domingo, 6 de março de 2022

OS ANALECTOS - INTRODUÇÃO VI

 

Confucionismo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS. Tradução do inglês de Caroline Chang. Tradução do chinês. Introdução e notas de D. C. Lau. INTRODUÇÃO VI. As odes eram uma ontologia que todo homem educado conhecia plenamente, de modo que uma citação correta delas extraída, podia ser usada para comunicar a opinião de alguém em situações delicadas ou que requeressem extrema polidez. Habilidade de falar por meio do disfarce de uma citação era particularmente útil em conversas diplomáticas. É por essa razão que Confúcio disse: “Se um homem que conhece as trezentas Odes de cor (...) se mostra incapaz de ter iniciativa própria quando enviado para reinos estrangeiros, então qual a utilidade das Odes para ele, independentemente de quantas ele tenha aprendido?” (XIII.5). Esse jeito de usar as Odes não se limita a situações diplomáticas. Ao criticar o governante e seu governo, um homem também deveria recorrer a citações das Odes. Como colocou o autor anônimo do prefácio de Kuan chü, “Aquele que fala não ofende, ao passo que aquele que ouve pode entender o aviso”. [19] Isso é importante em sistemas políticos nos quais ofensas feitas àqueles no poder podem facilmente causar sérios problemas a alguém. E há outra vantagem. Quando a verdadeira opinião de alguém é amortecida por uma citação, é sempre possível que esse alguém negue, posteriormente, que tal significado, seja qual for, tenha sido intencional. Por essa razão, tais práticas persistiram até os dias de hoje. Em Os analectos há um bom exemplo desse costume de falar veladamente. O príncipe K’uai K’ui, o filho do duque Ling, de Wei, fugiu para Chin depois de uma fracassada tentativa de assassinar Nan Tzu, a famosa mulher do seu pai. Quando da morte do duque de Ling, o filho de K’uai K’ui, Che, sucedeu ao seu avô. Com o apoio do Exército Chin, o príncipe K’uai K’ui se instalou em uma cidade fronteiriça de Wei, esperando por uma oportunidade de destronar seu filho. Jan Yu queria saber se Confúcio estava do lado de Che, mas já que tanto ele quanto Confúcio eram visitantes naquele reino não lhes cabia serem vistos discutindo abertamente as políticas de Wei; e se uma pergunta direta lhe tivesse sido colocada, Confúcio muito provavelmente teria se recusado a respondê-la. Tzu-kung, que tinha a reputação de ser um orador talentoso (XI.3), ofereceu-se para tentar descobrir. Assim foi como correu a conversa. Ele entrou e disse: “Que tipo de homens eram Po Yi e Shu Ch’i?”. “Eram excelentes anciãos.” “Tinham alguma queixa?” “Procuravam a benevolência e a encontraram. Então, por que teriam qualquer queixa?” Sequer uma palavra foi dita sobre Wei, mas Tzu-kung ficou satisfeito por ter obtido a resposta. Ele saiu e disse: “O Mestre não está do lado dele” (VII.15). Po Yi e Shu Ch’i eram os filhos do senhor de Ku Chu. O pai queria que Shu Ch’i, o filho mais novo, o sucedesse, mas, quando ele morreu, nenhum dos filhos estava disposto a tirar do outro a sucessão, e ambos foram às montanhas e passaram a viver como eremitas. Ao aprovar Po Yi e Shu Ch’i em sua tentativa de entregar a sucessão um ao outro, Confúcio estava implicitamente reprovando Che, que estava envolvido em uma vergonhosa briga com o próprio pai pelo trono. Até agora olhamos apenas para os ensinamentos morais de Confúcio relacionados ao seu ideal de cavalheiro. Há, entretanto, outro lado de seus ensinamentos que foi amplamente negligenciado pelos intelectuais e estudiosos. É a sua preocupação com o que pode ser descrito como questões de método. No âmago desse aspecto dos seus ensinamentos está a oposição entre hsüeh (aprendizado) e ssu (pensamento). Para compreender o significado desta oposição, precisamos, antes de tudo, descobrir o que constituía aprendizado. Um rápido exame das dificuldades que se encontram em traduzir a palavra hsüeh se mostrará esclarecedor. A escolha natural em inglês por um equivalente é o verbo “to learn” [aprender], mas muito frequentemente somos forçados, pelas exigências da língua inglesa, a usar “to study ” [estudar]. A razão é a seguinte: o verbo “aprender” requer um objeto explícito. Por exemplo, não dizemos “ele aprende”. Podemos, é claro, dizer “Ele aprende rápido”, ou “Ele está disposto a aprender”, mas esses são casos especiais em que o ponto principal da frase não está na palavra “aprender”. Por outro lado, dizemos “ele estuda”. Há, entretanto, outras diferenças entre “aprender” e “estudar”. Tendemos a “aprender” algumas coisas mas “estudar” outras. Por exemplo, uma criança aprende a andar, mas um entomólogo estuda o comportamento das formigas. Aprendemos algo prático; estudamos algo teórico. Quando se trata de aprender, o foco está naquele que aprende; ao estudar, o foco está no objeto de estudo. Ao aprender algo novo, um homem se aprimora. Ou ele adquire uma nova técnica ou se torna mais proficiente em uma técnica antiga. Ao estudar, um homem adquire novos conhecimentos, mas esses novos conhecimentos não necessariamente fazem alguma diferença para ele do ponto de vista prático. Essa diferença de uso entre “aprender” e “estudar” é importante para o entendimento de hsüeh. Hsüeh está muito mais perto de “aprender” do que de “estudar”. Do mesmo modo que “aprender”, hsüeh faz diferença para o homem enquanto pessoa. É uma atividade que capacita o homem a adquirir uma habilidade nova ou se tornar mais proficiente em uma habilidade já adquirida. Mas, no contexto confuciano, o ponto mais importante é lembrar que é hsüeh que capacita o homem a se tornar um homem melhor do ponto de vista moral. Assim, a moralidade, na visão de Confúcio, é algo muito próximo à ideia de habilidade. Pode ser transmitida de mestre a discípulo. É por causa dessa possibilidade que Confúcio dava tanta ênfase a hsüeh. Embora “aprender” seja um equivalente muito mais satisfatório para hsüeh do que “estudar”, uma tentativa de se ater rigidamente ao uso de “aprender” pode, por si só, dar margem ao surgimento de dificuldades. Quando, por exemplo, Confúcio fala sobre hsüeh shih, é natural traduzir isso por “estudar as Odes”, mas isso, conforme vimos, transforma uma atividade prática em uma teórica. Porém, traduzir a frase por “aprender as Odes” sugere aprender as Odes de cor. Embora isso sem dúvida seja parte do significado, definitivamente não é todo o significado nem mesmo a parte mais importante dele. Como vimos, a principal proposta de hsüeh shih é tanto aprimorar a sensibilidade de uma pessoa quanto capacitá-la a usar linhas das Odes para disfarçar o que quer dizer. [20] Assim, às vezes o tradutor se vê em dificuldade para encontrar um equivalente satisfatório para hsüeh. “Aprender” é algo que diz respeito a toda a sabedoria acumulada do passado. Embora não exclua necessariamente conhecimento teórico, a ênfase, conforme é previsível, é no aprendizado moral. E essas verdades morais são, na maior parte das vezes, epitomizadas na forma de preceitos. Os ritos eram, claro, um código para tais preceitos, embora provavelmente também devem ter existido preceitos que não eram contemplados por esses códigos. Que os ritos formavam uma grande parte daquilo que um homem precisava aprender é confirmado por duas passagens de Os analectos. Na primeira, Confúcio disse: “A menos que um homem tenha o espírito dos ritos (...) ao ter coragem ele vai se tornar indisciplinado e, ao ser íntegro, ele vai se tornar intolerante” (VIII.2). Entretanto, em outra passagem ele disse: “Amar a determinação sem amar o aprendizado pode levar à intolerância” (XVII.8). As duas declarações são praticamente idênticas, exceto pelo fato de que em uma temos “os ritos”, enquanto na outra temos “aprender”. Se “aprender” tem um papel tão importante nos ensinamentos de Confúcio, por que não aparece mais frequentemente em Os analectos? Porque “aprender” não é o único termo que é usado para a atividade. Muito frequentemente Confúcio usa, no lugar de “aprender”, wen (ouvir) e, mais raramente, chien (ver). [21] Em especial, “ouvir” é usado quando há alguma referência ao aprendizado de preceitos específicos ou quando “aprender” é colocado em contraste com a ação de colocar em prática aquilo que é aprendido. Aqui estão exemplos do ensinamento de um preceito específico. O Mestre disse: (...) “Sempre ouvi dizer que um cavalheiro dá para ajudar os necessitados, e não para manter os ricos em uma vida farta”. (VI.4) Ch’en Ssu-pai disse: “Ouvi dizer que um cavalheiro não demonstra parcialidade. E mesmo assim o seu Mestre é parcial?”. (VII.31) Tzu-hsia disse: “Já ouvi dizer: vida e morte são uma questão de Destino; riqueza e honra dependem do Céu”. (XII.5) Confúcio disse: “Sempre ouvi dizer que o chefe de um reino ou de uma família nobre preocupa-se não com subpopulação, mas com a distribuição desigual; não com a pobreza, mas com a instabilidade”. (XVI.1) Tzu-y u respondeu: “Há algum tempo ouvi do senhor, Mestre, que o cavalheiro instruído no Caminho ama seus semelhantes e que os homens vulgares instruídos no Caminho são fáceis de serem comandados”. (XVII.4) Tzu-lu disse: “Há algum tempo ouvi do senhor, Mestre, que o cavalheiro não entra nos domínios daquele que não pratica o bem”. (XVII.7) Tzu-chang disse: “Isso é diferente do que eu ouvi. Ouvi que o cavalheiro honra aqueles que lhe são superiores e é tolerante para com a multidão, que é cheio de elogios para com os bons ao mesmo tempo em que se apieda dos incapazes”. (XIX.3) A relação entre ouvir e colocar em prática o que se ouviu é claramente abordada nas seguintes passagens: O Mestre disse: “Use seus ouvidos (wen) amplamente, mas deixe de fora o que é duvidoso; repita o resto com cuidado e você cometerá poucos erros. Use seus olhos (chien) amplamente e deixe de fora o que é perigoso; coloque o resto em prática com cautela e você terá poucos arrependimentos”. (II.18) A única coisa que Tzu-lu temia era que, antes que pudesse colocar em prática algo que aprendera, lhe ensinassem outra coisa diferente. (V.14) O Mestre disse: “Estas são as coisas que me causam preocupação: (...) incapacidade de, quando me é dito (wen) o que é correto, tomar uma atitude”. (VII.3) O Mestre disse: “Faço amplo uso de meus ouvidos e sigo o que é bom daquilo que ouvi; faço amplo uso dos meus olhos e retenho na minha mente o que vi”. (VII.28) Tzu-lu perguntou: “Deve-se imediatamente colocar em prática o que se ouviu?”. (XI.22) A inter-relação entre aprender e colocar em prática o que se aprendeu é forte porque entre as coisas que se aprende estão os preceitos, e qual seria a utilidade de aprender um preceito se não se fizesse uma tentativa de colocá-lo em prática? Daí a preocupação de Confúcio quanto a sua incapacidade de se mover para uma nova posição assim que ele aprendeu que essa posição é moralmente correta e o medo de Tzu-lu de se atrasar se preceitos surgirem mais rápido do que ele pode acompanhar. Mas isso não significa que se deve colocar um preceito em prática simplesmente porque é um preceito. Deve-se, antes