Judaísmo.
www.morasha.com.br. Por Rabino Gabriel
Aboutboul. SER FELIZ OU ESTAR FELIZ? Muitas pessoas acreditam que o
objetivo da vida é ser feliz. O Judaísmo acredita na força e na importância da
alegria. Contudo, a felicidade não é uma meta, e sim, uma forma de viver a
vida. Não corremos atrás da felicidade, pois quem a persegue só acaba se
afastando dela. obtém-se a felicidade por meio de nossas atitudes e de nossa
forma de ver a vida e de como vivemos neste mundo. Vejamos como o Judaísmo e
alguns de nossos Sábios veem a felicidade e qual o caminho que nos recomendaram
percorrer para alcançá-la. A felicidade e alegria constituem
uma Mitzvá, um mandamento da Torá. Vários de seus versículos
claramente ordenam ao ser humano servir a D’us com alegria. O Baal Shem Tov
(1698-1760) – fundador do Movimento Chassídico – ensinou que é por meio da
alegria que o ser humano verdadeiramente serve a D’us. Um de seus ensinamentos
fundamentais era a necessidade de uma pessoa estar sempre feliz e alegre. Encontramos
no Tanach a ideia de que a alegria era um pré-requisito para
que um profeta conseguisse profetizar. Por exemplo, quando o Rei David quis
profetizar, ele pediu que tocassem instrumentos musicais para levantar seu
ânimo. Por outro lado, a profecia deixou de recair sobre o nosso Patriarca
Jacob durante todos os anos em que ele viveu imerso em melancolia em virtude da
ausência de seu filho Yossef. A alegria é, portanto, um elemento
fundamental do Judaísmo. Por outro lado, a Cabalá ensina que se a felicidade
constituísse o objetivo da vida, nossa alma não faria a viagem até este mundo,
pois seria muito mais feliz no Mundo das Almas, onde não existem sofrimentos ou
preocupações. Nosso objetivo neste mundo não é a busca pela felicidade, mas certamente
faz parte da nossa missão trazer felicidade a outras pessoas. De fato, é nisso
que reside o segredo da verdadeira alegria. Somos verdadeiramente felizes
quando conseguimos fazer outras pessoas felizes. Felicidade versus
Diversão. É importante ressaltar que existe uma enorme diferença entre diversão e
felicidade. A diversão é algo passageiro e sem muita consistência. A
felicidade, por outro lado, é um sentimento interiorizado e bastante forte.
Diversão, por exemplo, pode ser passar um dia em um parque de diversões; já um
exemplo de felicidade é olhar nos olhos de uma pessoa amada. No Judaísmo, a
felicidade não é sinônimo de passividade: não significa deitar-se em uma rede,
sem ter de enfrentar desafios. A verdadeira felicidade se obtém por meio da
luta, da dor e das conquistas alcançadas. É um estado de espírito que nos ajuda
a alcançar nossos objetivos: ela nos dá força e nos torna mais ágeis,
levando-nos a fazer as coisas com mais vontade. E cabe ressaltar
que a felicidade requer uma boa dose de humildade. Em muitos casos, uma pessoa
arrogante não se permite ser feliz porque acredita que tudo que recebeu da vida
é muito pouco. Uma pessoa arrogante nunca está satisfeita, pois acredita que
merece mais e que deveria ser ainda mais valorizada do que é. Felicidade,
portanto, é saber usufruir e apreciar o que nos é dado. As portas de nossa
mente. Antes de mais nada, devemos saber que ser feliz é um sentimento que
depende de nós – de nossa mente, nossas atitudes e nossos sentimentos. Se nossa
felicidade depender de fatores externos ou do estado de espírito de outras
pessoas, será muito difícil sermos felizes. É inegável, porém, que pessoas e
fatores externos tenham influência sobre nosso estado de espírito. Como impedir
que afetem a nossa felicidade? Uma famosa história chassídica ensina como lidar
com tais desafios: Uma certa pessoa estava tendo muita dificuldade em lidar com seus
problemas. Não conseguia se manter tranquila – vivia sempre angustiada e
preocupada. Um dia, procurou seu Rebe para pedir um conselho de como lidar com
seu estado de espírito. O Rebe lhe disse: “Viaje para tal cidade e procure tal
rabino. Lá você encontrará a resposta que busca”. Apesar do inverno rigoroso, o
homem fez uma longa viagem até chegar à casa do rabino. Do lado de fora da
casa, percebeu que o rabino estava sentado em frente à lareira. O homem, passando
muito frio, bateu na porta da casa repetidamente, mas ninguém abriu a porta.
