Budismo. www.studybuddhism.com.br. Texto de
Alexander Berzin (1944 - ). MEDO: LIDANDO COM EMOÇÕES PERTURBADORAS. O medo é um
dos principais obstáculos para alcançarmos qualquer coisa positiva na vida.
Sendo um estado mental confuso, é baseado na falta de consciência,
especialmente no que diz respeito ao significado da sensação de segurança.
Entretanto, podemos nos livrar das garras paralisantes do medo através de uma
ampla gama de métodos preventivos e emergenciais. MÉTODO DE EMERGÊNCIA PARA TRATAR DO MEDO. No
budismo tibetano, a figura búdica feminina Tara representa o aspecto de um buda
que nos protege do medo. Na verdade, Tara representa os ventos-energia do corpo
e da respiração. Quando purificada, ela representa também a capacidade de agir
e alcançar os nossos objetivos. Este simbolismo sugere diversos métodos de
emergência de se trabalhar com a respiração e com as energias sutis para se
controlar o medo. Os métodos de emergência derivam de
práticas preparatórias (preliminares) que fazemos antes de meditar, de estudar
ou de escutar os ensinamentos. Por si próprias, estas práticas ajudam-nos a
acalmar em emergências, quando estamos com um medo extremo ou começamos a
entrar em pânico. Servem também como os primeiros passos que tomamos antes de
aplicarmos métodos mais profundos. 1. Contar
os ciclos de respiração com os olhos fechados, tomando como ciclo a inspiração
e a expiração, e focalizando na sensação da respiração ao entrar, ao ir para
baixo, ao expandir o abdomen e depois contrair e da expiração. Contar os ciclos de respiração com os
olhos meio-abertos, focalizados frouxamente, olhando para baixo para o
assoalho, tomando como o ciclo a expiração, uma pausa e a inspiração, com o
mesmo foco descrito acima e, um pouco depois, adicionar a consciência da
sensação das nossas nádegas a tocar na cadeira ou no chão. 2. Reafirmar a motivação ou o objetivo
que nós queremos alcançar (tornarmo-nos mais calmos) e o porquê. 3. Imaginar que a mente e a energia
tornam-se em foco como a lente de uma câmara fotográfica. 4. Sem contar a respiração, focalizar no
expandir e contrair da parte de baixo do abdomen consoante a respiração e
sentir que todas as energias do corpo estão a fluir harmoniosamente. O QUE É MEDO? O medo é um
desconforto físico e emocional que sentimos sobre qualquer coisa conhecida ou
desconhecida, sobre a qual sentimos que não temos nenhuma capacidade de
controlar, lidar ou levar ao resultado que desejamos. Queremos livrar-nos
daquilo que temos medo e, por isso, há uma forte repulsão. Mesmo se o medo for
uma ansiedade geral, sem um objecto específico do qual temos medo, mesmo assim
há um desejo forte de nos livrarmos dessa “coisa” indefinida. O medo não é
apenas raiva. No entanto, como a raiva, o medo envolve o exagero das qualidades
negativas do objeto do qual temos medo e um exagerar do “eu.” O medo adiciona à
irritação o fator mental de distinguir ('du-shes,
reconhecimento) que nós não podemos controlar ou lidar com a situação.
