Judaísmo. A
ESSÊNCIA DE D’US. A DIVINA PROVIDÊNCIA E OS MANDAMENTOS. O alicerce do judaísmo
e base de toda a verdadeira religião é a existência de D’us. Ele é o
Criador de toda a existência, física e espiritual. O primeiro verso da Torá
assim o afirma: “No princípio, D’us criou os Céus e a Terra...” (Gênesis 1:1).
Também está escrito: “Eu sou o Eterno, que cria todas as coisas” (Isaías
44:24).Como Criador de todos os mundos e de tudo o que neles há, D’us é
diferente de Sua criação. Assim sendo, o judaísmo categoricamente rejeita a
filosofia do panteísmo. Além do mais, enquanto Criador do Universo, a
existência de D’us precedeu e é independente de Suas criações. Como D’us
é o Criador de tudo o que é matéria, obviamente Ele não é matéria. O Midrash e outras
obras sagradas se referem a D’us como HaMakom, “O Lugar”, porque
Ele é o lugar do mundo, mas o mundo não é o Seu lugar. Igualmente, os conceitos
de tempo e espaço e seus atributos – corpo, forma e feição - são criações de
D’us e não se aplicam a Ele. D’us é infinito e, portanto, incorpóreo. A Torá
afirma: “E guardareis muito vossas almas, porque não vistes imagem alguma no
dia em que o Eterno vos falou em Horeb...” (Deuteronômio 4:15). Em várias
passagens, a Torá se refere a D’us como se Ele tivesse um corpo humano, usando
linguagem antropomórfica, como em “a mão de D’us” (Êxodo 9:15), e “os olhos de
D’us” (Deuteronômio 11:12). Contudo, a Torá não está afirmando, de forma
alguma, que D’us tem um corpo, forma ou feição. Apenas emprega metáforas para
expressar a relação de D’us com Sua criação. Da mesma forma, quando a
Torá afirma que D’us criou o homem à Sua imagem (Gênesis 1:27), não está
insinuando que D’us se parece com o homem. O que significa é que o homem
compartilha dos mesmos atributos – as Sefirot intelectuais e
emocionais – que D’us emprega ao interagir com o mundo. É totalmente
proibido comparar D’us a qualquer uma de Suas criaturas, mesmo ao mais elevado
dos anjos. O profeta Isaías assim declarou: “A quem, pois, podeis comparar o
Eterno? Ou a quem O podeis assemelhar?” (Isaías 40:18). Ainda que toda a
existência seja permeada pela Divindade, D’us não pode ser associado com
nenhuma de Suas criações. Além disso, o judaísmo rejeita qualquer definição de
D’us como conceito abstrato, independentemente de quão elevado ou nobre seja.
Portanto, D’us não pode ser definido como Amor, Verdade, Justiça ou Bondade,
apesar de serem esses alguns de Seus atributos. Como Criador de todas as coisas
terrenas e celestiais, D’us está num plano superior a toda a Sua Obra. A Ele,
portanto, nos referimos como o Ser Supremo ou o “Altíssimo”. Ele é
infinitamente superior e incomparável a qualquer coisa ou ser que exista. D’us
está além de qualquer definição. Apesar de D’us não poder ser definido e
criatura alguma – nem mesmo o mais puro dos anjos – poder verdadeiramente
conhecer Sua Essência, a Torá, que é a Sua Sabedoria e a Sua Vontade, permite
que o homem capte algo do Divino. Por exemplo, a Torá nos ensina que D’us é Um
e que Ele é a Unidade mais perfeita e absoluta. Como está escrito: “Escuta,
Israel! O Eterno é nosso D’us, o Eterno é Um!” (Deuteronômio 6:4). A absoluta
