Confucionismo. www.https//rt.br. OS ANALECTOS. Tradução do inglês de Caroline Chang.
Tradução do chinês. Introdução e notas de D. C. Lau. INTRODUÇÃO V. Já que a
influência de um bom exemplo funciona de um modo imperceptível, o governante
ideal é frequentemente caracterizado não apenas como alguém que não sabe, mas
também como alguém que aos olhos do povo, nada fez que pudesse ser valorizado.
“O governo pela virtude pode ser comparado à estrela Polar, que comanda a
homenagem da multidão de estrelas sem sair do lugar” (II.1). T’ai Po abdicou do
seu direito de governar, “sem dar ao povo oportunidade de louvá-lo” (VIII.1).
Yao foi o rei que se espelhou no Céu, o único que é grande, mas “ele era tão
grandioso que o povo não tinha palavras para louvar as virtudes” (VIII.19).
Essa descrição do governante ideal é aparentemente muito semelhante à oferecida
pelos taoístas, mas na verdade as duas são bem diferentes. O governante taoísta
genuinamente não faz nada porque o Império funciona melhor quando deixado em
paz. O governante confucianista apenas aparenta nada fazer porque a influência
moral que ele exerce funciona de modo imperceptível. Não podemos encerrar o
assunto do governo sem discutir a atitude de Confúcio para com o povo (min) ou
as pessoas. Ele não tentou disfarçar o fato de que, no seu ponto de vista, o
povo era muito limitado intelectualmente. Ele disse: “O povo pode ser obrigado
a seguir um caminho, mas não pode ser forçado a entendê-lo”. (VIII.9). O povo
não consegue entender por que razão é conduzido ao longo de um caminho em
específico, pois nunca se dá o trabalho de estudar. Ele disse: “Aqueles que
nascem com conhecimento são os mais elevados. A seguir vêm aqueles que atingem
o conhecimento por meio do estudo. A seguir vêm aqueles que voltam para o
estudo depois de terem passado por dificuldades. No nível mais baixo estão as
pessoas comuns, por não fazerem esforço algum para estudar mesmo depois de
terem passado por dificuldades” (XVI. 9). Não é de surpreender que Confúcio
tivesse tal opinião. O estudo, tal qual por ele concebido, é um árduo processo
que nunca se completa. As pessoas comuns são imensamente prejudicadas.
Raramente têm a capacidade de estudar e praticamente nunca têm a oportunidade.
Nas raras ocasiões em que têm tanto a capacidade e a oportunidade, é pouco
provável que consigam aguentar o rigor da tarefa. Confúcio descreveu como o seu
discípulo favorito, Yen Hui, conseguiu seguir os estudos obstinadamente nas
seguintes palavras. “Como Hui é admirável! Morar em um pequeno casebre com uma
tigela de arroz e uma concha de água por dia é uma provação que a maioria dos
homens acharia intolerável, mas Hui não permite que isso atrapalhe sua alegria.
Como Hui é admirável” (VI.11). Confúcio podia não ter uma opinião muito boa
quanto às capacidades intelectuais e morais das pessoas comuns, mas
absolutamente não é verdade que ele tenha diminuído a importância delas no
esquema geral das coisas. Talvez seja precisamente porque o povo é incapaz de
garantir seu próprio bem-estar sem receber auxílio que o dever supremo do
governante é trabalhar em benefício do povo, proporcionando a ele o que lhe é
benéfico. As pessoas comuns deveriam ser tratadas com o mesmo amor e carinho dispensados
a nenês, que são indefesos. Isso é anunciado em um comentário memorável do
Livro da História citado por Mêncio: os governantes antigos agiam “como se
estivessem cuidando de um recém-nascido”. [17] Mêncio (372 AC 289) descreve
tais governantes como mãe e pai do povo. É, portanto, inegável que Confúcio
advogava um forte paternalismo no governo, e isso permaneceu imutável como
princípio básico ao longo de toda a história do confucionismo. A importância
das pessoas comuns e seu bem-estar é enfatizada repetidas vezes em Os
analectos. Por exemplo, Tzu-kung disse: “Se houvesse um homem que desse
generosamente ao povo e trouxesse auxílio às multidões, o que você pensaria
dele? Ele poderia ser considerado benevolente? O Mestre disse: “Nesse caso não
se trata mais de benevolência. Se precisa descrever tal homem, ‘sábio’ é,
talvez, a palavra adequada. Mesmo Yao e Shun achariam difícil realizar tanto.”
