Budismo. Mística
Cristã e Zen: Porque Deus se fez homem? A Rosa! www.sotozencuritiba.org.br.
Palestra proferida pelo Mestre Ryotan Tokuda na Faculdade de Farmácia da
Universidade Federal de Ouro Preto, em 11 de dezembro de 1985. Promoção do
Instituto de Arte e Cultura (UFOP). Alguém
de certa feita afirmou o seguinte: "Ocidente é Ocidente, enquanto que
Oriente é Oriente e tão certo quanto estou aqui, nunca haverão de se
encontrar."Mas um professor universitário americano, pesquisador de
misticismo disse: "No fundo toda experiência mística é uma coisa só, mas
quando aquele que teve aquele experiência tenta explicá-la em sua própria
língua, se utiliza então de sua própria religião." Eis porque exatamente
esta experiência mística, apesar de poder ser expressa com diferenças de
língua, religião, cultura, tradições, costumes, países, épocas, etc., apresenta
basicamente as mesmíssimas características. Uma destas características
justamente é a inefabilidade, isto é, a dificuldade de se encontrar um meio de
exprimir e de explicar aquilo que foi vivenciado. Mesmo assim não se pode
deixar de transmitir aquela alegria da experiência para as demais pessoas, pois
isto não é uma alegria deste mundo no qual estamos vivendo, mas uma experiência
divina e sagrada. Em 1963, através do Concílio Vaticano II., a Igreja
Católica começou a procurar uma forma de diálogo com outras religiões, e assim
se iniciou o intercâmbio espiritual entre o Cristianismo e o Zen-Budismo. Eu
trouxe aqui comigo alguns livros de autores como Durkheim, Alan Watts, Thomas
Merton (monge trapista), mas além destes outros padres e teólogos estão também
tentando estabelecer pontes entre o Zen e o Cristianismo. Hoje em dia estamos
precisando de um grande diálogo entre todas as religiões para tornar possível
este entendimento recíproco e possibilitar um entendimento entre os praticantes
das diversas correntes e religiões. Hoje realmente nós temos condições para
tal. Em 1981, sessenta monges Zen (Rinzai e Soto), foram convidados para um
convento na Alemanha, para ali rezar e meditar juntos, pois com este
treinamento Zen, dizem, é possível se obter aquela experiência de união com
Deus mais facilmente. Vamos agora tomar os discursos de um Mestre Zen,
Joshu e um Místico cristão, Meister Eckhart, para examinarmos os paralelos
entre estes dois tipos de pensamento. Daisetz Suzuki afirmou de certa feita:
"A experiência de Meister Eckhart está bem próxima do Zen, ele teve a
experiência Zen."
Um monge perguntou a
Joshu (Mestre Zen chinês, que viveu de 778-897):
"Porque
Bodidharma veio à China da Índia?"
Ao que imediatamente
Joshu disse:
"O carvalho do
jardim da frente."
Meister Eckhart,
místico cristão alemão (1260-1327) perguntou:
"Porque Deus se
tornou homem?"
Eckhart respondeu a
si próprio: "Deus se fez homem para que o homem pudesse ser igual ao filho
único de Deus. "Existem muitos motivos que levam as pessoas a rezar a
Deus, mas o primeiro que geralmente pedem é uma solução imediata para seus
problemas particulares, suas dificuldades, ou melhoria de saúde, etc. Este
contudo não é o trabalho de Deus. Isto, na realidade, neste mundo de Deus, é
como se estar ainda no jardim de infância e tal qual uma criança tudo que a
pessoa quer é receber o tempo todo. Mas a verdade é que o trabalho de Deus nada
tem a ver com isto. Estes que o fazem querem apenas satisfazer seus desejos
como seres humanos. O mundo de Deus nada tem a ver com isto, mas a maioria das
pessoas procura Deus por esta exata razão: positivamente este não é o autêntico
amor a Deus. Ekhart disse: "Quando Deus fez toda a criação Ele não teve um
porque, um objetivo em mente, muito pelo contrário, Ele agiu por agir, sem uma
meta qualquer a qual se abstivesse. O fato é que tantas pessoas amam a Deus
como se ama a uma vaca, esperando com isto carne e leite, esperando toda
espécie de benefícios. Este entretanto não é o verdadeiro amor a Deus." Quando
a pessoa finalmente sai deste jardim de infância, passa em seguida para o
segundo colégio que é mais ou menos quando começa a regularizar sua vida para
não sair fora, e desta maneira vai segurando, segurando, mas não por sua
própria vontade ainda. Pouco depois, já entra no Ginásio ou Científico, e já
tem então a capacidade de poder ser grato, muito obrigado por viver hoje com
este pão e leite, mas já no Científico começa a assumir aquela postura de
crítico, aquela sinceridade do crítico, critica tudo e todos, e de tudo duvida.
