Yoga.
Livro A Ciência do Yoga. Autor I. K. Taimni. PREFÁCIO DO AUTOR. Grande número
de pensadores, tanto no Oriente quanto no Ocidente, tem genuíno interesse pelo
tema Yoga. Isto é natural, porquanto o homem que começa a questionar a vida e
seus problemas mais profundos quer algo mais definido e vital para suas
necessidades espirituais que uma simples promessa de alegrias celestiais ou
“vida eterna”, para quando tiver deixado sua breve e febril vida neste planeta.
Aqueles que perderam a fé nos ideais das religiões ortodoxas e, ainda assim,
sentem que sua vida não é um fenômeno da natureza, passageiro e sem sentido,
naturalmente se voltam para a filosofia do Yoga, em busca de uma solução para
as questões ligadas à sua vida “interior”. As pessoas que iniciam o estudo do
Yoga com o objetivo de encontrar uma solução mais satisfatória para tais
problemas, deparar-se-ão provavelmente com uma séria dificuldade. É possível
que considerem a filosofia interessante, e, mesmo, fascinante. Mas
demasiadamente envolta em mistério e incoerências para que tenha valor prático
em suas vidas. Pois não há assunto mais cercado de mistério e sobre o qual se
pode escrever o que se quiser sem risco de ser considerado equivocado. De certo
modo, está atmosfera de mistério e obscuridade que cerca o Yoga deve-se à
própria natureza do assunto. A filosofia do Yoga trata de alguns dos maiores
mistérios da vida e do universo e, assim, é inevitável que esteja associada a
uma atmosfera de profundo mistério. Entretanto, muito da obscuridade da
literatura do Yoga decorre não da profundidade intrínseca do tema, mas da falta
de correlação entre seus ensinamentos e os fatos com os quais se supõe estar o
homem de cultura comum familiarizado. Se as doutrinas do Yoga forem estudadas
tanto à luz do pensamento antigo quanto do moderno, serão de mais fácil
compreensão e apreciação. As descobertas no campo da ciência são de especial
ajuda, pois habilitam o estudante a entender alguns fatos da vida do Yoga. Já
que há certa analogia entre as leis da vida superior e as da vida como ela
existe no plano físico – relacionamento sugerido na conhecidíssima máxima
oculta “assim como é em cima, é embaixo”. Alguns instrutores do Yoga têm
tentado resolver essa dificuldade extraindo da filosofia e da técnica do Yoga
aquelas práticas que são fáceis de ser entendidas e exercitadas, colocando-as
ante o público em geral como ensinamentos do Yoga. Muitas dessas práticas, tais
como asana, pranayama etc.., são de natureza puramente física e, quando
divorciadas dos ensinamentos essenciais e mais elevados do Yoga. Reduzem seus sistemas
a uma ciência de cultura física equiparável a outros sistemas de natureza
similar. Esta super simplificação do problema da vida física mais saudável,
vulgarizou o movimento em prol da cultura do Yoga e produziu uma impressão
errada, especialmente no Ocidente, sobre o verdadeiro propósito e técnica do
Yoga. O que é necessário, por conseguinte, para a média dos estudantes do Yoga,
é uma apresentação inteligível e clara de sua filosofia e de sua técnica, para
que se tenha uma ideia correta e equilibrada de todos os seus aspectos em
termos do pensamento moderno. Pois, embora seja verdade que muitos aspectos da
vida do Yoga estejam além da compreensão daqueles que estão confinados ao
domínio do intelecto, a filosofia geral e os amplos aspectos de sua técnica
podem ser compreendidos pelo estudante sério que esteja familiarizado com as
principais tendências do pensamento filosófico e religioso e preparado para
conduzir seu estudo com uma mente aberta e ávida. Ele pode, pelo menos,
compreender esta filosofia de tal modo que seja capaz de decidir se vale a pena
empreender um estudo mais profundo do assunto e, mais tarde, ingressar no