unicidade e unidade de D’us é um princípio central do judaísmo, que
enfaticamente rejeita qualquer conceito de pluralidade no que se refere ao
Divino. Enquanto Criador do Universo, o poder de D’us é ilimitado. Dizemos,
então, que D’us é onipotente e nos referimos a Ele em nossas preces como “Rei
do Universo”. No entanto, não atribuímos a D’us a possibilidade de que Ele
duplique, aniquile ou mude a Si Próprio de forma alguma. O judaísmo rejeita,
expressamente, a ideia de que D’us possa assumir qualquer forma física – humana
ou qualquer outra. Qualquer uma dessas tarefas envolveria uma mudança por parte
do Divino – algo que não pode ocorrer – porque a mudança é um produto do tempo,
e D’us, enquanto Criador do espaço e do tempo, existe fora de ambos. D’us é
Eterno: o tempo não se aplica a Ele, apenas à Sua Criação. Assim sendo, D’us
não tem início, idade nem fim, pois esses conceitos implicam uma estrutura
de tempo. Ele é imutável e inalterável. E assim declara: “Porque Eu, o Eterno,
não mudo” (Malaquias 3:6). Como Criador do tempo, D’us pode fazer uso do mesmo
sem nele se envolver: Ele causa a mudança no mundo sem mudar a Si Próprio. D’us
é, pois, chamado de o “Motor Imóvel”. Há declarações na Torá que talvez pareçam
sugerir que D’us se modifica. Por exemplo, certas passagens falam de D’us se
enraivecendo ou se alegrando. Tais descrições não devem ser entendidas
literalmente: a Torá usa linguagem metafórica para descrever a interação Divina
com o mundo de forma que seja compreensível a todos. D’us, Todo Poderoso, nunca
muda. Quando a Torá afirma que D’us se enfureceu, significa que Ele está
emanando Sua luz através da Sefirá de Guevurá (Restrição,
Severidade). Da mesma forma, quando a Torá nos fala que Ele se alegrou,
significa que Ele está interagindo com o mundo através da Sefirá de Chessed(Bondade,
Benevolência). Nada disso implica alguma mudança em D’us. O entendimento de que
o Altíssimo é atemporal é a resposta para a questão paradoxal: D’us pode criar
uma pedra que Ele Próprio não possa erguer? Essa pergunta é enganadora, porque
emprega lógica humana – ou seja, limitada – para tentar entender um D’us
ilimitado, que é incompreensível. E é, também, inútil, porque seria a mesma
coisa perguntar se D’us pode suicidar-se ou limitar Seus próprios poderes. Como
vimos, D’us é onipotente, mas também é atemporal e, portanto, não sujeito à
mudança. Isso significa que a existência, a essência e a onipotência Divinas
são imutáveis. Contudo, para quem não se satisfaz com essa resposta e continua
intrigado com o paradoxo, a resposta é esta: Como D’us é onipotente, Ele pode
criar uma pedra que Ele Próprio não pode erguer, e como Ele é onipotente, Ele
pode sim erguer a pedra. Se tal paradoxo serve para algo, é para nos ensinar
que a mente finita do homem não consegue e nunca conseguirá captar o Criador
Infinito. Apesar de nossa incapacidade de entender o Divino, sabemos que o
relacionamento de D’us com este mundo é duplo, ou seja, Ele é imanente e também
transcendental. Assim, Ele preenche e também envolve toda a Sua criação. Esse
conceito é expresso nos cânticos dos anjos e na Kedushá que
recitamos, de manhã e à tarde, durante a repetição da oração da Amidá.
