Judaísmo. O SIGNIFICADO DOS ALIMENTOS SIMBÓLICOS DE
ROSH HASHANÁ. Não é um mero costume, folclore ou superstição servir alimentos
de importância simbólica em ROSH HASHANÁ. Pelo contrário, constitui uma prática
imbuída de valor místico, incentivada pelo Talmud e codificada no Shulchan
Aruch – o Código de Lei Judaica. Iniciamos a refeição festiva nas duas
noites de Rosh Hashaná fazendo o Kidush com
uma taça cheia de vinho doce, fazendo a ablução ritual das mãos (Netilat
Yadayim) e comendo Chalá molhada no mel ou açúcar – um
pedaço do qual é distribuído a todos os presentes. Antes de ser servido o
jantar, é costume comer-se certos alimentos simbólicos nesta festa. O consumo
de cada um deles é precedido por uma bênção ou uma pequena oração. Apesar de
variarem entre as diferentes comunidades esses alimentos, o ritual de Rosh
Hashaná é adotado por todo o Povo Judeu. Para um observador casual, esse costume parece uma
forma de superstição. Será que o fato de comer certos alimentos tem, realmente,
influência no ano que se inicia? Será que o fato de comer maçã vermelha molhada
em mel ou açúcar muda veredictos celestiais? Esse ritual de Rosh
Hashaná pode até mesmo parecer contrário aos princípios do judaísmo,
pois a Torá condena a superstição, equiparando-a à idolatria. Como, então, pode
o judaísmo estimular essa prática, e como pode todo o Povo Judeu adotá-la,
especialmente em Rosh Hashaná, o Ano Novo, que é quando D’us
preside o julgamento e decide o destino do mundo e de cada criatura para o ano
vindouro? A realidade é que comer os alimentos de importância simbólica
em Rosh Hashaná não é mero costume ou folclore e, muito menos,
superstição. Pelo contrário, é uma prática imbuída de valor místico, fortemente
estimulada pelo Talmud, e até codificada no Shulchan Aruch,
o Código de Lei Judaica. O Talmud não tem o
hábito de tentar justificar seus decretos, ensinamentos e recomendações,
independentemente de quão enigmáticos ou surpreendentes possam ser. Essa obra
de Lei e Sabedoria Divina confia a tarefa a seus grandes comentaristas. Um dos
maiores dentre eles, Rabi Menachem ben Shlomo Meiri (1249-1310), revela uma das
razões pelas quais comemos alimentos simbólicos em Rosh Hashaná,
dizendo que seu propósito é concentrar nossa atenção na agenda do dia: oração,
arrependimento e a decisão de realizar bons atos. Conta que, a princípio, o
costume era apenas olhar ou comer esses alimentos e refletir sobre seu
significado. No entanto, com o tempo, as pessoas ficaram mais entretidas na
comida do que na introspeção. Para evitar que isso aconteça, as comunidades
judaicas adotaram o rito de recitar uma breve oração antes de comer cada um dos
alimentos simbólicos. Isso garantiria que a mensagem de cada um deles não se
perdesse. Ao ponderar sobre
as preces, podemos entender sobre o que devemos refletir ao comer tais
alimentos. Assim, um dos propósitos do ritual é provocar e direcionar nossos
pensamentos e planos para o novo ano. Isso é especialmente relevante em Rosh
Hashaná, pois, como ensinam nossos Sábios, essa festividade de dois dias dá
o tom para o restante do ano: aquilo em que pensamos, o que dizemos e fazemos
em Rosh Hashaná influenciará todo o nosso ano. A Torá nos
conta que não apenas nossos atos e palavras têm poder; nossos pensamentos
também podem exercer influência sobre o mundo. Em Rosh Hashaná,
quando o destino de todo o mundo e de cada indivíduo é decidido – quando o
registro de cada ser humano está sendo revisto nos Céus –, todo pensamento
positivo pesa a nosso favor. Precisamos ser muito cuidadosos na maneira como
direcionamos nossa mente, pois isso influenciará todo o nosso ano. Outros comentaristas da Torá vão mais