Já não mais acredita no mestre nem muito menos em seus pais. Neste momento ele
simplesmente dá as costas para a luz, talvez que não se encontre longe, talvez
esteja bem próximo, apenas tem sua cabeça voltada para trás. Assim entra para a
Faculdade numa fase de procura intensa a Deus, e não mais procura algo por
medo, querendo mesmo é encontrar a Deus dentro de si mesmo, como dizia um
místico cristão, a união com Deus, eu e Deus como uma só coisa, isto é, uma
experiência mística. Todo fundador de Ordem religiosa Cristã passou por este
tipo de experiência, e levantou sua Ordem sentindo sua missão, trabalhando para
tal incansavelmente. Neste momento é crucial que se volte para dentro de si
mesmo, e é necessário se passar por certas purificações, precisa passar por
aquela noite escura da alma de São João da Cruz. Em seguida a isto, tem que ter
aquela experiência mística, do Zen ou do Cristianismo, ou seja tem que passar
por aquela união com Deus, para mais tarde procurar transmitir aos outros
aquela alegria e emoção desta experiência, mas tem dificuldades de expressar
com meras palavras aquilo que foi visto, procurando então através da poesia, de
gestos ou algumas vezes de maneira paradoxal exprimir aquilo que experimentou,
para romper as limitações da linguagem. O mundo funciona sempre através daquelas
coisas que são reconhecidas por nome e forma, tais como uma mesa, um relógio,
etc., e com isto a pessoa entende o que o outro está tentando dizer, mas as
palavras trazem na verdade um montão de confusão, com o nome e forma, e desta
maneira é que não vemos as coisas exatamente como elas são, porque uma mesa, o
que vem a ser isto? A mesa na verdade não existe. Como não existe? Não existe!
Isto chamamos de mesa, mas na verdade o que é isto? É madeira, madeira com
forma de mesa, então dizemos mesa, mas na verdade não é mesa, e sim tão somente
um nome. Na verdade não é mesa, é madeira, tábuas, e mesmo assim a madeira, as
tábuas, também por sua vez não existem, são apenas moléculas. Estas por sua vez
se dividem em partículas atômicas e subatômicas, hoje em dia são conhecidos
mais de cem átomos, tais como hidrogênio, carbono, oxigênio, etc., com aquela
força de coesão; por sua vez os átomos se dividem em núcleo, eléctrons, protons
e estas partículas por sua vez podem ser subdivididas mais ainda, e assim até
onde vamos? O que realmente existe? Não existe nada, tudo é Vazio: Deus criou
este mundo do pó, e a verdade é somente esta, é isto aí. Meister Eckhart,
místico cristão indagou: "Por que Deus se tornou homem?" Eckhart
respondeu a si mesmo: "Deus não tem um por que." Com sua própria
experiência mística, Eckhart disse "Deus não tem um porque". Isto nós
podemos entender, Deus não tem porque. De certa feita um monge também
perguntou: "Porque Bodidharma veio à China?" (Bodidharma foi um
mestre Hindu que transmitiu o Budismo para a China). Mestre Dai Bai, que
faleceu em 831, respondeu da seguinte forma: "A vinda de Bodidharma à
China não teve qualquer objetivo que fosse."Por que isto ocorre assim,
algo que não tem qualquer objetivo que seja? Um outro Mestre Zen, da linha
Rinzai acrescentou a este diálogo: "Se tivesse havido qualquer motivo,
então Bodidharma sequer poderia salvar a si mesmo." Porque isto?
