segunda-feira, 8 de junho de 2015

Karma e Renascimento.

A palavra sânscrita karma significa ação e se refere à causalidade, a interdependência entre todos os atos e suas consequências naturais. De modo geral, para que as coisas aconteçam, é necessária uma ação. Por exemplo, se você quer tomar um chá, precisa praticar vários atos que possibilitem isso: comprar a erva, arrumar uma xícara, preparar a água etc., até que, enfim, esteja em condições de bebê-lo. Essas ações, como toda e qualquer ação, têm seus resultados; esta é a lei do karma. Existem ações que frutificam de imediato; outras, porém, frutificam em alguns meses ou anos, ou depois de várias vidas, ou mesmo depois de várias eras, mas, apesar do tempo que possa mediar, sempre haverá uma correspondência entre a ação e o seu fruto. Certamente, a maneira mais utilizada para se explicar o karma é a analogia de que estamos colhendo os frutos das ações que cultivamos anteriormente; do mesmo modo, nosso futuro terá as consequências do que estamos fazendo agora. A Bíblia Sagrada diz em Gálatas 6:5-9 “Porque cada qual levará a sua própria carga. E o que é instruído na palavra reparta de todos os seus bens com aquele que o instruir. Não erreis; Deus não se deixa escarnecer; (zombar) porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Porque o que semeia na sua carne ceifará a corrupção; mas o que semeia no Espírito ceifará a vida eterna. E não nos cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não houvermos desfalecido”. Tudo o que é colocado em movimento produz um movimento correspondente. Se você joga uma pedra numa lagoa, formam-se ondulações ou anéis que correm para fora, batem na margem e voltam. O mesmo se passa com o movimento dos pensamentos: ondulações correm para fora, ondulações retornam. Quando os resultados desses pensamentos chegam de volta, sentimo-nos vítimas indefesas: estávamos inocentemente vivendo nossa vida; por que todas essas coisas estão acontecendo conosco? O que acontece é que os anéis estão voltando para o centro. (...). Isto é o Karma e, devido a ele, nossa experiência da realidade continua a girar em ciclos, com todas as suas variações, vida após vida. Assim é o interminável Samsara a existência cíclica. Não compreendemos que estamos vivendo resultados que nós mesmos criamos, e que nossas reações produzem ainda mais causas, mais resultados; incessantemente. (...). O karma pode ser comparado a uma semente que, em condições adequadas, dará lugar a uma planta. Se você colocar na terra uma semente de cevada, pode ter certeza de que obterá um broto de cevada. A semente não vai produzir arroz. A mente é como um campo fértil; coisas de todos os tipos podem crescer nele. Quando plantamos uma semente; um ato, uma palavra ou um pensamento, num dado momento, será produzido um fruto que irá amadurecer e cair por terra, perpetuando e incrementando sementes de causalidade potentes em nosso corpo, fala e mente. Quando se juntarem às condições adequadas para o amadurecimento do nosso karma teremos que lidar com as consequências das coisas que plantamos. Portões da Prática Budista, Chagdud Tulku Rinpoche (1930-2002). A doutrina budista, ao delinear o que deve ser abandonado e o que deve ser aceito, classifica o karma em dez não virtudes e dez virtudes. As dez não virtudes incluem três do corpo; matar, roubar e conduta sexual indevida; quatro da fala; mentir, difamar, fala rude e conversa fiada; e três da mente; cobiça, maldade e visão errônea. (...). As dez ações virtuosas são o oposto das dez não virtuosas: não matar, e sim proteger a vida; não roubar, e sim praticar a generosidade; não se entregar a uma conduta sexual indevida, e sim praticar a moralidade em assuntos sexuais (realçada pela manutenção do celibato em certos dias sagrados e durante certas ocasiões como retiros espirituais); não mentir, e sim falar a verdade; não difamar, e sim falar harmoniosamente; não usar a fala rude, e sim usar palavras reconfortantes; não tagalerar (falar frívola e inconsequentemente, falar muito sem nada dizer de importante), e sim falar com discrição e significado; não cobiçar, e sim regozijar-se com a riqueza e as qualidades dos outros; não ter maldade, e sim benevolência; não defender visões errôneas, e sim cultivar as corretas. A palavra reencarnação, apesar de ser bastante utilizada, não é muito correta para o contexto budista; a palavra mais precisa seria renascimento. Algumas pessoas acreditam que uma alma imortal, ou Atma migra de vida para vida, ou que a consciência individual é reabsorvida na consciência universal ou mente divina para depois, mais uma vez, renascer. A visão budista não é nenhuma dessas. (...). Segundo Buddha, o que sobrevive à morte é o fluxo contínuo, sempre em