sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Bhagavad Gita. Parte I.

Nesse capítulo se descreve o combate entre o Bem e o Mal, que provêm do rompimento da Unidade, tanto no Homem como na Natureza. O Homem em evolução, representado por Arjuna, acha-se rodeado de ilusões que pertencem à sua natureza inferior, mortal, e deve vencê-las; porém, como se acostumou a identificar-se com elas, falta-lhe o necessário ânimo.

Disse Dhritarâshtra (2), rei dos Kurus (1), falando com o fiel Sanjaya: Conta-me, ó Sanjaya, os feitos dos meus guerreiros e os do exército dos Pândavas (3), quando se reuniram para se combaterem no sagrado campo dos Kuros.    (2). Representa a vida material e as forças cegas; (1) representam as forças inferiores da alma. (3). Significam as forças superiores.

Pôs-se a relatar Sanjaya: Quando o teu filho Duryôdhana (4), o comandante supremo dos teus exércitos, ó rei, avistou as falanges dos Pandavas, preparadas para o combate, se aproximou do seu preceptor Dro-na, o filho de Bharadvaja, e disse:    (4). Dificilmente vencível, obstinado.

Vê, ó Mestre, as poderosas multidões dos filhos de Pându, que constam de vastas fileiras de guerreiros experientes e audaciosos, comandadas pelo valente e sábio filho de Drupada, teu discípulo.

Vê como é grande o número daqueles com batentes fortes que ali estão em seus carros de guerra e com seus arcos e flechas. Há, entre eles, heróis iguais a Bhima (5), e Arjuna (6).    (5). É a vontade espiritual. (6). É o homem em seu desenvolvimento.

Lá estão: Virâta, Yuyudhâna, Drupada, Dhristakêtu, Chekitâna, o rei dos Kasis, Purujit, Kuntiboja, Saivya. Ali estão: o audaz Yudhâmanyo, o forte Uttamauja, o filho de Subhadra e todos os filhos de Drupada (7).    (7). Os heróis mencionados aqui e nos seguintes versículos representam forças intlectuais, faculdades, paixões, artes e ciência. Os "carros" são os corpos pelos quais essas forças se manifestam no homem. As forças inferiores são servidoras do egoísmo e do instinto cego, ao passo que as superiores agem em harmonia com a Vontade Divina.

Porém, igualmente do nosso lado, sob o meu comando, encontras os melhores generais e heróis do nosso povo. Aqui estás tu mesmo, e conosco se Vê Bhishma, Karna, Kripa, Asvatthâman, Vikarna, Somadatti.

Todos estes e muitos outros guerreiros fortes, valentes e experimentados, trazendo as suas armas favoritas, prontos estão para combater por nossa causa e, com entusiasmo, arriscarão a vida por mim.

Porém, ó Mestre hei de confessar-te que este nosso exército, se bem que muito valente e comandado por Bhishma (8), na minha opinião não tem o número e a força suficiente, enquanto em nossa frente está o inimigo, comandado por Ma, em posição ameaçadora, e muito mais forte ( ... )    (8). É o egoísmo. O exército dos Kurus, isto é, as forças inferiores, tem por chefes o Egoísmo e a Obstinação; o exército Pândava, isto é, as forças espirituais superiores, obedecem a Vontade Divina.

Ordena, pois, aos capitães do meu exército que todos ocupem os seus lugares e que se preparem para auxiliar e defender o nosso comandante Bhima. Soprou então Bhima, o velho chefe dos Kurus, em sua grande corneta e o seu toque soou como o rugido do leão, excitando a coragem e o ânimo de seus guerreiros.

E, em resposta, imediatamente se ouviu o som tumultuoso de inumeráveis outras cornetas e conchas, címbalos, tambores e trombetas, nas falanges os Kurus.

Igualmente deram sinal bélico. Krishna, a encarnação de Deus, e Arjuna, filho de Pându, que estavam em seu magnífico carro de guerra, ornado com ouro e pedras preciosas, e puxado por cavalos brancos (9). E responderam os instrumentos dos Pândavas em som repetido o desafiador, como o som de trovão violento.    (9). É o símbolo da pureza; cavalo, o símbolo da força e da obediência.

A corneta que tocava Krishna, o dominador dos sentidos, fora feita de osso de gigante. O nome da corneta de Arjuna era Devadatta (dom de Deus). O forte bhima tocava a corneta com o nome de Paundra (o Povo). Yudishtira, filho de Kunti, a (Vitória), Nakula e Sahadeva tocavam a Harmonia e a Glória.

Ouvia-se o toque dos famosos guerreiros Kâsya, Sikhandin, Dhrishtadyumna, Virâta, Sâ-tyakij. E de Drupada e seu povo, e dos filhos valentes de Subhadra.

E vibrou o ar, como quando se prepara uma horrível tempestade, e a superfície da terra vibrou no mesmo ritmo. E o povo de Khritarâshtra estremeceu aterrorizado.

Então Arjuna, em cuja cimeira figurava um macaco (10), vendo que os Kurus estavam já em ordem de batalha, e que as flechas começavam a voar pelos ares, tomou na mão o seu arco e disse a krishna, que estava com ele no carro:    (10). Tomando como símbolo de audácia e empenho.

