Neste
sexto capítulo se expõe como se realiza a união com o Ser Supremo, mediante a
santificação interior, e a Meditação. O Verbo Divino: Ouve as minhas palavras,
Oh! Arjuna! Quem cumpre honestamente o seu dever da melhor maneira que lhe é
possível, sem nutrir desejos de ser recompensado é, ao mesmo tempo, um asceta e
um homem de ação; não aquele que simplesmente prescinde de ritos e sacrifícios.
Sabe, Oh! Príncipe, que a Reta Ação, praticada com o conhecimento da Verdade, é
a melhor renúncia, o melhor ascetismo. Porque este consiste em verdade só no
desinteresse e, se a ação não é acompanhada pelo conhecimento inteligente da
renúncia dos resultados, não merece o nome de Reta Ação. Nos primeiros degraus
do Caminho da Perfeição, ensina-se que o aspirante deve praticar a Reta Ação
para ganhar os melhores méritos. Quando o discípulo atingiu a Sabedoria e o
Conhecimento, e libertou-se do apego as obras, explica-se-lhe a calma Meditação
e a Paz serena da mente sendo os melhores meios para conduzi-lo ao alvo. A cada
um dá-se conforme as necessidades e o grau de seu desenvolvimento. Quando o
homem está livre do apego aos frutos das ações, e à ação mesma, e aos objetos
do mundo dos sentidos, então atingiu o mais lato grau da Reta Ação, e tornou-se
um iogue perfeito. Cada um deve elevar-se espiritualmente pela força que lhe dá
o Espírito Divino, e não inferiorizar-se. O Eu Real, isto é, o Espírito do
homem, é o amante do homem e o seu melhor amigo; mas ao ignorante pode parecer
que é seu inimigo porque tende a aniquilar o seu sentimento de personalidade
separada. O Eu Real é o amigo daquele que domina o seu eu pessoa., inferior;
porém, se a alma não alcançou ainda o Conhecimento, pode parecer-lhe que o Eu
Real é o seu maior inimigo, porque quer libertar a alma ignorante das ilusões e
dos erros que se lhe tornaram agradáveis. A alma do homem que chegou ao
Conhecimento do Eu Real em si mesmo, permanece quieta e calma, contente e
meiga, não se alterando pelo frio nem pelo calor, nem por sofrimento nem por
prazer, nem por aquilo que o mundo chama honra ou desonra. O sábio iogue
contenta-se com a ciência e com o Conhecimento da Humanidade Divina; ele dá
igual apreço a um pedaço de barro com ao ouro ou a uma pedra preciosa. É afável
para com todos, com igual amor e fraternidade a todos trata, sejam amigos ou
inimigos, parentes ou não, compatriotas ou estrangeiros, santos ou pecadores,
bons ou maus. O iogue senta-se num lugar isolado e entrega-se à Meditação e a
profundos pensamentos. Dominando a mente e o corpo pelo Eu Rela, é livre de
opiniões e de expectativas egoístas. Senta-se num lugar limpo, nem demasiado
alto, nem demasiado baixo; cinge-se com um pano ou com o couro de antílope
preto, e repousa sobre verbenas (1). (1). O plano é o símbolo da castidade, o
antílope é o símbolo da delicadeza do sentimento; a verbena (erva “Kusha”) é o
símbolo da firmeza. O iogue deve ser casto, delicado e firme. Assim sentado,
domina a sua mente e dirige o pensamento a um ponto de concentração, retendo,
ao mesmo tempo, as impressões dos sentidos e não deixando entrar na mente
pensamentos que vagueiam. Nessa posição, conservando calma a persistência,
purifica a sua alma, dirigindo a consciência ao Eu Real, ao Absoluto, que é a
base de todos os seres. Tem sob domínio e imóveis a sua cabeça, a nuca e todo o
corpo, de acordo com os costumes tradicionais dos iogues; fixa o olhar no
Eterno e Infinito, não olhando para nada do mundo dos sentidos, que o rodeia.
