sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

A LIBERTAÇÃO PELA RENÚNCIA

 

Bhagavad Gita – A LIBERTAÇÃO PELA RENÚNCIA. Esse é o 18º capítulo do Bhagavad Gita, que conclui essa Escritura Canônica. Ocuparemos esse espaço a partir de agora com os Yoga Sutras de Patanjali. Segue o último texto sagrado do Gita. “Arjuna: Quisera Oh! Abençoado Krishna Senhor, conhecer em que consiste realmente a abstenção (Sanyasa) e renúncia (Tyaga). Krishna: Os exegetas entendem por Sanyasa o abster-se dos atos dimanantes, resultante, do desejo. Os sábios dizem que Tyaga é a renúncia dos frutos de todas as ações. Uns opinam que toda ação é pecaminosa e se deve abster-se dela. Outros sustentam que jamais se devem omitir atos como os de sacrifícios, esmolas e disciplina. Escuta, pois, meu veredito acerca da renúncia. Tem-se dito que é de três espécies. Os atos de sacrifício, esmolas e disciplina, e similares, não devem ser abandonados, mas praticados, pois purificam os Yogues. Estes atos, como o Yoga, devem ser praticados, mas sem apego aos seus resultados e sem interesse pessoal. Tal é a minha firme convicção. Não é correto abster-se alguém de uma ação inerente a sua própria condição. Tal abstenção derivada ilusão e é considerada Tamásica. O que se abstêm da ação para evitar incômodos corporais, dizendo: isto é penoso, praticar uma renúncia de natureza Rajástica, e nada ganha com essa renúncia. Se alguém, sem apego nem visando resultados, pratica um ato inerente à sua própria condição, dizendo: isto precisa ser feito, essa renúncia é tida como de natureza Sátwica. Quem não tem repugnância a fazer aquilo que não lhe dá proveito e não tem desejo do que lhe é vantajoso. Quem é prudente e não nutre dúvida alguma, é um verdadeiro renunciador, Tyagui. Não há homem que possa abster-se de toda a ação enquanto vive no corpo terrestre. Verdadeiro renunciador, é, porém, considerado quem se abstém de gozar os frutos de suas obras. É tríplice o fruto da ação desejável, indesejável e semi desejável, que nas vidas futuras colhem aqueles que não renunciam. Mas quem renunciar, nada tem a colher. Ouve agora quais são os cinco fatores que, segundo a filosofia Sankya, requer o cumprimento de todas as ações. O meio (o corpo), o agente (o eu), os órgãos motores, as energias e as divindades presidentes. Qualquer obra boa ou má, em ação, palavra ou pensamento, tem como causas esses cinco fatores. Por isto, ofuscada está a mente e cega a visão de quem, por falta de conhecimento, se considere como o único agente. Alguém que, abstendo-se da ação e não se ligando ao fruto, exterminasse aquelas hostes, não seria seu matador nem a tal ação se vincularia. Cada ação tem três elementos causais: o conhecimento, o objeto do conhecimento e o conhecedor. Analogamente, cada ação tem três elementos de realização: o instrumento, a operação e o agente. Também de três espécies são o conhecimento, a ação e o agente, em correspondência com as qualidades, Gunas. Atenta no que sobre isto vou dizer-te. Puro e de natureza Sátwica é o conhecimento mediante o qual se vê em todos os seres o imperecível Ser, indivisível no dividido. Passional e de natureza Rajásica é o conhecimento que considera separadas as diversas e múltiplas existências dos seres. Mas tenebroso e de natureza Tamásica é o conhecimento que se fixa numa só coisa como se fosse tudo, olhando-a fora da realidade, sob um aspecto mesquinho e irrazoável. Pura é a ação cumprida por dever, sem apetecer o fruto, sem gosto nem repugnância e livre de afeto interesseiro. Passional é a ação cumprida por sugestão do desejo, por motivos egoístas ou determinações violentas. Tenebrosa é a ação cumprida por causa do erro, sem reparar na sua eficácia nem nas consequências nocivas que possa acarretar à outros. Puro é o agente livre de afetação e egoísmo, dotado de energia e perseverança, e inalterável no êxito e no fracasso. Passional é o agente que, desejoso de obter fruto de suas ações , está dominado pela cobiça, maldade e impureza. Oscilando entre impulsos de alegria e pesar. Tenebroso é o agente