(VI.30) Se lembrarmos que Yao e Shun eram tidos em alta conta por Confúcio e o
quão pouco inclinado ele era a dar o título de “sábio” para qualquer pessoa,
podemos ver o imenso significado do comentário. Finalmente, Confúcio disse que
se ele elogiava alguém, podia-se ter certeza de que esse alguém havia sido
testado. O teste se revelou ser o governo das pessoas comuns, pois ele
continuou ao dizer: “Essas pessoas comuns são a pedra de toque por meio da qual
as Três Dinastias foram mantidas no caminho certo” (XV. 25). O único teste ao
qual é submetido um bom governante é quanto a se ele tem êxito em promover o
bem-estar das pessoas comuns. Até agora examinamos apenas as qualidades morais
indispensáveis ao cavalheiro, mas o ideal do cavalheiro é mais amplo do que o
do homem moral. É necessário, mais atributos para se ter o perfeito cavalheiro.
Para entender isso, é preciso primeiro darmos uma olhada em dois termos, wen e
chih. Chih, dos dois, é o mais fácil de ser compreendido. É a matéria-prima ou
a substância nativa da qual um homem ou uma coisa é feita. Wen é mais difícil
de compreender por causa da sua ampla aplicação. Em primeiro lugar, wen
significa um belo padrão. Por exemplo, o padrão das estrelas é o wen do céu, e
o padrão da pele de um tigre é o seu wen. Aplicado ao homem, refere-se às belas
qualidades que ele adquiriu por meio da educação. Daí o contraste com chih.
Aquilo que um homem adquire por meio da educação cobre uma ampla gama de
realizações. Inclui talentos como arqueiro ou na condução de carruagens, de
escrita e matemática, mas os campos mais importantes são a literatura e a
música, uma conduta condizente à de um cavalheiro. Literatura, na época de
Confúcio, significava, basicamente, as Odes, enquanto que música para Confúcio
era a música tocada em cerimônias da corte e em cerimônias sacrificiais. Um
comportamento condizente a um cavalheiro significava observância dos ritos, que
incluía entre outras coisas o código da conduta correta. Além de denotar as
realizações de um indivíduo, wen também pode ser usado para designar a cultura
de uma sociedade como um todo. Assim, wen é uma palavra com uma ampla gama de
significados, que em inglês [e português] são cobertos por uma variedade de
palavras, como ornamento, adorno, refinamento, realização, boa educação e
cultura. Não é suficiente para um homem nascer com uma boa substância nativa.
Um longo processo de amadurecimento é necessário para dar a ele a educação
indispensável a um cavalheiro. Quando Chi Tzu-ch’eng disse “O mais importante a
respeito de um cavalheiro é o material do qual ele é feito. Para que ele
precisa de refinamento?”, a opinião de Tzu-kung foi a de que não se podia
separar refinamento da matéria, pois “a pele de um tigre ou de um leopardo,
desprovida de pelos, não é diferente da de um cachorro ou de uma ovelha”
(XII.8). O que Tzu-kung está dizendo é que são as qualidades totais de um
cavalheiro – matéria prima assim como refinamento – que o distinguem dos
“homens vulgares”, e é fútil separar a matéria-prima do refinamento, na
equivocada tentativa de aponta-la como o fator básico. Em toda parte,
encontramos Confúcio enfatizando a importância do equilíbrio entre os dois
elementos. Ele disse: “Quando a natureza de alguém prevalece sobre a educação
recebida, o resultado será uma pessoa intratável. Quando a educação prevalece
sobre a natureza, o resultado será uma pessoa pedante. Apenas uma mistura bem
equilibrada das duas resultará em cavalheirismo” (VI.18). Há um comentário de
Confúcio que joga alguma luz sobre o que seria essa substância nativa ou
natureza. Ele disse: “O cavalheiro tem a moralidade como matéria-prima e, ao
observar os ritos, coloca-a em prática, ao ser modesto dálhe expressão e, ao
ser fiel às próprias palavras, a completa. Assim é um cavalheiro, de fato!”
