinte, trinta, quarenta, cinquenta ou setenta anos sejam bastante
diferentes. Somos a mesma pessoa, mas não somos a mesma pessoa. A
natureza essencial de nossa mente é vazia de uma existência
por si mesma independente. Nossa natureza mais essencial é como um
cristal puro,
Vajra, e nela são gravadas muitas
marcas. Assim, momento após momento, vida após vida, estamos sempre nos
manifestando de formas diferentes. As existências sucessivas numa série
de renascimentos não são como as pérolas
de um colar, presas por um cordão, a "alma", que passa através de todas
as pérolas; são mais como dados empilhados uns sobre os outros. Cada um
dos dados é separado, mas suporta o que está sobre ele e está
funcionalmente conectado com ele. Entre os dados não
há identidade, mas condicionalidade. Há nas escrituras budistas um
relato muito claro desse processo de condicionalidade. O sábio
budista Nagasena que viveu aproximadamente no ano 150, século II de nossa era,
fez uma explanação disso ao rei Milinda num famoso conjunto de respostas a perguntas que o rei lhe fez. O rei perguntou a
Nagasena: quando alguém renasce, ele é o mesmo que acabou de morrer ou é diferente.
Nagasena respondeu: Ele não é o mesmo, nem é
diferente... Diga-me uma coisa, se um homem acendesse uma lamparina,
ela poderia fornecer luz durante toda a noite? Sim. É a chama que brilha
na primeira vigília da noite a mesma da segunda...
ou da última? Não. Isso quer dizer que há uma lamparina na primeira
vigília, outra lamparina na segunda, e outra na terceira? Não. É de uma
única lamparina a luz que brilha a noite toda? Sim. No renascimento é a
mesma coisa: um fenômeno surge e outro cessa,
simultaneamente. Assim, o primeiro ato de consciência na nova
existência não é o mesmo do último ato de consciência da existência
prévia, nem tampouco é diferente. O rei pediu outro exemplo que
explicasse a natureza precisa dessa dependência, e
Nagasena fez a comparação do leite: a coalhada, a manteiga ou o
ghee (manteiga semi
líquida), feitos de leite, nunca são o mesmo que o leite, mas dependem
totalmente dele para serem produzidos. A palavra também é geralmente
traduzida com o sentido reencarnação,
mas o significado correto é corpo de emanação (Nirmanakaya). Do mesmo modo que o sol emana muitos raios; que não são totalmente iguais, nem totalmente diferentes; um lama
teria a capacidade de emanar uma sucessão de renascimentos para
trazer benefício aos outros seres. No budismo tibetano, é muito comum a
identificação de
Tulkus (Sprul,
Skul), Lamas renascidos como crianças e identificados através de visões, profecias e testes. O mais famoso
Tulku tibetano é Tenzin Gyatso (1935-
), o 14º Dalai Lama. Segundo ele, a tarefa de identificar os
Tulkus é mais lógica do que pode parecer à primeira vista. Dada a crença budista
no renascimento, e considerando que todo o propósito da reencarnação
é possibilitar ao ser continuar seus esforços em benefício de todos os
seres vivos, é uma conclusão clara que deveria ser possível identificar
casos individuais. Isso habilita-os a serem
educados e colocados no mundo de tal forma que continuem seu trabalho o
mais rápido possível. Certamente, podem ocorrer erros nesses processo
de identificação, mas as vidas da grande maioria dos
Tulkul, atualmente existem algumas centenas
deles reconhecidos, sendo que antes da invasão chinesa ao Tibete
(1950-1951), eram provavelmente milhares os reconhecidos, são um bom
exemplo do testemunho de sua eficácia. O que continua
num Tulku? É ele exatamente a mesma
pessoa que reencarnou? Ele é e não é, ao mesmo tempo. Sua motivação e
dedicação para ajudar todos os seres é a mesma, mas ele não é na verdade
a mesma pessoa. O que continua de uma vida
para outra é uma bênção, é isso que o cristão chama de graça. Na
epístola de São Paulo aos Efésios 4:7-10 é dito: “Mas a cada um de nós
foi dada a graça conforme a medida do dom de
Christo “Budha”.
Por isso foi dito: subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons
aos homens. Ora, isto ele subiu que é, senão que também desceu as
partes mais baixas da terra? Aquele que desceu
é também o mesmo que subiu muito acima de todos os céus, para cumprir
todas as coisas”. Essa transmissão de uma bênção e da graça é
sintonizada e adequada a cada época sucessiva, e a encarnação aparece da
maneira que potencialmente melhor se adequa ao
karma das pessoas desse tempo, para poder ajudá-las de modo mais completo.
Shunya. Grupo de Estudo e Prática Budista.
http://www.nossacasa.net/shunya/. Abraço. Davi.
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