Fazei parar, ó Imutável, o nosso carro no meio do espaço entre estes dois exércitos opostos. Quero ver de perto os que aqui estão reunidos com o desejo de nos matarem, e com os quais devo travar sangrento combate.

Deixa-me ver os meus inimigos, os partidários insensatos, os partidários insensatos do malicioso e vingativo filho de Dhritarâshtra. Quando Arjuna assim falou, Krishna fez parar o carro no meio do espaço entre os dois exércitos contrários (11).    (11). Antaskârana, a ponte ou o caminho entre a terrena e a divina parte da mente.

E viu Arjuna que, divididos em dois partidos bélicos, ali estavam seus parentes: pais e filhos, irmãos, cunhados, avós e netos, tios e sobrinhos, sogros e genros.

Notou também que mestres, benfeitores, amigos e camaradas ali estavam, preparados para se combaterem reciprocamente (12).    (12). Também as forças inimigas são nossos amigos e mestres, pois por meio delas é que alcançamos a experiência; elas são os degraus pelos quais o homem sabe até ao conhecimento perfeito de si mesmo.

E quando Arjuna viu isso, entristeceu-se no seu nobre coração e, cheio de aflição e dó, proferiu estas palavras: Ó Senhor, vendo eu as faces e os vultos dos parentes que querem lutar uns contra os outros, sinto exaustos de forças os meus membros e sem sangue o meu coração.

As minhas pernas tremem, os meus braços não me obedecem; a minha face está em agonia; a febre queima-me a pele; os pensamentos se confundem no meu cérebro; todo o meu corpo está em convulsões de horror; o arco cai das minhas mãos.

Mais sinais vejo nos ares, e estranhas vozes ouço falar ao redor de mim; estou todo confuso e indeciso. não vejo nada de bom em matar em guerra os meus parentes e meus companheiros.

Não desejo a glória de vencedor, ó Krishna! Não aspiro nem ao reino nem aos prazeres, nem ao domínio; para que me serve o domínio, a riqueza ou a vida mesma? Todas estas coisas me parecem muito vãs e sem agrado, enquanto que aqueles para quem tudo isso seria desejável a própria vida!

Tutores, pais e filhos, avós e netos, tios e sobrinhos, primos, cunhados, mestres e companheiros vejo perante mim; não quero matá-los, embora eles tenham sede do meu sangue. Não quero matá-los, embora com isso obtivesse o reino dos três mundos, quanto mais pelo governo de um pedaço de terra!

Se eu matar os meus consanguíneos, os filhos de Dhritarâshtra, que felicidade ou gozo poderia me alegrar! Se nós os derrotarmos, o remorso seria o nosso companheiro contínuo. Penso que devemos abster-nos de matarmos os nossos parentes e consanguíneos; porque como poderemos ser felizes, se exterminamos a nossa própria raça?

Não podemos desculpar-nos dizendo que eles são tão depravados e sedentos de sangue, que não vêm mal algum em derramarem o sangue de seus parentes e amigos. Tal argumento não nos justifica, porque nós sabemos melhor que a matança dos parentes é grande pecado e horror.

Tem-nos sido ensinado que, com o extermínio de uma geração, se destrói a virtude, e com a destruição da virtude e da religião de um povo, apoderam-se de toda a raça o vício e a impiedade.

Onde reina a impiedade, corrompem-se também as mulheres nobres, e onde a mulher está corrompida, desaparece a pureza do sangue.
A adulteração do sangue é precursora do esquecimento dos ritos devidos aos antepassados, e estes (se as doutrinas do povo são verdadeiras) (13), sendo privados dos sacrifícios de que se sustentam, caem das alturas celestes.    (13). A tradição, que prescrevia o respeito à família, aos parentes, aos instrutores, aos ritos, a instituição e deveres das castas, sem o que a alma cairia em condições   piores,
antes e depois da morte.

                                                                                                                                                           O sistema de Castas (Varna) Indiano é dividido de acordo com a estratificação do corpo de Brahma, sendo quatro principais as seguintes: A cabeça (Brahmanes) representa os sacerdotes, filósofos e professores. Os braços (Xátria) são os  e os governantes. As pernas (Vaixás) são os comerciantes e os agricultores. Os pés (Sudras) são os artesão, os operários e os camponeses. A "poeira dos pés", não foram originados do corpo de Brahma, por isso pertencem às castas, são os Dalit ou Párias, chamados de intocáveis a quem Mahatma Gandhi deu o nome de Harijan ou os Filhos de Deus. Esses são considerados impuros, e por isso, ninguém ousa tocar-lhes, fazendo os trabalhos considerados os mais desprezíveis como: recolha de resíduos, coveiros, talhantes, etc. Na sequência das invasões Mongóis na Índia (século XIII) milhões de Párias converteram-se ao Islamismo, uma religião que não os ostracizava. Oficialmente, desde quando a Índia adotou uma Constituição (1950), o sistema de castas foi abolido em seu território. Contudo as tradições e a forte religiosidade ainda resistem as ações governamentais e transformações econômicas que atingem a realidade presente dos indianos. Enquanto isso o regime tradicional já contabilizou mais de três mil classes e sub classes que organizam esse complexo sistema de estratificação social. Abraço. Davi.







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