Budismo. Livro
Tibetano do Viver e Morrer. TREINANDO A MENTE. Escrito por Sogyal Rinpoche (1947- ). Há cerca de 2.500 anos, um homem que
estivera procurando a verdade por muitas e muitas vidas, chegou a um lugar
tranquilo na Índia setentrional, e se sentou sob uma árvore. Continuou sentado
ali com imensa determinação e jurou não se levantar até que tivesse encontrado
a verdade. Ao anoitecer, conta-se, ele havia dominado todas as forças escuras
da ilusão. E cedo na manhã seguinte, quando Vênus brilhou no céu do alvorecer,
o homem foi recompensado por sua infinita paciência, disciplina e perfeita
concentração, atingindo a meta final da existência humana, a iluminação. Nesse
momento sagrado, a própria terra estremeceu, como que "embriagada de
felicidade", e segundo dizem as escrituras, "ninguém mais em parte
alguma estava irado, doente ou triste; ninguém mais fazia o mal, ninguém mais
era orgulhoso; o mundo ficou muito quieto, como se tivesse atingido a plena
perfeição". Esse homem ficou conhecido como o Budha. (...). O que o Budha
viu foi que a ignorância sobre a nossa verdadeira natureza é a raiz de todos os
tormentos do Samsara, e a raiz da ignorância em si é a tendência
habitual da nossa mente para a distração. Para terminar com a distração da
mente, era preciso acabar com o próprio Samsara; a chave para isso,
ele percebeu, era trazer a mente de volta à sua verdadeira natureza pela
prática da meditação. (...). O Budha se sentou no chão em serena e humilde
dignidade, com o céu sobre ele e à sua volta, como para mostrar-nos que na
meditação você se senta com uma atitude mental aberta como o céu, embora permaneça
presente na terra e com os pés no chão. O céu é a nossa natureza absoluta, sem
barreiras e infinita, e o chão é a nossa realidade, nossa condição relativa e
ordinária. A postura que assumimos quando meditamos significa que estamos
ligando absoluto e relativo, céu e terra, espaço e chão, como duas asas de um
pássaro, integrando a imortal natureza da mente, semelhante ao céu, e o solo da
nossa natureza mortal e transitória. A dádiva de aprender a meditar é o maior
presente que você pode se dar nesta vida. Porque é apenas através da meditação
que você pode empreender a jornada para descobrir sua verdadeira natureza e
assim encontrar a estabilidade e a confiança de que necessitará para viver e
morrer bem. A meditação é o caminho para a iluminação. TREINANDO A
MENTE. Meditar é interromper por completo o modo como
"normalmente" operamos, em benefício de um estado isento de cuidados
e tensões em que inexiste competição, desejo de posse ou apego a qualquer
coisa, sem a luta intensa e ansiosa, sem fome de adquirir. Um estado desprovido
de ambição onde não cabe nem o aceitar nem o rejeitar, nem a esperança nem o
medo, um estado em que lentamente começamos a libertar-nos das emoções e dos
conceitos que nos aprisionam, até chegarmos a um espaço de simplicidade natural.
Os mestres da meditação budista sabem o quão flexível e maleável é a mente. Se
a treinarmos, tudo é possível. Na verdade, já somos perfeitamente treinados
pelo Samsara e para ele, treinado para ficar ciumentos, treinados
para o apego, treinados para ser ansiosos e tristes e desesperados e ávidos,
treinados para reagir com raiva ao que quer que nos provoque. Somos treinados,
de fato, até o ponto dessas emoções negativas surgirem de modo espontâneo, sem
que tentemos produzi-las. Assim, tudo é uma questão de treino e do poder do
hábito. Dedique a mente à confusão e logo veremos, se formos honestos, que ela
se tornará uma mestra sinistra na confusão, competente no seu vício, sutil e
perseverantemente dócil em sua escravidão. Dedique a mente na meditação à tarefa
de libertá-la da ilusão e veremos que, com o tempo, paciência, disciplina e o
treinamento adequado, ela começará a desembaraçar-se e a conhecer sua bem-aventurança
e claridade essenciais. "Treinar" a mente não significa, de modo
algum, subjugá-la pela força ou submeter-se a uma lavagem cerebral. Treinar a
mente é, antes de tudo, ver de maneira direta e concreta como ela funciona, um
conhecimento que você tira dos ensinamentos espirituais e da experiência