Diariamente os anjos nos Céus e os judeus, na Terra, recitam: “Santo, Santo,
Santo é o Eterno dos Exércitos, o mundo todo está preenchido por Sua Glória”
(Isaías 6:3). Isso indica que D’us é imanente, e preenche toda a criação. No
entanto, os seres celestiais também proclamam, como o fazemos na Kedushá,
“Bendita seja a glória do Eterno desde o Seu lugar” (Ezequiel 3:12). Esse
versículo fala de D’us em Seu sentido transcendental, onde nem mesmo os anjos
conseguem compreender o Seu “lugar”. Um alerta, contudo: essa aparente dualidade
no relacionamento de D’us com o mundo – sendo imanente e transcendental –
apenas se deve a nosso limitado e imperfeito conhecimento de D’us, que também é
dos anjos, pois Ele Próprio é a Unidade mais absoluta. A imanência Divina
implica que não há lugar em toda a criação desprovido de Sua Presença. Ele é
onipresente. Como nos ensina a Torá: “Toda a Terra está cheia de Sua Glória”
(Números 14:21). E também está escrito: “Sua Glória se estende além dos Céus e
da Terra” (Salmos 148:13). Em algumas de suas passagens, a Torá fala de D’us
como estando em determinado lugar em determinada hora. Isso não significa que
D’us esteja nesse lugar e não nos demais. Mas, sim, que D’us deseja conferir
uma honra e atenção especial àquele lugar, ou que lá Suas ações são particularmente
visíveis. Assim, diz-se que D’us “habitava” o Mishkan, o
Tabernáculo, e o Templo Sagrado de Jerusalém porque Ele conferiu especial honra
e atenção a tais construções. Ensinam-nos, também, que D’us “habita” na Terra
de Israel, Eretz Israel, e em Jerusalém. De modo similar, a Torá
nos relata que D’us conduziu os judeus durante o Êxodo. Isso significa que Sua
Presença e Sua Providência estavam especialmente visíveis a eles nesses
momentos. Não é apenas a Presença Divina, mas também Sua Vontade, o que permeia
toda a Criação. Um dos ensinamentos fundamentais da Cabalá é que nada pode
existir que D’us não o deseje. A existência de toda a criação depende
continuamente da Vontade Divina e de Seu poder criativo. Fosse esse poder
removido da criação por um instante sequer, todas as coisas instantaneamente
deixariam de existir. Nas preces matinais, dizemos: “Em Sua bondade, Ele
renova, diariamente, o ato da Criação”. A Criação do Universo, portanto, não
foi um evento único, mas um processo contínuo e incessante. D’us está
continuamente recriando – e, portanto, sustentando – o Universo inteiro. Sua
atenção está ininterruptamente direcionada à Sua Criação. Se Ele perdesse
interesse em Sua Criação, ainda que por uma fração de segundo, tudo voltaria a
inexistir. A noção de que D’us criou o Universo para, em seguida, o abandonar,
é uma abominação para o judaísmo. É irônico que apesar de a Presença Divina
preencher todos os mundos e Ele ser o único responsável pela Criação e contínua
existência de todas as criaturas e seres, Sua própria existência seja
indetectável para a maioria das pessoas e até mesmo negada por alguns. O
profeta Isaías disse a D’us: “Em verdade, Tu és um D’us que Se oculta, ó D’us
de Israel” (Isaías 45:15). Uma das razões para D’us não Se revelar é que se o
fizesse, toda a Criação seria anulada perante Ele. Assim como a luz de uma vela
seria anulada e perderia seu valor se fosse acesa à luz do sol, também a
existência do Universo deixaria de existir se D’us revelasse de forma explícita
Sua Luz Infinita. Ademais, D’us não pode ser visto, pois não há lugar algum
despido de Sua Presença. Há uma analogia que nos ajuda a entender esse
conceito: o ar não pode ser visto, mas é parte integral do ambiente que nos
cerca, e o único momento em que nos apercebemos de sua presença é quando o
vento sopra. Isso é ainda mais verdadeiro em se tratando de D’us. A razão para
não podermos ver D’us não é devido à Sua transcendência, mas à Sua imanência,
ou seja, o fato de Ele conter em Si Seu princípio e Seu fim. De forma similar,
somente temos conhecimento da Presença Divina quando Ele atua para manifestar
Sua Presença. A Torá nos ensina que o conhecimento Divino é idêntico à Sua
Essência Infinita, e, portanto, também infinito. Como está escrito: “Grande é
nosso D’us, imenso é Seu poder e infinita a Sua sabedoria” (Salmos 147:5). D’us
sabe o que está acontecendo a cada um dos átomos do Universo, a cada instante.
