quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Bhagavad Gita. Parte IV

Jnana Yoga. O Conhecimento Espiritual. O homem pode libertar-se da ilusão do Eu Pessoal, e alcançar a união com a Essência Divina, pelo conhecimento interno de si próprio, isto é, pela iluminação interior. Esta força aumenta com a prática, quando se cumpre o dever com abnegação.

"Continuou a falar Krishna: Já na mais remota antiguidade  desta doutrina da União com o Eu Divino a Vivasvat (1). Ele a ensinou a Manu (2), e este a transmitiu a Ikshvaku, o fundador da dinastia Solar.  (1). É o Sol Espiritual ou a Mente Divina no princípio do mundo.  (2). Se deriva da raiz sânscrita man, pensar. Aqui se refere ao Filho do Sol e Pai da Raça atual.

De Ikshvaku passou esta doutrina a outros, e era conhecida pelos Rishis (3); no decorrer dos tempos, entretanto, caiu em esquecimento o sentido espiritual, conservando-se apenas a letra. Tal é a sorte da Verdade entre os homens. A ti, agora, que és meu amigo dedicadíssimo, quero de novo explicar esta doutrina, que é o mais profundo segredo e a mais velha verdade.

Disse Arjuna: Como devo compreender-te, ó Senhor, quando dizes que ensinaste a Vivasvat? Ele vive no princípio do Tempo e tu nasceste há poucos decênios (1).  (1). Compare-se o Evangelho de João 8;57,58 "Disseram-lhe os judeus: Ainda não tens cinquenta anos, e viste Abraão? Disse Jesus: Em verdade, vos digo que, antes que Abraão fosse feito, eu sou". Impressionantes a argumentação da Escritura Hindu comparativamente ao Evangelho de João, levando em consideração que ela foi escrita pelo menos três mil anos antes dos escritos de João.

Respondeu Krishna, o Verbo Divino: Muitos foram já os meus nascimentos, e muitos também foram os teus, ó Arjuna. Eu Sou consciente deles todos, mas tu não o és. Escuta este mistério. Eu Sou superior a nascimentos; sou inato e eterno, sou o Senhor de todas as criaturas, pois tudo emana de Mim; mas também nasço, gerado por meu próprio Poder. Sempre que o mundo declina em virtude e justiça; sempre que imperam o vício e a injustiça, venho Eu, o Senhor, e apareço no meu mundo em forma visível, nascendo e vivendo como homem entre os homem.

A minha influência e doutrina destroem o mal e a injustiça, e restabelecem a virtude e a justiça. Muitas vezes, já apareci assim, e muitas vezes aparecerei ainda. Quem me reconhece em minha encarnação, quem me conhece em minha Essência, não precisa reencarnar-se mais, ao deixar o seu corpo mortal, e vem morar comigo em meu reino de Bem Aventurança.

Muitos já vieram assim a Mim, tendo-se libertado do medo, ódio, ira e paixão. Quem a Mim se dirige com firmeza e em Mim fixa a sua mente, é purificado pela chama sagrada do Amor e da Sabedoria e, livre da atração dos objetos terrenos, torna-se semelhante a Mim, e entra em minha Vida Espiritual. Eu acolho prazenteiro todos os que me procuram e honram, qualquer que seja o caminho que sigam, porque todos os caminhos, todas as formas religiosas, embora de denominações diferentes, a Mim os conduzem.

Até aqueles que adoram os Devas (2), e lhes pedem recompensa por suas ações, encontram o que procuram, pois no mundo dos homens toda ação produz o seu fruto. Mas Eu Sou o Criador da humanidade inteira, em todas as suas fases e formas. De Mim procedem as quatro castas (3), com as suas qualidades e atividades distintivas. Sabe que Eu Sou o Criador delas, se bem que, em Mim mesmo, sou imutável e sem qualidades.  (2). O mesmo que anjos. (3). São elas os Brâmanes (sábios), os Kshattriyas (guerreiros), os Vaisyas (comerciantes) e os Sudras (operários).

Em minha Essência, sou livre dos efeitos das ações e não tenho desejo nenhum de obter recompensas ou gozar os frutos das minhas obras; pois essas coisas são produzidas por meu Poder e não tem influência sobre Mim. Em verdade, digo-te que quem é capaz de achar a solução desse enigma e me percebe como Eu Sou em minha Essência, fica livre dos efeitos das ações. Os sábios antigos que conheceram esta verdade, praticavam ações sem esperar recompensa, e assim alcançaram a Liberdade. Segue também tu o seu exemplo.

Poderás dizer que, as vezes, até os sábios não podem definir o que é a ação e o que é a inação. Eu o explicarei, e te ensinarei em que consiste a ação que te libertará do mal e te tornará livre. É preciso distinguir estas três coisas; ação (isto é, reta ação), inação (ou abstenção) e má ação. É difícil discernir-se o caminho da ação.

