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Escrito pelo Papa Leão XIII (1810-1903) Vicenzo Gioacchino Luigi Pecci Prosperi
Buzzi. APRENDENDO COM LEÃO XIII – ENCÍCLICA RERUM NOVARUM – DOUTRINA SOCIAL DA
IGREJA. A sede de inovações que há muito tempo se apoderou das sociedades e as
e as têm numa agitação febril, devia, tarde ou cedo, passar das regiões
políticas para a esfera vizinha da economia social. Efetivamente, os progressos
incessantes da indústria, os novos caminhos em que entraram as artes, a
alteração das relações entre os operários e os patrões, a influência da riqueza
nas mãos dum pequeno número ao lado da indigência da multidão, a opinião enfim
mais avantajada que os operários formam de si mesmos, e a sua união mais
compacta, tudo isso, sem falar na corrupção dos costumes, deu em resultado
final um temível conflito. Por toda
parte, os espíritos estão apreensivos e numa ansiedade expectante, o que por si
só basta para mostrar quantos e quão graves interesses estão em jogo. Essa
situação preocupa e põe ao mesmo tempo em exercício o gênio dos doutos, a
prudência dos sábios, as deliberações das reuniões populares, a perspicácia dos
legisladores e os conselhos dos governantes, e não há, presentemente, outra
causa que impressione com tanta veemência o espírito humano. É por isso que, Veneráveis Irmãos, o que em outras
ocasiões temos feito, para bem da Igreja e da salvação comum dos homens, em
Nossas Encíclicas sobre a soberania política, a liberdade humana, a
constituição cristã dos Estados (aluda-se aqui às Encíclicas
"Diuturnum" 1831, "Immortale Dei" 1885,
"Libertas" 1888) e outros assuntos análogos, refutando, segundo Nos
pareceu oportuno, as opiniões errôneas e falazes, o julgamos dever repetir hoje
e pelos mesmos motivos, falando-vos da Condição dos Operários. Já temos tocado
essa matéria muitas vezes, quando se nos tem proporcionado o ensejo; mas a
consciência de Nosso cargo Apostólico impõe-nos como um dever tratar nessa
Encíclica mais explicitamente e com maior desenvolvimento, a fim de pôr em
evidência os princípios duma solução, conforme à justiça e à equidade. O
problema não é fácil de resolver, nem isento de perigos. É difícil,
efetivamente, precisar com exatidão os direitos e os deveres que devem, ao
mesmo tempo, reger a riqueza e o proletariado, o capital e o trabalho. Por
outro lado, o problema não é sem perigos, porque não poucas vezes homens
turbulentos e astuciosos procuram desvirtuar e aproveitam-no para excitar as
multidões e fomentar desordem. CAUSAS DOS
CONFLITOS. 1. Em todo caso, estamos
persuadidos, e todos concordam nisto, que é necessário, com medidas prontas e
eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que
eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria
imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por alguma coisa, as
corporações antigas, que eram para eles uma proteção; os princípios e o
sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e
assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto,
com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça de
uma concorrência desenfreada. A usura voraz veio condenar ainda mais o mal.
Condenada muitas vezes pelo julgamento da Igreja, não tem deixado de ser
praticada sob outra forma por homens, ávidos de ganância, e de insaciável
ambição. A tudo isso deve acrescentar-se o monopólio do trabalho e dos papéis
de crédito, que se tornaram um quinhão de um pequeno número de ricos e de
opulentos, que impõe assim um julgo quase servil à imensa multidão dos
operariados. A SOLUÇÃO SOCIALISTA.
2. Os socialistas, para curar este mal, instigam
nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de
bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer
dever ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os
Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e está
igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporcionam entre os
cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas
semelhante teoria, longe de ser capaz de por termo ao conflito, prejudicaria ao
operário se fosse posto em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar
os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender
para a subversão social. A PROPRIEDADE
PARTICULAR. 3. De fato, como é fácil
perceber, a razão intrínseca do trabalho, o fim imediato visado pelo
trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como
pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e à sua
indústria, não é evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que
possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu
trabalho não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito, e rigoroso
para usar dele como entender. Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou
a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega,
por exemplo, num campo, torna-se evidente que esse campo não é outra coisa
senão o salário transformado: o terreno assim adquirido torna-se propriedade do
artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê
que é precisamente nisso que consiste o direito de propriedade mobiliária?
Assim, essa conversão em propriedade particular em propriedade coletiva, tão
preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos
operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição de seu salário e
roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda possibilidade de
engrandecerem o seu patrimônio e melhorarem a sua situação. 4. Mas, e isso parece ainda mais grave, o remédio
proposto está em oposição flagrante com a justiça, porque a propriedade
particular e pessoal é, para o homem, de direito natural. Há, efetivamente,
sobre esse ponto de vista, uma grandíssima diferença entre o homem e os animais
destituídos de razão. Estes não se governam a si mesmos; são dirigidos e
governados pela natureza, mediante um duplo instinto, que, por um lado,
conserva a sua atividade sempre viva e lhes devolve as forças, por outro,
provoca e circunscreve ao mesmo tempo cada um dos seus movimentos. O primeiro
instinto leva-os à conservação e à defesa da sua própria vida; o segundo, à
propagação da espécie; e este duplo resultado obtêm-no facilmente pelo uso das
coisas presentes e postas ao seu alcance. Por outro lado, seriam incapazes de
transpor esses limites, porque são movidos pelos sentidos e por cada objeto
particular que os sentidos percebem. Muito diferente é a natureza humana.
Primeiramente, no homem reside, em sua perfeição, toda virtude da natureza
sensitiva, e desde logo lhe pertence, não menos que a esta, gozar dos objetos
físicos e corpóreos. Mas a vida sensitiva ainda mesmo possuída em toda a sua
plenitude, não só não abraça toda a natureza humana, mas é - lhe muito inferior
e própria para lhe obedecer e ser-lhe sujeita. O que em nós se avantaja, o que nos
faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a
inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não
só a faculdade geral de usar das coisas exteriores, mas ainda o direito estável
e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que
permanecem depois de nos terem servido. USOS
COMUNS DOS BENS CRIADOS E PROPRIEDADE PARTICULAR DELES. 6. Uma consideração mais profunda da natureza humana
vai sobressair melhor ainda essa verdade. O homem abrange pela sua inteligência
uma infinidade de objetos, e às coisas presentes acrescenta e prende as coisas
futuras; além disso é, senhor das suas ações; também sob a direção da lei
eterna e sob o governo universal da Providência divina, ele é, de algum modo para
si a sua lei e a sua providência. É por isso que tem o direito de escolher as
coisas que julgar mais aptas, não só para prover o presente, mas ainda o
futuro. De onde se segue que deve ter sob seu domínio não só os produtos da
terra, mas também a própria terra, que, pela sua fecundidade, ele vê estar
destinada a ser sua fornecedora no futuro. As necessidades do homem repetem-se
perpetuamente: satisfeitas hoje, renascem amanhã com novas exigências. Foi
preciso, portanto, para que ele pudesse realizar o seu direito em todo o tempo,
que a natureza pusesse à sua disposição um elemento estável e permanente, capaz
de lhe fornecer perpetuamente os meios. Ora esse elemento só podia ser a terra,
com os seus recursos sempre fecundos. E não se apele para a providência do
Estado, porque o Estado é posterior ao homem, e antes que ele pudesse formar-se
já o homem já havia recebido da natureza o direito de viver e proteger a sua
existência. Não se opunha também à legitimidade da propriedade particular o
fato de que Deus concedeu a terra a todo o gênero humano para o gozar, porque
Deus não a concedeu aos homens para que a dominasses confusamente todos juntos.