hipócrita, vulgar, malévolo, negligente, contumaz, desconfiado, falaz e preguiçoso. Tríplice-mente concorde com as qualidades, Gunas, é também a divisão do Intelecto, Buddhi, e da Constância, Dhriti, segundo passo a descrever-te claramente e sem reservas. Puro é o Intelecto de quem conhece a ação e a omissão, o que deve e o que não deve fazer-se, o temor e a intrepidez, a escravidão e a libertação. Passional é o Intelecto que confunde o justo com o injusto, o que deve com o que não deve fazer-se, o bem com o mal. Tenebroso é o Intelecto que imputa o bem pelo mal, o justo pelo injusto, e vê todas as coisas subvertidas e contrárias ao que realmente são. Pura é a Constância que por meio da Yoga refreia a fogosidade da mente da mente, dos sentidos e dos alentos vitais. Passional é a Constância que leva o homem ao cumprimento de seus deveres, com o desejo de colher o fruto das ações e desfrutar de riquezas e prazeres. Tenebrosa é a Constância que mantém o homem submerso na preguiça, no medo, na tristeza, no abatimento e na vaidade. E agora escuta de meus lábios as três distinções do prazer por cujo desfruto contínuo tanto se alvoroça o homem e que lhe extingue as aflições. Puro é o prazer que nascido do bendito autoconhecimento, no princípio repugna como adstringente peçonha, mas no fim deleita, qual suavíssima ambrosia. Passional é o prazer que nascido da união entre os sentidos e seus objetos, deleita no princípio qual suavíssima ambrosia, mas no fim repugna como adstringente peçonha. Tenebroso é o prazer que no princípio e no fim conturba o ânimo, e provém da morbidez, da negligência e da preguiça. Ninguém na terra nem mesmo entre os próprios deuses do céu, está isento destas três qualidades, Gunas, oriundas da natureza. Entre as castas dos Brahmanes (sacerdotes, instrutores, intelectuais), Kshattiyas (militares, estadistas, políticos). Vaishyas (comerciantes, banqueiros, fazendeiros) e Shudras (domésticos, criadores e serventes) foram as tarefas (Karma) de conformidade com as qualidades dimanantes de sua peculiar natureza. Animo tranquilo, pureza, autodomínio, austeridade, misericórdia, retidão, sabedoria, conhecimento e fé em Deus: tal é Karma (1) dos brahmanes, nascidos de sua peculiar natureza. (1). Karma: ação. Nesse contexto significa os atos, pensamentos e desejos do indivíduo em suas existências anteriores, e que atualmente constitui o seu Dever específico. Assim, pois, segundo Krishan a casta ou classe social do indivíduo não é hereditária, mas oriunda de sua conduta pretérita.  Agricultura, pastoreio e comércio, tal é o Karma dos Vaishyas, nascido de sua peculiar natureza. Os serviços são o Karma dos Shudras, igualmente nascido de sua peculiar natureza. Alcança a perfeição quem quer que cumpra contente o seu próprio dever o Supremo Ser de que emanam todas as vidas e que penetra todo o Universo. É preferível cumprir-se o próprio dever, embora inferior, a imiscuir-se no dever alheio embora superior. Não incide em pecado quem cumpre seu dever congênito. Que a ninguém repugne seu dever natural embora seu cumprimento seja acompanhado de inquietações. Pois como a fumaça é inerente a toda chama, assim são as inquietações em relação as ações. Ao cumprir o seu dever, que ele permaneça desapegado de quaisquer espécies de resultado, conserve sua mente totalmente concentrada e afaste de si toda preocupação, quanto ao executor. Mediante esta renúncia atingirá ele a meta superior que se galga mediante o Yoga do Conhecimento. Aprende também brevemente de meus lábios, Oh filho de Kunti, como quem conquistou esta meta, chega à unificação com Deus, que é a etapa suprema da realização. Com a mente saturada de plenos e claros conhecimentos acerca da verdadeira natureza do Espírito, sendo perseverante no domínio da mente. Tendo abandonado toda aliança com objetos sensórios, e estando livre de influências do amor e ódio. Sendo frugal na dieta, e com a palavra, o corpo e a mente educados na obediência, sente-se ele num lugar solitário e pratique sempre a meditação, cultivando o não se apaixonar. Finalmente, banindo