"Quando o Buda Gautama ganhou a iluminação, ao mesmo tempo todo mundo
também ganhou a iluminação." É por esta razão que não existe motivo algum,
não precisa vir da Índia, exatamente nós estamos falando daquele mundo no qual
não existe ir ou vir, que não tem Ocidente nem Oriente, que não tem Índia nem
China, justamente porque o Universo é uma só Mente, e não duas coisas separadas.Assim
é a experiência mística, a união com Deus, porque este mundo é unicamente Deus,
e fora disto não existe nada mais. Nestas explicações que foram dadas, Deus não
tem porque. Então porque Deus se tornou homem? Também não tem porque. Assim,
nós vamos mergulhando, mergulhando, e chegamos muito próximo, muito próximo
mesmo ao centro da questão, mas mesmo assim ainda tem um restinho que sobra
aqui. Por que? Para chegarmos até aqui, precisamos dar mais um passo à frente. Tomemos
um outro místico cristão alemão, que foi fortemente influenciado por Meister
Eckhart, Angelus Silesius (1624-1677), que disse o seguinte: "A rosa não
tem porque, floresce porque floresce, ela não se preocupa consigo mesma, ela
não deseja ser vista. A rosa que vocês veem com seus olhos físicos, em Deus
está florida por toda Eternidade. "Não é lindo? Considerando agora este
poema, tentemos mergulhar mais um pouco além. Aqui nos trópicos, na Amazônia,
ou mesmo aqui no fundo da floresta podemos encontrar aquelas maravilhosas
orquídeas, que dão aqueles cachinhos; talvez que naquela floresta ninguém até
agora tenha chegado, é virgem, e de repente no fundo da floresta se acha esta
flor, orquídea, onde ali esteve durante séculos e nunca até agora tinha sido
vista, tão bonita, e agora a pessoa a vê e quer levar para casa egoisticamente,
arrancando as raízes, e deixando a natureza danificada; somente Deus pode criar
estas coisas, mas uma vez mortas nunca mais voltam; assim, quantos animais,
quantas plantas morrem com estas queimadas das florestas, com a natureza que é
arrasada, mas isto nada tem a ver com este assunto que ora tratamos. As
palavras de Angelus Silesius: "A rosa não tem porque... está florida em
Deus por toda eternidade." Seria bonito se nós pudéssemos viver como uma
rosa destas, não acham? Mas para nossa vida dependemos de outras pessoas,
muitas vezes, e não podemos ser sós. Eckhart disse: "Este mundo é só Deus,
único e absoluto, além do qual nada existe. Mesmo um mosquito quando é visto em
Deus é mais sublime que um anjo." Vamos agora mergulhar num perigo,
mergulhando dentro deste koan. Perguntemos pois novamente: "Porque Deus se
fez homem? A rosa." Não sei se vocês todos concordam com esta colocação,
agora a pergunta e a resposta ficam iguais a "Para que Bodidharma veio à China?