Tal não é o sentido dessa verdade. Ela significa, unicamente, que Deus não
assinou uma parte a nenhum homem em particular, mas quis deixar a limitação das
propriedades à indústria humana e às instituições dos povos. Aliás, posto que
dividida em propriedades particulares, a terra não deixa de servir à utilidade
comum de todos, atendendo a que ninguém há entre os mortais que não se alimente
do produto dos campos. Quem os não tem, supre-os pelo trabalho, de maneira que
se pode afirmar, com toda a verdade, que o trabalho é o meio universal de
prover às necessidades da vida, quer ele se exerça num terreno próprio, quer em
alguma arte lucrativa cuja a remuneração, apenas, sai dos produtos múltiplos da
terra, com os quais ela se comuta. De tudo isso resulta, mais uma vez, é
plenamente conforme à natureza. A terra, sem dúvida, fornece ao homem com
abundância as coisas necessárias para a conservação da sua vida e ainda para o
seu aperfeiçoamento, mas não poderia fornecê-las sem a cultura e sem os
cuidados do homem. Ora, que faz o homem consumindo os recursos do seu espírito
e as forças dos seu corpo em procurar esses bens da natureza? Aplica, para
assim dizer, a si mesmo a porção da natureza corpórea que cultiva e deixa nela
como que um certo cunho da sua pessoa, a ponto que, com toda a justiça, esse
bem será possuído de futuro como seu, e não será lícito a ninguém violar o seu
direito de qualquer forma que seja. 7. A
força destes raciocínios é de uma evidência tal, que chegamos a admirar como
certos partidários de velhas opiniões podem ainda contradizê-los, concedendo
sem dúvida ao homem particular o uso do solo e os frutos dos campos, mas
recusando o direito de possuir, na qualidade de proprietário, esse solo em que
edificou, a porção da terra que edificou. Não vem que despojam assim esse homem
dos fruto dos seu trabalho; porque, afinal, esse campo amanhado com arte pela
mão do cultivador, mudou completamente de natureza: era selvagem, ei-lo
arroteado; de infecundo, tornou-se fértil; o que o tornou melhor, está inerente
ao solo e confunde-se de tal forma com ele, que em grande parte seria
impossível separá-lo. Suportaria a justiça que um estranho viesse atribuir-se
esta terra banhada pelo suor de que a cultiva. Do mesmo modo que o efeito segue
a causa, assim é justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhador. É, pois, com razão, que a universalidade do gênero
humano, sem se deixar mover pelas opiniões contrárias dum pequeno grupo,
reconhece, considerando atentamente a natureza, que nas suas leis reside o
primeiro fundamento da repartição dos bens e das propriedades particulares; foi
com razão que que o costume de todos os séculos sancionou uma situação tão
conforme à natureza do homem e à vida tranquila e pacífica das sociedades. Por
seu lado, as leis civis, que tiram o seu valor (veja-se Santo Tomás de Aquino
(1225-1274), Sum. Teo. I-II, q.95, a. 4), quando são justas, da lei natural,
confirmam esse mesmo direito e protegem-no pela força. Finalmente, a autoridade das leis divinas vem pôr o
seu selo, proibindo, sob pena gravíssima, até mesmo o desejo do que pertence
aos outros: "Não desejarás a mulher do teu próximo, nem o seu boi, nem a
sua serva, nem o seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença"
(Deuteronômio 5, 21). A FAMÍLIA E O
ESTADO. 8. Entretanto, esses direitos,
que são inatos a cada homem considerado isoladamente, apresentam-se mais
rigorosos ainda, quando se consideram nas suas relações e na sua conexão com os
deveres da vida doméstica. Ninguém põe em dúvida que, na escolha de um gênero
de vida, seja lícito cada um seguir o conselho de Jesus Cristo sobre a
virgindade, ou contrair um laço conjugal. Nenhuma lei humana poderia apagar de
qualquer forma o direito natural e primordial de todo homem ao casamento, nem
circunscrever o fim principal para que êle foi estabelecido desde a origem:
"Crescei e multiplicai-vos"(Gênesis) 1,28). Eis, pois, a família,
isto é, a sociedade doméstica, sociedade muito pequena certamente, mas real e
anterior a toda sociedade civil, à qual, desde logo, será forçosamente
necessário atribuir certos direitos certos deveres absolutamente independentes
do Estado. Assim, este direito de propriedade que Nós, em nome da natureza,
reivindicamos para o indivíduo, é preciso agora transferi-lo para o homem
constituído chefe de família. Isto não basta: passando para a sociedade
doméstica, este direito adquiri aí tanto maior força quanto mais extensão lá
recebe a pessoa humana. A natureza não impõe somente ao pai família o dever
sagrado de alimentar e sustentar os seus filhos; vai mais longe. Como os filhos
refletem a fisionomia de seus pais e são uma espécie de prolongamento da sua
pessoa, a natureza inspira-lhe o cuidado do seu futuro e a criação dum
patrimônio que os ajude a defender-se, na perigosa jornada da vida, contra
todas as surpresas da má fortuna. Mas, esse patrimônio poderá ele criá-lo sem a
aquisição e a posse de bens permanentes e produtivos que possa transmitir-lhes
por via da herança? Assim como a sociedade civil, a família, conforme atrás
dissemos, é uma sociedade propriamente dita, com a sua autoridade e o seu
governo paterno, é por isso que sempre indubitavelmente na esfera que determina
o seu fim imediato, ela goza, para a escolha e uso de tudo o que exige a sua
conservação e o exercício duma justa independência, de direitos pelo menos
iguais aos da sociedade civil. Pelo menos iguais dizemos Nós, porque a
sociedade doméstica tem sobre a sociedade civil uma prioridade lógica e uma
prioridade real, de que participam necessariamente os seus direitos e os seus
deveres. E se os indivíduos e as famílias, entrando na sociedade, nela achassem
em, vez de apoio, um obstáculo, em vez de proteção uma diminuição de seus
direitos, dentro em pouco a sociedade seria mais para evitar do que para
procurar. Querer, pois, que o poder civil
invada arbitrariamente o santuário da família, é um erro grave e funesto.
Certamente, se existe algures uma família que se encontre numa situação
desesperada e que faça esforços vãos para sair dela, é justo que, em tais
extremos, o poder público venha em seu auxílio, porque cada família é um membro
da sociedade. Da mesmo forma, se existe um lar doméstico que seja teatro de
graves violações dos direitos mútuos, que o poder público intervenha para
restituir a cada um os seus direitos. Não é isto usurpar, as atribuições dos
cidadãos, mas fortalecer os seus direitos, protegê-los e defendê-los como
convém. Todavia, a ação daqueles que presidem o poder público não deve ir mais
além; a natureza proíbe-lhes ultrapassar esses limites. A autoridade paterna
não podia ser abolida, nem absorvida pelo Estado, porque ela tem uma origem
comum com a vida humana. "Os filhos são alguma coisa de seu pai"; são
de certa forma uma extensão de sua pessoa, e, para falar com justiça não é
imediatamente por si que eles se agregam e se incorporam na sociedade civil,
mas por intermédio da sociedade doméstica em que nasceram. Porque os
"filhos são naturalmente alguma coisa de seu pai (...) devem ficar sob a
tutela dos pais até que tenham adquirido o livre arbítrio" (Santo Tomás
Sum. Teol. II – II, q. 10, a. 12). Assim, substituindo a providência paterna
pela providência do Estado, os socialistas vão contra a justiça natural e
quebram os laços de família. O comunismo, princípio de empobrecimento. 9. Mas, além da injustiça de seu sistema, vem-se bem
todas as suas funestas consequências, a perturbação em todas as classes da
sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta
aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias;
o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como consequência
necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, no lugar dessa igualdade
tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria. Por tudo o que
Nós acabamos de dizer, se compreende que a teoria socialista da propriedade
coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que
se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como
desnaturando as funções do Estado, e perturbando a tranquilidade pública.
Fique, pois, bem assente que o princípio fundamental a estabelecer para aqueles
que querem sinceramente o bem do povo, é a inviolabilidade da propriedade
particular. Expliquemos agora onde convém procurar o remédio tão desejado.
A IGREJA E A QUESTÃO SOCIAL. 10. É com toda a confiança que nós abordamos este
assunto, e em toda a plenitude de Nosso direito; porque a questão de que se
trata é de tal natureza, que, a não se apelar para a religião e para a Igreja,
e impossível encontrar-lhe uma solução eficaz. Ora, como é principalmente a nós
que estão confiadas a salvaguarda da religião e a dispersão do que é de domínio
da Igreja, calarmo-nos seria aos olhos de todos trair o Nosso dever. Certamente
uma questão desta gravidade demanda ainda de outros a sua parte de atividade e
de esforços: isto é, dos governantes, dos senhores e dos ricos, e dos próprios
operários, de cuja sorte se trata. Mas, o que nós afirmamos sem hesitação, é a
inanidade da sua ação fora da Igreja. É a Igreja, efetivamente, que haure no
Evangelho doutrinas capazes ou de pôr termo ao conflito ou ao menos de o
suavizar, expurgando-o de tudo o que ele tenha de severo e áspero; a Igreja,
que não se contenta em esclarecer o espírito de seus ensinos, mas também se
esforça em regular, de harmonia com eles a vida e os costumes de cada um; a
Igreja, que, por uma multidão de instituições eminentemente benéficas, tende a
melhorar a sorte das classes pobres; a Igreja, que quer e deseja ardentemente
que todas as classes empreguem em comum as suas luzes e as suas forças para dar
à questão operária a melhor solução possível; a Igreja, enfim, que julga que as
leis e a autoridade pública devem levar a esta solução, sem dúvida com medida e
com prudência, a sua parte do concurso. Não luta, mas concórdia das classes.
11. O primeiro princípio é que o homem deve
aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos
sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os
socialistas; mas contra a natureza, todos os esforços são vãos. Foi ela,
realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão múltiplas como
profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de
força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das
condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos,
tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um
organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os
homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença de suas
respectivas condições. Pelo que diz respeito ao trabalho em particular, o
homem, mesmo no estado de inocência, não era destinado a viver na ociosidade,
mas, ao que a vontade teria abraçado livremente como exercício agradável, a necessidade
lhe acrescentou, depois do pecado, o sentimento da dor e o impôs como uma
expiação: "A terra será maldita por tua causa; é pelo trabalho que tirarás
com que alimentar-te todos os dias da vida" (Genesis 3, 17). O mesmo se dá
com todas as outras calamidades que caíram sobre o homem: neste mundo as
calamidades não terão fim nem tréguas, porque os funestos frutos do pecado são
amargos, acres, acerbos, e acompanham necessariamente o homem até o derradeiro
suspiro. Sim, a dor e o suspiro são o apanágio da humanidade, e os homens
poderão ensaiar tudo, tudo tentar para os banir; mas não o conseguirão nunca,
por mais recursos que empreguem, e por maiores forças que para isso
desenvolvam. Se há quem, atribuindo-se o poder fazê-lo, prometa ao pobre uma vida
isenta de sofrimentos e de trabalhos, toda de repouso e de perpétuos gozos,
certamente ilude o povo e lhe prepara laços, onde se ocultam, para o futuro,
calamidades mais terríveis que as do presente. O melhor partido consiste em ver
as coisas tais quais são, e, como dissemos, em procurar um remédio que possa
aliviar os nossos males. O erro capital na questão presente é crer que as duas
classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os
ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma
aberração tal, que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente
oposta, porque assim como no corpo humano os membros, apesar da sua
diversidade, se adaptam maravilhosamente uns aos outros, de modo que formam um
todo exatamente proporcionado e que se poderá chamar simétrico, assim também,
na sociedade, as duas classes estão destinadas pela natureza a unirem-se
harmoniosamente e a conservarem-se mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas tem
imperiosa necessidade uma da outra: não pode haver capital sem trabalho, nem
trabalho sem capital. A concórdia traz consigo a ordem e a beleza; ao
contrário, dum conflito perpétuo só podem resultar confusão e lutas selvagens.