caminho do Yoga como sadhaka. Pois somente quando ingressa no caminho do Yoga
prático e começa a efetuar mudanças fundamentais em sua natureza é que ele pode
esperar vislumbrar de fato os problemas do Yoga e sua solução. Este livro
pretende dar ao estudante sério uma ideia clara sobre os ensinamentos
fundamentais do Yoga, em linguagem que ele possa entender. O livro não
apresenta o Yoga sob determinado ângulo ou baseado em determinada escola
filosófica. Os que o estudarem verão por si mesmos que esta ciência das
ciências é demasiadamente abrangente em sua natureza e muito profunda em suas
doutrinas, para enquadrar-se em qualquer filosofia, seja antiga ou moderna. Ela
preserva sua característica de ciência baseada nas leis eternas da vida
superior, sem necessitar que qualquer ciência ou sistema filosófico endosse
suas afirmativas. Suas verdades são baseadas em experiências e experimentos de
uma linha ininterrupta de místicos, ocultistas, santos e sábios, que as
realizaram e as testemunharam através das eras. Embora se tenha tentado
explicar os ensinamentos do Yoga em bases racionais, de modo que o estudante
possa compreendê-los facilmente, nada se procura fazer para comprová-los no
sentido comum. As verdades do Yoga superior não podem ser comprovadas nem
demonstradas. Elas se dirigem à intuição e não ao intelecto. Há uma vasta
literatura tratando de todos os aspectos e tipos do yoga. Mas é provável que o
principiante que tente mergulhar nessa massa caótica sinta aversão pela
confusão e pelas exageradas afirmativas que venha a encontrar por toda parte.
Em torno de um pequeno núcleo de ensinamentos fundamentais e genuínos do Yoga,
cresceu, ao longo de milhares de anos, substancial quantidade de literatura
espúria, composta de comentários, exposições de sistemas inferiores de cultura
do Yoga e de práticas tântricas. Qualquer estudante inexperiente que adentre
esta floresta, provavelmente se sentirá perdido, dela saindo com a impressão de
que sua procura do ideal do Yoga poderá resultar em perda de tempo. O
estudante, por conseguinte, faria melhor caso se limitasse à literatura básica,
a fim de evitar confusão e frustração. Na literatura básica do Yoga, os
Yoga-Sutras de Patanjali revelam-se a obra de maior autoridade e a mais útil de
todas. Em seus 196 sutras o autor sintetizou o essencial da filosofia e da
técnica do Yoga, de maneira a constituir uma maravilhosa exposição condensada e
sistemática. O estudante que analisa o livro superficialmente, ou pela primeira
vez, talvez o considere um tanto estranho e desordenado, porém um estudo mais
cuidadoso e profundo revelará a racionalidade com que é tratada a matéria. O
resumo a seguir dá uma ideia de quão racional é a forma de tratar todo o tema.
A primeira seção refere-se à natureza geral do Yoga e sua técnica. Ocupa-se
realmente em responder à pergunta: “O que é o Yoga”. Dado que samadhi é a
técnica essencial do Yoga, é natural que ocupe a posição mais importante entre
os vários tópicos tratados na seção. Está seção é, assim, chamada de Samadhi
Pada. A primeira parte da segunda seção trata da filosofia de Klesas e tem por
objetivo responder à pergunta “por que deveria alguém praticar Yoga?”. Ela analisa
magistralmente as condições da vida humana, bem como a miséria e o sofrimento
inerentes a tais condições. A filosofia de Klesas tem que ser muito bem
entendida por qualquer pessoa, que pretenda seguir o caminho do Yoga com a
inflexível determinação de perseverar, vida após vida, até que tenha atingido o
fim. A segunda parte da seção II trata das primeiras cinco práticas da técnica
do yoga, referidas como bahiranga ou externas. São práticas de natureza
preparatória e têm a finalidade de torna o sadhaka apto à prática do samadhi.