Independentemente de quão grande o número de eventos simultâneos, isso nada é
comparado à Infinita Sabedoria Divina. É importante enfatizar que apesar de a
Torá dar ao homem um vislumbre do Divino, D’us está tão acima de nós que é
impossível compreendê-Lo em Sua plenitude. Como ensina a Cabalá: “Não há
pensamento que possa entendê-Lo completamente” (Tikunei Zohar, 17a). E
como escreveu o Rabi Shneur Zalman de Liadi, o Baal HaTanya: “Assim
como um pensamento abstrato não pode ser captado pela mão, tampouco a Essência
de D’us pode ser captada nem mesmo pelo pensamento” (Likutei Amarim, Shaar
HaYichud VeHaEmuná). Nem os maiores sábios e profetas e os seres
espirituais mais elevados podem captar a verdadeira Essência Divina. Portanto,
cada nome e cada descrição que possamos atribuir a D’us somente se aplicam a
Seu relacionamento com Sua Criação. Mesmo o Tetragrama, o Nome de D’us de
Quatro Letras, que nos é proibido pronunciar, apenas denota Sua emanação mais
alta na Criação. D’us é incompreensível, inominável e anônimo. Não há palavras
que possam descrevê-Lo ou enaltecer todos os Seus louvores. A Divina
Providência.Como vimos acima, a natureza de D’us está além de tudo que
possa ser concebido ou captado pelo ser humano: a distância entre a percepção
humana e o Divino é infinita. Portanto, apenas temos ciência da impossibilidade
de descrevê-Lo. Como então alegar que o Todo Poderoso, que é tão supremamente
exaltado, irá “rebaixar-Se” ao ponto de cuidar dos detalhes mínimos da vida de
Suas criaturas, por mais nobres e corretas que sejam? Muitos filósofos, entre
os quais inúmeros pensadores judeus, argumentaram que apenas os que são
verdadeiramente devotos a D’us são merecedores da Divina Providência, enquanto
todos os demais seres humanos e criaturas são apenas cuidados, de forma
generalizada, por uma Vontade Divina, que pode conduzir sua existência, mas que
não se envolve com os mínimos detalhes de suas vidas. Essas noções e crenças
filosóficas, apesar de oriundas de um reconhecimento da grandeza Divina, estão
distantes da noção cabalística de Divina Providência. A Cabalá oferece um tipo
diferente de percepção da conexão entre D’us e o mundo. A filosofia define D’us
como o “Supremo Intelecto” – a Mente Divina, que, como repetidamente ensina
Maimônides, não é, de forma alguma, comparável à mente humana, limitada e
finita. No entanto, mesmo esse conceito é limitado. O Maharal de
Praga, Rabi Yehudá Lowe (1512-1609), famoso por ter criado o Golem, insistia
que o Divino não pode ser definido ou confinado, de nenhuma maneira. Nossos
Sábios se referem ao Todo Poderoso como “O Santo, Bendito o Seu Nome”. Como o
judaísmo define a santidade como a distinção, essa denominação significa que o
Divino está além das definições ou limitações, quaisquer que sejam. Por
conseguinte, em relação ao Divino, a mais elevada espiritualidade não é, de
forma alguma, superior ao físico ou material. Comparado à Luz Divina, mesmo o
que a nós parece puro e elevado, é finito e diminuto. Essa compreensão do
Divino não nega a existência da Divina Providência em nível individual.
Pelo contrário, leva a uma conscientização aumentada de quão pessoal é essa
Providência. Quando entendemos que a grandeza de D’us ultrapassa os limites do
espiritual e do físico, e que esses conceitos são vazios se comparados a Ele,
não podemos mais alegar que a Divina Providência esteja confinada apenas a uns
poucos – os grandes e elevados. Pois, de fato, quem e o que é elevado e
grandioso comparado a D’us? Comparado ao Infinito, qual a diferença entre o
maior sábio ou profeta e o menor dos insetos? Comparada à Luz Infinita, tudo é
igualmente insignificante. Assim, pois, a Divina Providência se estende tanto
em direção dos maiores seres humanos, que devotam cada momento de sua vida a
D’us, quanto em direção dos organismos mais inferiores que mal conseguem
subsistir. Como vimos acima, D’us não está limitado por tempo nem espaço. Entender
esse conceito nos leva à conclusão de que Sua Providência é abrangente, pois, a
partir de Seu ponto de vista, o grande e o pequeno, a maior generalização e o
menor detalhe, são todos iguais em sua infinita distância e total
insignificância se comparados à infinitude Divina. Ao mesmo tempo, estão
igualmente próximos a Ele como receptores do abrangente amor Divino. Ou
seja, todos e tudo estão igualmente distantes e próximos de D’us. Em termos
práticos, isso significa que D’us está ciente e também profundamente
envolvido em tudo o que concerne Sua Criação e interessado até mesmo nos
detalhes da vida de cada um de nós. Muitos cometem o erro teológico de supor
que como D’us é tão grandioso – como Ele habita nas Alturas – Ele não está
interessado no que comemos – se é casher ou não – ou se
fizemos a beracháantes de comer um pedaço de chocolate. A resposta
a tais questões teológicas e outras similares – se D’us se preocupa com nossas
necessidades materiais e espirituais e se Ele tem conhecimento e interesse em todos
os detalhes de nossa vida cotidiana – é que D’us se preocupa com tudo ou com
nada. Perante o Infinito, não existe o grande ou o pequeno. Ou tudo é
importante para D’us ou nada o é. Será que D’us se preocupa com tudo ou com
nada? É verdade que a infinitude Divina não se restringe ao mundo físico, mas
vai além de todos os mundos espirituais e todos os conceitos intelectuais. No
entanto, se D’us criou o mundo e continua a sustentá-lo, é evidente que Ele se
importa com o mesmo. Assim sendo, a resposta cabalística a essa pergunta é que
D’us se preocupa com tudo – com cada detalhe ínfimo de toda a Sua Criação.
