quinta-feira, 2 de maio de 2019

III. OS PRINCÍPIOS CONFUCIONISTAS DA IDEOLOGIA CHINESA ATUAL


Confucionismo. Texto de Jacques Gernet (1921-2018). III. OS PRINCÍPIOS CONFUCIONISTAS DA IDEOLOGIA CHINESA ATUAL. A VIDA. Natural do Reino de Zhao (actual província de Shanxi), Xunzi (荀子) teve uma vida breve (298 AC238). Quando nasceu, Mêncio era já um homem maduro. Viajou bastante pelo seu reino, assim como pelos reinos vizinhos de Yan, Chu, Qin e Qi. Apesar de não ter sido reconhecido enquanto esteve no reino de Yan, durante o reinado de Gui, foi nomeado três vezes decano da Academia de Ji Xia, em Qi, um dos reinos centrais de tradição ritualista ligada a Confúcio e Mêncio (372 AC 289). Esta academia foi fundada pela vontade dos soberanos preocupados em aliar o prestígio cultural à sua política de hegemonia. Era o caso do soberano Xuan de Qi que Mêncio conheceu pessoalmente e que encorajava os letrados de todos os municípios a vir a Jixia, oferecendo-lhes todas as comodidades para prosseguir os seus estudos e expor as suas doutrinas. Isto tornou aquela academia num dos principais focos de atividade cultural e ponto de reunião dos grandes pensadores da época nos começos do século III AC. Foi lá que Xunzi teve a oportunidade de se destacar como um polémico defensor da causa confucionista face aos outros pensadores. É aqui que o reconhecimento do poder político do prestígio moral e intelectual dos letrados atinge o auge, os detentores do saber passam a ser chamados de "mestres" (先生). No reino de Zhao discutiu assuntos militares com o Duque de Linwu perante o Imperador Xiao Cheng e, no reino de Qin, fez investigações acerca das políticas adoptadas. Finalmente, em 255, serviu o duque Chun Sheng no reino de Chu como alto magistrado de Lanling (na actual província de Shandong), onde permaneceu até ao fim da sua vida. Foi também ali que compôs o seu livro "Xunzi", com os seus discípulos. "O Livro de Xunzi" é constituído por 32 capítulos, cada um formando um tratado teórico sobre um assunto preciso. Trata-se do único livro da antiguidade chinesa, com exceção do "Han Feizi", com um discurso elaborado e construtivo. Apesar da sua importância, não foi considerado um Clássico. Embora não tivesse tido a oportunidade de assistir à ascensão crescente do reino de Qin através da força e dos meios militares, triunfando sobre todos os outros reinos e fundando a Dinastia Qin, parece que Xunzi não nutriu nenhuma admiração pela eficácia do seu governo. Até porque este se baseava em princípios legistas, contrários à doutrina confucionista. Aliás, na senda do confucionismo, Xunzi não acreditava que o poder militar de Qin fosse suficiente para se impor ao povo, devendo este basear-se antes na humanidade do soberano, tal como já o haviam defendido Confúcio e Mêncio. Na realidade, a repressiva Dinastia Qin (221-206 a.C.) não haveria de durar muito tempo, por contraposição à anterior Dinastia Zhou, a mais longa de toda a História da China. 2.3.2. A CONCEPÇÃO DO HOMEM. Contrapondo-se a Mêncio, Xunzi defendia que a natureza humana é um complexo de tendências anárquicas e irracionais, sendo o homem mau por natureza. Somente através do contacto com os outros indivíduos, poderá o homem tornar-se sociável e civilizado. Segundo Xunzi, na origem toda a humanidade era luta pela posse dos bens, o que gerava desordem. Trata-se de uma teoria pessimista naturalista, semelhante à que Thomas Hobbes (1588-1679) haveria de desenvolver cerca de 20 séculos mais tarde. Defendendo que "a sociedade é a grande educadora dos indivíduos", a bondade torna-se em algo artificial, adquirida pelo treino. Para Xunzi, as qualidades inatas como o amor ao lucro, o ódio e a inveja, os desejos sensuais, não incluem nenhuma predisposição da natureza humana para a moralidade. O espírito dos homens é obscurecido por preconceitos, os quais só serão eliminados através da Razão, do dao (), através da sua capacidade de inteligência e discernimento, o zhi (). Ora, é a inteligência através do coração/espírito, o xin (), que julga se uma ação levada a cabo para satisfazer um desejo é admissível moralmente ou é somente