pessoal na prática da meditação. Aí você pode usar a compreensão para domar a
mente e trabalhar habilmente com ela, fazendo-a mais e mais dócil, de modo a
poder tornar-se mestre da sua própria mente, empregando-a em seu potencial mais
amplo e benéfico. (...). Quando ensino meditação, frequentemente começo
dizendo: "Traga sua mente para casa. E solte. E relaxe". Toda a
prática da meditação pode ser resumida nesses três pontos cruciais: trazer a
mente para casa, soltar e relaxar. (...). A GRANDE PAZ NATURAL. Quando
ensino meditação, frequentemente começo dizendo: "Traga sua mente para
casa. E solte. E relaxe". Toda prática da meditação pode ser resumida
nesses três pontos cruciais: trazer sua mente para casa, soltar e relaxar. Cada
fase contém significados que ressoam em muitos níveis. Trazer a mente para
casa quer dizer conduzir a mente pela prática da presença mental até o
estado de Permanência Serena. No seu sentido mais profundo, trazer a mente para
casa é voltá-la para si mesma, e repousar na sua própria natureza. Essa é em si
a mais elevada meditação. Soltarsignifica soltar a mente da prisão
da atitude de agarrar, já que você reconhece que toda dor, medo e aflição
resultam da ânsia da mente que quer agarrar. Num nível mais profundo, a
realização e a confiança que surgem da sua crescente compreensão da natureza da
mente inspiram uma generosidade profunda e natural, que fazem com que você se
torne capaz de liberar do seu coração toda vontade de agarrar, deixando-o livre
para mergulhar na inspiração do meditar. Por último, relaxar significa
ter espaço e descontrair as tensões da mente. Num sentido mais profundo, você
relaxa na verdadeira natureza da mente, o estado de Rigpa. As
palavras tibetanas que evocam esse processo sugerem o sentido de
"relaxar Rigpa". É como derramar um punhado de areia numa
superfície plana, cada grão cai onde bem entende, obedecendo às forças
naturais. É assim que você relaxa na sua verdadeira natureza, deixando que
todos os pensamentos e emoções se aquietem e se dissolvam no estado da natureza
da mente. Quando medito, sempre me inspiro neste poema de Nyoshul Khenpo
(1932-1999): Descanse na grande paz natural. Essa mente
exausta. Impotente diante do carma e do pensamento neurótico. Que
golpeiam com a fúria implacável de incessantes ondas. No infinito
oceano do Samsara. Acima de tudo, esteja à vontade, seja tão natural e
vasto quanto possível. Escape da cilada do seu ansioso eu habitual, abandone
todo o apego e relaxe na sua verdadeira natureza. Imagine o seu eu ordinário,
emocional e dirigido pelo pensamento, como um bocó de gelo ou tablete de
manteiga deixado ao sol. Se está se sentindo rígido e frio, deixe que essa
agressividade que está em você se derreta ao sol de sua meditação. Deixe que a
paz trabalhe em você, tornando-o capaz de reunir sua mente comum à presença
mental da Permanência Serena e de despertar em si mesmo a consciência e a
compreensão da Clara Visão. E você verá desarmada toda sua negatividade,
dissolvida sua agressão e sua confusão evaporando-se lentamente, como névoa no
vasto e imaculado céu da sua natureza absoluta. Tranquilamente sentado, o corpo
ereto, a fala silenciada, a mente em paz, deixe pensamentos, emoções e o que
quer que seja dentro de você chegar e ir embora, sem se apegar a nada. Com que
se parece esse estado? Dudjon Rinpoche ou Jigdral Yeshe (1904-1987) costuma
sugerir que imaginemos um homem que chega em casa depois de um longo e penoso
dia de trabalho no campo e afunda na sua poltrona favorita em frente à lareira.
Trabalhou o dia inteiro e sabe que conseguiu realizar o que queria; não há nada
mais com que se preocupar, nada foi deixado por fazer e ele pode abandonar por
completo seu cuidado e preocupações, contente; em ser simplesmente. Assim,
quando você medita, é essencial criar o correto ambiente interior da mente.
Todo esforço e luta vem de não darmos o espaço suficiente. Assim, criar esse
ambiente interior correto é vital para que sua meditação verdadeiramente
aconteça. Quando há humor e amplidão de espaço, a meditação surge sem esforço.
