segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

O Cristo Mítico. Parte I.

Por Anne Besant (1847-1933). "Já vimos como a Mitologia Comparada tem servido de arma para combater as religiões; seus golpes mais perigosos foram dirigidos contra o Cristo. Seu nascimento de uma Virgem no "dia de Natal", o massacre dos inocentes, seus milagres e ensinamentos, sua crucificação e ressurreição, sua ascensão e os demais acontecimentos que sua história revela, tudo isto nos mostra a identidade de narrações com outras vidas, identidade que tem servido de argumento para levar à dúvida sua existência histórica. No que se refere aos milagres e à doutrina, pouco diremos. A maioria dos Grandes Instrutores, nós o reconhecemos, executaram atos que, no mundo físico, parecem milagrosos aos seus contemporâneos, embora esses fenômenos, como todos os ocultistas o sabem, sejam devidos ao emprego de faculdades próprias a qualquer Iniciado de um certo grau. Reconhecemos também que a doutrina de Jesus não lhe pertence exclusivamente; mas, se o estudante da Mitologia Comparada julga ter provado que a inspiração divina não existe, ao mostrar a identidade dos ensinos morais dados por Manu, Krishna, Buda, Jesus, o ocultista declara que Jesus devia forçosamente repetir os ensinamentos de seus predecessores, por ser ele um enviado da mesma Loja. As profundas verdades do Espírito divino e humano eram tão absolutas, vinte mil anos antes do nascimento de Jesus, na Palestina, como depois que Ele nasceu. Afirmar que o mundo esteve abandonado, privado de tais doutrinas e que o homem viveu nas trevas morais desde sua origem até há vinte séculos, equivale a dizer que houve uma humanidade sem Mestres, filhos sem Pai, almas humanas que clamavam por luz, no seio de uma obscuridade de onde não vinha resposta alguma, ideia tão blasfematória para com Deus, como desesperadora para o homem, contestada pela aparição de tantos Sábios, pela existência de literaturas sublimes durante milhares de anos do advento do Cristo. Reconhecendo, portanto, em Jesus o Grande Mestre do Ocidente, o Mensageiro Supremo enviado pela Loja ao mundo ocidental, resta-nos resolver uma dificuldade que desviou inúmeras pessoas do Cristianismo. Por que é que se encontram, em religiões anteriores ao Cristianismo, as festividades comemorativas de acontecimentos passados na vida de Jesus e que recordam feitos idênticos da vida de outros Instrutores? A Mitologia Comparada, que, nos tempos modernos, despertou a atenção pública para estes assuntos, conta apenas um século de existência, pois teve origem quando apareceram A História dos Diversos Cultos, de Jacques Dulaure (1919-2014), A Origem de Todos os Cultos de Charles François Dupuis (1742-1809), O Pantheon Hindu de Edward Moor (1771-1848) e o Anacalypsis de Godfrey Hyggins (1772-1843). A estas obras seguiram-se outras, cada vez mais científicas e exatas na maneira de reunir e comparar os fatos, e hoje é impossível, para uma pessoa instruída, pôr em dúvida as identidades e semelhanças que por toda a parte se apresentam. Nenhum cristão, em nossos dias (primeiras décadas do século XX), desde que não seja ignorante, poderia sustentar que os Símbolos, Cerimônias e Ritos do Cristianismo são únicos. Entre as pessoas sem instrução, vemos marchar, paralelamente à ignorância dos fatos, a sua fé (cega) ingênua, mas, fora desta categoria, nenhum cristão, embora o mais sincero, pode negar que o Cristianismo tem inúmeros pontos de contato com as religiões mais antigas. E sabemos, mesmo, que nos primeiros séculos "depois de Jesus Cristo", tais semelhanças eram conhecidas de todos e que a Mitologia Comparada moderna nada mais fza senão repetir, com mais precisão, o que era universalmente admitido na Igreja Primitiva. Justino o Mártir (100-165), por exemplo, não se cansa de citar as religiões e, se um adversário moderno do Cristianismo quisesse reunir grande número de casos em que a doutrina cristã é idêntica às outras religiões mais antigas, bastaria recorrer aos apologistas do segundo século, os quais citam os ensinos, os símbolos e narrações pagãs, constantemente se apoiando no próprio fato da sua identidade ao Cristianismo, para mostrarem que não se deve rejeitar estes últimos como inadmissíveis. Os autores, diz Justino, "que nos transmitiram os mitos dos poetas não fornece, aos jovens que os estudam, provas de espécie alguma. Quanto a nós, vamos demonstrar que eles são devidos à inspiração dos maus demônios e destinados a enganar e desviar a raça humana. Porque, ao ouvirem proclamar pelos profetas a vinda do Cristo e o castigo pelo fogo dos homens ímpios, esses demônios fizeram aparecer certos homens sob o nome de filhso