O carvalho no jardim da frente."Agora sobra apenas uma pontinha, se cortar
isto o que acontece? Isto é cristão demais, "Criatura-Criador, Homem-Deus,
rosa, mosquito, tudo isto ainda tem duas coisas separadas; se eliminarmos isto,
não tem mais Deus criador, não tem mais criaturas, fica uma coisa só, ao mesmo
tempo homem e Deus; porque Deus se tornou homem? Com isto quem está perguntando
e quem está respondendo são duas pessoas. Existe um koan, "Antes que seus
pais tivessem nascido, qual era o seu rosto original?" Porque quando se é
concebido existe dentro da pessoa mais de 30 bilhões de vidas passadas, Karma
depositado que vem de meu pai e de minha mãe; então para nos liberarmos deste
Karma, temos que ir além de nosso pai e de nossa mãe; acontece que pai e mãe
também tem pai e mãe, e a Bíblia vai até Adão e Eva. Então, antes que Deus
criasse Adão e Eva, qual era o seu rosto original? Antes que Deus criasse este
mundo, Deus não tinha nome de Deus, claro, ainda não havia criado, o mundo
ainda não existia, então não existia nem o nome de Deus. O Cristianismo fala em
Trindade, Deus-Pai, Deus-Filho e Espírito Santo, mas Eckhart fala até em
Godheim, isto é, origem de Deus, origem da Trindade, uma coisa além, antes que
tivesse sido criado este mundo, antes que céu e terra tivessem se separado, dia
e noite, esta dualidade, havia então o mundo do Caos, mas de onde vem Deus? De
onde viemos nós? Através da meditação, mergulhando, não como uma simples
regressão até o momento em que tivemos o parto com nossa mãe, mas sim
mergulhando em regressão de regressão em regressão, até aquele momento do
passado sem começo, este é o trabalho da meditação, trabalho da purificação,
entrando na noite escura, primeiro intelectualmente, emocionalmente,
espiritualmente, abandonando tudo, purificando, purificando, purificando, este
é o processo. Enquanto existir experiência religiosa, sagrada, dentro de várias
linhas de religião nós podemos encontrar este tipo de meditação, este rezar
interno, isto é preparação para receber a experiência religiosa. Existem vários
métodos, como os exercícios de Ignácio de Loyola, ou outras práticas de
meditação, ou Yoga etc., diferentes processos mas todos mostrando os mesmos
aspectos. As vezes os objectivos são diferentes mas até um certo ponto o
processo espiritual interno é quase o mesmo e finalmente aparecerão aspectos
desta experiência semelhantes, apesar dos países poderem ser diferentes, com
línguas diferentes, termos religiosos diferentes, mas é a mesma experiência que
está tentando ser expressa. "Porque Deus se fez homem? A rosa." Como
vimos inicialmente, no princípio podemos nos assustar, mas quando vemos uma
rosa, mergulhamos dentro desta flor, sentindo aquele odor sutil, então
desaparece seu corpo de rosa e o mundo inteiro se torna aquele perfume da rosa,
por isto temos isto: "a rosa. "Desta mesma forma quando olhamos o
Pico do Itacolomy existe um mundo no qual está montanha tem sua existência, mas
aqui são ainda duas coisas separadas, mas de repente, eu e o pico
desaparecemos, nos tornando uma só coisa com Deus, e até mesmo esta união
desaparece. O treinamento conhecido como "Kojo" consiste nisto,
esquecer esta própria união, ir mais além disto, nem mesmo o Uno existe mais,
apenas o vazio, mas este vazio não é o nihilismo, é o fundo de nossa
existência, de onde vem aquela energia enorme de realização, criatividade
absoluta, onde o momento é eterno, absoluto e perfeito. Então, aqui novamente
diz Eckhart: "Temos que nos desligar de tudo." Enquanto que o Mestre
diz de sua parte: "Na verdade temos que nos desligar do próprio
desligamento. "Existe este um, temos que nos desligar deste próprio uno,
precisamos abandonar muitas coisas, sujeiras.Um monge perguntou: "Mas eu
já me desliguei de tudo, que devo então fazer?" O mestre disse então:
"Deixe então este desligamento!". Mas Mestre, eu já disse que a tudo
deixei, é sobre isto que desejo que te manifestes." "Então leve
embora!" "Onde tem Buda não pare; onde não tem Buda, passe
rápido.""Quando tivermos fome, devemos comer; quando tivermos sono,
devemos dormir."A afirmação surge da negação completa. Justamente esta ideia