(XV.18). Aqui vemos que a relação entre chih e wen corresponde à relação entre
moralidade (yi) e os ritos (li). Não basta um homem ter a inclinação natural de
fazer o que é certo; é essencial que ele seja versado de modo que possa dar uma
expressão refinada a essa inclinação. Um homem pode ter uma forte necessidade
de mostrar respeito por outro homem em uma dada sociedade, mas, a menos que ele
saiba o código de comportamento pelo qual esse respeito é expresso, ele ou
falhará completamente em expressá-lo ou, no máximo, conseguirá expressá-lo de
modo não totalmente aceito naquela sociedade. Isso traz à tona uma questão
importante quanto aos ritos. Moralidade não consiste apenas na ação que afeta o
bem-estar de outras pessoas. Às vezes também requer comportamentos que
expressem uma atitude em relação às outras pessoas. Isso explica o fato de que
a palavra li, embora tenha também uma conotação moral, é mais apropriadamente
traduzida como “ritos” ou “ritual”. Como vimos, além da observância dos ritos,
a parte mais importante de wen é a poesia e a música. É por isso que, quando um
equivalente teve que ser encontrado para o termo ocidental “literatura”, a
expressão usada foi naturalmente “wen hsüeh”. Esse parece ser um ponto
conveniente a partir do qual avaliar a atitude de Confúcio para com a poesia e
a música, já que a influência que o pensador exerceu nas gerações subsequentes
foi imensa. O primeiro ponto a salientar é que na época de Confúcio a conexão
entre a poesia e a música era muito próxima. Embora houvesse música que não
envolvesse palavras, toda poesia podia, provavelmente, ser cantada. Por essa
razão, Confúcio provavelmente tinha a mesma atitude para com ambas. Comecemos
com a seguinte passagem: O Mestre disse, sobre shao, que era perfeitamente
linda e perfeitamente boa e, sobre wu, que era perfeitamente linda, mas não
perfeitamente boa. (III.25) Podemos ver com essa passagem que Confúcio exigia
da música e, consequentemente, da literatura, não apenas perfeição estética,
mas também que fosse perfeitamente boa. Shao era a música de Shun, que,
escolhido por sua virtude, subiu ao trono por meio da abdicação de Yao,
enquanto wu era a música do rei Wu, que, apesar da própria virtude, conquistou
o Império apenas depois de recorrer à força – daí o nome wu, “força militar”.
Por esta razão, o primeiro era não apenas perfeitamente belo, mas também
perfeitamente bom, enquanto o último, embora perfeitamente belo, deixou a
desejar quanto à sua bondade. Que Confúcio considerasse o wu inferior ao shao
não é surpreendente se lembrarmos sua ojeriza em relação ao uso da força ou à
violência, que se dizia estarem entre as coisas sobre as quais ele nunca falava
(VII.21). Para Confúcio, algo ser perfeitamente bom era mais importante do que
a perfeição estética. Se uma peça de música é ou não aceitável depende de sua
qualidade moral. A perfeição estética é importante porque é o único veículo
apropriado para conduzir a perfeita bondade. Amúsica esteticamente perfeita
pode-se ouvir com alegria, mas apenas quando a perfeição moral é fundida com a
perfeição estética é que pode ser experimentada a alegria que vai além de
qualquer expectativa. O Mestre ouviu o shao em Ch’i e por três meses não sentiu
o gosto das refeições que comia. Ele disse: “Jamais sonhei que as alegrias da
música pudessem chegar a tais alturas”. (VII.14) Não é por acaso que a música
que encantava Confúcio fosse precisamente shao, que ele elogiava por ser
perfeitamente bom assim como por perfeição estética. Quando lhe perguntaram
como um reino deveria ser governado, Confúcio disse: “Quanto à música, adote o
shao e o wu. Bane as melodias de Cheng e mantenha homens de fala persuasiva à
distância. As melodias de Cheng são insolentes, e homens de fala persuasiva são
perigosos” (XV.11). Depois ele disse: “Detesto o púrpura por deslocar o
vermelho. Detesto as melodias de Cheng por corromperem a música clássica.