Ora, para dirimir este conflito e cortar o mal na sua raiz, as Instituições
possuem uma virtude admirável e múltipla. E,
primeiramente, toda a economia das verdades religiosas, de que a Igreja é
guarda e intérprete, é de natureza a aproximar e reconciliar os ricos e os
pobres, lembrando às duas classes os seus deveres mútuos e, primeiro que todos
os outros, os que derivam da justiça. OBRIGAÇÕES
DOS OPERÁRIOS E DOS PATRÕES. 12. Entre
estes deveres, eis aqueles que dizem respeito ao pobre e ao operário: deve
fornecer integralmente e fielmente todo o trabalho a que se comprometeu por
contrato livre e conforme à equidade; não deve lesar o seu patrão, nem nos seus
bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de
violências, e nunca revestirem a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos
que, nos seus discursos artificiosos, lhes sugerem esperanças exageradas e lhes
fazem grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das
fortunas. Quanto aos ricos e aos patrões,
não devem tratar o operário como escravo, mas respeitar nele a dignidade do
homem, realçada ainda pela do cristão. O trabalho do corpo, pelo testemunho
comum da razão e da filosofia cristã, longe de ser um objeto de vergonha, faz
honra ao homem, porque lhe fornece um nobre meio de sustentar a sua vida. O que
é vergonhoso e desumano e usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e
não os estimar senão na proporção do vigor dos seus braços. O cristianismo,
além disso, prescreve que se tenham em consideração os interesses espirituais
do operário e o bem da sua alma. Aos patrões compete velar para que a isto seja
dada plena satisfação, que o operário, não seja entregue à sedução e às
solicitações corruptoras, que nada venha enfraquecer o espírito de família, nem
os hábitos de economia. Proíbe também aos patrões que imponham aos seus
subordinados um trabalho superior às suas forças ou em desarmonia com a sua
idade ou o seu sexo. Mas entre os deveres
principais do patrão, é necessário colocar, em primeiro lugar, o de dar a cada
um o salário que convém. Certamente, para fixar a justa medida do salário, há
numerosos pontos de vista a considerar. Duma maneira geral, recordem-se o rico
e o patrão de que explorar a pobreza e a miséria, e especular com a indigência,
são coisas igualmente reprovadas pelas leis divinas e humanas; que cometeria um
crime de clamar vingança ao céu quem defraudasse a qualquer pessoa no preço dos
seus labores: "Eis que o salário, que tendes extorquido por fraude aos
vossos operários, clama contra vós; e o seu clamor subiu até os ouvidos dos Deus
dos Exércitos" (Tiago 5, 4). Enfim os ricos devem precaver-se
religiosamente de todo o ato violento, toda a fraude, toda a manobra usurária
que seja de natureza a atentar contra a economia do pobre, e isto mais ainda,
este é menos apto para defender-se, e porque os seus haveres, por serem de
mínima importância, revestem um caráter mais sagrado. A obediência a estas
leis, - perguntamos Nós, não bastaria só, de per si, para fazer cessar todo o
antagonismo e suprimir as causas? 13. Todavia a Igreja, instruída e dirigida
por Jesus Cristo, eleva as suas vistas ainda mais alto; propões um corpo de
preceitos mais completos, porque ambiciona estreitar a união das duas classes
até as unir uma à outra por laços de verdadeira amizade. Ninguém pode Ter
verdadeira inteligência da vida mortal, nem estimá-la no seu justo valor, se
não se eleva à consideração da outra vida que é imortal. Suprimi esta, e
imediatamente toda a forma e toda verdadeira noção de honestidade desaparecerá;
mais ainda: todo o universo se tornará um impenetrável mistério. Quando
estivermos abandonado esta vida, então somente começaremos a viver; esta
verdade que a mesma natureza ensina, é um dogma cristão sobre o qual assenta,
como sobre o seu primeiro fundamento, toda a economia de religião. Não, Deus
não nos fez para essas coisas frágeis e caducas, mas para as coisas celestes e
eternas; não nos deu esta terra como nossa morada fixa, mas como lugar de
exílio. Que abundeis em riquezas e outros bens, chamados bens de fortuna, ou
que estejais privados deles, isto nada importa à eterna beatitude: o uso que
fizerdes deles é o que interessa. Pela sua superabundante redenção, Jesus
Cristo não suprimiu as aflições que formam quase toda a trama da vida mortal:
fez delas estímulos de virtude e fontes de mérito, de sorte que não há homem
que possa pretender as recompensas eternas se não caminhar sobre os traços
sanguinolentos de Jesus Cristo: "Se sofremos com ele, com ele
reinaremos" (2 Timóteo 2, 12). Por outra parte, escolhendo ele mesmo a
cruz e os tormentos, minorou singularmente o peso e as amarguras, e , a fim de
nos tornar mais suportável o sofrimento, ao exemplo acrescentou a sua graça e a
promessa de uma recompensa sem fim: "Porque o momento tão curto e tão
ligeiro das aflições, que sofremos nesta vida, produz em nós o peso eterno de
uma glória soberana incomparável" (2 Coríntios 4, 17). Assim, os
afortunados deste mundo são advertidos que as riquezas não os isentam da dor;
que elas não são de nenhuma utilidade para a vida eterna, mas antes um obstáculo
(Mateus 19, 32-24); que eles devem tremer diante das ameaças severas que Jesus
Cristo profere contra os ricos (Lucas 6, 24-25); que, enfim virá o dia em que
deverão prestar a Deus, seu juiz, rigorosíssimas contas do uso que hajam feito
de sua fortuna. POSSE E USO DAS RIQUEZAS.
14. Sobre o uso das riquezas, já a pura
filosofia pôde delinear alguns ensinamentos de suma excelência e suma
importância; mas só a Igreja o pode dar a sua perfeição e fazê-los descer do
conhecimento `a prática. O fundamento dessa doutrina está na distinção da justa
posse das riquezas e o seu legítimo uso. A
propriedade particular, já o dissemos mais acima, é de direito natural para o
homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem
vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária (Santo Tomás, Sum. Teo.,
II – II, q. 66 a. 2). Agora, se se pergunta em que é necessário fazer consistir
o uso dos bens, a Igreja responderá sem hesitação: "A esse respeito o
homem não deve ter as coisas exteriores por particulares, mas sim por comuns,
de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. É
por isso que o Apóstolo disse: "Ordena aos ricos do século ... dar
facilmente, comunicar as suas riquezas" (Santo Tomás, Sum. Teo., q. 65 a.
2). Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do
necessário, nem do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as
conveniências ou a descendência impõe à sua pessoa: "Ninguém com efeito
deve viver contrariamente às conveniências"(Santo Tomás, Sum. Teo., II-II,
q. 32 a.6). Mas desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao
decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dois pobres: "Do supérfluo
daí esmolas" (Lucas 11, 41). Ë um dever, não de estrita justiça, exceto nos
casos de extrema necessidade, mas de caridade cristã, um dever, por
consequência, cujo cumprimento se não pode conseguir pelas vias da justiça
humana. Mas, acima dos juízos do homem e das leis, há a lei e o juízo de Jesus
Cristo, que nos persuade de todas as maneiras a dar habitualmente esmolas:
"É mais feliz", diz ele, "aquele que dá do que aquele que
recebe" (Atos 20,35), é o Senhor terá como dada ou recusada, a si mesmo a
esmola que se haja dada ou recusada aos pobres: "Todas as vezes que
tenhais dado a esmola a um de meus irmão é a mim que haveis dado" (Mateus
25, 40). Eis, aliás, em algumas palavras, resumo desta doutrina: Quem quer que
tenha recebido da Divina bondade maior abundância, quer de bens externos e do
corpo, quer de bens da alma, recebeu-os com o fim de os haver servir ao seu
próprio aperfeiçoamento, e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao
alívio dos outros. "É por isso, que quem tiver o talento da palavra, tome
o cuidado em se não calar; quem possuir superabundância de bens, não deixe a misericórdia
entumecer-se no fundo do seu coração; quem tiver a arte de governar, aplique-se
com cuidado a partilhar dela com seu irmão o exercício e os frutos" (São
Gregório Magno, século VII, in Evang. Hom. IX, n. 7). DIGNIDADE DO TRABALHO. 15. Quanto aos deserdados da fortuna, aprendam da Igreja que, segundo o
juízo do próprio Deus, a pobreza não é um opróbrio, e que não se deve corar por
ter que ganhar o seu pão do suor do seu rosto. Ele, que de muito rico que era,
se fez indigente" (2 Coríntios 8, 9) para a salvação dos homens; que,
filho de Deus e Deus ele mesmo, quis passar aos olhos do mundo por filho de um
artífice; que chegou até a consumir grande parte de sua vida em trabalho
mercenário: "Não é ele o carpinteiro, filho de Maria" (Mateus 6, 3).
Quem tiver em sua frente o modelo divino, compreenderá mais facilmente o que
Nós vamos dizer: que a verdadeira dignidade do homem e a sua excelência reside
em seus costumes, isto é, na sua virtude; que a virtude é o patrimônio comum
dos mortais, ao alcance de todos, dos pequenos e dos grandes, dos pobres e dos
ricos; só a virtude e os méritos, seja qual for a pessoa em quem se encontrem,
obterão a recompensa da eterna felicidade. Mais ainda: é para as classes
desafortunadas que o coração de Deus parece inclinar-se mais. Jesus Cristo
chama aos pobres de bem-aventurados (Mt 5, 3): convida com amor a virem a ele,
a fim de consolar a todos os que sofrem e que choram (Mateus 11, 18); abraça
com caridade mais terna os pequenos e os oprimidos. Estas doutrinas foram, sem
dúvida alguma, feitas para humilhar a alma altiva do rico e torná-lo mais
condescendente, para reanimar a coragem daqueles que sofrem e inspirar-lhes
resignação. Com elas se acharia diminuído um abismo procurado pelo orgulho, e
se obteria sem dificuldades que as duas classes se desses as mãos e as vontades
se unissem na mesma amizade. COMUNHÃO DE
BENS DE NATUREZA E DE GRAÇA E DE GRAÇAO. 16.