de que "eu já deixei, já desliguei," ainda é algo que existe na
consciência. Temos pois que superar isto ainda, ir mais além. A consciência em
nós é muito forte, o apego ao eu é muito forte, por isso tem que esquecer;
esquecendo se fica vazio, não existe mais nada, neste momento meu corpo se abre
de repente, até o fim do Universo, com isto nós nos tornamos Mahatma, Grande
Eu, Eu verdadeiro, esse Eu já não mais é interno nem externo, porque é uma
coisa só. Esta é uma experiência religiosa que o Zen procura como primeira
experiência. Em seguida dentro da vida quotidiana nós realizamos isto, nos
concentrando no nosso próprio trabalho, mesmo que este seja um trabalho
considerado inferior, ainda nestas condições realizando o máximo, aquela coisa
primorosa e perfeita. Podemos então ser até mesmo faxineiras ou lavadeiras,
fazendo tudo perfeitamente. Por isto talvez seja que os Japoneses conseguem
este perfeccionismo, não somente em transístores, mas até mesmo na medicina,
operações sem perder sequer um copinho que seja de sangue, através do estudo
aplicado de anatomia, veias, etc., cortando daquela maneira, sem atingir as
veias conseguem fazer cirurgias de precisão, isto não é apenas perfeccionismo,
e isto já é criação, trabalho de Deus, glória de Deus. Através de nosso físico,
nosso corpo, querendo mostrar aquilo que São Paulo afirmou: "Não sou eu
mesmo que estou vivendo, mas é Deus que está vivendo dentro de mim! "Assim,
de nada valem cargos importantes, títulos, ser inteligente, ignorante, dentro
de nossas próprias condições, com este corpo, com este físico, esta cara, com
estas condições, agora, aqui! "Porque Daruma veio à China? O carvalho do
jardim da frente." "Porque Deus se fez homem? A rosa."Meister
Eckhart disse ainda: "Criatura, Criador, Deus e homem retornam ao 'Vazio
de Deus,' ao fundo de Deus."O retorno ao Nada, não há mais Criatura nem
Criador. A união com Deus está no fundo de Deus. Deus disse no Velho Testamento:
"Aquele que me vê, morre." (Êxodo 33,20). Isto quer dizer duas coisas
separadamente uma da outra, porque tem aquele vê e aquilo que é visto, neste
caso, Deus. Vendo Deus com este olho físico, desta maneira, então haverão duas
coisas separadas, eu e Deus; não se pode ver Deus desta maneira, a única forma
que se pode realmente ver Deus é intimamente, temos que nos tornar Deus. E
agora? O Cristianismo não menciona jamais que o homem vire Deus. Por causa
deste item, foi que a inquisição perseguiu Meister Eckhart. Depois que Meister
Eckhart morreu, o Vaticano proibiu todos seus livros, mas muitos padres,
freiras e leigos, adeptos que ouviram seus sermões naquela época, anotaram tudo
e guardaram, parte em latim e parte em alemão. Quando ele dava aqueles sermões,
apesar de serem de difícil compreensão, com toda sua força, quem os ouvia lhes
sentia a energia, e acompanhava, mergulhando no mundo dele, com isto gostavam e
anotavam e assim isto permaneceu guardado em várias bibliotecas, possibilitando
sua transmissão até hoje. Hoje em dia existem obras completas de Eckhart em
língua alemã moderna bem como traduções em francês, inglês e espanhol. Em
português só existe um livro de comentários e por isto Meister Eckhart não é
tão conhecido dos brasileiros como São João da Cruz ou São Francisco de
Assis.Então, o que significa ver Deus intimamente? Intimamente significa uma
coisa só e quando uma coisa só existe, não são mais duas coisas separadas. Este
reconhecimento é tão íntimo, não tem cerimônia, age por si só e
inconscientemente. Então a pessoa se encontra dentro de Deus e Deus dentro
dela. Agora, Meister Eckhart tocou também no assunto de panteísmo. Deus existe
dentro de todas as coisas, dos fenômenos deste mundo, seria isto então
panteísmo? Contudo enquanto Meister Eckhart era vivo nada puderam provar contra
ele. Quando ele faleceu, contudo, todas suas publicações foram proibidas e
desapareceram, mas algumas restaram que foram preservadas da destruição. Esta
proibição tinha muita a ver com politicagem da época, politicagem religiosa,
Dominicanos, Franciscanos, etc... Era um assunto da Igreja, mas era tratado
como uma coisa mundana qualquer, de interesses de grupos pelo poder, que nada