além: explicam que o propósito de se comer alimentos simbólicos no Ano Novo não
é apenas concentrar nossos pensamentos. Eles revelam que o ato de comê-los, de
fato, desencadeia bênçãos Divinas. Como isso é possível? De que forma comer
maçã vermelha molhada no mel ou no açúcar aumenta nossas chances de ter um ano
bom e doce? E como comer as sementes de romã nos torna mais merecedores? Rabi
Yehudá Lowe (1512-1609), o Maharal de Praga, um dos maiores
Sábios e cabalistas de todos os tempos, famoso por ter criado o Golem, explica
que, com frequência, acontece de os decretos e bênçãos Divinas que D’us concede
permanecerem apenas em um estado potencial, nas esferas espirituais, até que os
seres humanos realizem um ato físico para concretizar e dar forma física a
esses decretos. Isso significa que a transição do potencial para o real
depende, em geral, dos atos físicos da pessoa. Isso explica por que os profetas geralmente
realizavam um ato físico para simbolizar suas profecias. Por exemplo, vemos no
Livro dos Reis que o profeta Elisha levou o Rei Yoshiyahu (Josias) a
atirar uma flecha na direção da terra de Aram – o inimigo dos judeus à época –
e pegar uma flecha e bater no chão, explicando que o número de pancadas
determinaria a força da vitória de Israel sobre Aram. O que nos transmite o Maharal de
Praga é que como vivemos em um mundo físico, é necessário direcionar as bênçãos
dos Céus por meio de atos físicos. Por essa razão, precisamos pronunciar nossas
orações com os lábios, enunciando cada palavra, e não meramente pensar nas
mesmas, ainda que D’us, que é Onisciente, saiba o que está em nossa mente e
coração. É essa a razão pela qual tantos mandamentos da Torá são realizados
fisicamente. Alguns exemplos: colocamos Tefilin, que são objetos de
couro; fazemos o Kidush com vinho; e seguramos as Quatro
Espécies em Sucot. D’us conhece melhor do que nós os nossos
pensamentos, necessidades e desejos. Mas, para dar forma física às bênçãos
Divinas – para canalizá-las dos domínios espirituais ao nosso plano terreno –,
não basta amar e reverenciar a D’us, meditar e ter pensamentos bons e sagrados:
com frequência, é necessário agir e usar de fisicalidade para cumprir a Vontade
Divina. Comemos alimentos
simbólicos em Rosh Hashaná porque, assim, estamos ajudando a
canalizar bênçãos espirituais e plenitude para o nosso mundo físico. O Maharal de
Praga ensina que, no início do ano, comemos alimentos que sejam um bom augúrio,
para que os decretos do Todo Poderoso de um bom ano se concretizem em nossa
realidade física. Outra explicação
para esse ritual foi dada pelo Rabi Shlomo Kluger (1783-1869) em seu comentário
no Código de Lei Judaica (Chochmat Shlomo, Shulchan Aruch, Orach Chaim 583).
Ele explica que, ao comer tais alimentos, não estamos apenas rezando, mas
expressando nossa fé em que seremos inscritos para um ano bom e doce. Segundo
ele, isso tem o poder de transformar qualquer decreto negativo em positivo. De
fato, as obras cabalísticas, o Talmud e o Livro dos Profetas nos ensinam que
D’us honra a confiança dos que verdadeiramente confiam n’Ele. É especialmente
importante que cada judeu se comporte em Rosh Hashaná com
alegria, plenamente confiante em que seu veredito Divino será positivo e que
será inscrito para um ano bom e doce. Uma das maneiras de expressar nossa fé é
comer os alimentos simbólicos de Rosh Hashaná e recitar as
orações pertinentes, confiante em que D’us as atenderá. Devemos entender que, ao comê-los,
não estamos seguindo um costume folclórico, nem supersticioso. Portanto, esse
rito deve ser encarado com seriedade. Seu propósito não é fazer com que os
jantares de Rosh Hashaná sejam mais coloridos e memoráveis.