Com o ânimo tranquilo e sereno, livre de medo, inabalável em seu propósito,
refreando a sua vontade, em silêncio permanece, pensando em Mim e em Mim se
imergindo. O iogue que, desta maneira, se exercita em devoção e, praticando o
domínio mental, une-se com o Eu Real, passa para o estada da Paz e Bem
aventurança que só em Mim se encontram. A união mística com a Divindade não é
atingível, porém, para aquele que é comilão, nem para quem jejua
demasiadamente, nem para o dorminhoco, nem para quem se debilita por demasiadas
vigílias. Quem quer ser iogue, há de evitar os extremos e seguir o dourado
Caminho do Meio. A ciência iogue, que destrói o sofrimento, é realizável para
os que observam moderação e temperança em comida e recreio, em ação e descanso;
para que aqueles que, fugindo do mal do excesso em ação, não caem no mal oposto
do excesso em repressão. Quando um homem tem o pleno domínio de si mesmo, e
conserva a sua mente fixa no Eu Real, e não anseia nenhum objeto desejável,
merece o nome de Yukta, cheio de graça. A sua mente tornou-se estável e firme,
como a chama da lâmpada que está colocada num lugar onde não tem acesso o
vento. A mento do iogue se deleita na contemplação do Eu Real e acha no seu
interior o contentamento e a felicidade. Cheio de indizíveis delícias,
inerentes às esferas espirituais que se estendem além dos sentidos, o iogue
permanece firme na contemplação da Verdade. Ele sabe que não há coisa melhor,
nem maior satisfação, do que esse estado de Paz inabalável, que resulta do
Conhecimento da Realidade; nada lhe pode perturbar essa Paz e esse
contentamento, nem os maiores sofrimentos, dores e cuidados da vida mundana,
porque está acima deles. A ausência de sofrimentos, dores e cuidados chama-se
Yoga, União Espiritual. Esta Yoga deve ser começada com firme convicção e
praticada com alegre disposição mental. Atirando longe de ti os vãos desejos da
imaginação e dominando por meio da mente, iluminada e guiada pelo Espírito, as
inclinações dos sentidos, chegarás, passo a passo, à tranquilidade e calma.
Quando a mente se fixou uma vez no Eu Real, acha insensato peregrinar em
qualquer outra coisa. Se tua mente não atingiu o necessário grau do domínio das
paixões e impressões, anda para cá e para lá, desviando-se do seu Objetivo
Supremo, sê vigilante e refreia-a pela força da vontade concentrada,
reconduzindo-a sempre ao Alvo. O homem, cujo coração encontrou a Paz que não
admite nenhum movimento de paixão, e tornou-se livre daquilo a que se chama
pecado, venceu os erros e entrou no reino da Verdade. O iogue, que atingiu
assim a Unidade Eterna e cessou de pecar, goza a harmonia da Vida Uma e as delícias
da União com Deus. Filho, cuja alma se uniu assim a Deus, em Deus, e Deus em
todas as almas, vê tudo em Deus. Em verdade te digo que aquele que Me vê em
tudo e todo o Universo em Mim, nunca Me abandonará e nunca será por Mim
abandonado. Para sempre estará ligado a Mim, pelos laços preciosos do Amor.