Às vezes quando medito não uso nenhum método específico. Apenas deixo que minha
mente descanse, descobrindo, especialmente quando estou inspirado, que posso
trazê-la para casa e relaxar bem depressa. Sento quieto e descanso na natureza
da mente. Não me interrogo ou levanto dúvidas sobre se estou no estado
"correto" ou não. Não há esforço nenhum, apenas uma rica compreensão,
um estado desperto e uma certeza inabalável. Quando estou na natureza da mente,
a mente ordinária não está mais ali. Não há necessidade de manter ou confirmar
a percepção de ser: eu simplesmente sou. Uma confiança fundamental está
presente. Não há nada especial a fazer. A POSTURA. Há uma
conexão entre a postura do corpo e a atitude da mente. Mente e corpo estão
inter-relacionados e a meditação surge de modo natural quando a sua postura e
atitude são inspiradas. (...). A postura que vou explicar agora pode diferir um
pouco de outras a que você talvez esteja acostumado. Ela vem dos antigos
ensinamentos do Dzogchen e é aquela que meus mestres me ensinaram, e eu a acho
muito poderosa. Diz-se nos ensinamentos Dzogchen que sua visão e sua postura
devem ser as de uma montanha. Sua visão é a somatória de todo o seu
conhecimento e a sua visão interior da natureza da mente, que você traz para a
meditação. Assim, sua visão traduz e inspira sua postura, expressando o coração
do seu ser no modo como você se senta. Sente-se, portanto, como se fosse uma
montanha, com toda a firme e inabalável majestade de uma montanha. Uma montanha
está completamente natural e à vontade consigo mesma, não importa quão forte
seja o vento que a golpeia ou quão espessa a camada de nuvens ao redor do seu
pico. Sentando-se como uma montanha, deixe sua mente elevar-se, voar e pairar
no alto. O ponto mais importante da sua postura é manter as costas retas, como
"uma flecha", ou "uma pilha de moedas de ouro". A
"energia interior", ou Prana, fluirá então com grande
facilidade pelos canais sutis do corpo e sua mente encontrará o seu verdadeiro
estado de repouso. Não force nada. A parte baixa da espinha tem uma curvatura
natural; ela deve estar descontraída na vertical. Sua cabeça deve
estar confortavelmente equilibrada no pescoço. São seus ombros e a parte
superior do torso que vão sustentar a forçar e a graça da postura, e a eles
devem manter um forte aprumo, mas sem qualquer tensão. Sente-se com suas pernas
cruzadas. Não é preciso sentar-se na posição de lótus completa, que é mais
enfatizada na prática avançada da yoga. As pernas cruzadas
expressam a unidade da vida e da morte, o bem e o mal, meios hábeis e
sabedoria, os princípios masculino e feminino, o Samsara e o
nirvana; o humor da não dualidade. Pode também preferir sentar-se numa cadeira,
com as pernas relaxadas, mas mantenha sempre as costas retas. Nessa tradição
meditativa, os olhos devem manter-se abertos: esse é um ponto muito importante.
Se você é sensível a perturbações de fora, no início da prática pode ser útil
fechar os olhos por algum tempo e aí calmamente voltar-se para o interior.
Sentindo-se estabilizado na calma, abra seus olhos com vagar e verá que seu
olhar está mais em paz e tranquilo. Olhe para baixo, na direção da linha do
nariz e num ângulo de cerca de 45 graus para frente. Uma dica prática geral é
que sempre que sua mente estiver excitada será melhor baixar os olhos e sempre
que estiver sonolenta, trazê-los para cima. Com a sua mente calma e a claridade
da visão interior começando a surgir, você se sentirá livre para trazer seu
olhar mais para a horizontal, fitando o espaço diretamente à sua frente. Este é
o olhar recomendado na prática Dzogchen. Nos ensinamentos do Dzogchen, diz que
sua meditação e seu olhar devem ser como o vasto espaço do grande oceano: todo
abrangente, aberto e sem limites. Como sua visão e postura são inseparáveis,
assim também sua meditação inspira seu olhar, e ambos agora fundem-se num só.