Eles têm um poder espiritual e, se bem utilizados, podem ajudar-nos a alcançar as
inúmeras bênçãos, individuais e coletivas, pelas quais ansiamos. Contudo, é importante mencionar que
quem não pode ingerir um ou vários dos alimentos simbólicos – por não gostar ou
por lhe fazer mal – deve olhar ou apontar para esses alimentos ao recitar a
oração de “Yehi Ratzon” correspondente. Mesmo que não coma o alimento,
se ele recitar a oração correspondente, isso terá um efeito significativo. Por que comemos
maçãs vermelhas em Rosh Hashaná. Em Rosh Hashaná, temos o
costume de tomar vinho doce e fazer as Chalot no feitio
redondo, em vez do tradicional oval, trançado. O Chatam Sofer (1762-1839),
que foi um de nossos grandes Sábios e cabalistas, explica o costume como
expressão de que nossas orações e esperanças sejam abençoadas infinitamente
durante o ano vindouro, pois o círculo é especial por não ter início nem fim.
Por isso fazemos os pães nesse formato, como símbolo de nossa esperança de que
D’us nos conceda bênçãos incontáveis, pessoais e coletivas, no novo ano. Após o Kidush e a
lavagem ritual das mãos (Netilat Yadayim) e comer um pedaço da Chalá molhada
no mel ou açúcar, comemos o primeiro dos alimentos simbólicos da festa, que são
pedaços de maçã vermelha, também molhados no mel. São inúmeras as razões para
esse costume judaico. A mais simples delas é que essa fruta tem um belo
aspecto, ótima fragrância e gosto. É saborosa de qualquer forma que seja
apresentada e extremamente saudável. E simboliza nossas esperanças de que o Ano
Novo nos traga alegria, sucesso, saúde e felicidade em todas as áreas da vida. Mas o significado simbólico da maçã
vai além do simples fato de ser uma fruta doce e saborosa. O Arizal Rabi
Itzhak Luria (1534-1572), maior cabalista de todos os tempos, ensina que há um
profundo significado cabalístico no fato de comê-la nas noites de Rosh
Hashaná. O Zohar, obra fundamental da Cabalá, escrita pelo
Rabi Shimon bar Yochai, se refere ao Paraíso como Chakal Tapuchin
Kadishin – “Pomar das Maçãs Sagradas”. As maçãs simbolizam não só a
doçura, mas também Gan Eden – o Paraíso. De acordo com o Midrash,
o Jardim do Éden tem o aroma de um pomar de maçãs. De fato, ao analisar a
expressão usada por nosso patriarca Itzhak ao descrever seu filho, Yaacov:
“Veja! O cheiro do meu filho é como o cheiro do campo que o Eterno abençoou!”
(Gênesis 27,27), Rashi, comentarista clássico da Torá, explica que isso se
refere ao aroma de um pomar de maçãs – o aroma do Jardim do Éden. Ademais, em seu Cântico dos Cânticos,
o Rei Salomão descreve o amor de D’us pelo Povo Judeu por meio da seguinte
metáfora: “Debaixo de uma macieira, despertei teu amor” (Shir HaShirim 8:5).
Ao comer pedaços de maçã em Rosh Hashaná, estamos nos recordando do
amor de D’us por Seu povo. Uma razão cabalística para esse costume é que, como escreve o Ben
Ish Chai, essa fruta é associada à Sefirá de Tiferet,
que é a emanação Divina de misericórdia, beleza, harmonia e paz. Essa Sefirá
também representa a Torá e é associada com o Atributo Divino da Verdade. E é
particularmente relevante em Rosh Hashaná, pois é nessa festividade
que todas as criaturas são julgadas com base no Atributo Divino da Verdade
Absoluta, quando oramos pedindo a Misericórdia Divina. Ainda que muitos não estejam
familiarizados com os ensinamentos da Cabalá acerca das Sefirot, o
fato de saber que as maçãs simbolizam a Sefirá de Tiferet nos
ajuda a perceber a profundeza e a importância de cada um dos rituais que
cumprimos durante os jantares de Rosh Hashaná: nenhum dos detalhes
é irrelevante. Ao contrário, há conceitos espirituais e místicos que sustentam
tais rituais. Eles se baseiam em profundos conceitos cabalísticos e, portanto,
não devem ser menosprezados ou negligenciados. Por que comemos mel em Rosh Hashaná. Em Rosh