Isso, portanto, é a base do ensinamento Chassídico que a Divina Providência se
aplica a todos e a tudo. D’us não apenas “determina os passos do homem” (Salmos
37:23), mas também provê a cada uma das criaturas do mundo, direcionando-as ao
objetivo pré-determinado a cada uma delas. O Baal Shem Tov (1698-1760),
fundador do Movimento Chassídico, ensinava que cada um dos objetos deste mundo
– mesmo um grão de areia – está sob as asas da Divina Providência: está
vinculado à Vontade Divina, que determina seu lugar e seu papel no mundo. Negar
o papel da Divina Providência sobre o mais insignificante dos detalhes da vida
é o mesmo que negar a ideia da Divina Providência como um todo. Reconhecer o
papel da Divina Providência sobre os indivíduos e os pequenos detalhes atesta a
grandeza de D’us e a profundidade e intensidade da crença do ser humano n’Ele.
O Baal Shem Tov ilustrou esse ponto com o seguinte exemplo: uma grande
tempestade irrompe numa floresta, quebrando galhos e arrancando mudas. Isso é
produto da Divina Providência: D’us quis que isso acontecesse por um
determinado propósito. Talvez esse propósito fosse levar uma folha mais perto
da boca de uma certa minhoca na mata. A Divina Providência cuida de todas as
necessidades de cada uma das criaturas, mesmo daquelas primitivas como as
minhocas – que, no plano perfeito da Criação, têm seu lugar e um papel a
cumprir. Os Mandamentos: Fisicalidade e espiritualidade. Entender
alguns conceitos fundamentais sobre D’us e sobre a Divina Providência
permite-nos uma compreensão mais profunda e significativa de Seus Mandamentos.
O cumprimento dos mandamentos da Torá tradicionalmente é concebido como um
imperativo duplo: por um lado, a contemplação e apreciação do conteúdo e do
significado intrínseco dos mandamentos; por outro, sua expressão física. Os
escritos judaicos trataram extensamente das questões resultantes dessa
dualidade, pesando o valor da ação contra o da intenção e buscando o
relacionamento entre ambos. Por exemplo, dada a opção, seria preferível
colocar Tefilin mesmo se a pessoa não estiver intelectual e
emocionalmente envolvida com esse mandamento, ou seria melhor meditar sobre
D’us e estimular o amor e a reverência a Ele? Tais questões foram ponderadas
através dos tempos por muitos sábios e pensadores. Por um lado, pode-se
argumentar que o importante é a intenção: qual o sentido de se cumprir um
Mandamento Divino se a pessoa o fizer sem intenção ou sentimento? Por outro
lado, enquanto uma ação sem intenção é como um corpo sem alma, a intenção sem
ação também é imperfeita. É como uma aparição fugaz, que existe, mas não tem
substância. Para uma pessoa verdadeiramente comprometida com os Mandamentos
Divinos, não pode haver ação sem intenção, mas tampouco intenção sem ação. Essa
discussão sobre ação ou intenção é primordial como produto das diferenças no
ponto de vista religioso. Para solucionar tais dilemas, é necessário ter-se uma
compreensão adequada da relação entre D’us e o homem e da essência da
Divindade. Ainda que uma discussão filosófica profunda sobre teologia esteja
além do escopo deste artigo, é relevante entender a essência da Divindade como
é percebida pela maioria das pessoas. Vejamos a seguinte relação: tinta, couro,
caixa; ideia, sonho, amor. Em que categoria D’us deveria ser inserido? Na dos
objetos concretos - tinta, couro, caixa – ou na dos conceitos abstratos –
ideia, sonho, amor? A maioria das pessoas, religiosas ou não, provavelmente