Como esta seção ocupa-se em habilitar o aspirante, física, mental, emocional e
moralmente, à prática do Yoga superior, é chamada de Sadhana Pada. A primeira
parte da terceira seção trata das três práticas restantes da técnica do Yoga,
referidas como antaranga ou internas. É através dessas práticas, que culminam
em samadhi, que todos os mistérios da vida do Yoga são desvendados e os poderes
ou siddhis, são adquiridos. Na segunda parte desta seção são discutidas em
detalhes estas realizações e a seção é, assim, chamada Vbhuti Pada. Na quarta e
última seção são expostos todos aqueles problemas filosóficos essenciais
envolvidos no estudo e na prática do Yoga. A natureza da mente e a percepção
mental, do desejo e seus efeitos aprisionadores, da liberação e os resultados
que lhe seguem, são todos tratados de forma resumida. Mas sistematicamente, de
modo que o estudante tenha uma base adequada de conhecimento teórico. Como
todos esses tópicos estão ligados de um modo ou de outro com a conquista de
kaivalya, a seção tem o título de kaivalya pada. Em virtude de seu tratamento
abrangente e sistemático do assunto, os Yoga-Sutras constituem o livro mais
adequado a um profundo e sistemático estudo do yoga. Nos velhos tempos, todos
os estudantes do yoga eram preparados para memorizar e meditar de forma regular
e profunda sobre os sutras, para deles extrair seus significados ocultos. Mas o
estudante moderno, que precisa, primeiramente, ser convencido de que o estudo e
a prática do Yoga valem a pena. Requer um tratamento mais detalhado e
sofisticado do assunto, o qual lhe permita compreender sua filosofia como um
todo. Mesmo para este propósito os Yoga-Sutras são a base mais adequada, não
somente por oferecerem todas as informações essenciais sobre o Yoga de maneira
magistral. Mas também por serem reconhecidos como uma obra-prima na literatura
do Yoga e, como tal, resistir ao teste do tempo e da experiência. Eis a razão
de constituírem a base deste livro. A tarefa de quem se dedica a comentar um
livro como os Yoga Sutras não é fácil. Trata-se de um assunto da mais profunda
natureza. As ideias que precisa interpretar são expostas sob a forma de sutras,
que corporificam o máximo da arte da condensação. A linguagem em que os sutras
são escritos é antiga, e, embora de extraordinária eficácia na expressão de
ideias filosóficas, pode implicar enorme variedade de intepretações. E, o que é
mais importante, o autor está lidando com uma ciência relacionada a fatos
ligados a experiência humana. Ele não pode, como o filósofo acadêmico, dar asas
à sua imaginação e adiantar meramente uma interpretação ideal. Ele tem que
apresentar as coisas, da melhor maneira possível, como realmente são e não como
deveriam ou poderiam ser. Tendo em vista a possibilidade de alterações que
sempre acontecem nas conotações das palavras, no decorrer do tempo, é
extremamente arriscado interpretar os sutras de modo rígido, literal. É, claro
que não se pode tomar liberdades com um livro como os Yoga-Sutras, escrito por
uma mente magistral, em linguagem considerada quase perfeita. Mas uma coisa é
interpretar um sutra de maneira livre e descuidada, outra é expor seu
significado com o devido respeito aos fatos da experiência e às reconhecidas
tradições das várias épocas. O sensato, portanto, é levar em consideração todos
os fatores envolvidos, em especial, explicações que nada explicam. Outra
dificuldade, ao escrever-se um comentário em um idioma Ocidental, é a
impossibilidade de encontrar equivalentes exatos para muitas palavras
sânscritas. Como a ciência do Yoga floresceu principalmente n Oriente e o
interesse pelo Yoga no Ocidente é de origem recente. Não é possível encontrar
equivalentes para muitas palavras sânscritas que exprimem conceitos filosóficos
bem definidos. Em muitos casos, os termos disponíveis, com significados
aproximados, podem dar uma impressão totalmente errada. Para evitar esse
perigo, as palavras sânscritas foram usadas livremente no comentário, sempre
que não tenha sido possível obter um equivalente exato. Contudo, para facilitar
um cuidadoso estudo do assunto, não somente é dado o texto em sânscrito, em
cada sutra, mas também os significados das palavras sânscritas nele utilizadas.