Não focalize nada em particular. Em vez disso, volte-se delicadamente para si
mesmo e deixe seu olhar expandir-se, abrir-se mais e mais no espaço e tornar-se
mais abrangente. Você descobrirá então que sua visão em si se torna mais
expansiva, e que há mais paz, mais compaixão no seu olhar, mais equanimidade e
estabilidade. (...). Livro Tibetano do Viver e Morrer. Há várias razões para
manter os olhos abertos. Desse modo é menos provável que você adormeça. Assim,
a meditação não é um meio de fugir do mundo, ou de escapar dele para uma
experiência como a do transe de um estado alterado de consciência. Ao
contrário, é um modo direto de nos ajudar a nos entendermos verdadeiramente e a
nos relacionarmos com a vida e o mundo. Portanto, na meditação mantenha seus
olhos abertos, não fechados. Em vez de excluir a vida, você permanece aberto em
relação a tudo, e em paz com tudo. Deixe todos seus sentidos: audição, visão,
tato, simplesmente abertos, de forma natural, tal como são, sem se apegar às
percepções que vêm deles. Como dizia Jigdial Yeshe Dorje (1904-1987):
"Embora diferentes formas sejam percebidas, elas são em essência vazias;
mesmo na Vacuidade percebemos formas, elas são em essência vazias. Embora
diferentes sons sejam ouvidos, eles são vazios, mesmo na Vacuidade percebemos
sons. Também surgem diferentes pensamentos e eles são vazios; mesmo na
Vacuidade percebemos pensamentos". Não importa o que você veja, não
importa o que ouça, deixe como é, sem se apegar. Deixe o escutar no escutar, o
ver no ver, evitando que o seu apego entre na percepção. (...) Ao meditar,
mantenha sua boca ligeiramente aberta, como quem está para pronunciar um
prolongado e relaxante "aaah". Diz-se que mantendo a boca
ligeiramente aberta e respirando por ela, os "ventos kármicos"
que criam pensamento discursivo são menos propensos a surgir e erguer
obstáculos em sua mente na meditação. Deixe suas mãos repousadas de modo
confortável nos joelhos. Essa é a chamada postura da "mente confortável e
tranquila". (...). TRÊS MÉTODOS DE MEDITAÇÃO. O Buddha
ensinou 84.000 diferentes maneiras para domar e pacificar as emoções negativas,
e no budismo há incontáveis métodos de meditação. Encontrei três técnicas de
meditação que são particularmente eficazes no mundo moderno, e que todos podem
usar e se beneficiar. São elas: "observar" a respiração, usar um
objeto e recitar um mantra. 1. Observar a respiração. O
primeiro método é muito antigo e o encontramos em todas as escolas do budismo.
Trata-se de pousar sua atenção, leve e atentamente, na respiração. (...).
Assim, quando você for meditar, respire naturalmente, como sempre faz. Ponha
sua atenção de leve na respiração. Quando põe o ar para fora, flua com sua
expiração. Cada vez que expira, está soltando e se libertando da sua avidez.
Imagine sua respiração se dissolvendo na vastidão da verdade, vastidão que tudo
abrange. A cada vez que expira o ar e antes de inspirá-lo de novo, perceberá um
intervalo natural, à medida que a avidez se dissolve. Descanse nesse intervalo,
nesse espaço aberto. E quando naturalmente inspirar, não se fixe no ar que
entra, mas siga repousando sua mente no intervalo que se abriu ali. Quando você
está praticando, é importante não se deixar envolver em comentários mentais, em
análises ou no falatório interno. Não tome os rápidos comentários de sua
própria mente (estou inspirando, e agora estou expirando) como sendo sua
verdadeira atenção. O importante é a pura presença. (...). Algumas pessoas, no
entanto, não relaxam e não se sentem à vontade com a observação da respiração;
acham isso quase claustrofóbico (pessoa que tem medo mórbido, doentio, dos
espaços pequenos e fechados). Para elas a próxima técnica pode ser mais
proveitosa. 2. Usando um objeto. Um segundo método que muita
gente pode achar útil consiste em delicadamente descansar a mente num objeto.
Você pode usar um objeto de beleza natural que lhe traga alguma inspiração
especial, como uma flor ou alguma coisa de cristal. Mas algo que personifique a
verdade, como uma imagem do Budha, de Cristo ou particularmente do seu mestre,
é mais poderoso. Seu mestre é seu elo vivo com a verdade; e devido à sua
conexão pessoal com ele, só olhar seu rosto já liga você à inspiração e à
verdade de sua própria natureza. (...). 3. Recitação de um mantra.
Uma terceira técnica, muito usada no budismo tibetano (e também no
sufismo, o esoterismo Islamita, no cristianismo ortodoxo e no hinduísmo) é unir
a mente com o som de um mantra. A definição de mantra é
"aquilo que protege a mente". Aquilo que protege a mente da
negatividade, ou que protege você de sua própria mente, chama-se mantra.