Finalmente, depois de um tempo, o rabino abriu a porta e o convidou para
entrar. Serviu-lhe uma bebida quente e deixou seu hóspede à vontade até que se
aquecesse. O viajante, que havia vindo de tão longe para encontrar uma resposta
para seus tormentos, antes de abordar os assuntos que lhe afligiam, perguntou
ao rabino: “Percebi que o senhor estava em casa enquanto eu batia na porta.
Gostaria de entender por que demorou tanto para abrir e permitir que eu
entrasse”. E ele lhe respondeu, “Não abri a porta antes porque a casa é minha e
abro a porta apenas quando eu quiser. Agora você já pode voltar para casa: foi
para aprender essa lição que você veio até mim”. Essa famosa
história chassídica transmite uma lição importante: cada um de nós tem o poder
de escolher quando abrir as nossas portas. Metaforicamente, temos em mão a
chave da nossa mente e do nosso coração – podemos escolher quem e o que
deixamos entrar. Não devemos permitir que pessoas negativas, palavras
negativas, pensamentos negativos, problemas e pressões externas entrem em nossa
mente e nosso coração e acabem com a nossa felicidade. Se adentram em nosso
coração, é porque permitimos sua entrada. Nós temos as chaves de nossa felicidade. Vale ressaltar que
a palavra hebraica Besimchá, “com alegria” tem as mesmas palavras
que a palavra Machshavá, “pensamento”. Não devemos permitir que
problemas dominem nossos pensamentos e tirem nossa serenidade. Pensar em um
problema constantemente, só trará angústia em vez de soluções. Podemos também
escolher não dar ouvidos a tudo que nos dizem. Temos o poder de abrir nossas portas
apenas quando o desejarmos. Isso significa que não é necessário interromper o
que estamos fazendo – um jantar de família, uma aula ou uma ocasião especial –
toda vez que toca o telefone ou recebemos uma mensagem no celular. À medida que
dominamos nossa mente e nosso tempo, alcançamos mais felicidade. Assim, quando
falamos em felicidade, estamos falando, acima de tudo, sobre o controle de
nossa mente, de nossos sentimentos e de nossa capacidade de manter uma postura
ativa e proativa. Mas controlar a mente e nossos sentimentos depende – como
qualquer outra habilidade adquirida na vida – de treinamento. É por meio do
controle de nossa mente que nos fortalecemos e nos tornamos mais felizes. Rir e Chorar ao
mesmo tempo. Havia um chassid chamado Rav Peretz
que rezava de forma singular: ele chorava com um olho e sorria com o outro. Os
amigos lhe perguntavam como era possível chorar e se alegrar
simultaneamente. Rav Peretz lhes respondeu: minha alegria
advém da minha consciência a respeito da grandeza de D’us; já a fonte das
minhas lágrimas é a minha conscientização dos meus defeitos e das minhas
falhas. O Zohar, livro fundamental da Cabalá, explica de forma
profunda esses dois sentimentos simultaneamente expressos por Rav Peretz.
Ensina que a alegria advém de estar próximo de D’us e as lágrimas do fato do
ser humano ser falível. Rav Peretz nos ensinou
uma importante lição: que mesmo ao rezar, um dos olhos pode ser usado para que
a pessoa reflita a respeito de seus atos e de si mesma. Por meio da expressão
simultânea desses sentimentos aparentemente antagônicos, Rav Peretz
demonstrou como aprimorar o caráter com alegria. Ele via suas fraquezas, mas
não permitia que elas o tornassem infeliz. O ser humano vive esse conflito
continuamente. Por um lado, vemos nosso lado bom – nossa alma Divina – e nos
alegramos com o privilégio de poder fazer o bem e ajudar os outros. Por outro
lado, todo ser humano tem falhas e defeitos e tem dificuldade de vê-los e se
libertar deles. Fazer uma autoavaliação sincera requer muita força e coragem,
pois uma autorreflexão genuína nos leva a ver em nós mesmos uma série de
falhas, erros e defeitos de caráter. A pessoa que ama D’us e faz uma
reflexão séria a respeito de si, aceita seus defeitos com alegria sabendo que
esses são desafios que D’us lhe deu. Ela sente alegria porque sabe que parte da
missão de sua vida é crescer e se autocorrigir. Se conseguir identificar o que
precisa ser trabalhado e melhorado, isso lhe servirá como um trampolim para seu
crescimento. Sob este olhar, as falhas não são vistas como fraquezas, pois a
pessoa que tem fé em D’us sabe que lhe foi dada a capacidade de enfrentar tal
desafio e prevalecer. Portanto, a alegria de conseguir enxergar seus próprios
defeitos não constitui um sentimento contraditório. O ser humano que vive com
essa perspectiva e faz esse tipo de autorreflexão nunca será uma pessoa
infeliz. Pois ao reconhecer suas fraquezas e se arrepender pelos seus atos, seu
choro será uma expressão de alegria. Por outro lado, o ser humano que teme ver
seus defeitos ou que acredita que não tem o poder de mudar e crescer,
certamente será uma pessoa infeliz. É importante procurar conhecer nossos
defeitos. É muito fácil analisar e enxergar as falhas de outras pessoas.