Por certo, conforme dito acima, não se dispõe dos exatos equivalentes de muitas
palavras sânscritas. Em tais casos, são apresentados somente os significados
exatos dos termos contidos no comentário que acompanha o sutra. Tal
procedimento habilitará o estudante a julgar por si mesmo o quanto a
intepretação está de acordo com o significado literal das palavras utilizadas
no sutra e, se houver alguma divergência, até onde esta se justifica. Mas, é
claro, a justificativa final de qualquer interpretação é sua conformidade com
os fatos da experiência, e, se este tipo de verificação não se tornar possível,
devem o bom senso e a razão servir de guia. Aquele que procura a verdade deve
ater-se especialmente aos fatos e à verdade subjacente nos vários sutras. E não
se envolver em controvérsias sobre o significado das palavras. Que esse
passatempo seja deixado aos meros eruditos. Um cuidadoso estudo dos Yoga-Sutras
e o tipo de preparação e esforço necessários à realização do objetivo do
empreendimento do Yoga podem dar ao estudante a impressão de uma tarefa
extremamente difícil, se não impossível, superior à capacidade do aspirante
comum. Essa impressão certamente o desencorajará e, se ele não refletir
profundamente sobre os problemas da vida e clarear suas ideias a este respeito,
será levado a abandonar a ideia de empreender a Divina Aventura ou postergá-la
para uma vida futura. Não pode haver dúvida de que a séria persecução do ideal
do Yoga é uma tarefa difícil, e não pode ser assumida como mero lazer, ou como
um meio de escapar às tensões e pressões da vida comum. Pode ser empreendida
somente a partir de um pleno entendimento da natureza da vida humana. Da
miséria e do sofrimento que lhes são inerentes, e de uma compreensão de que o
meio de acabar permanentemente com a miséria e como sofrimento é encontrar a
verdade que está guardada em nosso íntimo, através do único método disponível –
a disciplina do Yoga. Sem dúvida, a consecução deste objetivo é algo que requer
muito tempo e o aspirante tem que estar preparado para despender certo número
de vidas – tantas quantas necessárias – em sua procura séria e de todo coração.
Ninguém pode saber, no princípio, quais são suas potencialidades e de quanto
tempo necessitará. Pode esperar o melhor, mas é bom estar preparado para o
pior. Aqueles que não se sentem prontos a enfrentar essa tarefa não são
forçados a tentá-la imediatamente. Podem continuar o estudo teórico do Yoga,
refletir constantemente sobre os mais profundos problemas da vida. Tentar
purificar suas mentes e fortalecer seu caráter, até que sua capacidade de
discernimento, torne-se suficientemente forte que lhes possibilite penetrar as
ilusões comuns e ver a vida em sua crua realidade. De fato, este é o propósito
do Kriya-Yoga, a que Patanjali refere-se no começo da seção II. Quando os olhos
interiores do verdadeiro discernimento começam a se abrir, como resultado da
prática do Kriya-Yoga, deixarão de cogitar se são bastante fortes para
empreender esta longa e difícil jornada em direção a seus verdadeiros lares.
Aí, então, nada poderá detê-lo e eles se devotarão natural e de todo o coração
a essa difícil, mas sagrada tarefa. O que importa é partir definitivamente, de
algum lugar, o mais cedo possível – agora. No momento em que se dá esta
partida, forças começam a juntar-se em torno do eixo do empreendimento e
impelem o aspirante para a sua meta, lentamente, a princípio. Mas com
velocidade crescente, até que ele esteja tão absoluto na persecução de seu
ideal que o tempo e a distância deixam de importar-lhe. E, um dia, ele descobre
que atingiu seu objetivo, e olha para trás com uma espécie de admiração. Para a
longa e tediosa viagem que completou no reino do tempo, embora durante todo o
tempo ele estivesse vivendo no eterno. Livro A Ciência do Yoga. Escrito por
I.K. Taimni. Abraço. Davi.
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