tinha a ver na realidade com qualquer coisa religiosa, pois estamos aqui
lidando com uma coisa sagrada. Mas, voltando ao assunto, Eckhart expressa
aquele estado como um deserto, um lugar onde não havia vida, nem aves no céu,
nem animal na terra, nem plantas; deserto, aquele mundo do Caos como antes que
Deus tivesse criado este mundo. Então não havia céu nem terra, mundo e Deus, ou
seja, não havia ainda neste estado duas coisas separadas. Praticantes de Zen
procuram regressar a este mundo mergulhando dentro da Oitava Consciência (Alaya
Vijnana), para fazerem um total limpeza, e de repente, enquanto fazem isto
acontece a Grande Morte e voltando novamente para este mundo depois que isto
ocorre, começam a dedicar suas vidas inteiras para ajudar este mundo,
exatamente como fez Jesus, sacrificando sua própria vida e como Buda que
peregrinava para pregar seus ensinamentos e como todos os grandes santos. No
Budismo o deserto corresponde ao círculo, ao Vazio, querendo com isto o
praticante Zen expressar que neste mundo não existem duas coisas separadas, nem
olho nem natureza, nem vaca nem corda, nem chicote, tudo esquecido totalmente,
na verdade neste momento é onde ocorre aquele estado de êxtase da experiência
mística. "Do deserto nasce a rosa, a reencarnação do Nada, a rosa então é
tudo, samadi da rosa." Uma vez morrendo, quando voltamos para a vida somos
tudo. Por isto nós precisamos desta negação total, um trabalho doloroso, mas
morrendo uma vez, nós nascemos para o Grande Nascimento e com isto nós
conquistamos neste mundo a total liberdade, realizando nossa vida e cuidando de
cada momento e de cada detalhe; por isto o Zen diz que o importante é apenas o
aqui e o agora. Aqui-agora. Agora é eterno, aqui é absoluto, perfeito.
Um monge disse ao
Mestre: "Esta flor, esta rosa orvalhada, não crês que isto seja o próprio
Buda?"
Ao que o Mestre
retorquiu: "Não fale asneiras!"
Porque nós estamos
vendo aquela flor de madrugada com orvalho, branca, branca, e com isto cremos:
"Ah, agora
entendo, isto é o próprio Buda!"
Por isto o Mestre
falou, "Não digas tanta besteira!" Quando temos "rosa" isto
mesmo já é o Buda, não precisamos repetir mais uma vez que "a rosa é
Buda" pois isto seria como colocar o nome de Buda em cima de Buda. Quando
uma flor está desabrochando isto já é Buda, realizando sua natureza, não
precisamos apelidar isto de Buda, ou de nada mais, já que realiza sua natureza
da maneira em que se manifesta. Se o fizéssemos isto seria como colocar uma
cabeça em cima da cabeça. Quando o Mestre fala "Não fique dizendo
besteiras!", ele está com isto mostrando a unidade, quando a flor está no
seu estado de flor, isto já é Buda, quando estou assim como japonês, careca,
sou Buda, não precisa comparar com cara de Brasileiro, cada um está em seu
lugar, não existe bonito, feio, nem inferior, nem superior, cada um está em seu
estado absoluto, porque você é tudo, isto é importante.
Um monge perguntou a
Joshu: "Porque será que Bodidharma veio para a China?"
Joshu respondeu:
"O carvalho no jardim da frente."
O monge insistiu:
"Mestre, não dê uma resposta tão objetiva, mostrando a verdade através de
objetos."
Ao que Joshu
respondeu: "Não estou mostrando através de objetos."
O monge disse:
"Então porque Daruma veio à China?"
Joshu respondeu,
finalizando o diálogo: "O carvalho no jardim da frente."
Da primeira vez,
quando ele disse "O carvalho no jardim da frente" o monge ficou
olhando para o carvalho e comentou, perdido, "Mestre, não deves tentar
mostrar a verdade através de objetos externos!" "Não estou mostrando
a verdade através de objetos externos!" Isto é o que temos que entender,
no momento em que ele falou isto, o mundo é somente o carvalho. Eu mesmo não
existo, eu estou dentro do carvalho. Quando fico olhando o Pico do Itacolomy,
naquele momento, o Pico do Itacolomy é tudo, ele é o Universo inteiro. Quando
estamos passando por uma crise difícil, então temos todas aquelas dores, então
neste momento o mundo é só dores, e este é o sabor da vida. Quando choramos,
existe então somente o choro. Quando temos medo, então só o medo existe, não
precisamos ter medo de ter medo. Desta maneira estaremos vivendo neste mundo de
uma forma total.