Contudo, ver os defeitos de outros seres humanos não é nossa missão de vida.
Nossa missão é encarar nossas próprias falhas e fraquezas e utilizá-las como o
ímpeto necessário para o nosso crescimento pessoal. O Rabi Yosef Yitzhak
Schneerson (1880-1950) – o sexto Rebe de Lubavitch, conhecido como o Rebe
Anterior – ensinou que admitir nossos defeitos é uma Mitzvá, mas
reconhecer nossas qualidades constitui uma Mitzvá ainda maior.
Retificação. Rabi Menachem Mendel Schneerson (1902-1994), o Lubavitcher
Rebe, traz em seus escritos um conceito muito bonito sobre pecado e
felicidade. Ele escreve que o próprio fato de saber que, mesmo quando erramos,
D’us sempre nos dá outra chance, é, por si só, uma grande fonte de alegria. Em
outras palavras, saber que é sempre possível mudar a nossa situação e a nós
mesmos é uma grande fonte de alegria. Cada pessoa pode, de maneira alegre e
positiva, modificar sua maneira de ser ou viver: pode escolher tomar um outro
caminho. É a própria alegria que nos dá a força para mudar e crescer e, assim,
transformar a nossa situação. Portanto, a alegria é o sentimento que leva a
pessoa a se retificar. Confiar em D’us. Conta-se a história de um grande
rabino que se encontrava em uma situação muito difícil. Tanto ele como seus
alunos não tinham o que comer ou beber, mas enquanto os alunos choravam, o
rabino cantava. Os alunos não entendiam a atitude de seu mestre. Perguntaram ao
rabino: “Como o senhor consegue cantar em meio a essa situação difícil?” Ele
respondeu: “Meus alunos têm motivo para chorar, pois eles esperam que eu os
tire dessa situação. Eles depositaram sua confiança em mim. Eu, por outro lado,
estou feliz e alegre porque confio em D’us”. Essa história nos ensina que nossa
alegria e tranquilidade depende de nossa escolha em quem confiar. Quando
confiamos em seres humanos, que são falíveis – quando esperamos que eles
resolvam nossos problemas ou que sejam a chave do nosso sucesso – sempre
teremos motivo para chorar. Mas confiar em D’us significa viver com felicidade.
O ser humano que confia em D’us de verdade tem bons motivos para viver com
alegria, pois aquele que acredita que D’us pode mudar toda uma situação difícil
e, em um piscar de olhos, passa a viver com mais tranquilidade. A confiança em
D’us nos dá a capacidade de reduzirmos a preocupação, que é tão nociva e
destruidora. Mas confiar em D’us não significa apenas rezar. Toda pessoa
precisa trabalhar e perseguir seus objetivos, pois D’us abençoa nossos
esforços. Como ensina a Torá, D’us abençoa o trabalho das nossas mãos. Isto é,
o esforço do ser humano é o meio que atrai as bênçãos Divinas. É necessário se
esforçar para resolver problemas, mas com a alegria e tranquilidade que advêm
da confiança em D’us. Portanto, mesmo em momentos de frustração ou preocupação,
é possível ser feliz. Essa é a ideia de chorar com um olho e rir com o outro,
simultaneamente. Obtendo Felicidade. Em certa ocasião, Rabi Yosef Yitzhak
Schneerson – o sexto Rebe de Lubavitch – escreveu uma carta para uma pessoa que
precisava ser encorajada a ser feliz. Ele escreveu: “Seja tão alegre como você
seria se seus problemas já tivessem sido resolvidos”. Em outras palavras, viva
com a alegria que você viveria se esses problemas não mais existissem. Quando
se vive com a fé em D’us de que todos os problemas serão resolvidos, é possível
viver com tranquilidade e alegria. Conta-se a seguinte história sobre um tio do
Rebe de Lubavitch: ele era dono de uma fazenda de criação de ovelhas que, em
certa ocasião, foi destruída por um incêndio. Como já era um senhor de idade
avançada, as pessoas tinham receio de lhe informar que sua fazenda havia sido
destruída. Mas quando ele ficou sabendo do ocorrido, permaneceu tranquilo.