Quando você está nervoso, desorientado ou emocionalmente frágil, cantar ou
recitar um mantra de forma inspirada pode mudar por completo o
estado de sua mente, transformando sua energia e atmosfera. Como isso é
possível? O mantra é a essência do som, a materialização da
verdade na forma de som. Cada sílaba está imbuída de força espiritual, condensa
uma verdade espiritual e vibra com a bênção da fala dos Budhas. Diz-se também
que a mente cavalga na energia sutil da respiração, o Prana, que se
move pelos canais sutis do corpo e os purifica. Assim, quando você canta
um mantra, recarrega a sua respiração e energia com a energia desse
mantra, trabalhando assim diretamente sobre sua mente e seu corpo sutil.
O mantra que recomendo aos meus estudantes é OM AH HUM
VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM (ou como dizem os tibetanos: OM AH
HUM BENZA GURU PEMA SIDDHI HUNG), que é o mantra de Padmasambhava,
o mantra de todos os Budhas, mestres e seres realizados e por
isso único em seu poder para a paz, a cura, a transformação e a proteção nesta
época violenta e caótica. Recite-o com tranquilidade, com profunda atenção, e
deixe sua respiração, o mantra e sua consciência lentamente
tornarem-se um. Ou cante-o de modo inspirado, e descanse no silêncio profundo
que às vezes se segue à ele. A MENTE EM MEDITAÇÃO. O que,
então, devemos "fazer" com a mente em meditação? Absolutamente nada.
Deixá-la como está Um mestre descreveu a meditação como "a mente suspensa
no espaço, em lugar nenhum". O ditado é famoso: "Se a mente não é
fabricada, aparece espontaneamente imbuída de uma felicidade sublime, assim
como a água que se mostra naturalmente transparente e límpida quando não é
agitada". Com frequência comparo a mente em meditação com um jarro d’água
barrenta: quanto menos interferências ou agitação tiver, mais partículas de
terra se depositam no fundo, permitindo que a claridade natural da água
transpareça. A própria natureza da mente é tal que se você a deixa em seu
estado inalterado e natural, ela encontrará sua verdadeira natureza, que é bem
aventurança e claridade. Tome cuidado, portanto, para não impor nem cobrar nada
à mente. Ao meditar, não deve haver qualquer esforço na direção do controle,
nem empenho em ser pacífico. Não seja solene demais nem se sinta como se estivesse
tomando parte num ritual especial; deixe de lado até a idéia de que está
meditando. Seu corpo e a sua respiração devem ser entregues a si mesmos. Pense
em si próprio como o céu, sustentando todo o universo. UM DELICADO
EQUILÍBRIO. Na meditação, como em todas as artes, deve haver um
equilíbrio sutil entre relaxamento e estado de alerta. Uma vez um monge chamado
Shrona estava estudando meditação com um dos discípulos mais próximos do Budha.
Estava tendo dificuldades em encontrar a abordagem correta da mente,. Tentou
com esforço se concentrar e acabou tendo uma forte dor de cabeça. Então relaxou
sua mente, mas a tal ponto que terminou dormindo. Finalmente apelou para o
Budha, pedindo socorro. Sabendo que Shrona fora um músico famoso antes de se
tornar monge, o Budha perguntou-lhe: "Você não era um tocador de vina quando
leigo?". Shrona concordou. "Como tirava o melhor som da sua vina?
Era quando as cordas estavam tensas, ou quando estavam frouxas? Nem uma, nem
outra, Quando tinham a tensão correta, nem esticadas nem frouxas. Bem, é
exatamente a mesma coisa com a sua mente. Uma das maiores mestras tibetanas, Ma
Chik Lab Drön (1055-1149), disse: Alerta, alerta; todavia relaxe,
relaxe. Esse é um ponto crucial para a Visão na meditação". Vigie
sua vigilância, mas ao mesmo tempo fique relaxado, tão relaxado de fato que
você nem se apegue à ideia de relaxamento. PENSAMENTOS E EMOÇÕES: AS ONDAS E
O OCEANO.Quando as pessoas começam a meditar, sempre dizem que seus
pensamentos estão desenfreados e tornam-se mais agitados do que nunca. Mais eu
as tranquilizo dizendo que esse é um bom sinal. Longe de significar que seus
pensamentos estão muito agitados, isso mostra que você ficou mais tranquilo e
está finalmente cônscio do quão ruidosos seus pensamentos sempre foram. Não se
desencoraje ou desista. O que quer que surja, apenas mantenha-se presente e
continue voltando-se para a sua respiração, mesmo no meio da maior confusão.