Um outro monge
perguntou a Joshu: "O carvalho tem a natureza de Buda?"
Joshu respondeu:
"Tem."
O monge perguntou
então: "Quando irá o carvalho se tornar Buda?"
Joshu respondeu:
"Está esperando que o céu caia na terra."
O monge insistiu:
"E quando exatamente é que o céu vai tombar na terra?"
Joshu encerrou o
diálogo: "Está esperando que o carvalho se torne Buda."
Quando Buda ganhou a
iluminação, disse o seguinte:
"Que maravilha,
todos os seres vivos possuem esta natureza de Buda."
Estas palavras,
"natureza de Buda," não indigitam possibilidade; querem ao contrário
dizer que originalmente somos Buda. Buda mesmo, e este mundo é dourado. Se não
o estamos vendo desta maneira, isto se deve ao fato que naquele momento devemos
estar naquele estado de consciência contaminado, mas na verdade este mundo é
maravilhoso, perfeito e absoluto. Aqui podemos ver que ele está esperando o céu
cair na terra e o carvalho se tornar Buda. Isto ocorre exatamente ao mesmo
tempo. Num mosteiro no Japão, um mestre meditava durante o inverno e de repente
o bambu, pesado com o peso da neve que caia, vergou e quebrou. Muitas vezes ele
aguenta o peso e se levanta, mas de repente cai aquele montão de neve, tcháaaa,
às vezes a ponta do galho entra dentro da neve e não aguenta mais, então com o
peso excessivo o bambu quebra com aquele barulho. Por acaso naquele momento um
pássaro qualquer cantou e o bambu quebrou. Este mestre então fez uma poesia com
esta experiência, que dizia mais ou menos o seguinte: "Pássaro cantando e
bambu quebrando, seu corpo e mente abandonando." Mas estas três coisas não
são diferentes. Será que são três coisas diferentes como por exemplo, ao ouvir
o passarinho cantando, através disto o bambu quebra, e através daquele barulho
a pessoa abandona seu corpo e mente? Não, quando o pássaro canta, o bambu
quebra, e nós também quebramos, simultaneamente: este é um momento de
iluminação. Mergulhando dentro da meditação, de repente o mundo inteiro
desmorona, e neste momento abandonamos nosso egocentrismo e nossa consciência
começa a se expandir até o fim do Universo. O Universo inteiro é nós mesmos e
este é o momento da eternidade. Isto nós podemos nitidamente constatar através
de nosso corpo. Esta é a iluminação Zen, Satori. Quem quiser experimentar isto,
pode visitar lá em cima o Mosteiro do Morro de São Sebastião, mas talvez que
isto vá custar um pouco ainda, hein? Um mestre Zen chamado Kanzan, disse: "Este
caso do carvalho de Joshu tem a função do ladrão." Hoje em dia a linhagem
do Zen Rinzai no Japão quase toda descende deste mestre. Pouco depois desta
época, chegou um grande mestre chinês e naquela época o Japão andava meio
decadente, fraco, então a força deste mestre começou a se espalhar e quase
conquistou todas as demais escolas de Zen Japonesas. Então este Mestre, que se
chamava Inge, visitou o Mosteiro Myoshin-ji, querendo transformá-lo em seu
Mosteiro. Perguntou: "Quem fundou este Mosteiro?" Responderam:
"Mestre Kanzan." "Ele deixou algum livro importante?"
"Não, não deixou escrito algum." Então ele começou a achar que seria
fácil tomar aquele Mosteiro. "Mas ele deixou uma única frase," lhe
disseram. "E que fase seria esta?" "Este caso do carvalho de
Joshu tem a função do ladrão." Apenas estas palavras. Quando ouviu isto,
Mestre Inge, grande mestre Zen chinês, se surpreendeu, pediu para visitar seu
túmulo, fez reverências e se foi. Porque ele se surpreendeu? Porque um grande
herói reconhece um outro herói. Esta é pois uma conhecida técnica de Zen;
"Roubar a comida de quem tem fome, roubar as vacas do pastor."