Surpreendidas com sua reação, as pessoas lhe perguntaram como ele havia
conseguido manter a calma. E ele respondeu: “Daqui a um ou dois anos, isso não
mais me abalará. Fará parte do meu passado e eu continuarei a viver a minha
vida. Por que então devo passar um ou dois anos aborrecido e permitir que esse
sentimento me consuma, que paralise a minha vida, se já posso olhar para
frente?” É natural que certas situações na vida nos deixem tristes, frustrados
e irritados. Mas nosso problema é que, em muitos casos, esquecemos o bom e só
nos lembramos dos incêndios em nossa vida. Nossos problemas nos consomem por
muitos anos – mesmo depois de terem sido resolvidos há tempos. Na maioria dos
casos, o que nos preocupa tanto hoje – os assuntos que parecem ser tão
importantes na atualidade – irão passar e nem sequer nos lembraremos deles. Por
que, então, sofrer tanto por algo passageiro? Por que permitir que tais
assuntos preencham nossa mente e nossos sentimentos? Por que não seguir o
conselho do Rebe Yosef Yitzhak e agir hoje como se nossos problemas já tivessem
sido resolvidos? Por que levar anos para superar uma situação que pode ser
superada no presente? Uma pessoa que só se foca nas coisas que deram errado em
seu dia a dia – e não em tudo que deu certo – será uma pessoa infeliz. Alguém
que se coloca em situações que lhe fazem mal, será infeliz. E quando
condicionamos nossa felicidade a algum fator externo – ganhar na loteria ou
conseguir o trabalho de nossos sonhos – a felicidade se torna difícil de alcançar.
É errado passar a vida à espera da felicidade. A verdadeira felicidade não
depende de situações externas, e sim, da capacidade de viver uma vida que leve
à felicidade. Isso significa optar por ver o que há de bom em nosso dia a dia;
significa se colocar em situações positivas; significa, acima de tudo, escolher
ser feliz. Adquire-se a felicidade a partir do momento em que se cria o espaço
para que ela cresça e se desenvolva. Quando o ser humano tem uma atitude
positiva e alegre, ele naturalmente se torna uma pessoa mais feliz. Quando
substitui uma visão negativa por uma positiva, o ser humano se abre para a
alegria e para mudanças positivas em sua vida. O Rebe Yosef Yitzhak nos deu uma
lição valiosa para evitarmos problemas e preocupações: ao nos concentrarmos no
bom e no positivo, direcionando nossas emoções para o bem, conseguiremos viver
como se o que nos aflige já tivesse sido resolvido. Por meio de alegria e
felicidade, torna-se possível nos transformarmos e transformar a própria vida. Alegria
e espiritualidade. Está escrito em nossos livros sagrados que a alegria é o
recipiente para a espiritualidade. Isto é, as rezas são ouvidas e as Mitzvot têm
seu efeito desejado se rezarmos e cumprirmos os mandamentos de D’us com
alegria. Quando se reza por mera obrigação, não há como saber se os efeitos da
reza se perpetuarão. Mas quando essa oração é acompanhada por um sentimento de
alegria e felicidade, essa reza valerá para muitas gerações. Isso vale também
para as Mitzvot. Toda Mitzvá que é feita com alegria
se perpetua ao longo das gerações. Quando o Judaísmo é praticado com
felicidade, torna-se muito mais fácil transmiti-lo para a próxima geração.
Quando os pais cumprem as Mitzvot com alegria, eles transmitem
aos filhos a ideia de que o Judaísmo atrai bênçãos, paz e felicidade. Isso
incentiva os filhos a seguir o mesmo caminho espiritual dos pais. Por outro
lado, se as cerimônias e os rituais do Judaísmo forem praticados com má vontade
– em meio a discussões e discórdia – os filhos podem vir a associar a prática
das Mitzvot ao oposto da felicidade, e isso pode fazer com que
eles se distanciem de sua herança espiritual. É interessante notar que a
palavra Mashiach – a personificação da salvação – possui as
mesmas letras que a palavra Simchá – alegria. Está escrito,
portanto, que o “salvador” que habita dentro de nós é a própria alegria.
Segundo o Judaísmo, a alegria é a expressão da essência da nossa alma. O Lubavitcher
Rebe sempre enfatizava a importância de viver com alegria. Ele
ensinava que em nossa geração não há espaço para amargura, melancolia ou
tristeza. Hoje, há espaço apenas para alegria e felicidade. E não há maior
alegria do que gerá-la na vida de outras pessoas. Rabino Gabriel Aboutboul é
rabino da Sinagoga de Ipanema no Rio de Janeiro – Brasil e palestrante. www.morasha.com.br. Abraço. Davi
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