colocaria D’us na categoria dos abstratos ou espirituais. Tal classificação tem
um significado de longo alcance. Com certeza, não se pode atribuir a D’us nada
sequer remotamente físico. No entanto, se a Divindade é uma abstração – uma
ideia sem substância – pode-se questionar o grau de realidade de D’us e
questionar Sua Própria existência. O D’us dessas pessoas é uma sombra cuja
existência é, por vezes, sujeita a incertezas. Trata-se de uma Divindade
intelectual ou emocionalmente vivenciada. Se D’us é concebido dessa forma,
certas consequências religiosas são inevitáveis. Se D’us é um conceito
espiritual, como o Amor e a Justiça, faz todo o sentido que Ele seja cultuado
com ideias, orações silenciosas, meditações e boas intenções. Pois, se D’us é
um Ser espiritual abstrato, pode ser uma contradição servi-Lo por meio de ações
físicas concretas. No entanto, todos os pensadores e filósofos judeus rejeitam
a ideia de que D’us é um Ser espiritual. Enfatizam que assim como D’us está
infinitamente acima do universo físico, Ele também está infinitamente distante
do espiritual – mesmo em suas formas mais elevadas. É, portanto, tanto um
sacrilégio atribuir qualidades espirituais a D’us quanto atribuir-Lhe
qualidades físicas. Surge, então, naturalmente, a pergunta: se D’us não é fisicalidade
nem espiritualidade, o que Ele é? A resposta é que o homem não pode nem
mesmo começar a conhecer a essência de D’us. Pode apenas ansiar por vivenciar a
realidade de Sua existência. Tal experiência de Divindade não pode provir de
uma análise lógica ou inferencial de aspectos de Sua existência. Pelo
contrário, baseia-se na experiência real de Sua Presença. D’us, então, é uma
realidade e não há realidade fora de Sua existência. A compreensão de que D’us
não é um ser físico nem espiritual explica o problema da
preferência da intenção sobre a ação. As intenções espirituais do
homem, não importa quão puras, nobres ou verdadeiras, não estão,
necessariamente, mais próximas da Vontade Divina do que as mais concretas ações
físicas. Como as qualidades da fisicalidade e espiritualidade não se aplicam a
D’us de forma alguma, Ele está tão próximo ou distante do espiritual quanto do
físico. O que importa é a Vontade de D’us, independentemente de como a pessoa a
cumpra. Portanto, um mandamento físico, simples, tem tanta relevância religiosa
quanto um espiritual. A essência dessa concepção é a percepção de que como D’us
preenche Seu mundo, para Ele não há dicotomia entre o físico e o
espiritual. A Vontade Divina é encontrada tanto no cumprimento físico de um mandamento
quanto nos pensamentos e emoções com os quais o mesmo é cumprido. Quando o
homem amarra as tiras do Tefilin em seu braço, ele deve estar
tão cioso de cumprir a Vontade Divina quanto quando se empenha espiritualmente
para dirigir seu pensamento e seu coração a D’us: “...para amar o Eterno teu
D’us com todo o teu coração, com toda a tua alma, e com toda a tua força”. O
judeu que assim age está em verdadeira harmonia com a Vontade Divina. Os
mandamentos da Torá, tanto os físicos como os espirituais, portanto, podem ser
comparados a uma ponte criada por D’us, que permite ao homem conectar-se a
Ele. Os mandamentos Divinos, que são cumpridos física e espiritualmente,
são os meios pelos quais as criaturas finitas podem vivenciar o Santo, Bendito
é Seu Nome. www.morasha.com.br. Abraço. Davi
Nenhum comentário:
Postar um comentário