(...). Tal como o oceano tem ondas e o sol tem raios, a radiância própria da
mente são seus pensamentos e emoções. O oceano tem ondas, mas não é
particularmente perturbado por elas. As ondas são a mesma natureza do oceano.
As ondas aparecem, mas para onde vão? De volta ao oceano. E de onde vêm? Do
oceano. Do mesmo modo, pensamentos e emoções são a radiância e a expressão da
verdadeira natureza da mente. Eles surgem na mente, mas onde se dissolvem? Na
própria mente. O que quer que apareça, não o encare como um problema
particular; se você não reage de maneira impulsiva, se sabe ser apenas
consciente, isso assentará novamente em sua natureza essencial. (...). Assim,
não importa que pensamentos e emoções apareçam, permita que eles venham e
assentem, como as ondas do oceano. Não importa o que se perceba pensando, deixe
esse pensamento surgir e se assentar, sem interferência. Não se apegue a ele,
não o alimente, não lhe preste demasiada atenção; não se agarre a ele e não
tente dar-lhe solidez. Nem siga ou convide os pensamentos; seja como o oceano
olhando para suas próprias ondas ou o céu do alto observa as nuvens que passam
por ele. (...). Meu mestre Jamyang Khyentse Rinpoche (1896-1959) teve
um estudante chamado Apa Pant, um destacado diplomata e autor indiano que
serviu como embaixador da Índia em várias capitais ao redor do mundo. Ele foi
até representante do governo da Índia no Tibete, em Lhasa, e noutro momento do
Sikkim. Era praticante de meditação e yoga, e cada vez que via meu
mestre perguntava-lhe "como meditar". Seguia uma tradição oriental em
que o estudante continua interrogando com uma pergunta simples e básica,
repetidamente. Apa Pant me contou essa história. Um dia nosso mestre Jamyang
Khyentse estava observando uma "Dança doLama" em frente do
palácio templo em Gantok, capital do Sikkim, na Índia, e ria-se das cabriolas
do Atsara, o palhaço que apresentava divertimentos leves entre as
danças. Apa Pant continuava assediando nosso mestre e, desta vez, quando este
respondeu, deixou claro que seria a resposta final e definitiva: "Veja, é
isso aqui: quando o pensamento passado acaba e o futuro ainda não começou, não
há um intervalo? Sim, disse Apa Pant. Pois é, prolongue-o: isso é meditação.
DANDO UM TEMPO. As pessoas perguntam sempre: "Por quanto
tempo devo meditar? E quando? Devo praticar vinte minutos pela manhã e à noite,
ou é melhor fazer várias sessões curtas, ao longo do dia?" Sim, é bom
meditar durante vinte minutos, mas isso não significa que vinte minutos é o
limite. Nunca li nada sobre vinte minutos nas escrituras; acho que essa é uma
noção de tempo que foi inventada no Ocidente, e costumo chamá-la de "Tempo
Padrão Ocidental de Meditação". A questão não é por quanto tempo você vai
meditar, a questão é saber se a meditação de fato lhe traz certo estado de
presença mental em que você está um pouco aberto e pode entrar em contato com a
essência do seu coração. E cinco minutos de prática sentado, plenamente
consciente, têm valor muito maior do que vinte minutos de cochilo! Dudjom Rinpoche
(1904-1987) dizia que um iniciante devia praticar em sessões curtas.
Praticar por quatro ou cinco minutos e então fazer uma pequena pausa de apenas
um minuto. Durante a pausa deixar o método de lado, mas não abandonar o estado
desperto de sua consciência. É curioso que às vezes, quando você está lutando
para praticar corretamente, no exato momento em que descansa o método, se ainda
está alerta e no presente, é que a meditação de fato acontece. Por isso a
interrupção é parte tão importante da meditação quanto o sentar-se em si. Às
vezes digo a alunos que estão tendo problemas com a prática para praticarem a
interrupção e descansarem durante a meditação! (...). Livro Tibetano do Viver e
Morrer. Sogyal Rinpoche (1947- ). Abraço. Davi.
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