Quem Me reconhece em todos os seres, ama-Me e comigo se une, participa da vida
eterna do Meu Ser, qualquer que seja o seu modo de vida exterior neste mundo. O
verdadeiro iogue, Oh! Arjuna! É aquele que chegou, pela iluminação interna, a
saber que uma só Essência penetra toda a vida e todas as coisas, e conserva o
ânimo igual em todas as vicissitudes da vida, reconhecendo a necessidade de
equilíbrio entre o prazer e a dor na Natureza. Arjuna: Eu não posso achar
firmeza, Oh! Herói valente, nessa submissão, nessa resignação e nesse domínio
da mente, de que falas. Eu sei que a mente e o coração são instáveis,
inquietos, turbulentos, vacilantes, obstinados e insubmissos à vontade. Parece
que dominar o coração ou a mente em suas inclinações e seus pensamentos é tão
difícil como reter um forte vento. Krishna: Tens razão, dizendo que é muito
difícil dominar a mente, porque é instável e inclina-se ora para um ora pra
outro objeto; entretanto, quem fortaleceu a sua vontade por meio de exercícios
e disciplina, pode ser senhor de seu coração, senhor de sua mente. É verdade
que a Yoga ( União Espiritual) é coisa dificílima para quem tem a mente
descontrolada, mas é acessível para quem tenha a mente dominada. Arjuna: Qual é,
porém, a sorte daquele, Oh! Mestre, que está cheio de fé, mas não atinge a
perfeição em Yoga, porque não domina a sua mente, que se afasta do caminho da
disciplina? Perecerá, talvez, como uma nuvem despedaçada pelos ventos! Será ele
reduzido a nada, sendo repelido tanto deste mundo, como do mundo superior,
porque caminha, incerto e inexperiente, pela Senda que conduz ao Brahma, ao
Absoluto? Responde-me, Oh Divino, porque tu, unicamente, podes dar-me
explicação satisfatória e dissipar as minhas dúvidas. Krishna: Não, meu
caríssimo, não perecerá o homem em tais condições; não será aniquilado nem
neste mundo, nem nos vindouros. A fé conserva-o vivo, a sua bondade preserva-o
da aniquilação. Não se perde nunca quem vive honestamente e em Mim confia. A
alma, cuja devoção e fé, acompanhadas de boas obras, carecem da aquisição da
perfeita disciplina, depois da morte do corpo, vai habitar o céu dos justos que
ainda não atingiram a Perfeição (1). Ali fica gozando felicidade por inúmeros
anos, mas depois reencarna-se em casa de um homem bom e nobre, nas condições
adaptadas ao seu desenvolvimento e adiantamento. (1). Os teósofos hindus chamam
a esse céu de Devachan, a morada dos deuses. Pode nascer, nesta nova
encarnação, como filho de um iogue adiantado, se bem que tal nascimento seja
difícil obter-se neste mundo, atrasado moralmente. Na sua nova existência, o
homem recupera novamente toda a organização espiritual que tinha adquirido na
vida passada, e, assim, fica preparado para continuar os estudos e as tarefas
que conduzem à Perfeição. Com a morte, não se perde nada daquilo que a alma
adquiriu. As experiência que o homem fez nas vidas passadas, até
inconscientemente. Mesmo quem só tivesse desejado conhecer Yoga, recupera esse
desejo, e com o decorrer do tempo transcende os liames da matéria. Trabalhando
com paciência, perseverança e aplicação, sendo livre dos erros e plenamente
desenvolvido pelas experiências, ganhas em suas múltiplas encarnações, o iogue
chega ao alvo procurado, à Paz e à Meta Suprema. Como vês, iogue é aquele que
procura a Verdade e, confiando na Justiça da Lei Absoluta, sempre faz o melhor
que pode. É maior do que um asceta ou fanático que procura obter mérito,
impondo-se penas e martírios voluntários a si mesmo. É superior aos eruditos, e
aos que praticam boas obras com desejo de recompensa. Sê, pois, Oh! Arjuna!
Também um iogue, cheio de fé e bondade! De todos os iogues, Eu prefiro, porém,
aquele que Me adora com fé e a Mim dedica o interior da sua alma; aquele cujo
coração transborda Meu Amor e cuja mente sempre sente a minha presença e, com
ela, a Paz Suprema. Bhagavad Gita. A Mensagem do Mestre. Tradução Francisco
Valdomiro Lorenzo. Abraço. Davi.
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