Detesto homens de fala esperta que derrubam reinos e famílias nobres”
(XVII.18). Não há dúvida de que Confúcio detestava “as melodias de Cheng”, mas
ele as detestava não devido à falta de beleza, mas por causa de sua falta de
disciplina. Deve ser observado que cada uma das coisas que Confúcio detestava
ofereciam uma aparente semelhança à coisa certa, e é por causa dessa semelhança
superficial que os hipócritas podem ser confundidos com os genuínos. A ojeriza
de Confúcio é dirigida contra a falsidade. As “melodias de Cheng” são colocadas
juntas aos “falantes espertos” e “homens de fala persuasiva”, já que, como
“falantes espertos” e “homens de fala persuasiva”, as “melodias de Chang” são
capazes de conquistar nossa preferência caso estejamos desatentos. Não são,
portanto, pouco atraentes como música. No final das contas, não é a falta de
beleza, mas a falta de correção ou moralidade que marca a música chamada de
“melodias de Cheng”. As “melodias de Cheng” certamente não diziam respeito
somente à música. O que é dito sobre as melodias aplica-se também às palavras,
já que a falsidade existe tanto no significado das palavras quanto no charme da
música. Em oposição às melodias de Cheng, encontramos Confúcio aclamando o Kuan
chü, com os quais as Odes abrem: No kuan chü há alegria sem futilidade, e
tristeza sem amargura. (III.20) Isso mostra que não era pela expressão de
prazer em si, mas pela expressão de imoderado prazer que Confúcio condenava as
melodias de Cheng. Em contraposição, o Kuan chü é um exemplo da expressão de
prazer e de tristeza exatamente na mesma medida. Confúcio resumiu suas opiniões
sobre poesia nas seguintes palavras: As Odes são trezentas, em número. Podem
ser resumidas a uma frase: Não se desvie do caminho. (II.2) Edificação,
entretanto, não é o único propósito da poesia. Entre outras coisas, as Odes
podem “estimular a imaginação” (XVII.9). Quando se lê poesia, uma pessoa acorda
para as similaridades subjacentes entre fenômenos que, para os de pouca
imaginação, parecem não ter nenhuma relação. Tzu-hsia perguntou: “Seu
encantador sorriso com covinhas, Seus belos olhos esgazeando, Padrões de cores
em seda lisa.” Qual o significado de tais linhas? O Mestre disse: “As cores são
acrescentadas após o branco”. “E a prática dos ritos, também vem depois?” O
Mestre disse: “É você, Shang, quem iluminou o texto para mim. Apenas com um
homem como você é possível discutir as Odes”. (III.8) O Mestre elogiou Tzu-hsia
pela sua compreensão das Odes porque ele viu que, assim como na pintura as
cores são acrescentadas depois que as linhas gerais são dadas em branco, também
o refinamento de observar os ritos é inculcado em um homem que já nasceu com a
substância certa. [18] As Odes têm um outro uso, que é possibilitar que um
homem fale bem. O filho de Confúcio relatou uma conversa que certa vez teve com
seu pai. “Você estudou as Odes?” “Não.” “Amenos que estude as Odes, não será
capaz de sustentar uma conversa” (XVI.13). As Odes eram uma antologia que todo
homem educado conhecia plenamente, de modo que uma citação correta delas
extraída, podia ser usada para comunicar a opinião de alguém em situação
delicada ou que requeressem extrema polidez. OS ANALECTOS. www.https//rt.br. Abraço. Davi
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