mutação, da energia de nosso corpo e mente muito sutis. Todos nós recebemos um nome quando nascemos e, por toda a nossa vida, respondemos a ele, embora nosso corpo e mente aos dez, vinte, trinta, quarenta, cinquenta ou setenta anos sejam bastante diferentes. Somos a mesma pessoa, mas não somos a mesma pessoa. A natureza essencial de nossa mente é vazia de uma existência por si mesma independente. Nossa natureza mais essencial é como um cristal puro, Vajra, e nela são gravadas muitas marcas. Assim, momento após momento, vida após vida, estamos sempre nos manifestando de formas diferentes. As existências sucessivas numa série de renascimentos não são como as pérolas de um colar, presas por um cordão, a "alma", que passa através de todas as pérolas; são mais como dados empilhados uns sobre os outros. Cada um dos dados é separado, mas suporta o que está sobre ele e está funcionalmente conectado com ele. Entre os dados não há identidade, mas condicionalidade. Há nas escrituras budistas um relato muito claro desse processo de condicionalidade. O sábio budista Nagasena que viveu aproximadamente no ano 150, século II de nossa era,  fez uma explanação disso ao rei Milinda num famoso conjunto de respostas a perguntas que o rei lhe fez. O rei perguntou a Nagasena: quando alguém renasce, ele é o mesmo que acabou de morrer ou é diferente. Nagasena respondeu: Ele não é o mesmo, nem é diferente... Diga-me uma coisa, se um homem acendesse uma lamparina, ela poderia fornecer luz durante toda a noite? Sim. É a chama que brilha na primeira vigília da noite a mesma da segunda... ou da última? Não. Isso quer dizer que há uma lamparina na primeira vigília, outra lamparina na segunda, e outra na terceira? Não. É de uma única lamparina a luz que brilha a noite toda? Sim. No renascimento é a mesma coisa: um fenômeno surge e outro cessa, simultaneamente. Assim, o primeiro ato de consciência na nova existência não é o mesmo do último ato de consciência da existência prévia, nem tampouco é diferente. O rei pediu outro exemplo que explicasse a natureza precisa dessa dependência, e Nagasena fez a comparação do leite: a coalhada, a manteiga ou o ghee (manteiga semi líquida), feitos de leite, nunca são o mesmo que o leite, mas dependem totalmente dele para serem produzidos. A palavra também é geralmente traduzida com o sentido reencarnação, mas o significado correto é corpo de emanação (Nirmanakaya). Do mesmo modo que o sol emana muitos raios; que não são totalmente iguais, nem totalmente diferentes; um lama teria a capacidade de emanar uma sucessão de renascimentos para trazer benefício aos outros seres. No budismo tibetano, é muito comum a identificação de Tulkus (Sprul, Skul), Lamas renascidos como crianças e identificados através de visões, profecias e testes. O mais famoso Tulku tibetano é Tenzin Gyatso (1935-   ), o 14º Dalai Lama. Segundo ele, a tarefa de identificar os Tulkus é mais lógica do que pode parecer à primeira vista. Dada a crença budista no renascimento, e considerando que todo o propósito da reencarnação é possibilitar ao ser continuar seus esforços em benefício de todos os seres vivos, é uma conclusão clara que deveria ser possível identificar casos individuais. Isso habilita-os a serem educados e colocados no mundo de tal forma que continuem seu trabalho o mais rápido possível. Certamente, podem ocorrer erros nesses processo de identificação, mas as vidas da grande maioria dos Tulkul, atualmente existem algumas centenas deles reconhecidos, sendo que antes da invasão chinesa ao Tibete (1950-1951), eram provavelmente milhares os reconhecidos, são um bom exemplo do testemunho de sua eficácia. O que continua num Tulku? É ele exatamente a mesma pessoa que reencarnou? Ele é e não é, ao mesmo tempo. Sua motivação e dedicação para ajudar todos os seres é a mesma, mas ele não é na verdade a mesma pessoa. O que continua de uma vida para outra é uma bênção, é isso que o cristão chama de graça. Na epístola de São Paulo aos Efésios 4:7-10 é dito: “Mas a cada um de nós foi dada a graça conforme a medida do dom de ChristoBudha”. Por isso foi dito: subindo ao alto, levou cativo o cativeiro e deu dons aos homens. Ora, isto ele subiu que é, senão que também desceu as partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo que subiu muito acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas”. Essa transmissão de uma bênção e da graça é sintonizada e adequada a cada época sucessiva, e a encarnação aparece da maneira que potencialmente melhor se adequa ao karma das pessoas desse tempo, para poder ajudá-las de modo mais completo. Shunya. Grupo de Estudo e Prática Budista. http://www.nossacasa.net/shunya/. Abraço. Davi.

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