materialmente possível. Só quando agimos de acordo com a Razão haverá ordem social. Por contraposição a Mêncio, Xunzi vê a bondade não na natureza do homem, mas na sua cultura: "A natureza é a raiz e o original, a matéria bruta; o fabricado é o que é desenvolvido até ao desabrochar pela cultura e pelos ritos. Sem a natureza, o fabricado não terá nenhum suporte para trabalhar, sem o fabricado, a natureza não teria nenhum meio de se aperfeiçoar."22 diz Xunzi. Como tal, a moralidade é puramente «fabricada», totalmente exterior à natureza humana. Para Xunzi, individual ou socialmente, a principal virtude a ser cultivada devia ser o li (), a conformidade com as normas rituais. Só através do respeito pelas práticas rituais instituídas, conseguirá o Homem atingir o equilíbrio individual, e também social, entre vícios e virtudes. Isto porque os ritos são um reflexo da ordem cósmica. Apesar dos ritos não serem naturais, têm um valor humano fundamental, trazendo o homem para a harmonia social. Explica Xunzi: "Os homens têm desejos por natureza. Quando os desejos não são satisfeitos, eles não têm outra solução senão procurá-la. Quando esta busca de satisfação não tem medida nem limite apropriado, só pode haver discórdia. Quando há discórdia, haverá desordem; quando há desordem, haverá pobreza. Os antigos reis-sábios odiavam esta confusão, pelo que estabeleceram a regra dos ritos como forma de estabelecer limites à confusão, para educar e nutrir os desejos dos homens, para dar oportunidade à sua busca de satisfação, para que os desejos nunca se extinguissem pelas coisas, nem que as coisas fossem utilizadas pelos desejos; que ambos continuassem a coexistir. É aqui que a regra dos ritos surge." Esta concepção é característica de uma época em que o território chinês se encontrava em convulsão intra reinos e inter-reinos, cada um lutando pelo domínio interno.  A CONCEPÇÃO DO SOBERANO. Xunzi dividiu os homens em três categorias: os homens superiores, que podem tornar-se soberanos ou duques; os homens inferiores, que podem tornar-se em nobres ou funcionários públicos; e os homens comuns que podem tornar-se em trabalhadores, agricultores ou comerciantes. Mas esta distinção baseava-se, não em qualquer ordem preestabelecida de carácter divino ou nobiliárquico, mas sim pelo talento. Ora, os homens superiores deviam respeitar os ritos (), o que assume um cariz mais carregado do que nos confucionistas anteriores. Assim, se os descendentes dos príncipes, nobres e ministros não agissem de acordo com os ritos, deviam ser "despromovidos" para a classe dos homens comuns, enquanto que se a conduta dos descendentes dos homens comuns estivesse de acordo com os ritos, estes deviam ser promovidos a ministros ou magistrados. Xunzi considerava os ritos, ligados diretamente às leis, como o elemento essencial unificador das diversas classes. Quem se conformasse com a legislação devia ser considerado bom e devia ser tratado de acordo com os ritos, caso contrário devia ser aplicado um castigo. Por isso, Xunzi é considerado como o fundador da doutrina da autocracia dos tempos feudais. Um soberano que dominasse os ritos teria nas suas mãos a absoluta autoridade. Estas teorias vão ser desenvolvidas pelos seus discípulos Han Fei e Li Si, que irão ter um papel determinante na fundação do absolutismo na Dinastia Qin e no desenvolvimento da doutrina legista, que acaba por afastar estas concepções relativas às leis dos seus fundamentos. Um dos melhores exemplos que os soberanos podiam encontrar era no tempo dos imperadores das Dinastias Xia (2100 AC 1600), Shang (1600 AC 1100) e Zhou, com especial referência para os desta última. O seguir-se os últimos soberanos incluía em Xunzi mais do que um regresso aos antigos, mas mais uma certa inovação como forma de fortalecer as novas instituições feudais da classe dos proprietários. Isto porque os antigos soberanos tinham inventado os princípios morais que impediam os conflitos. Por isso, havia que estudar os Clássicos, mas não os filósofos, com exceção de Confúcio (551 ac 479). OS NEO-CONFUCIONISTAS Apesar do Confucionismo ainda de forma incipiente ter surgido