Mas ainda é demasiado pouco a simples amizade: se se obedecer os preceitos do
cristianismo, será no amor fraterno que a união se operará. De uma parte e
doutra, se saberá e compreenderá que os homens são todos absolutamente nascidos
de Deus, seu Pai comum; que Deus é o seu único e comum fim, que ele só é capaz
de comunicar aos anjos e aos homens uma felicidade perfeita e absoluta; que
todos eles foram igualmente resgatados por Jesus Cristo e restabelecidos por
ele na sua dignidade de filhos de Deus, e que assim um verdadeiro laço de
fraternidade os une, quer entre si, quer a Cristo, seu Senhor que é "o
primogênito de muitos irmãos" (Romanos 8, 29). Eles saberão, enfim, que
todos os bens da natureza, todos os tesouros da graça, pertencem em comum e
indistintamente a todos do gênero humano, e que só os indignos são deserdados
dos bens celestes: "Se vós sois filhos, sois também herdeiros, herdeiros
de Deus, co-herdeiros de Jesus Cristo" (Romanos 8, 17). Tal é a economia dos direitos e dos deveres que ensina
a filosofia cristã. Não se veria em breve prazo restabelecer-se a pacificação,
se estes ensinamentos pudessem vir a prevalecer nas sociedades? EXEMPLO E MAGISTÉRIO DA IGREJA. 17. Entretanto, a Igreja não se contenta com indicar o
caminho que leva à salvação; ela conduz a esta e aplica por sua própria mão ao
mão o conveniente remédio. Ela dedica-se toda a ensinar e a educar os homens
segundo os seus princípios e a sua doutrina, cujas águas vivificantes ela tem o
cuidado de espalhar, tão longe e tão largamente quanto lhe é possível, pelo
ministério dos Bispos e do Clero. Depois, esforça-se por penetrar nas almas e
por obter das vontades que se deixam conduzir e governar pela regra dos
preceitos divinos. Este ponto é capital e de grandíssima importância, porque
encerra como que o resumo de todos os interesses que estão em litígio, e aqui a
ação da Igreja é soberana. Os instrumentos de que ela dispões para tocar as
almas, recebeu-os para este fim, de Jesus Cristo, e trazem em si a eficácia
duma virtude divina. São os únicos aptos a penetrar até às profundezas do
coração humano, que são capazes de levar o homem a obedecer às imposições do
dever, a dominar suas paixões, amar a Deus e a seus próximo com uma caridade
sem limites, a esmagar corajosamente todos os obstáculos que dificultam o seu
caminho na estrada da virtude. Neste
ponto, basta passar ligeiramente em revista pelo pensamento os exemplos da
antiguidade. As coisas e fatos que vamos lembrar estão isentos de controvérsia.
Assim não é duvidoso que a sociedade civil foi essencialmente renovada pelas
instituições cristãs, que está renovação teve por efeito elevar o nível do gênero
humano, ou, para melhor dizer, chamá-lo da morte à vida, e guindá-lo a um alto
grau de perfeição, como se não viu semelhante nem antes nem depois, e não se
verá jamais em todo o decurso dos séculos. Que, enfim, destes benefícios foi
Jesus Cristo o princípio, e deve ser o seu fim: porque assim como tudo partiu
dele, assim também tudo lhe deve ser referido. Quando, pois, o Evangelho raiou
no mundo, quando os povos tiveram conhecimento do grande mistério da encarnação
do Verbo e da redenção dos homens, a vida de Jesus Cristo, Deus e homem,
invadiu as sociedades e impregnou-as inteiramente com a sua fé, com as suas
máximas e as suas leis. É por isso que se a sociedade humana deve ser curada,
não o será senão pelo regresso à vida e às instituições do cristianismo. A quem
quer regenerar uma sociedade qualquer em decadência, se prescreve com razão que
a conduza às suas origens ( também Maquiavel, Discursi, III, 1, afirma este
princípio). Porque a perfeição de toda a sociedade consiste em prosseguir e
atingir o fim para o qual foi fundada, de modo que todos os movimentos e todos
os atos da vida social, nasçam do mesmo princípio de onde nasceu a sociedade.
Por isso, afastar-se do fim é caminhar para a morte e voltar a ele é readquirir
a vida. E o que Nós dizemos de todo o corpo social aplica-se igualmente a essa
classes de cidadãos que vivem de seu trabalho e que formam a grandíssima
maioria. Nem se pensa que a Igreja se
deixa absorver de tal modo pelo cuidado das almas, que põe de parte o que se
relaciona com a vida terrena e mortal. Pelo que em particular diz respeito à
classe dos trabalhadores, ela faz todos os esforços para os arrancar à miséria
e procurar-lhes uma sorte melhor. E, certamente não é um fraco apoio que ele dá
a esta obra só pelo fato de trabalhar, por palavras e atos, para reconduzir os
homens à virtude. Os costumes cristãos, desde que entram em ação, exercem
naturalmente sobre a prosperidade temporal a sua parte de benéfica influência;
porque eles atraem o favor de Deus, princípio e fonte de todo o bem; comprimem
o desejo excessivo das riquezas e a sede dos prazeres, esses dois flagelos que
freqüentes vezes lançam a amargura e o desgosto no seio da opulência (1 Tim 6,
10); contentam-se enfim com uma vida e uma alimentação frugal, e suprem pela
economia a modicidade do rendimento, longe desses vícios que consomem não só as
pequenas, mas as grandes fortunas, e dissipam os maiores patrimônios. A IGREJA E A CARIDADE DURANTE OS SÉCULOS. 18. A Igreja, além disso, provê também diretamente à
felicidade das classes deserdadas, pela fundação e sustentação das instituições
que ele julga próprias para aliviar a sua miséria; e, mesmo neste gênero de
benefícios, ela tem sobressaído de tal modo, que os seus próprios inimigos lhe
fizeram o seu elogio. Assim entre os primeiros cristãos, era tal a virtude da
caridade mútua, que não raro via-se os ricos despojarem-se de seu patrimônio em
favor dos pobres. Por isso a indigência não era conhecida entre eles (Atos 4,
34); os Apóstolos tinham confiado aos Diáconos, cuja ordem fora especialmente
instituída para esse fim, a distribuição cotidiana das esmolas, e o próprio São
Paulo apesar de absorvido por uma solicitude que abraçava todas as Igrejas, não
hesitava em empreender penosas viagens para ir em pessoa levar socorros aos cristãos
indigentes. Socorros do mesmo gênero eram oferecidos espontaneamente oferecido
pelos fiéis em cada uma das suas assembleias: o que Tertuliano chama os
"depósitos da piedade", porque eram empregados "em sustentar e
inumar as pessoas indigentes, os órfãos pobres de ambos os sexos, os domésticos
velhos, as vítimas de naufrágio" (Apol II, 39). Eis como pouco a pouco se formou esse patrimônio, que
a Igreja sempre guardou com religioso cuidado como um bem próprio da família
dos pobres. Ela chegou até a assegurar socorros aos infelizes, poupando-lhes a
humilhação de estender a mão; porque esta mãe comum dos ricos e dos pobres,
aproveitando maravilhosamente rasgos de caridade que ela havia provocado por
toda a parte, fundou sociedades religiosas e uma multidão de outras
instituições úteis, que, pouco tempo depois, não deviam deixar sem alívio
nenhum gênero de miséria. Há hoje, sem
dúvida, um certo número de homens que, fiéis ecos dos pagãos de outrora, chegam
a fazer, mesmo dessa caridade tão maravilhosa, uma arma para atacar a Igreja; e
viu-se uma beneficência estabelecida pelas leis civis substituir-se à caridade
cristã; mas esta caridade, que se dedica toda e sem pensamento reservado à
utilidade do próximo, não pode ser suprida por nenhuma invenção humana. Só a
Igreja possui essa virtude, porque não se pode haurir senão no Sagrado Coração
de Jesus Cristo, e é errar longe de Jesus Cristo estar afastado da sua Igreja.