de si o egoísmo, a resistência, o orgulho, o desejo, o rancor e o senso de posse, alcançará ele aquela paz que o capacitará a unificar-se com Deus. Unificando-se com Deus, ele é sereno, nada mais o entristecendo. Nem ele deseja, mas amando por igual todos os seres e me ama intensamente. Com este amor intenso, ele sabe claramente quem sou e o que sou. Conhecendo-me ela claramente, com esse mesmo amor, ele penetra então em Mim. Realize ele todas as ações, refugiado em Mim, e não apenas o seu dever próprio. E por minha graça alcançará a perfeição eterna e imutável. Dedica tu, em pensamento, todas as tuas ações a Mim, e perseverando nesta atitude, estarás sempre com tua mente fixa em mim. Com tua mente fixa em Mim, com minha graça vencerás todos os obstáculos. Se, confiando apenas em ti, pensares: não lutarei, e evitares a luta, vã será a tua determinação, pois tua natureza te lançará à luta. Oh! filho de Kunti! O que por ilusão não desejares fazer, isso farás irremediavelmente, forçado pelos impulsos de tua própria natureza. O Senhor Supremo como que atou todos os seres a uma roda girante de corpos, e habitando em seus corações, fá-los mover-se atraídos pelos objetos sensórios. Portanto, obedece de coração o conselho desse mesmo Senhor. Por sua graça alcançarás a Paz Suprema e a mansão imperecível. Assim te transmitir, Eu o conhecimento, que é o mistério dos mistérios. Medita cuidadosamente nele e age como preferires. Escuta de novo, e ouve minha última palavra, referente ao maior de todos os mistérios. Por seres o meu muito amado, Eu te digo aquilo que te convém. Fixa tua mente em Mim. Sê Meu devoto, serve-me, prostra-se diante de mim, e desse modo chegarás até Mim. Esta é a pura verdade, Eu te declaro pois és Meu muito amado. Desiste de todas as obrigações religiosas, e toma-me como teu único refúgio. Eu te libertarei de todas as dificuldades. Não te aflijas. Disto não fales nada ao mundano, nem ao ímpio, nem ao que não quer ouvir, nem ao que me maldiz. Mas quem com sublime devoção divulgar este segredo entre meus devotos, chegará até mim sem dúvida alguma. Entre os homens ninguém poderá oferecer-me serviço mais grato que este, nem nenhum outro homem será tão amado por mim na terra. E quem meditar neste nosso Santo Colóquio, por meio dele me adorará com o sacrifício da Sabedoria (1). Tal é a minha vontade. (1). O jnana Yojana, o Sacrifício da Sabedoria, é considerado superior a todos os demais atos sacrificiais, porque é o que conduz diretamente à libertação. E, também o homem que, cheio de fé, o escutar tão só sem malícia, alcançará livre do mal, o esplendente mundo dos justos. Ouviste-me atentamente, Oh filho de Prithá? Desvaneceu-se essa tua ilusão, filha da ignorância, Oh Dhananajayal? Arjuna: Desvanecida está a minha ilusão. Por tua graça adquiri o conhecimento, Oh imutável Senhor. Estou decidido. Dissiparam-se as minhas dúvidas. Agirei segundo tua palavra. Conclui Sanjaya. Assim ouvi esse maravilhoso diálogo entre o Divino Krishna e o nobre Arjuna. E ao ouvi-lo, eriçavam-me os cabelos. Por mercê de Vyasa (2) conheci este mistério do Yoga, revelado pela palavra do próprio Krishna, o Senhor do Yoga. Oh Rei! Quanto mais recordo e me lembro deste maravilhoso e sagrado diálogo entre Keshava e Arjuna, tanto mais me regozijo. E quando recordo e me lembro daquela maravilhosíssima transfiguração de Hari (3), aniquilou-me de assombro, Oh Rei!, e outras tantas vezes me rejubilo. Onde quer que esteja Krishna, o Senhor do Yoga, e onde quer que esteja Partha, o arqueiro, ali imperarão seguramente a grandeza, a prosperidade, a vitória, a felicidade e a justiça eterna. (2), A Vyasa Dvaipayana são atribuídas a composição do Bhagavad Gita e a autoria do Mahabharata. Foi um grande Yogue, dotado de poderes sobrenaturais. (3). Um dos nomes de Vishnu e de Krishna. Assim, termina aqui, no Bhagavad Gita, a Essência dos Upanishads, que é a Ciência de Brahma e do Yoga, o maravilhoso diálogo entre Sri Krishna e Arjuna. PAZ A TODOS OS SERES”. Abraços. Davi. 

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