já durante o período do Reinos Combatentes e apesar da grande receptividade de que foi alvo entre o povo chinês, especialmente entre a classe letrada, não seria logo adoptado como doutrina oficial durante o período da Dinastia que então emergiu, a celebre mas breve Dinastia Qin (221 AC 206), unificadora do território chinês. Na realidade, a forma de governo adoptada pelo Imperador Qin Shihuang não se coadunava com os princípios confucionistas. O governo déspota do Imperador Qin coadunava-se mais com os princípios legistas, pelo que adotou o legismo como doutrina oficial. Foi necessário o aparecimento de uma outra dinastia, a Han (206 AC 220 DC), com um maior desenvolvimento cultural e uma maior abertura, para que o confucionismo se impusesse como doutrina do Estado. A partir de então, apesar de alguns soberanos terem privilegiado mais outras formas de pensamento, nomeadamente religiosas, nunca mais os princípios confucionistas deixaram de ser adoptados pela sociedade chinesa, qualquer que fosse a sua origem. Neste sentido, o confucionismo serviu como verdadeiro cimento aglutinador da sociedade chinesa, na medida em que muitos dos seus princípios continuaram a reger por muito tempo até à atualidade os relacionamentos humanos e mesmo a forma de governar. Mais tarde, mais precisamente durante a Dinastia Song (960-1279), deu-se um ressurgimento da doutrina confucionista. De 1069 a 1073, Wang Anshi (王安石,(1021-1086) preconizou uma série de duras reformas em território chinês. As suas reformas eram de natureza diversa (economia, fisco, exércitos e administração) e procuravam reforçar a autoridade do Estado em detrimento dos interesses privados. Ora, estas provocaram algum descontentamento, pelo que alguns intelectuais da época procuram formas de pensamento alternativas, uma das quais foi desencantar as antigas concepções confucionistas, reformando e trazendo uma lufada de ar fresco a esta filosofia, adaptando-a à nova realidade. Este movimento ficou conhecido como o neo-confucionismo (lixue, 理学). Apesar destes autores se oporem às concepções tauísta e budista, na realidade também incluíram alguns dos seus princípios na nova perspectiva emergente. Foi, aliás, esta linha de pensamento que seguiu Han Yu (768-824), ainda durante a Dinastia Tang (618-907), procurando desenvolver o confucionismo tradicional, especialmente o de Mêncio, adaptando-o às novas condições sociais. HAN YU Han Yu (韩愈, 768-824) nasceu em Nayang (na província de Henan), tendo ficado conhecido como o fundador do movimento literário que adoptava como modelo os escritos em estilo clássico, assim como o preconizador do neo-confucionismo. Viveu durante a Dinastia Tang, quando o budismo teve um grande desenvolvimento na sociedade chinesa e também noutros países da Ásia, nomeadamente na Coreia e no Japão. Contudo, na sequência do apoio que teve entre a Corte, esta religião foi em parte responsável pelo aumento das despesas públicas, devido ao capital investido na construção de templos e à riqueza crescentemente acumulada pelos monges budistas nos seus templos. Estas condições originaram, em meados da Dinastia Tang, uma campanha anti budista, na qual Han Yu teve um papel de liderança. Ora, foi a partir do desenvolvimento da ortodoxia confucionista, que Han Yu desenvolveu esta campanha anti budista. Os ânimos elevaram-se quando, em 819, o Imperador Xianzong preparava a chamada "cerimónia da relíquia do osso de Buda", o que causou alguma sensação dentro e fora da Corte. Han Yu logo apresentou ao Imperador um "Memorando contra as bem-vindas à relíquia de Buda", ao que este respondeu expulsando-o da capital. Han Yu foi viver para Chaozhou (na província de Cantão - Guandong), onde persistiu na sua posição anti-budista. Começou, também, a desenvolver a ortodoxia confucionista. Tal como referido no "Grande Aprendizado", defendia que a única forma de pacificar o mundo era através da cultivação moral do eu individual, e não isolar do mundo num estado de inatividade como ensinavam os budistas. No seu "Tratado sobre o Dao", desenvolveu a noção de benevolência e retidão, sublinhando que as falhas dos