O CONCURSO DO ESTADO. 19. Todavia não há dúvida de que, para obter o
resultado desejado, não é demais recorrer aos meios humanos. Assim, todos
aqueles a quem a questão dizem respeito, devem visar ao mesmo fim e trabalhar
de harmonia cada um na sua esfera. Nisto há como uma imagem da Providência
governando o mundo: porque nós vemos de ordinário que os fatos e os
acontecimentos que dependem de causas diversas são a resultante da sua ação
comum. Ora, que parte de ação e de remédio temos nós o direito de esperar do
Estado? Diremos, primeiro, que por Estado entendemos aqui, não tal governo
estabelecido entre tal povo em particular, mas todo governo que corresponde aos
preceitos da razão natural e dos ensinamentos divinos, ensinamentos que Nós
mesmos expusemos, especialmente na Nossa Carta Encíclica sobre a constituição
cristã das sociedades (trata-se da Encíclica Immortale Dei). ORIGEM DA PROSPERIDADE NACIONAL. 20. O que se pede aos governantes é um curso de ordem
geral, que consiste em toda a economia das leis e das instituições; queremos
dizer que devem fazer de modo que da mesma organização e do governo da
sociedade brote espontaneamente e sem esforço a prosperidade, tanto pública
como particular. Tal é, com efeito, o ofício da prudência civil e dever próprio
de todos aqueles que governam. Ora, o que torna uma nação próspera, são os
costumes puros, as famílias fundadas sobre bases de ordem e de moralidade, a
prática da religião e o respeito da justiça, uma imposição moderada e uma
repartição equitativa dos encargos públicos, o progresso da indústria e do
comércio, uma agricultura florescente e outros elementos, se os há, do mesmo
gênero; todas as coisas que se não podem aperfeiçoar, sem fazer subir outro
tanto a vida e a felicidade dos cidadãos. Assim como, pois, por todos esses
meios, o Estado pode tornar-se útil às outras classes, assim também pode melhorar
muitíssimo a sorte da classes operária, e isso em todo o rigor do seu direito,
e sem ter a censura de ingerência; porque em virtude mesmo de seu ofício, o
Estado deve servir o interesse comum. E é evidente que, quanto mais se
multiplicarem as vantagens resultantes desta ação de ordem geral, tanto menos
necessidade haverá de recorrer a outros expedientes para remediar a condição
dos trabalhadores. Más há outra consideração que atinge mais profundamente
ainda o nosso assunto. A razão formal de toda sociedade é uma e comum a todos
os seus membros, grandes e pequenos. Os pobres, com o mesmo título que os
ricos, são, por direito natural, cidadãos; isto é, do número das partes vivas
de que se compõe, por intermédio das famílias, o corpo inteiro da nação, para
não dizer que em todas as cidades são o grande número. Como, pois, seria não
razoável prover a uma classe de cidadãos e negligenciar outra, torna-se
evidente que a autoridade pública deve também tornar as medidas necessárias
para salvaguardar a salvação e os interesses da classe operária. Se ela faltar
a isto, viola a estrita justiça que quer que seja dado a cada um seja dado o
que lhe é devido. A esse respeito Santo Tomás de Aquino diz muito sabiamente:
"Assim como a parte e o todo são em certo modo uma mesma coisa, assim o
que pertence ao todo pertence de alguma sorte a cada parte" (Santo Tomás
Sum. Teo., II – II, q. 61 a. 1 ad 2). É por isso que entre os graves e
numerosos deveres dos governantes que querem prover, como convém, ao público, o
principal dever, que domina todos os outros, consiste em cuidar igualmente de
todas as classes de cidadãos, observando rigorosamente as leis da justiça,
chamada distributiva. Mas, ainda que todos os cidadãos, sem exceção, devam
contribuir para a massa dos bens comuns, os quais, aliás por um giro natural,
se repartem de novo entre os indivíduos, todavia, as constituições respectivas
não podem ser nem as mesmas, nem de igual medida. Quaisquer que sejam as
vicissitudes pelas quais as formas do governo são chamadas as passar, haverá
sempre entre os cidadãos essas desigualdades de condições, sem as quais uma
sociedade não pode existir nem conceber-se. Sem dúvida são necessários homens
que governem, que façam as leis, que administrem justiça, que, enfim, por seus
conselhos ou por via da autoridade, administrem os negócios da paz, e as coisas
da guerra. Que estes homens devem ter a preeminência em toda a sociedade e
ocupar nela o primeiro lugar, ninguém o pode duvidar, pois eles trabalham
diretamente para o bem comum e duma maneira tão excelente. Os homens que, pelo
contrário, se aplicam às coisas da indústria, não podem concorrer para este bem
comum nem na mesma medida, nem pelas mesmas vias; mas entretanto, também eles,
ainda que de maneira menos direta, servem muitíssimo os interesses da
sociedade. Sem dúvida alguma, o bem comum, cuja aquisição deve Ter por efeito
aperfeiçoar os homens, é principalmente um bem moral. Mas numa sociedade
regularmente constituída deve encontrar-se ainda uma certa abundância de bens
exteriores "cujo uso é reclamado para o exercício da virtude" ( Santo
Tomas, De regimine princ. I, 15). Ora, a fonte fecunda e necessária de todos
estes bens é principalmente o trabalho do operário, o trabalho dos campos ou da
oficina. Mais ainda, nesta ordem de coisas, o trabalho tem uma tal fecundidade
e tal eficácia que se pode afirmar, sem receio de engano, que ele é a fonte
única de onde procede a riqueza das nações. A equidade manda, pois, que o
Estado se preocupe com os trabalhadores, e proceda de modo que, de todos os
bens que eles proporcionam à sociedade, lhe seja dada uma parte razoável, como
habitação e vestuário, e que possam viver à custa de menos trabalho e privações
(veja-se o noº 12 desta encíclica: Posse e uso das riquezas). De onde resulta
que o Estado deve favorecer tudo o que, de perto ou de longe, pareça de
natureza a melhorar-lhes a sorte. Esta solicitude, longe de prejudicar alguém,
tornar-se-á, ao contrário, proveito de todos, porque importa soberanamente à
nação que homens, que são para ela o princípio de bens tão indispensáveis, não
se encontrem continuamente a braços com os horrores da miséria. O GOVERNO É PARA OS GOVERNADOS E NÃO VICE-VERSA.
21. Dissemos que não é justo que a família ou os
indivíduos sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que
aquele e está tenham a faculdade de proceder com liberdade, contanto que não
atentem contra o bem geral e não prejudiquem ninguém. Entretanto, aos
governantes, pertencem proteger a comunidade e as suas partes: a comunidade,
porque a natureza confiou a sua conservação ao poder soberano, de modo que a
salvação pública não é só aqui a lei suprema, mas a causa mesma e a razão de
ser do principado; as partes, porque, de direito natural, o governo não deve
visar Os aos interesses daqueles que têm o poder nas mãos, mas ainda o bem dos
que lhe estão submetidos. Tal é o ensino da filosofia, não menos que da fé
cristã. Por outra parte, a autoridade vem de Deus e é uma participação da sua
autoridade suprema; desde então, aqueles que são os depositários dela devem
exercê-la à imitação de Deus, cuja paternal solicitude se não estende menos a
cada uma das criaturas em particular do que a todo o seu conjunto. Se, pois, os
interesses gerais, ou o interesse de uma classe em particular, se encontram ou
lesados ou simplesmente ameaçados, e se não for possível remediar ou obviar a
isso de outro modo, é de toda a necessidade recorrer à autoridade pública.
OBRIGAÇÕES E LIMITES DA INTERVENÇÃO DE ESTADO.
22. Ora, importa à salvação comum e particular que a ordem e a paz reinem por
toda a parte; que toda a economia da via doméstica seja regulada segundo os
mandamentos de Deus e os princípios da leis natural; que a religião seja
honrada e observada; que se vejam florescer os costumes públicos e
particulares; que a justiça seja religiosamente guardada, e que nunca uma
classe possa oprimir impunemente a outra; que crescem robustas gerações,
capazes de ser o sustentáculo, e, se necessário for, o baluarte da Pátria. É
por isso que os operários, abandonando o trabalho ou suspendendo-o por greves
ameaçam a tranquilidade pública; que os laços naturais da família afrouxam
entre os trabalhadores; que se calca aos pés a religião dos operários, não lhes
facilitando o comprimento dos deveres para com Deus; que a promiscuidade dos sexos
e outras excitações ao vício constituem nas oficinas um perigo para a
moralidade; que os patrões esmagam os trabalhadores sob o peso de ônus iníquos,
ou desonram neles a pessoa humana por condições indignas e degradantes; que
atentam contra a sua saúde por um trabalho excessivo e desproporcionado com a
sua idade e sexo: com todos esses casos é absolutamente necessário aplicar em
certos limites a força e a autoridade das leis. Estes limites serão pelo mesmo
fim que reclama o socorro das leis, isto é, que eles não devem avançar nem
empreender nada além do que for necessário para reprimir os abusos e afastar os
perigos. Os direitos em que eles se
encontram, devem ser religiosamente respeitados e o Estado deve assegurá-los a
todos os cidadãos, prevenindo ou vingando a sua violação. Todavia, na proteção
dos direitos particulares, deve preocupar-se, de maneira especial, dos fracos e
dos indigentes. A classe rica faz da sua riqueza uma espécie de baluarte e tem
menos necessidade da tutela pública. A classe indigente, ao contrário, sem
riquezas que a ponham a coberto das injustiças, conta principalmente com a
proteção do Estado. Que o Estado se faça, pois, sob um particularíssimo título,
a providência dos trabalhadores, que em geral pertencem à classe pobre (veja o
nº e segs. dessa encíclica). O ESTADO
DEVE PROTEGER A PROPRIEDADE PARTICULAR. 23.
Mas, é conveniente descer expressamente a algumas particularidades. É dever
principalíssimo dos governos o assegurar a propriedade particular por meio de
leis sábias. Hoje especialmente, no meio de tamanho ardor de cobiças
desenfreadas, é preciso que o povo se conserve no seu dever; porque, se a
justiça lhe concede a o direito de empregar os meios de melhorar a sua sorte,
nem a justiça nem o bem público consentem que danifiquem alguém na sua fazenda
nem que se invadam os direitos alheios sob pretexto de não sei que igualdade.