Hashaná, enfatizamos o conceito de doçura – pois oramos não apenas por um
ano bom, mas que também seja doce – e é, portanto, adequado não comer alimentos
amargos ou azedos nos dois dias festivos. A razão para molharmos a Chalá e
os pedaços de maçã vermelha no mel ou açúcar é para indicar e pedir que sejamos
abençoados com um ano doce. Alguns têm o costume de só usar açúcar, não mel, e
cada pessoa deve seguir a tradição de sua família. Mas é importante observar
que apesar de ambos serem doces, cada um representa uma forma diferente de
doçura. O açúcar representa a doçura pura, enquanto o mel é produzido pelas
abelhas – uma criatura cujo ferrão pode causar muita dor. Portanto, o mel
representa a doçura resultante de experiências dolorosas ou difíceis. Em outras
palavras, simboliza bênçãos ocultas. O Livro dos Juízes relata a seguinte
história, com uma importante lição universal: o poderoso Sansão, desarmado,
matou um leão que ia atacá-lo. Quando mais tarde ele retornou ao mesmo lugar,
deparou-se com “um enxame de abelhas cheias de mel na barriga do animal. E
Sansão apresenta a seguinte charada a um grupo de amigos: “Do comedor saiu
comida e do forte saiu doçura” (Juízes14,14). Daí nos vem o ensinamento de que
mesmo uma situação negativa traz algo positivo. Muitas pessoas têm o costume de comer açúcar e mel
em Rosh Hashaná. O açúcar representa a bondade Divina revelada. O
mel, a bondade Divina oculta: bênçãos que se apresentam disfarçadas como se
fossem eventos e experiências difíceis, mas que, posteriormente, revelam-se
como tendo sido em nosso benefício. Diferentemente das bênçãos reveladas, as
ocultas geralmente causam dor. No entanto, cedo ou tarde, as que vêm
disfarçadas de fantasias assustadoras tendem a se revelar maiores e mais
significativas que as bênçãos reveladas, que tanta alegria nos dão. Na mesma linha, o Rabi Yosef ben
Moshe (Leket Yosher - Séc. 14) escreve: “As abelhas têm um ferrão
dentro delas, e, no entanto, seu produto é doce. Fazemos votos de que o
Atributo Divino do Julgamento seja temperado por Seu Atributo da Misericórdia,
produzindo um resultado mais doce”. Outra razão para comermos mel em Rosh
Hashaná é que nossos Sábios ensinam que “o mel e os doces restauram a
visão das pessoas”. O Talmud menciona vários “recursos” para auxiliar a memória
e os comentaristas talmúdicos acrescentam: “Também o mel torna a pessoa sábia”
(Talmud Bavli, Horayot 13b). Orações pela
eliminação de nossos inimigos. Após comer pedaços de maçã molhados no mel ou
açúcar, comemos três alimentos: acelga, tâmara e alho-poró ou cebola – e as
preces correspondentes se referem a nossos inimigos. Tais orações contêm um
linguajar duro. Pedimos que D’us remova, elimine e extirpe nossos inimigos. À
primeira vista, é estranho que em uma festividade judaica – especialmente a que
marca o início de um novo ano – estejamos presos a essa negatividade e pensando
em nossos inimigos. Evidentemente, há importantes razões para fazê-lo. Nenhum judeu jamais pode esquecer
que, ao longo da história, tivemos muitos inimigos que, sem qualquer razão,
perseguiram e tentaram exterminar nosso povo. Como proclamamos na Hagadá de Pessach: “Em
toda geração, eles se levantam para aniquilar-nos. E o Santo,
Bendito é Ele, nos salva de suas mãos”. Através dos milênios, o Povo Judeu tem
sido o alvo principal de alguns dos personagens mais cruéis do mundo. Em Rosh
Hashaná, quando D’us decide o destino da humanidade e de cada indivíduo,
oramos para que Ele nos livre daqueles que nos querem prejudicar. As orações
referentes a nossos inimigos são recitadas não apenas em benefício do Povo
Judeu, mas de todas as pessoas de bem no mundo, pois os arqui-inimigos dos
Filhos de Israel, como Hitler e Stalin, mostraram ser a personificação da