de Júpiter, esperando, assim, dar a impressão de que o que se diz do Cristo não é senão um conto maravilhoso do mesmo gênero das narrações dos poetas. Na verdade, os demônios, tendo ouvido o profeta prescrever esses rituais de purificação, inspiraram, aos que penetram nos templos, oferecerem bebedeiras e holocaustos, e a ideia de aspersão exatamente idêntica, igualmente levaram os fieis a se lavarem ao abandonar o templo. Os maus demônios imitam a ceia nos mistérios de Mitra e prescrevem celebrar-se um culto semelhante. Quanto a mim, eu rio-me ao descobrir o mau disfarce com que os espíritos malignos revestem as doutrinas divinas do Cristianismo, a fim de desviarem os homens". Essas identidades, eram, portanto, consideradas como obra de demônios, como cópias dos originais cristãos espalhadas em profusão no mundo, anteriormente ao Cristo, para prejudicar a recepção da verdade, quando esta aparecesse. É bastante difícil ver, nas doutrinas mais antigas, cópias e nas mais recente os originais, mas, sem discutir com Justino o Mártir, se as cópias precederam os originais, ou os originais às cópias, aceitamos seu testemunho quando declara que essas identidades existiam entre as crenças espalhadas, nessa época, no Império Romano e a nova religião que ele próprio defendia. Tertuliano (160-220) é igualmente categórico, quando menciona nestes termos a objeção ao Cristianismo. "Os povos que não têm nenhuma noção do que o Espírito pode executar, atribuem aos seus ídolos a faculdade de comunicara à água propriedades idênticas. "Eu reconheço o fato", respondeu Tertuliano francamente, "mas estas pessoas empregam, sem perceberem, uma água sem nenhuma eficácia. Certas abluções (parte do ritual em que o sacerdote católico despeja água sobre os dedos durante o ofertório e durante a comunhão) acompanham, com efeito, a Iniciação nos ritos sagrados de Ísis ou Mitra bastante conhecidos; e aos próprios deuses honram com abluções. Nos jogos Apolíneos e Eleusionos, eles são batizados e julgam, assim, obter a regeneração e a remissão dos pecados devidos aos seus perjuros (aquele que falha em seu julgamento ou que jura falsamente). Nós reconhecemos o fato e verificamos aqui ainda o zelo do demônio, procurando imitar as coisas de Deus, batizando ele próprio seus adeptos. Para resolver o problema dessas identidades, é necessário estudar o Cristo Mítico, o Cristo dos mitos ou legendas solares, porque estes mitos são formas pitorescas sob as quais foram dadas ao mundo certas verdades profundas. Ora, um mito não é o que geralmente se supõe, isto é, uma história fantástica fundada num fato real ou mesmo sem esta base. O mito é infinitamente mais verdadeiro que a história; a história apenas nos mostra uma sucessão de sombras e o mito nos fala dos corpos que as produzem. "O que está em cima é análogo ao que está embaixo". Podemos acrescentar que o que está em cima precede ao que está embaixo. Podemos acrescentar que o que está em cima precede ao que está embaixo. Nosso sistema foi edificado segundo certos princípios admiráveis; estes princípios  são guiados  por leis que lhes asseguram a aplicação detalhada; certos Seres personificam estes princípios e as leis são seus modos de ação. Inumeráveis seres de grau inferior servem de veículos, ou agentes,  instrumentos de suas atividades; entre estes últimos encontram-se Egos humanos que lhes são associados nessa tarefa e representam um papel no grande drama cósmico. Todos esses trabalhadores pertencentes aos mundos invisíveis projetam suas sombras na matéria física, e estas sombras são "coisas", os corpos, os objetos que compõem o universo físico. Estas sombras não dão senão uma pobre ideia dos objetos dos quais elas provém; são as silhuetas que apenas se apresentam, sem detalhes, numa obscuridade uniforme, bastante ampla, mas sem profundidade. A história é uma narração muito imperfeita, e quase sempre desfigurada, da dança caprichosa dessas sombras, no mundo ilusório da matéria física. E quem já viu funcionar uma lanterna mágica e comparou os movimentos executados por detrás do écran (quadro branco sobre os quais se projetam imagens fixas ou animadas, no cinema ou na televisão), onde se projetam as sombras, poderá fazer ideia aproximada da natureza ilusória das sombras ações e deduzir algumas analogias sugestivas. O mito é a narração dos movimentos dos que projetam suas sombras, e a linguagem empregada por esta narração e o que se chama linguagem simbólica. Aqui embaixo empregamos palavras para representar os objetos; a palavra mesa, por exemplo, é o símbolo de um objeto conhecido". Continuamos na parte II. Beijo. Davi.

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