de tudo, refletir profundamente quanto a se ele é correto. É por isso que Confúcio está constantemente aconselhando que se deve escolher daquilo que foi aprendido apenas o que é bom e deixar de fora o que é duvidoso. A única maneira de fazer isso é por meio do pensamento. Isso nos traz de volta à questão de aprender e pensar. Há um ditado bem conhecido em Os analectos: “Se um homem aprende com os outros mas não pensa, ele ficará confuso. Se, por outro lado, um homem pensa mas não aprende com os outros, ele estará em perigo” (II.15). Deve-se aprender com os sábios do passado e do presente, mas, ao mesmo tempo, deve-se tentar aprimorar aquilo que foi aprendido. Embora tanto aprender quando pensar sejam indispensáveis, Confúcio parece considerar o ato de aprender, de alguma forma, mais importante. Ele disse: “Uma vez passei todo o dia pensando, sem comer nada, e toda a noite pensando sem ir para a cama, mas descobri que nada ganhei com isso. Teria sido melhor gastar o tempo estudando” (XV.31). Aqui Confúcio está falando que se devêssemos nos entregar a uma busca apenas, então aprender seria mais proveitoso do que pensar. Um momento de reflexão mostrará que essa visão é bastante razoável. Se a meta de um homem é conseguir avanços de conhecimento, tanto pensamento quando aprendizado são igualmente necessários, mas, em casos em que o homem não tem esse objetivo, por meio do aprendizado ele pode ao menos ganhar algo, ao tomar conhecimento do que já é sabido, mas dificilmente terá qualquer ganho se ficar pensando in vacuo. Tomemos um exemplo que ilustra o modo como Confúcio refletiu sobre os ritos existentes. O Mestre disse: “Os ritos prescrevem um boné cerimonial de linho. Hoje, usamos seda preta no lugar. Isso é mais frugal, e eu sigo a maioria. Os ritos prescrevem que a pessoa prostra antes de subir os degraus. Hoje faz-se isso após tê-los descido. Isso é casual, e, embora indo de encontro à maioria, sigo a prática de prostrar-me antes de subir”. (IX.3) Aqui temos um caso claro de uma visão crítica de Confúcio quanto aos ritos. Ele concluiu que em um determinado caso estava preparado para seguir a maioria, mas não no outro caso. Ele chegou a essa conclusão voltando aos princípios que subjazem aos ritos em questão. No segundo caso, o princípio subjacente é respeito, enquanto no primeiro caso há igualmente frugalidade. Que o respeito devesse ser o princípio subjacente é nada menos do que algo a ser esperado, mas que a frugalidade devesse ser tal princípio pode parecer surpreendente, até que lembremos da resposta de Confúcio para uma pergunta quanto aos fundamentos dos ritos. Parte desta resposta foi: “Com os ritos, é melhor pecar pela simplicidade do que pela extravagância” (III.4). Todas as coisas sendo iguais, é melhor ser frugal. O gorro de seda cinza é mais frugal, mas nada perde em respeito. Daí a aprovação de Confúcio. Prostração depois de subir os degraus, por outro lado, é casual, em outras palavras, menos respeitoso, e não tem ganhos compensatórios. Daí a desaprovação de Confúcio. Conforme vimos, preceitos são muitas vezes introduzidos pela fórmula “Ouvi dizer”. Muitas vezes, entretanto, essa fórmula é dispensada, particularmente nos casos em que o preceito está para ser examinado. Nesses casos, a pergunta “O que você acha desse dizer?” é simplesmente colocada. Por exemplo: Tzu-kung disse: “‘Pobre sem ser servil, rico sem ser arrogante’. O que o senhor pensa desse provérbio?” O Mestre disse: “É bom, mas melhor ainda é: ‘Pobre, mas alegre no Caminho, rico, porém observador dos ritos (I.17). OS ANALECTOS. www.https//rt.br. Abraço. Davi.

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