Quem se adiantou de tal maneira, que é capaz de ver ação na inação, e inação na ação, pertence aos sábios de sua raça, e permanece em harmonia enquanto pratica ações. As suas obras são livres dos vínculos de esperança egoístas, e sua atividade é purificada das espumas dos desejos, pela chama da sabedoria. Tal homem merece o nome de Sábio.

Tendo renunciado aos frutos das suas ações, está sempre contente e confia na força divina do seu interior, e assim está em inação, ainda que trabalhe, porque não age para a sua pessoa, mas deixa agir por si a força Divina. Não espera lucro, não receia perda; de nada depende, e conserva os seus sentidos sob o domínio da razão. Assim é senhor do seu sentir e pensar, um rei poderoso no reino interior da alma.

Está contente sempre com tudo o que o dia lhe oferece; não se deixa altera por ventura nem por desventura; é livre da inveja; conserva o ânimo igual e o coração afável, tanto no sucesso como no insucesso; faz sempre o melhor que pode, porém, sem se apegar a obra. Assim, vive puro e imaculado entre os impuros e pecadores.

As obras dos homem que matou em si todo o apego e mantém sua mente firme na Sabedoria, são como inexistentes para ele; tudo ele faz no Espírito Divino, conforme a vontade de Deus, e assim, cada uma de suas ações é um sacrifício no altar do Amor Divino. Deus é amor; Deus é o sacrificador e o sacrifício; Ele é o fogo e o alimento do fogo. Deus em Deus oferece sacrifício a Deus, e assim vem a Deus quem, oferecendo sacrifício, Nele pensa.

Há muitos devotos que invocam os deuses inferiores; outros adoram o Princípio Divino só no fogo do Amor. Outros há que oferecem à Divindade sacrifícios de abnegação, renunciando ao que agrada o ouvido, a vista e os outros sentidos; outros dirigem a Deus preces e hinos pios e elevam ao Altíssimo os corações ardentes.

Muitos depõem no altar do coração os prazeres da vida, alimentando o fogo místico de renunciação, pelo qual se lhes comunica a Luz do conhecimento. Outros renunciam à riqueza e fazem votos de penitência e obediência, ou dedicam-se ao estudo e à procura da verdade, meditando no silêncio. Outros praticam a respiração sagrada, e pondo em harmonia o hálito interior e o exterior, dominam a aspiração e a expiração pelo poder da vontade.

Outros praticam abstinência e jejuns e esforçam-se por sacrificar a vida material, totalmente, à vida espiritual. Todos estes oferecem sacrifícios, ainda que de diferentes modos; e todos obtêm méritos pelo espírito sacrificial das suas observâncias.

Há muita virtude e mérito na moderação e no domínio de si mesmo; e esta é a causa porque os sacrificadores se aproximam de Mim. Sim, aqueles que se alimentam espiritualmente com a parte espiritual do sacrifício que a Deus oferecem, entram em união com Deus. Mas quem nenhum sacrifício oferece, não acha mérito neste mundo nem no outro.

Assim vês que há muitas formas de sacrifício e adoração, ó Arjuna. Se compreenderes isto, chegarás a ser livre de erros. Melhor, porém, do que o sacrifício de objetos e coisas, é  sacrifício oferecido pelo saber. O saber ou conhecimento perfeito em si mesmo é o coroamento de todas as ações. Ao saber perfeito, ao conhecimento da Verdade, chegarás, adorando, servindo e investigando. Os sábios que possuem a sabedoria interior estão prontos a ajudar aqueles que procuram a Verdade.

Quando tiveres adquirido a Sabedoria, serás livre de confusão, dúvidas, má compreensão e erros; pois verás que tudo o que existe no grande Todo, forma uma só vida, e, por conseguinte, é contido em Mim e em ti mesmo. Ainda que tivesses sido o maior pecador dentre os homens, a nave do conhecimento da Verdade te conduzirá sem perigo pelo mar dos pecados. Como a chama reduz a lenha a cinzas e o vento dispersa estas, assim a Verdade converte em cinzas o resultado das más ações que cometeste em ignorância e erro.

Não há, no mundo, outro agente de purificação igual à chama da Verdade Espiritual. Quem a conhece, quem a ela se dedica, será purificado das manchas da personalidade, e achará o seu Eu Real. O conhecimento da Verdade é dado aquele que vive na força da fé, e domina o Eu Pessoal e as impressões dos sentidos. Quem atingiu este conhecimento e esta Sabedoria, entra na Paz Suprema, no Nirvana.

Mas o ignorante e o descrente não podem achar nem o começo do caminho que à Paz conduz. Sem fé não é possível felicidade e paz, nem neste mundo, nem em outros. Livre dos vínculos das ações é o homem que, mediante o Conhecimento Espiritual, cortem os nós que o ligavam aos frutos das ações, e cujas dúvidas e ilusões todas ficaram destruídas pela Luz do Saber.

Levanta-te, pois, em teu poder, o príncipe, empunha  a espada refulgente do conhecimento espiritual e corta todos os vínculos das dúvidas e ilusões que prendem o teu coração e a tua mente. Eleva a Mim a tua alma e executa a Ação que te é determinada". Abraço. Davi.


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