budistas e dos tauístas tinham a ver com a violação do modelo normal da vida, tendendo a levar as pessoas a afastarem-se completamente da sociedade e do Estado com todo o código ético que lhes é indispensável. Ainda em relação às qualidades pessoais, Han Yu defendia que os homens deviam estar dotados, não só de natureza humana, mas também de emoções, as quais se originariam do contato da natureza humana com os objetos exteriores. Na medida em que todas as pessoas possuíam as cinco virtudes em diferentes graus de desenvolvimento, individualiza três níveis da natureza humana: superior, médio e inferior. Já no que se refere às emoções humanas, estas são sete: prazer, raiva, tristeza, felicidade, afeto, ressentimento e desejo. Da mesma forma, as pessoas possuem estas sete emoções em diferentes graus de desenvolvimento, o que as coloca em três níveis: inferior, médio e superior. A natureza superior é boa; a média indeterminada, corrigível pela educação ou susceptível de se degradar; a natureza inferior é má. Uma vez atribuídos estes graus, estes são imutáveis, sendo que a educação só poderia ser aplicada para aqueles que se encontravam no nível médio. Esta teoria afasta-o da concepção de Mêncio. Na História, Hanyu salientava o papel determinante dos sábios, a cujas normas todas as pessoas se deviam sujeitar. Trata-se da identificação do Dao com o Céu, que será desenvolvido posteriormente pela Escola Neo-confucionista Cheng-Zhu (程朱), dos irmãos Cheng e de Zhu Xi. ZHOU DUNYI Tal como referido anteriormente, o neo-confucionismo apareceu inicialmente como oposição aos "Novos Ensinamentos" de Wang Anshi” (1021-1086). Um dos principais intelectuais que se opôs a estas reformas foi Sima Guang ( 马光, 1019-1086). No seguimento político de Sima Guang apareceram Zhou Dunyi (周敦), Shao Yong (邵雍) e os irmãos Cheng (程). Intelectualmente, estes seguiam as ideias da Antiga Escola Confucionista de Zi Si-Mêncio. Apesar de, aparentemente estes repudiarem o Budismo e o Tauísmo, na realidade incluíam alguns dos seus ensinamentos na sua teoria. Nas suas considerações filosóficas, os neo-confucionistas estavam essencialmente preocupados com as questões do Princípio, da mente, da natureza humana, etc. Na medida em que surgiram diversas concepções destas questões, geralmente individualiza-se esta filosofia em três escolas: a Escola do idealismo objectivo, liderada por Cheng Yi (程颐)e Zhu Xi (朱熹); a Escola do idealismo subjetivo, liderada por Lu Jiuyuan 陆九渊) e Wang Ming (王明); e a Escola do naturalismo e do utilitarismo liderada por Zhang Zai 张载), Chen Liang 陈亮) e Ye Shi 页适). Porque o objectivo do nosso estudo não é analisar a escola neo-confucionista profundamente, procuraremos fazer uma análise geral sobre as contribuições dos filósofos neo-confucionistas mais importantes para a evolução do confucionismo. Começaremos, então, por Zhou Dunyi. Zhou Dunyi (周敦)1016-1073) foi o fundador do neo-confucionismo propriamente dito. Defendia que a origem do universo era o Princípio Supremo, que não tinha som, nem forma, nem princípio, nem fim. Seria deste Princípio Supremo que originaram o Yin (阴) e o Yang (阳), e da combinação destes surgiram os Cinco elementos, dos quais, por sua vez, se originou o mundo com todos os seus elementos. Zhou reduziu, deste modo, todas as existências a uma entidade indescritível em espiral, que contém todas as implicações da Via, o Dao () ou Princípio, o Li (). A santidade é o objetivo último de todas as considerações cosmológicas que estão ligadas ao domínio humano e com uma preocupação moral tipicamente confucionista. Para Zhou, de todos os seres, o homem era o mais receptivo ao Princípio Supremo. A base do Princípio Supremo é a honestidade perfeita. Tal como Mêncio, Zhou também defendia que todos os seres humanos nasciam com bondade inata, sendo através do seu contato com o mundo exterior que o mal aparece, o que provoca a diferenciação das pessoas. Às pessoas com natureza má, Zhou recomenda que cultivem a sua honestidade perfeita como forma de restabelecer a bondade inata, tornando-se sábias. Por isso, a santidade, que pode ser alcançada por qualquer pessoa, só o será quando houver uma perfeita adequação entre o Homem e o Céu-Terra. Trata-se da prática moral fundada sobre o princípio celeste (天理), como forma de alcançar o equilíbrio perfeito entre a vida interior e a vida exterior. 