Por certo que a máxima parte dos operários quereria melhorar de condição por
meios honestos sem prejudicar a ninguém; todavia, não poucos há que, embebidos
de máximas falsas e desejosos de novidade, procuram a todo o custo excitar e
impelir os outros a violências. Intervenha, portanto, a autoridade do Estado,
e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e
os legítimos patrões de serem despojados do que é seu. IMPEÇA AS GREVES. 24. O trabalho muito prolongado e
pesado e uma retribuição mesquinha dão, poucas vezes, aos operários ocasião de
greves. É preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e frequente,
porque estas greves causam dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas
também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e
tumultos, a que de ordinário dão ocasião, põem muitas vezes em risco a
tranquilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar
é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a
tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos entre os
operários e patrões. PROTEJA OS BENS DA
ALMA. 25. Muitas outras coisas devem igualmente o Estado proteger ao operário,
e em primeiro lugar os bens da alma. A vida temporal, posto que boa e
desejável, não é o fim para que fomos criados; mas é a via e o meio para
aperfeiçoar, com o conhecimento da verdade e com a prática do bem, a vida do
espírito. O espírito é o que tem em si impressa a semelhança divina, e no qual
reside aquele principado em virtude do qual foi dado ao homem o direito de
dominar as criaturas inferiores e de fazer servir à sua utilidade toda a terra
e todo o mar: "Enchei a terra e tornai-a sujeita, dominai sobre os peixes
do mar e sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a
terra" (Gênesis 1, 28). Nisto todos os homens são iguais, e não há
diferença alguma entre ricos e pobres, patrões e criados, monarcas e súditos,
"porque é o mesmo o Senhor de todos" (Rom 10, 12). A ninguém é lícito
violar impunemente a dignidade do homem, do qual Deus mesmo dispõe com grande
reverência, nem pôr impedimentos, para que ele siga o caminho daquele aperfeiçoamento
que é ordenado para o conseguimento da vida eterna; pois, nem ainda por eleição
livre, o homem pode renunciar a ser tratado segundo a sua natureza e aceitar a
escravidão do espírito; porque não se trata de direitos cujo exercício seja
livre, mas de deveres para com Deus que são absolutamente invioláveis. 26. Daqui vem, como consequência, a necessidade do
repouso festivo. Isto, porém, não quer dizer que se deve estar em ócio por mais
largo espaço de tempo, e muito menos significa uma inação total, como muitos
desejam, e que é fonte de vícios e ocasião de dissipação; mas um repouso
consagrado à religião. Unido à religião, o repouso tira o homem dos trabalhos e
das ocupações da vida ordinária para o chamar ao pensamento dos bens celestes e
ao culto devido à Majestade Divina. Eis aqui a principal natureza e fim do
repouso festivo que Deus, com lei especial, prescreveu ao homem no Antigo
Testamento, dizendo-lhe: "Recorda-te de santificar o sábado" (Êxodo
20, 8); e que ensinou com o seu exemplo, quando no sétimo dia, depois de criado
o homem, repousou: "Repousou no dia sétimo de todas as suas obras que
tinha feito" (Gênesis 2, 2). PROTEÇÃO
DOS TRABALHOS DOS OPERÁRIOS DAS MULHERES E DAS CRIANÇAS. No que diz respeito
aos bens naturais e exteriores, primeiro que tudo é um dever da autoridade
pública subtrair o pobre operário à desumanidade de ávidos especuladores, que
abusam sem nenhuma discrição, das pessoas como das coisas. Não é justo nem
humano exigir do homem tanto trabalho a ponto de fazer pelo excesso de fadiga
embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem, restrita
como a sua natureza, tem limites que se não podem ultrapassar. O exercício e o
uso aperfeiçoam-na, mas é preciso de que quando em quando se suspenda para dar
lugar ao repouso. Não deve, portanto, o trabalho prolongar-se por mais tempo do
que o as forças permitem. Assim, o número de horas do trabalho diário não deve
exceder a força dos trabalhadores, e a quantidade do repouso deve ser
proporcionada à qualidade do trabalho, às circunstâncias do tempo e do lugar, à
compleição e saúde dos operários. O trabalho, por exemplo, de extrair pedra,
ferro, chumbo, e outros materiais escondidos, debaixo da terra, sendo mais
pesado e nocivo à saúde deve ser compensado, com uma duração mais curta.
Deve-se também às estações, porque não poucas vezes um trabalho, que facilmente
se suportaria numa estação, noutra é de fato insuportável ou somente se vence
com dificuldade. 28. Enfim, o que um
homem válido e na força da idade pode fazer, não será equitativo exigi-lo duma
mulher ou duma criança. Especialmente a infância, - e isto deve ser
estritamente observado, - não deve entrar na oficina senão quando a sua idade
tenha suficientemente desenvolvido nela as forças físicas, intelectuais e
morais; do contrário, como uma planta ainda tenra, ver-se-á murchar com
demasiado precoce, e dar-se-á cabo da sua educação. Trabalhos há também que não
se adaptam tanto ã mulher, a qual a natureza destina de preferência aos
arranjos domésticos, que, por outro lado salvaguardam admiravelmente a
honestidade do sexo, e correspondem melhor, pela sua natureza, ao que pede a
boa educação dos filhos e a prosperidade da família. Em geral, a duração do
descanso deve medir-se pelo dispêndio das forças que ele deve restituir. O direito
ao descanso de cada dia assim como à cessação do trabalho no dia do Senhor,
deve ser a condição expressa ou tácita de todo contrato feito entre patrões e
operários. Onde esta condição não entrar, o contrato não será probo, pois
ninguém pode exigir ou prometer a violação dos deveres do homem para com Deus e
para consigo mesmo. O QUANTITATIVO DO
SALÁRIO DOS OPERÁRIOS. 29. Passemos agora
a outro ponta da questão e de não menor importância, que, para evitar os
extremos, demanda uma definição precisa. Referimo-nos à fixação do salário. Uma
vez livremente aceiro o salário por uma e outra parte, assim se raciocina, o
patrão cumpre todos os seus compromissos desde que o pague e não é obrigado a
mais nada. Em tal hipótese, a justiça só será lesada, se ele se recusasse a
saldar a dívida ou o operário a concluir todo o seu trabalho, e a satisfazer as
suas condições; e neste caso, com exclusão de qualquer outro, é que o poder
público teria que intervir para fazer valer o direito de qualquer deles.
Semelhante raciocínio não encontrará um juiz
equitativo que consinta em o abraçar sem reserva, pois não abrange todos os
lados da questão e omite um, deveras importante. Trabalhar é exercer a
atividade com o fim de procurar o que requerem as diversas necessidades do homem,
mas principalmente a sustentação da própria vida. "Comerás o teu pão com o
suor do teu rosto" (Gênesis 3,19). Eis a razão por que o trabalho recebeu
da natureza como um duplo cunho: é pessoal, porque a força ativa é inerente à
pessoa, e porque é propriedade daquele que a exerce e a recebeu para sua
utilidade; e é necessário, porque o homem precisa da sua existência, e porque a
deve conservar para obedecer às ordens irrevogáveis da natureza. Ora, se não se
encarar o trabalho senão pelo seu lado pessoal, não há dúvida de que o operário
pode a seu talante restringir a taxa do salário. A mesma vontade que dá o
trabalho, pode contentar-se com uma pequena remuneração ou mesmo não exigir
nenhuma. Mas já é outra coisa, se ao caráter de personalidade se juntar o de
necessidade, que o pensamento pôde abstrair, mas que na realidade não se pode
separar. Efetivamente, conservar a existência é um dever imposto a todos os
homens e ao qual se não podem subtrair sem crime. Deste dever nasce
necessariamente o direito de procurar as coisas necessárias à subsistência, e
que o pobre as não procure senão mediante o salário do seu trabalho. Façam, pois, o patrão e o operário todas as convenções
que lhes aprouver, cheguem inclusive a acordar na cifra do salário; acima da
sua livre vontade está uma lei de justiça natural, mais elevada e mais antiga,
a saber, que o salário não deve ser insuficiente para assegurar a subsistência
do operário sóbrio e honrado. Mas se, constrangido pela necessidade ou forçado
pelo receio dum mal maior, aceita condições duras que por outro lado lhe não
seria permitido recusar, porque lhe são impostas pelo patrão ou por quem faz
oferta do trabalho, então é isto sofrer uma violência contra a qual a justiça
protesta. Mas, sendo de temer que nestes
casos e em outros análogos, como no que diz respeito às horas diárias de
trabalho e à saúde dos operários, a intervenção dos poderes públicos seja
importuna, sobretudo por causa da variedade das circunstâncias, dos tempos e
dos lugares, será preferível que a solução seja confiada às corporações ou
sindicatos de que falaremos mais adiante ou que se recorra a outros meios de
defender os interesses dos operários, mesmo com o auxílio e apoio do Estado, se
a questão reclamar (veja-se o nº 29 e segs). A ECONOMIA COMO MEIO DE CONCILIAÇÃO DAS CLASSES. 30. O operário que
receber um salário suficiente para ocorrer como desafogo às suas necessidades e
as da sua família, se for avisado, seguirá o conselho que parece dar-lhe a
própria natureza: aplicar-se-á a ser parcimonioso e obrará de forma que, com
prudentes economias, vá juntando um pequeno pecúlio que lhe permita chegar um
dia a adquirir um modesto patrimônio. Já vimos que a presente questão não podia
receber solução realmente eficaz, se se não começasse por estabelecer com o
princípio fundamental a inviolabilidade da propriedade particular. Importa
porém, que as leis favoreçam o espírito da propriedade, o reanimem e
desenvolvam, tanto quanto possível, entre as massas populares. Uma vez obtido este resultado, seria ele a fonte dos
mais preciosos benefícios, e em primeiro lugar duma repartição dos bens
certamente mais equitativa. A violência das revoluções políticas dividiu o
corpo social em duas classes e cavou entre um imenso abismo. Dum lado a
onipotência na opulência: uma facção que, senhora absoluta da indústria e do
comércio, torce o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os
mananciais; facção que aliás têm na sua mão mais dum motor da administração
pública. Do outro, a fraqueza na indigência: uma multidão com a alma
dilacerada, sempre pronta para a desordem. Ah, estimula-se a industriosa
atividade do povo com a perspectiva da sua participação na propriedade do solo,
e ver-se-á nivelar pouco a pouco o abismo que separa a opulência da miséria, e
operar-se a aproximação entre as duas classes. Demais, a terra produzirá tudo
em maior abundância, pois o homem é assim feito: o pensamento de que trabalha
em terreno que é seu redobra o seu ardor e a sua aplicação. Chega a pôr todo o
seu amor numa terra que ele mesmo cultivou, que lhe promete a si e aos seus não
só o estritamente necessário, mas ainda uma certa abastança. Não há quem
descubra sem esforço essa duplicação da atividade sobre a fecundidade sobre a
terra e sobre a riqueza das nações. A terceira atividade será a suspensão do
movimento de emigração: ninguém, com efeito, quereria trocar por uma região
estrangeira a sua pátria e a sua terra natal, se nesta encontrasse os meios de
levar uma vida mais tolerável. Mais uma
condição indispensável para que todas estas vantagens se convertam em
realidades, é que a propriedade particular não seja esgotada por um excesso de
encargos e de impostos. Não é das leis humanas, mas da natureza, que emana o
direito da propriedade individual; a autoridade pública não o pode, pois;
abolir, o que ela pode é regular-lhe e conciliá-lo com o bem comum. É por isso
que ela obra contra a justiça e contra a humanidade quando, sobre o nome de
impostos, sobrecarrega desmedidamente os bens dos particulares.