maldade no mundo. Aqueles que mostraram ser os líderes mais perversos na
história geralmente começaram escolhendo o Povo Judeu como alvo para depois
passar para o restante da humanidade. Seu desaparecimento seria benéfico para
todo o mundo. Há, no entanto, uma
explicação mais profunda para rezarmos pela eliminação de nossos inimigos
em Rosh Hashaná. Esses inimigos não são seres humanos, mas forças espirituais
negativas. Rosh Hashaná é o Dia do Julgamento, quando, falando
metaforicamente, os “promotores celestiais” apresentam seus casos perante o
Juiz da Verdade. O Talmud ensina que a Inclinação para o Mal – o Yetser
Hará –– seduz o ser humano, instigando-o a pecar e, quando consegue
fazê-lo, apresenta-se perante o Trono Celestial para condená-lo. Instigador e
acusador são um só. Em Rosh Hashaná, Dia do Julgamento, oramos a
D’us para que a Inclinação para o Mal e todas as forças do mal espiritual, que
nos fazem sair do caminho do bem para depois nos acusar perante a Corte
Celestial, sejam removidas, eliminadas e exterminadas, para que assim possamos
ser inscritos para um ano bom e doce. É interessante notar que, durante os jantares
de Rosh Hashaná, recitamos três orações diferentes acerca de nossos
inimigos. Um das razões para serem três e não uma é que, como ensina a Cabalá,
nosso mundo contém três klipot impuras – “cascas” – que são a
origem de todo o mal. Essas três preces expressam nosso desejo de que
essas klipot sejam eliminadas do mundo. Isso ocorrerá na Era
Messiânica. Essas orações são, portanto, um pedido para que D’us nos traga a
era utópica, que será de paz e prosperidade para toda a humanidade. Orações para termos
méritos e praticarmos mitzvot. As três preces seguintes e seus
respectivos alimentos compartilham um tema comum: méritos e mitzvot –
ou seja, mandamentos Divinos e boas ações. Recitamos essas orações para pedir a D’us um
veredicto totalmente positivo para o novo ano. Rogamos a Ele para “apagar”
qualquer decreto Celestial negativo contra nós e nos julgar favoravelmente,
pesando nossos méritos e relevando nossos deméritos. Pedimos a Ele que nos
estimule espiritualmente – dando-nos forças, motivação e disciplina para
executar a Sua Vontade. Tais súplicas não são exclusivas de Rosh
Hashaná; nossas preces diárias pedem a D’us para depositar nosso coração,
nosso amor e nossa reverência em Suas mãos, para que possamos estudar
zelosamente a Sua Torá e cumprir Seus mandamentos. Mas tal pedido é enfatizado
em Rosh Hashaná, pois é nessa festividade que D’us decide não só
nossas bênçãos materiais, mas também espirituais, para o ano vindouro. A oração ao comermos a romã – de que
nossas mitzvot sejam tão numerosas quanto as sementes dessa
fruta – é bem conhecida. De fato, a romã é um dos grandes símbolos de Rosh
Hashaná. Essa fruta tem
grande destaque na Torá. É uma das Shivat HaMinim – Sete
Espécies de frutas e grãos que são produtos especiais da Terra de Israel. Além
disso, em uma discussão sobre o significado de ver essa fruta em sonhos, o
Talmud explica que “quando vemos frutos pequenos, isso significa que os
negócios serão frutíferos como a romã, enquanto que quando vemos os frutos
grandes, isso significa que os negócios vão-se multiplicar como romãs. Se no
sonho as romãs estiverem abertas, se quem sonhou é um estudioso da Torá,
estudará ainda mais…enquanto que se não for um estudioso, realizará mais mitzvot”.
Baseando-se em um verso do Cântico dos Cânticos (Shir HaShirim 4:3),
o Talmud conclui afirmando que “mesmo os judeus mais vazios, também eles estão
repletos de mitzvot como a romã é carregada de sementes” (Talmud
Bavli, Chaguigá 27a). Em Rosh
Hashaná, oramos a D’us para que Ele nos dê a oportunidade de cumprir
muitas mitzvot – muitos mandamentos Divinos e boas ações.