2.4.3. IRMÃOS SU E IRMÃOS CHENG. Em meados do séc. XI, apareceu uma nova geração formada na senda dos homens de acção de inícios dos Song. É o caso dos dois irmãos Su, que passaram nos exames imperiais, e também dos dois irmãos Cheng, descendentes de uma família de letrados-burocratas do Norte. Enquanto que os irmãos Su 苏)foram colocados na Escola de Ouyang Xiu (欧阳 修), Cheng Yi (颐,1033-1107) e Cheng Hao (颢,1032-1085) foram enviados ainda jovens para junto de Zhou Dunyi para aprenderem com ele. Filhos de um letrado autodidacta, os irmãos Su, Su Shi (苏轼,1037-1101) e Su Che (苏撤,1039-1112) candidataram-se aos exames imperiais e ambos foram bem sucedidos. Contudo, foi o irmão mais velho que sempre se destacou. Aliás, a sua poesia é bastante conhecida na China. Su Shi começou por comentar o "Livro das Mutações" (), dos quais comentários se poderão retirar algumas considerações para construir a sua forma de pensar. Segundo ele, os homens possuem em si próprios a retidão, o que vai de encontro às concepções de Mêncio sobre a bondade inata. É partidário de uma concepção culturalista do homem, do homem de cultura (wen ). Inclui ainda no seu pensamento algumas considerações tauístas de Zhuangzi (庄子), quando defende que o sábio é aquele que encontra o acesso ao princípio das coisas, sublinhando a unidade do mundo, a fusão com a Origem, que o que se mantém sempre autêntico é a natureza. Já no que se refere aos irmãos Cheng, também seguiram rumos diferentes. Assim enquanto Cheng Hao (程颢)se dedicou ao estudo do tauísmo e do budismo, antes de se dedicar ao dao confucionista, já o seu irmão estudou na capital, junto de Hu Yuan. Posteriormente, devido aos diferentes resultados que obtiveram nos exames imperiais, os irmãos Cheng seguiram diferentes percursos. Assim, enquanto Cheng Hão foi bem sucedido e enveredou por uma carreira oficial, o seu irmão reprovou e retirou-se. Mais tarde, haveriam de encontrar-se em Luoyang, onde se dedicam ao ensino e à reflexão filosófica sobre o dao (道学), cada um fundando a sua escola. Depois da morte de seu irmão, Cheng Yi (程颐)tomou para si a missão de fazer reviver o dao confucionista pois defendia que desde o desaparecimento de Mêncio, a doutrina confucionista nunca mais havia sido transmitida. Cheng Yi defende as ideias constantes na "Doutrina do Meio" de que, sendo o decreto do Céu a natureza, é tarefa do homem alcançar o seu destino moral de acordo com o dao celeste. Enquanto seu irmão era mais lírico, exprimindo-se muitas vezes através de poemas, Cheng Yi é mais rigoroso nas suas considerações, o que imprime um carácter mais exigente à escola Cheng-Zhu (程朱). Neste contexto, Cheng Yi desenvolve o conceito de li (理)como princípio normativo, que engloba toda a totalidade, governando tanto o mundo natural como a sociedade humana, não tendo início nem fim. Todas as coisas vêm à existência através deste Princípio dito Divinosendo a sua tarefa definir a função que cada coisa deve ter na ordem natural, como forma de assegurar a harmonia moral. E este Princípio mantém-se por si só em todos os tempos e em todos os lugares, no mundo natural e no código ético da vida social. E como podem as pessoas aprender este Princípio Divino? Cheng Yi responde que é através da manutenção da mente num estado de honestidade e de veneração, enquanto que Cheng Hao defendia que seria através da investigação das coisas, através de um processo em que o Princípio era restaurado e os desejos humanos expulsos. Também aqui, os irmãos Cheng adoptam a teoria dos três níveis da natureza humana de Han Yu. Cheng Yi conclui que o exame cuidado do Princípio, o preenchimento da natureza humana e a realização da vocação, todas os três deviam ser conseguidos em conjunto. ZHU XI E LU JIUYUAN. Nascido em Wuyuan (na Província de Anhui), Zhu Xi (朱熹,1130-1200) cresceu em Fujian, pelo que a sua escola ficou conhecida pela Escola de Fujian. Discípulo da quarta