BENEFÍCIO DAS CORPORAÇÕES. 31. Em último lugar,
que os próprios patrões e operários podem singularmente auxiliar a solução por
meio de todas as obras próprias a aliviar eficazmente a indigência e a operar
uma aproximação entre as duas classes. Deste número são as associações de
socorres mútuos; as diversas instituições, devido à iniciativa particular, que
tem por fim socorrer os operários, bem como as suas viúvas e órfãos, em caso de
morte, de acidentes ou de enfermidades; os patronatos que exercem uma proteção
benéfica para com as crianças dos dois sexos, os adolescentes e os homens
feitos. Mas o primeiro lugar pertence às corporações operárias, que abrangem
quase todas as outras. Os nossos antepassados experimentaram por muito tempo a
benéfica influência destas associações. Ao mesmo tempo que os artistas
encontravam nelas apreciáveis vantagens, as artes receberam delas novo lustre e
nova vida, como o proclama de grandes quantidades de monumentos. Sendo hoje
mais cultas as gerações, mais polidos os costumes, mais numerosas as exigências
da vida cotidiana, e fora de dúvida que se não podia deixar de adaptar as
associações às essas novas condições. Assim, com prazer vemos Nós irem-se
formando por toda parte sociedades deste gênero, quer compostas só de
operários, quer mistas, reunindo ao mesmo tempo operários e patrões: é para
desejar que aumentem a sua ação. Conquanto tenhamos ocupado delas mais uma vez
(veja-se a Encíclica Libertas), queremos expor aqui a sua oportunidade e o seu
direito de existência e indicar como devem organizar-se e qual deve ser o seu
programa de ação. AS ASSOCIAÇÕES
PARTICULARES E O ESTADO. 32. A
experiência que os homens adquirem todos os dias da exiguidade de suas forças,
obriga-o e impele-o a agregar-se a uma cooperação estranha. É nas Sagradas Letras que se lê esta máxima:
"Mais valem dois juntos que um só, pois tiram vantagens da sua associação.
Se um cai, o outro sustenta-o Desgraçado do homem só, pois quando cair, não
terá ninguém que o levante"(Eclesiastes 4, 9-12). E esta outra: "O
irmão que é ajudado por seu irmão, é como uma cidade forte"(Provérbios 18,
19). Desta propensão natural, como dum único germe, nasce, primeiro a sociedade
civil; depois no próprio seio desta, outras sociedades que, por serem restritas
e imperfeitas, não deixam de ser sociedades verdadeiras. Entre as pequenas sociedades e a grande, existem
profundas diferenças, que resultam de seu fim próximo. O fim da sociedade civil
abrange universalmente todos os cidadãos, pois este fim está no bem comum, isto
é, num bem do qual todos e cada um têm o direito de participar em medida
proporcional. Por isso se chama público, porque "reúne os homens para
formarem uma nação" (Santo Tomás, Contra Impug. Dei cultum et relig., II,
8). Ao contrário, as sociedades que se constituem no seu seio, são frágeis,
porque são particulares, e o são com efeito, pois a sua razão de ser imediata,
é a utilidade particular e exclusiva dos seus membros: "A sociedade
particular é aquela que se forma com um fim particular, como quando dois ou
três indivíduos para exercerem em comum o comércio" (Ibidem). Ora pelo
fato de as sociedades particulares não terem existência senão no seio da
sociedade civil, da qual são como outras tantas partes, não se segue, falando
em geral e considerando apenas a sua natureza, que o Estado possa negar-lhe a
existência. O direito de existência foi-lhes outorgado pela própria natureza; e
a sociedade civil foi instituída para proteger o direito natural, não para o
aniquilar. Por esta razão, uma sociedade civil que proibisse as sociedades públicas
e particulares, atacar-se-ia a si mesa, pois todas as sociedades públicas e
particulares tiram a sua origem dum mesmo princípio: a natural sociabilidade do
homem. Certamente se dão conjunturas que as leis a opor-se à fundação duma
sociedade deste gênero. Se uma sociedade, em virtude mesmo de seus estatutos
orgânicos, trabalhasse para um fim em oposição flagrante com a probidade, com a
justiça, com a segurança do Estado, os poderes públicos teriam o direto de lhe
impedir a formação, ou de a dissolver, se já estivesse formada. Mas deviam em
tudo isso proceder com grande circunspecção para evitar a usurpação dos
direitos dos cidadãos, e para não estatuir, sobre a cor de utilidade pública,
alguma coisa que a razão houvesse de desaprovar. Pois uma lei não merece
obediência senão enquanto é conforme com a reta razão e a leia eterna de Deus
(Santo Tomás, Sum. Teo., I-II, q. 93, a. 3 ad 2). 33. Aqui, apresentam –se ao nosso espírito as
confrarias, as congregações e as ordem religiosas de todo o gênero, nascidas da
autoridade da Igreja e da piedade dos fiéis. Quais foram os seus frutos de
salvação para o gênero humano até aos nossos dias, a história o diz
suficientemente. Considerando simplesmente o ponto de vista da razão, estas
sociedades aparecem como fundadas com um fim honesto, e, consequentemente, sob
os auspícios do direito natural: no que elas têm de relativo à religião, não
dependem senão da Igreja. Os poderes públicos não podem, pois, legitimamente,
arrogar-se nenhum direto sobre elas, atribuir-se a sua administração, a sua
obrigação é antes respeitá-las, protegê-las, e em caso de necessidade,
defendê-las. Justamente o contrário é que Nós temos sido condenado a ver,
principalmente nesses últimos tempos. Em não poucos países, o Estado tem posto
mão nestas sociedades, e tem acumulado a este respeito injustiça: sujeição às
leis civis, privação do direito legítimo de personalidade, espoliação dos bens.
Sobre estes bens, a Igreja tinha todavia os seus direitos: cada um dos membros
tinha os seus; os doadores que lhe haviam dado uma aplicação, e aqueles, enfim,
que delas auferiam socorros e alívio, tinham os seus. Assim não podemos deixar
de deplorar amargamente espoliações tão iníquas e tão funestas; tanto mais que
se terem de proscrição as sociedades católicas na mesma ocasião em que se
afirmam a legalidade das sociedades particulares, e que aquilo que se recusa a
homens pacíficos e que não tem em vista senão a utilidade pública, se concede,
e por certo muito amplamente, a homens que meditam planos funestos para a
religião e também para o Estado. AS
ASSOCIAÇÕES OPERÁRIAS CATÓLICAS. 34.
Certamente em nenhuma outra época se viu tão grande multiplicidade de
associações de todo o gênero, principalmente de associações operárias. Não é,
porém, lugar para se investigar qual a origem de muitas delas, qual o fim e
quais os meios que tendem para esse fim. Mas é uma opinião, confirmada por
numerosos indícios, que elas são ordinariamente governadas por chefes ocultos,
e que obedecem a uma palavra de ordem igualmente hostil ao nome cristão e à
segurança das nações; que, depois de terem açambarcado todas as empresas, se há
operários que recusam a entrar no seu seio, ela fazem-lhe expiar a sua recusa
pela miséria. Nesse estado de coisas, os operários cristão não têm remédio senão
escolher entre esses dois partidos: ou darem os seus nomes de que a religião
tem tudo a temer, ou organizarem-se eles próprios e unirem as forças para
poderem sacudir denodadamente um jugo tão injusto e tão intolerável. Haverá
homens verdadeiramente empenhados em arrancar o supremo bem da humanidade a um
perigo iminente, que possam ter a menor dúvida de que é necessário obter por
esse último partido? É altamente louvável
o zelo de grande número dos nossos que, conhecendo perfeitamente as
necessidades da hora presente, sondam cuidadosamente o terreno, para aí
descobrirem uma vereda honesta que conduz à reabilitação da classe operária.
Constituindo-se protetores das pessoas dedicadas ao trabalho, esforcem-se por
aumentar a sua prosperidade, tanto doméstica quanto individual, e regular com
equidade as relações recíprocas dos patrões e dos operários; por manter e
enraizar nuns e noutros a lembrança dos seus deveres e a observação dos
preceitos que, conduzindo o homem à moderação e condenando todos os excessos, mantém
nas nações, e entre elementos tão diversos de pessoas e de coisas, a concórdia
e a harmonia mais perfeita. Sob a inspiração dos mesmos pensamentos, homens de
grande mérito se reúnem frequentemente em congresso, para comunicarem
mutualmente as ideias, unirem as suas forças, ordenarem programas de ação.
Outros ocupam-se de formar corporações adequadas às diversas profissões e em
fazer entrar nelas os artífices; coadjuvam estes com os seus conselhos, e a sua
fortuna, e providenciam para que lhes não falte nunca um trabalho honrado e
proveitoso. Os Bispos, por seu lado, animam estes esforços e os colocam sob a
sua proteção; por sua autoridade e sob seus auspícios, membros do clero, tanto
secular como regular, se dedicam, em grande número, aos interesses espirituais
das corporações. Finalmente, não faltam católicos que, possuidores de
abundantes riquezas, convertidos de algumas sorte em companheiros voluntários
dos trabalhadores, não olham as despesas para fundar e propagar sociedades,
onde estes possam encontrar, a par com certa abastança para o presente, a
promessa de honroso descanso para o futuro. Tanto zelo, tantos e tão engenhosos
esforços têm já feito entre os povos um bem muito considerável, e demasiado
conhecido para que seja necessário falar deles mais detidamente. É a nossos
olhos feliz prognóstico para o futuro, e esperamos destas corporações os mais
benéficos frutos, contanto que continuem a desenvolver-se e que a prudência
presida à sua organização. Proteja o Estado essas estas sociedades fundadas
segundo o direito; mas não se intrometa no seu governo interior e não toque nas
molas íntimas que lhes dão vida; pois o movimento vital procede essencialmente
de um princípio interno, e extingue-se facilmente sob a ação de uma causa
externa. DISCIPLINA E FIM DAS ASSOCIAÇÕES. 35.