Prestamos então atenção (yid-la byed- pa) àquilo que temos medo e a nós
próprios, a partir desse modo de distinguir. Essa maneira de distinguir e de
prestar atenção pode estar correta ou incorreta. O MEDO É ACOMPANHADO PELO NÃO
APERCEBIMENTO. O medo é sempre acompanhado pelo
não-apercebimento (ignorância, confusão) de algum fato da realidade – que
entendemos, ou não, de uma maneira que contradiz a realidade. Vamos considerar
seis variações possíveis. (1) Quando temos medo de não poder
controlar ou lidar com uma situação, o nosso medo pode ser acompanhado pelo
não-apercebimento da causa e efeito e do modo de existir das coisas. Os objetos
conceptualizados (zhen-yul, objeto implícito) a partir do nosso modo
amedrontado de prestar atenção a nós próprios e àquilo a que temos medo são: Um
“eu” que existe de uma forma sólida que, apenas por seu próprio poder deveria
ser capaz de controlar tudo, assim como controlar que a nossa criança não se
venha a magoar uma coisa que existe solidamente. Por
si própria, sem ser influenciada por qualquer outra coisa, que deviamos ser
capazes de controlar apenas através dos nossos próprios esforços, mas que somos
incapazes de o fazer devido a uma falha pessoal. Estas são maneiras impossíveis de existir e
maneiras impossíveis em que a causa e efeito trabalham. (2) Quando temos medo
de não conseguir lidar com uma situação, o não-apercebimento que acompanha esse
medo pode ser sobre a natureza da mente e sobre a impermanência. Temos medo de
não conseguir controlar as nossas emoções ou a perda de uma pessoa amada e não
percebemos que as nossas experiências de dor e de tristeza são meramente o
surgir e a cognição de aparências. São impermanentes e vão passar, assim como a
dor de um dentista a brocar os dentes. (3)
O nosso medo de sermos incapazes de lidar com uma situação pode ser um medo de
não podermos lidar com ela sózinhos. Pode também envolver o medo de se estar
sózinho e da solidão. Pensamos que podemos encontrar alguém que possa aliviar a
situação. Aqui, os objetos conceptualizados são: Um “eu” que existe solidamente e que é
incompetente, inadequado, insuficientemente bom e sem nunca poder aprender uma “outra pessoa” que existe
solidamente, que é melhor do que eu e que me pode salvar. Esta é uma outra forma do
não-apercebimento de como os outros e nós existimos e do não-apercebimento da
causa e efeito. Pode ser correto que não tenhamos, neste momento, conhecimento
suficiente para lidar com algo, tal como com o nosso carro que avariou e outra
pessoa pode ter esse conhecimento e pode ser capaz de nos ajudar. No entanto,
isso não significa que, devido ao processo de causa e efeito, nós não possamos
aprender. (4) Quando estamos com medo de
alguém, por exemplo dos nossos empregadores, é porque não estamos entendendo as
suas naturezas convencionais. Os nossos empregadores são seres humanos, com
sentimentos, assim como nós. Eles querem ser felizes e não querem ser
infelizes, querem ser apreciados e não querem ser rejeitados. Eles têm vidas
fora do escritório que afetam o modo como eles se sentem. Se nós pudermos nos
relacionar com os nossos empregadores em termos humanos, mantendo-nos cientes
das nossas respectivas posições, nós teremos menos medo. (5) Similarmente,
quando temos medo das serpentes ou dos insetos, também não estamos entendendo
que eles são, assim como nós, seres sencientes que querem ser felizes e não
querem ser infelizes. De um ponto de vista budista, podemos não estar
conscientes de que eles sejam a manifestação atual de um fluxo mental
individual sem ter uma identidade inerente como uma espécie ou outra. Não
estamos conscientes de que eles poderiam ter sido nossas mães em vidas
passadas. (6) Quando estamos com medo de falhar ou da doença não estamos
conscientes das nossas naturezas convencionais como seres samsáricos limitados.
Nós não somos perfeitos e, naturalmente, vamos fazer erros e às vezes vamos
falhar ou ficar doentes. “O que é que você espera do samsara?” SENTIRMO-NOS
SEGUROS. Numa perspectiva budista,
sentirmo-nos seguros não envolve: Virarmo-nos para um ser omnipotente que nos
proteja, uma vez que a omnipotência é impossível. A necessidade de satisfazer
esse ser ou fazer ofertas ou sacrifícios a fim de receber proteção ou ajuda,
mesmo se esse ser poderoso nos pudesse ajudar de algum modo. Tornarmo-nos, nós
próprios, omnipotentes. Para nos sentirmos seguros, nós necessitamos: 1. De saber
do que temos medo e de reconhecer a confusão e o não-apercebimento subjacentes