geração de Cheng Yi, Zhu Xi era a figura mais proeminente do neo-confucionismo do seu tempo, tendo tido o papel mais importante na ideologia dos tempos posteriores. Como tal, alguns dos seus seguidores chegaram a compará-lo a Confúcio. Zhu viveu numa altura em que a parte Norte do país tinha caído às mãos dos Jin, pelo que os Song deslocaram a capital mais para Sul - ficando assim conhecidos por Song do Sul - não lhes restando outra solução senão apaziguá- -los ou entrar em guerra com eles. Para Zhu Xi, a solução seria melhorar a situação política através da expulsão dos bárbaros. Depois de passar brilhantemente nos exames imperiais, Zhu Xi enveredou por uma carreira burocrática, com responsabilidades nas escolas, bibliotecas e ritos da sua região de origem. Em 1179, como governador de Nankang, na província de Jiangxi, Zhu Xi dedicou-se completamente à sua missão educativa, fazendo palestras e restabelecendo a “Academia da Gruta do Veado Branco”, que desempenharia um papel de primeiro plano no desenvolvimento das academias privadas e da divulgação da daoxue (道学). Compilou e comentou, ainda, os "Cinco Clássicos" () e os "Quatro Livros" (), procurando reencontrar o espírito original de Confúcio, do qual Mêncio é designado como o seu herdeiro e porta-voz. No que se refere à sua teoria filosófica, Zhu Xi inclui elementos das teorias do Princípio Supremo de Zhou Dunyi e de Cheng Yi. Defendia que o Supremo Princípio era constituído pelo Princípio, o li () e pela Energia, o qi (), sendo o primeiro antecedente do último. Assim, o Princípio Supremo é a origem e ao mesmo tempo a síntese de todos os outros princípios do mundo, é um princípio transcendente e perfeito, enquanto que os outros são princípios concretos que regulam objetos concretos do mundo. Esta teoria tem origens numa seita budista que ensina que as variedades estão compreendidas na entidade, se bem que também se aproxima da noção de dao tauísta. À semelhança do que ocorre com todos os outros objetos do mundo, também os homens são manifestações do Princípio. Como a natureza humana vem diretamente do Princípio Divino, esta é perfeita. Contudo, com o relacionamento com outros seres, também a "natureza humana pelo temperamento", como Zhu Xi define, pode transformar-se em má ou boa. A inspiração menciana, relativo à Mêncio, é aqui clara. Como tinham um temperamento mais calmo e inocente, os sábios eram mais dificilmente afetados pela maldade, enquanto que em relação às pessoas comuns se passava exatamente o contrário. Zhu Xi propunha duas formas através das quais o pensamento podia ser remodelado: o estudo exaustivo do Princípio e manutenção do fervor. Zhu Xi desenvolveu também a interpretação da História, defendendo que o seu curso é determinado pelo pensamento dos soberanos. Enquanto que os antigos reis-sábios praticavam o Princípio Divino, os soberanos dos tempos posteriores praticavam os desejos humanos, pelo que os primeiros reinavam de uma forma real enquanto que os últimos faziam-no de uma forma coerciva. A teoria de Zhu Xi encontrou oposição por parte de Lu Jiuyuan (陆九渊,1139-1193) que, embora também admitindo a existência de um Princípio como a entidade do mundo, defendia que este se encontrava dentro da mente e não fora dela como preconizava Zhu Xi. Por outro lado, enquanto Zhu Xi preconizava a aproximação ao Princípio através do estudo, Lu recomendava a procura de dentro para fora da mente. Enquanto a doutrina de Zhu Xi ficou conhecida como a Escola Racionalista, as ideias de Lu Jiuyuan foram mais tarde desenvolvidas na Escola Idealista de Wang Yangming durante a Dinastia Ming (1368-1644). Aliás, a partir de meados do séc. XIII, o pensamento de Zhu Xi ascende à categoria de ortodoxia e começa a difundir-se por todo o mundo sinizado de então, nomeadamente pela Coreia e Japão. Através de um decreto de 1313 do Imperador Renzong da Dinastia Yuan ou Mongol (1271-1368), os comentários de Zhu Xi aos "Clássicos" e aos "Quatro Livros" são incluídos no programa dos exames imperiais. Livro Os Princípios Confucionistas da Ideologia Chinesa Atual. Abraço. Davi


Nenhum comentário:

Postar um comentário