Precisam evidentemente estas corporações, para que nelas haja unidade de ação e
acordo de vontades, duma sábia e prudente disciplina. Se, pois, como é certo,
os cidadãos são livre para se associarem, devem sê-lo igualmente para se
dotarem com os estatutos e regulamentos que lhe pareçam mais apropriados ao fim
a que visam. Quais devem ser estes estatutos e regulamentos? Não cremos que se
possam dar regras certas e precisas para lhes determinar os pormenores; tudo
depende do gênero de cada nação, das tentativas feitas e da experiência
adquirida, do gênero de trabalho, da expansão do comércio, e de outras
circunstâncias de coisas e de tempos que se devem pesar com ponderação. Tudo
quanto se pode dizer em geral é que se deve tomar como regra universal e
constante o organizar e governar por tal forma as corporações que proporcionem
a cada um dos seus membros os meios mais aptos para lhe fazerem atingir, pelo
caminho mais cômodo e mais curto, o fim que eles se propõem, e que consiste no maior
aumento possível dos bens do corpo, do espírito e da fortuna. Mas é evidente que se deve visar antes de tudo ao
objeto principal, que é o aperfeiçoamento moral e religioso. É principalmente
este fim que deve regular toda a economia destas sociedades; de outro modo,
elas degenerariam bem depressa e cairiam, por pouco que fosse, na linha das
sociedades em que não tem lugar a religião. Ora, de que serviria ao artista ter
encontrado no seio da corporação a abundância material, se a falta de alimentos
espirituais pusesse em perigo a salvação de sua alma? "Que vale ao homem
possuir o universo inteiro, se vier a perder a sua alma?"(Mateus 16, 26).
Eis o caráter com que Nosso Senhor Jesus Cristo quis com que se distinguisse o
cristão do pagão: "Os pagãos procuram todas estas coisas... procurai
primeiro o Reino de Deus, e todas estas coisas vos serão dadas por
acréscimo" (Mateus 6, 32-33). Assim, pois, tomando Deus como ponto de
partida, dê-se amplo lugar à instrução religiosa a fim de que todos conheçam os
seus deveres para com ele; o que é necessário crer, o que é necessário esperar,
o que é necessário fazer para obter a salvação eterna, tudo isso lhes deve ser
cuidadosamente recomendado; premunam-se com particular solicitude contra as
opiniões errôneas contra todas as variedades do vício. Guie-se o operário ao
culto de Deus, incite-se nele o espírito de piedade, faça-se principalmente
fiel à observância dos domingos e dias festivos. Aprenda ela a amar e respeitar
a Igreja, mão comum de todos os cristãos, a aquiescer aos seus preceitos, a
frequentar os seus sacramentos, que são fontes de vida onde a alma se purifica
das manchas e bebe a santidade. Constituída
assim a religião fundamento de todas as leis sociais, não é difícil determinar
as relações mútuas a estabelecer entre os membros para obter a paz e a
prosperidade da sociedade. As diversas funções devem ser distribuídas da
maneira mais proveitosa aos interesses comuns, e de tal modo, que a
desigualdade não prejudique a concórdia. Importa grandemente que os encargos
sejam distribuídos com inteligência e claramente definidos, a fim de que
ninguém sofra injustiça. Que a massa comum seja administrada com integridade, e
que se determine previamente, pelo grau de indigência de cada um dos membros, a
quantidade de socorro que deve ser concedido; que os direitos e os deveres dos
patrões seja perfeitamente conciliados com os direitos e deveres dos operários.
A fim de se atender às reclamações eventuais que se levantem numa ou noutra
classe a respeito dos direitos lesados, seria muito para desejar que os
próprios estatutos encarregam homens prudentes e íntegros, tirados do seu seio,
para regularem o litígio na qualidade de árbitros. CONVITE PARA OS OPERÁRIOS CATÓLICOS SE ASSOCIAREM. 36.
É necessário ainda prover de modo especial a que em nenhum tempo falte trabalho
ao operário; e que haja um fundo de reserva destinado a fazer face, não somente
aos acidentes súbitos e fortuitos inseparáveis do trabalho industrial, mas
ainda à doença, à velhice e aos reveses da fortuna. Estas leis, contando que sejam aceitas de boa vontade,
bastam para assegurar aos fracos a subsistência e um certo bem-estar; mas as
corporações católicas ainda são chamadas a prestar os seus bons serviços à
prosperidade geral. Pelo passado podemos sem temeridade julgar o futuro. Uma
época cede o lugar à outra. Mas o curso das coisas apresentam maravilhosas
semelhanças, preparadas por essa Providência que tudo dirige e faz convergir
para o fim que Deus se propôs ao criar a humanidade. Sabemos que nas primeiras
idades da Igreja lhe imputavam como crime a indigência dos seus membros,
condenado a viver de esmolas ou do trabalho. Mas despidos como estavam de
riquezas e de poder, souberam conciliar o favor dos ricos e a proteção dos
poderosos. Viam-nos diligentes e laboriosos, modelos de justiça e
principalmente de caridade. Com o espetáculo de uma vida tão perfeita e de
costumes tão puros, todos os preconceitos se dissiparam, o sarcasmo caiu e as
ficções de uma superstição inveterada desvaneceram-se pouco a pouco ante a
verdade cristã. A sorte da classe
operária, é a questão de que hoje se trata, será resolvida pela razão ou sem
ela e não pode ser indiferente às nações quer o seja de um modo ou de outro. Os
operários cristãos resolvê-la-ão facilmente pela razão, se, unidos em
sociedades e obedecendo a uma direção prudente, encontrarem no caminho em que
seus antepassados encontraram o seu bem e o dos povos. Qualquer que seja nos
homens a força dos preconceitos e das paixões, se uma vontade pervertida não
afogou ainda inteiramente o sentido do justo e do honesto, será indispensável
que, cedo ou tarde, a benevolência pública se volte para esses operários, que
se hajam visto ativos e modestos, pondo a equidade acima da ganância, e
preferindo a tudo a religião do dever. Daqui, resultará esta outra vantagem:
que a esperança de salvação e grandes facilidades para a atingir, serão
oferecidas a esses operários que vivem no desprezo da fé cristã ou nos hábitos
que ela reprova. Compreendem, geralmente, esses operários que tem sido joguete
de esperanças enganosas e de aparências mentirosas. Pois sentem, pelo
tratamento desumano que recebem dos seus patrões, que quase não são avaliados
senão pelo peso do ouro produzido pelo seu trabalho; quanto às sociedades que
os aliciaram; bem veem eles que, em lugar da caridade e do amor, não encontram
nelas senão discórdias intestinas, companheiras inseparáveis da pobreza
insolente e incrédula. A alma embotada, o corpo extenuado, quanto não
desejariam sacudir um jugo tão humilhante! Mas, ou por causa dos respeitos
humanos, ou pelo receio da indigência, não ousam fazê-lo. Ah, para todos esses
operários podem as sociedades católicas ser de maravilhosa utilidade, se
convidarem os hesitantes a vir procurar no seu seio um remédio para todos os
males, e acolherem pressurosas os arrependidos e lhes assegurarem defesa e
proteção. SOLUÇÃO DEFINITIVA – A CARIDADE. Vede,
Veneráveis Irmãos, por quem e por que meios esta questão tão difícil demanda
ser tratada e resolvida. Tome cada um a tarefa que lhe pertence, e isto sem
demora, para que não suceda que, diferindo o remédio, se torne incurável o mal,
já de sí tão grave. Façam os governantes uso da autoridade protetora das leis e
das instituições; lembrem-se os ricos e os patrões dos seus deveres; tratem os
operário, cuja sorte está em jogo, dos seus interesses pelas vias legítimas; e,
visto que só a religião, como dissemos a princípio, é capaz de arrancar o mal
pela raiz, lembrem-se todos que a primeira coisa a fazer é a restauração dos
costumes cristãos, sem os quais os meios mais eficazes sugeridos pela prudência
humana serão pouco aptos para produzir salutares resultados. Quanto à Igreja, a
sua ação jamais faltara por qualquer modo, e será tanto mais fecunda, quanto
mais livremente se possa resolver. Nós desejamos que compreendam isto sobretudo
aqueles cuja missão é velar pelo bem público. Empreguem neste ponto todos os
Ministros do Santuário toda a energia da sua alma e generosidade do seu zelo, e
guiados pela vossa autoridade e pelo vosso exemplo, Veneráveis Irmãos, não se
cansem de inculcar a todas as classes da sociedade as máximas do Evangelho;
façamos tudo quanto estiver ao nosso alcance para salvação dos povos, e,
sobretudo, alimentem em si e acendam nos outros, nos grandes e nos pequenos a
caridade, senhora e rainha de todas as virtudes. Portanto, a salvação desejada
deve ser principalmente o fruto de uma grande efusão da caridade, queremos
dizer, daquela caridade que compendia em si todo o Evangelho, e que, sempre
pronta a sacrificar-se pelo próximo, é o antídoto mais seguro contra o orgulho
e o egoísmo do século. Desta virtude, descreveu São Paulo as feições
características com as seguintes palavras: "A caridade é paciente, é
benigna, não cuida do seu interesse; tudo sofre; a tudo se resigna" (1Coríntios
13, 4-7). Como sinal dos favores celestes
e penhor de Nossa benevolência, a cada um de vós, Veneráveis Irmãos, ao vosso
clero e ao vosso povo, com grande afeto no Senhor, concedemos a Benção
Apostólica. Dado em Roma junto de São Pedro aos 15 de maio de 1891, no 14º ano
de Nosso Pontificado. www.universocatolico.com.br.
Abraço. Davi
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