ao medo. 2. De ter uma ideia realista do que significa lidar com aquilo que
tememos, especialmente em termos de nos livrar da confusão subjacente. 3. De
avaliar as nossas capacidades de lidar com aquilo que tememos, tanto no momento
presente como a longo prazo, sem as exagerar ou as diminuir, e aceitando o
estágio atual do nosso desenvolvimento. 4. De implementar, no momento, aquilo
que podemos fazer – se o estivermos a fazer, alegramo-nos; se não o estivermos
a fazer, precisamos de tomar a decisão de o fazer com o melhor das nossas
capacidades e, depois [de tomarmos essa decisão, precisamos de] tentar
realmente fazê-lo. 5. Se neste momento não conseguirmos fazê-lo completamente,
precisamos de saber como chegar ao ponto em que conseguiremos fazê-lo
completamente. 6. De ter como objetivo trabalhar para alcançar esse estágio de
desenvolvimento. 7. De sentir que estamos a seguir uma direção segura. Estas
sete etapas descrevem o que o budismo chama “seguir uma direção segura” (tomar
refúgio). Não é um estado passivo, mas um estado ativo de dar uma direção
segura às nossas vidas – a direção de trabalhar, de uma maneira realista, para
nos livrarmos dos nossos medos. Consequentemente, sentimo-nos seguros e protegidos
porque sabemos que estamos a seguir numa direção positiva e correta na vida que
nos vai eventualmente tornar capazes de nos livrarmos de todos os problemas e
dificuldades. UMA VISÃO REALISTA DE COMO LIDAR COM SITUAÇÕES QUE METEM MEDO. Precisamos de nos lembrar que: O que quer que
seja que aconteça àqueles a quem amamos ou a nós próprios é o amadurecer de uma
enorme rede de forças kármicas individuais, assim como forças históricas,
sociais e econômicas. Irão acontecer acidentes e outras coisas que não queremos
e nós não podemos proteger aqueles que amamos, não obstante o quanto cuidadosos
nós possamos ser e quanto nós os aconselhamos a terem cuidado. Tudo o que nós
podemos fazer é tentar dar bons conselhos e querer-lhes bem. Para superar os
acidentes e o medo, precisamos atingir a cognição não-conceptual da vacuidade.
No entanto, permanecer totalmente absorvido na vacuidade não é enterrar a
cabeça na areia. Não é fugir do medo, mas sim um método de eliminar o
não-apercebimento e a confusão que fazem com que o nosso karma amadureça em
coisas indesejáveis e que fazem com que nós tenhamos medo. Ao trabalharmos com
a cognição não-conceptual da vacuidade para purificar o nosso karma, ainda
continuaremos a experienciar acidentes e medo durante todo o caminho até ao
estágio da liberação do samsara (arhatship). Isto porque a natureza do samsara
é aos altos e baixos. O progresso não é linear; às vezes as coisas correm bem e
às vezes não. Mesmo quando alcançamos a liberação, como um arhat, vamos
continuar a experienciar acidentes e coisas que não queremos que aconteçam. Contudo,
nós vamos experienciá-las sem dor ou sofrimento e sem medo, porque estamos
livres de todas as emoções e atitudes perturbantes. É apenas nesse estágio de
arhatship que nós vamos conseguir lidar completamente e mais profundamente com
todos os nossos medos. Só quando alcançamos a iluminação é que já não
experienciamos acidentes ou acontecimentos de qualquer coisa indesejada. Só um
Buda não receia proclamar. Os seus ou as suas próprias realizações, de todas as
boas qualidades e habilidades. Os seus ou as suas próprias verdadeiras paragens
[cessações] de todas as obscurações que impedem a liberação e a iluminação. As
obscurações das quais os outros precisam se livrar para alcançarem a liberação
e a iluminação. As forças oponentes em que os outros precisam confiar para que
eles próprios se livrem delas. MÉTODOS PROVISIONAIS PARA TRATAR DO MEDO.Reafirmar
a tomada de uma direção segura na vida, através das sete etapas acima
indicadas. 1. Ao enfrentar uma situação assustadora, tal como um teste para o
cancer; imaginar a pior cena que pudesse vir a acontecer e imaginar o que
aconteceria depois e como nós iriamos lidar com isso. Isto ajuda a afugentar o
medo do desconhecido. 2. Antes de empreender algo, tal como chegar ao aeroporto
a tempo de apanhar o avião, ter várias alternativas preparadas de modo a que se
uma falhar, não ficarmos numa situação assustadora de não termos nenhuma outra
forma de alcançar o nosso objetivo. 3. Como Shantideva ensinou, se houver uma
situação assustadora e nós pudermos fazer algo por ela, porquê a preocupação;
faça apenas o que pode fazer. Se não houver nada que possamos fazer, então