"Este caso do carvalho de Joshu tem a função do ladrão." O que é a
função de ladrão? Nós temos tantas coisas, tantas coisas que estão se
depositando, guardando, e a elas estamos tão apegados. Então vem o ladrão e
rouba tudo. Rouba tudo isto, isto é a limpeza total. A função do Mestre é
roubar todo nosso primeiro conhecimento, mas isto é muito difícil, quanto mais
se é inteligente, mais se retém isto, com ajuda da defesa das palavras e
pensamentos. É como se diz, Zen de salão, com cházinho, cafézinho, desta maneira
não se chega a lugar nenhum.
Hogen (Um Mestre Zen)
perguntou a Kakuteshi, discípulo de Joshu:
"Dizem que seu
mestre tem um caso do carvalho no jardim, isto é verdade?"
Ao que Kakuteshi
respondeu:
"Meu mestre
nunca disse nada disto. Por favor não fale mal dele."
Todo mundo conhecia
este caso, porque foi que ele respondeu assim? Se respondesse sim, mestre e
discípulo seriam duas coisas separadas. O discípulo teria apenas concordado com
aquele história, aquela fofoca. Mas o discípulo tem que estar vivo, aqui, como
seu próprio Mestre.
Então Hogen
reconheceu:
"Você é mesmo um
filhote de leão, ruge exatamente como seu pai."
Vemos pois que esta
pergunta de Mestre Hogen não era uma pergunta simples e comum, tinha veneno na
ponta da agulha escondida no algodão, era uma espécie de teste do monge. Se ele
tivesse caído na armadilha facilmente, e dito por exemplo, "Sim, meu
mestre tem este caso do carvalho no jardim da frente", o monge estaria
morto. O mundo de Zen é assim. Tem que viver dinamicamente, não é fazendo fofoca
de mestres passados, e sim simplesmente vivendo o aqui e o agora. Alguma
pergunta? Pergunta: O Senhor falou da Rosa e falou da mesa, cadeira e do Buda.
Porque o Buda precisou da mesa, porque o Senhor vai do Buda até a mesa? Resposta:
Quaisquer fenômenos deste mundo estão em seu estado completo, e não necessitam
tomar nada emprestado, são totalmente independentes. Quando a mesa tem função
de mesa, ela é Buda, absoluta, não depende de ninguém. É isto aí. O mesmo
ocorre com a rosa. Todo mundo, todas as coisas estão em seus lugares, onde
sempre deveriam estar. Por que você se preocupa tanto com esta dualidade,
inferior ou superior? Pergunta: O Senhor fala que neste momento agora tudo está
perfeito. Ao mesmo tempo o Senhor fala que precisamos nos desapegar de tudo
isto. Resposta: Exatamente. Isto é como um círculo, não existe o apego, e então
já há o desligamento. Pergunta: O que é isto? Não está tudo bem? Resposta: Tudo
está bem, mas é preciso se desligar do próprio desligamento. Porque apesar de
tudo estar maravilhoso, a pessoa na realidade está sofrendo. Então, com grande
compaixão, o Buda voltou a este mundo real e por isto Bodidharma veio à China.
Originalmente está tudo bem, mas eles vieram para mostrar que está tudo bem
(sorri). Porque muita gente está sofrendo por causa da consciência de Alaya,
mas no fundo, no fundo, em qualidade e quantidade a natureza do Buda é
original, então reconhecer isto é satori. Não é que o Buda descobriu esta
teoria, ele redescobriu. Antes de Buda, existia a lei do Universo, ele apenas
descobriu e transmitiu. Pergunta: Esta preocupação com a rosa. Porque a rosa? Resposta:
Uma rosa é uma rosa é uma rosa. www.sotozencuritiba.org.br.
Abraço. Davi. Mística Cristã e Zen: Porque Deus se fez homem? A Rosa!.
Disponível em www.chalegre.com.br/zendo
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