Então, cabe a pergunta: por que devemos orar pedindo isso? Não cabe
exclusivamente ao ser humano exercer seu livre arbítrio e cumprir a Vontade
Divina? A resposta é que
todos necessitamos de inspiração e assistência Divina, mesmo se estivermos
determinados a cumprir a Vontade de D’us e realizar atos de bondade. Há um
conhecido ensinamento do Talmud que diz que D’us escolhe as pessoas meritosas
para realizar boas ações. Em Rosh Hashaná, rogamos a D’us para nos
escolher como Seus agentes da sabedoria, bondade e justiça no mundo: que Ele
nos dê a oportunidade de cumprir Seus mandamentos. Esse privilégio não depende
apenas de nosso livre arbítrio, mas também da Divina Providência. Para fazer
muita Tzedacá, precisamos estar financeiramente bem. Para poder
ensinar e disseminar sabedoria e conhecimento, precisamos ter sucesso em nossos
estudos de Torá. Para poder realizar muitos mandamentos Divinos, precisamos ter
boa saúde e tranquilidade. Assim como oramos por prosperidade material em Rosh
Hashaná, também precisamos rogar por saúde espiritual. A romã simboliza
abundância – material e espiritual –, que, quando bem utilizada, permite que
acumulemos muitos méritos. Oração para sermos a cabeça e não a cauda. O último dos
alimentos simbólicos é a língua ou cabeça de um carneiro. Certas comunidades
judaicas usam outros alimentos em vez desses. Quando comemos um dos dois,
pedimos que D’us nos abençoe para que, ao longo do ano recém-iniciado, possamos
ser “a cabeça, e não a cauda”. Não se trata de uma prece apenas por sucesso,
mas também um pedido a D’us para nos dar a oportunidade de sermos forças
proativas e efetivas, no mundo – fontes de sabedoria, liderança e bondade.
Pedimos a D’us que nos dê a oportunidade de ter influência positiva sobre os
demais, seja como pais, educadores, líderes comunitários, empresários ou
profissionais. Vivemos em uma geração em que os líderes sábios, verdadeiros e
abnegados são raros. Oramos pela capacidade de exercer liderança com sabedoria,
bondade e eficácia. Outra razão para
comer língua ou cabeça de carneiro é que isso nos faz lembrar o animal que foi
sacrificado em lugar de nosso patriarca Itzhak. Na verdade, essa última prece
menciona nossos dois primeiros patriarcas – Avraham e Itzhak – ao se referir ao
episódio conhecido como Akedat Itzhak – quando D’us ordenou a
Avraham sacrificar seu filho. Esse relato é um dos temas principais em Rosh
Hashaná: surge, com relevância, na oração de Mussaf e
constitui a leitura da Torá do segundo dia da festa. Akedat Itzhakrelembra
como pai e filho estavam dispostos a fazer o sacrifício supremo para cumprir
uma ordem Divina. Invocamos sua lembrança, não apenas pelo fato da menção a
um Tzadik ser uma fonte de bênçãos, mas porque o episódio – a
submissão absoluta de Avraham e de seu filho diante da Vontade Divina – é uma
fonte de proteção para todas as gerações de seus descendentes. A prece por “ser a cabeça e não a
cauda” e a história de vida de Avraham e Itzhak (Abraão e Isaque) são
interligadas. Avraham introduziu o monoteísmo no mundo. Ele, sozinho, desafiou
um mundo politeísta – rebelou-se contra a idolatria e dedicou sua vida a
revelar a Verdade e a disseminar o Nome de D’us por toda parte. Foi um dos
maiores líderes espirituais de todos os tempos e seu filho, Itzhak, pai de
nosso patriarca Yaacov (Jacó), continuou no caminho que lhe fora ensinado.
Em Rosh Hashaná, rogamos a D’us para que nos inspire de modo a
continuar a promover o legado e a liderança de nossos patriarcas. Após o término da cerimônia dos
alimentos simbólicos de Rosh Hashaná, que, como vimos, é imbuída de
grande significado e poder místico, seguimos com a refeição festiva. As
refeições de Rosh Hashaná devem ser muito alegres e fartas,
incluindo comidas doces e deliciosas, expressando nossa confiança em que
seremos todos inscritos e confirmados para um Shaná Tová Umetucá –
um ano bom e doce. Amén, ken yehi ratsón.
www.morasha.com.br. Abraço. Davi
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