porquê a preocupação; ela não ajudará em nada. 4. Uma vez que vamos
experienciar o medo e a infelicidade durante todo o caminho até à liberação,
precisamos de focalizar nas nossas mentes como se elas fossem tão profundas e
tão vastas quanto o oceano e, quando o medo ou a infelicidade surgirem, as
deixar passar como uma onda no oceano. A onda não perturba as profundidades
calmas e quietas do oceano. 5. Se nós tivermos acumulado suficiente força
kármica positiva (mérito) a partir das nossas ações construtivas, podemos
confiar que vamos continuar a ter um precioso corpo humano em vidas futuras. A
melhor proteção ao medo é o nosso próprio kárma positivo, embora precisemos de
ter consciência de que a natureza do samsara é andar aos altos e baixos. 6. Face
a uma situação assustadora, podemos encomendar ou executar um ritual pedindo
ajuda a um protetor do Dharma ou a uma figura búdica tal como a Tara ou o Buda
da medicina. Tais figuras não são seres omnipotentes que nos possam salvar. 6. Nós
pedimos e abrimo-nos à sua influência iluminadora ('phrin-las), por
forma que ela possa agir como um fator de amadurecimento das forças kármicas
das nossas ações construtivas, previamente cometidas e que, de outro modo, não
poderiam ter amadurecido. Um efeito mais seguro é que a sua influência
iluminadora aja como uma circunstância para amadurecer as forças kármicas das
nossas ações destrutivas previamente cometidas em inconveniências triviais que
poderiam, de outro modo, ter amadurecido em sérios obstáculos que iriam impedir
o sucesso. Assim, em vez de termos medo das dificuldades, nós damos-lhes as
boas-vindas como “consumidoras” das forças kármicas negativas. 7. Reafirmar as
nossas naturezas-búdicas. Nós temos os níveis básicos de consciência profunda
para compreender situações difíceis e assustadoras (percepção profunda qual
espelho), para reconhecer padrões (percepção profunda que iguala), para
apreciar a individualidade da situação (percepção profunda que individualiza),
e para saber como agir (que pode incluir o entendimento de que não há nada que
possamos fazer) (percepção profunda que realiza). Temos também o nível básico de
energia para realmente agir. 8. Reafirmar que ter a natureza búdica significa
que temos a base para todas as boas qualidades completamente dentro de nós. Em
termos psicológicos ocidentais, estas qualidades podem ser conscientes ou
inconscientes (podemos ter consciência delas ou não, e elas podem ser
desenvolvidas até níveis diferentes). Frequentemente, projetamos as qualidades
inconscientes como uma “sombra.” Porque o inconsciente é o desconhecido, a
tensão de não estarmos consciente dele manifesta-se como o medo do desconhecido
e, assim, o medo das nossas qualidades inconscientes desconhecidas. Assim,
podemo-nos identificar com o nosso lado intelectual consciente e ignorar ou
negar o nosso lado emocional e sensível desconhecido e inconsciente. Podemos
projetar o lado emocional e sentimental como uma sombra e termos medo de outros
que são muito emocionais. Podemos estar receosos do nosso próprio lado
emocional e sentirmos ansiedade de estarmos alienados dos nossos sentimentos.
Se, conscientes, nos identificarmos com o nosso lado emocional de sentimentos e
negarmos o nosso lado intelectual inconsciente, podemos projetar o lado
intelectual como uma sombra e ficarmos intimidados por aqueles que são
intelectuais. Podemos ter medo de tentar compreender o que quer que seja e
sentir ansiedade de ser um intelectual chato. Assim, precisamos de reafirmar
ambos os lados como completos dentro de nós, como aspectos das nossas naturezas
búdicas. Podemos visualizar os dois lados abraçando-se um ao outro, na forma de
um casal, como numa visualização tântrica, e sentirmos que nós próprios somos o
casal completo, e não apenas um membro do casal. 9. Reafirmar um outro aspecto
das nossas naturezas búdicas, isto é, que a natureza da mente está naturalmente
livre de todos os medos e, assim, experienciar que o medo é meramente um evento
efemero e superficial. 10. Reafirmar ainda um outro aspecto da natureza búdica,
que podemos ser inspirados por outros a ter coragem para enfrentar situações
assustadoras. CONCLUSÃO: Quanto estamos tomados pelo medo, se nos
lembrarmos desses métodos de lidarmos com ele, conseguiremos nos acalmar e
lidar de forma realista com qualquer situação que pareça amedrontadora. www.studybuddhism.com.br. Abraço. Davi
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