sábado, 20 de dezembro de 2014

Bhagavad Gita. Parte III

"Se fores morto em batalha, o céu dos guerreiros será a tua recompensa; se fores o vencedor, será teu o domínio sobre a terra. Tem, pois, coragem, ó filho de Kunti, e decide-te a combater com ânimo firme.

Com a mente tranquila, aceita como igual o prazer e a dor, o ganho e a perda, a vitória e a derrota. Cinge-te para a peleja, cumpre o teu dever, e evita assim o pecado.

O que te expus, ó Arjuna, é a doutrina de Sankya, filosofia especulativa da vida e das coisas. Agora, prepara-te  também para ouvir a doutrina de uma Escola, chamada Yoga. Se com a devida profundeza e concentração, chegares a compreender estas verdades, libertar-te-ás das cadeias das ações. 

Nada de teus esforças se perde neste caminho; já a menor porção desta ciência e prática (1) nos livra de grande medo e perigo. (1). Yoga significa "União", não só no sentido de doutrina filosófica, como também na prática; o saber teórico sem a realização prática não tem valor.

Neste ramo de ciência, há um só objeto em que a mente pode concentrar-se com segurança, muito ao contrário de outros campos de esforço mental, cheios de múltiplos ramos, numerosos caminhos e divergentes fins.

Muitos há que, saciando-se com as letras (ou com o sentido exterior, superficial das Sagradas Escrituras e doutrinas, e não podendo perceber o seu verdadeiro sentido interior, acham grande deleite em controvérsias técnicas a respeito do texto, em definições monstruosas e abstrusas interpretações.

Os corações desses homens estão cheios de desejos e esperanças pessoais; o seu mais alto ideal é um céu, onde acham todos os objetos de seus prazeres, a satisfação do seu sensualismo, e não se elevam à altura de onde se percebe a união de todos os seres. Usam palavras floreadas, inventam várias cerimônias e falam muito dos prêmios que esperam aqueles que as observam, e dos castigos em que caem os que são de outras opiniões. 

Fica, porém, sabendo que laboram em erro; é-lhes desconhecido o uso da Razão concentrada, e estranhas lhes são as alturas da consciência espiritual.

Os Vedas (outra Sagrada Escritura dos Hindus) tratam das três Gunas ou qualidades da Natureza (2) e instruem os pensadores a se elevarem acima delas. Liberta-te, ó Arjuna, dessas Gunas; sê livre dos contrastes das forças opostas da natureza, que pertencem à vida finita e às coisas sujeitas à mudança. Procura para teu descanso a consciência do teu Eu Real, a Verdade Eterna. Deixa longe de ti os cuidados mundanos e a avidez de possessões materiais. Concentra-te em ti mesmo, e não te entregues às ilusões do mundo finito.

Como de um tanque, em que de todos os lados flui água, pode-se tirar o fluido cristalino para encher-se com ele muitos vasos de diferentes formas e dimensões, assim as doutrinas dos Livros Sagrados fornecem à mente do estudante sério, tudo aquilo de que ele precisa para chegar ao conhecimento das coisas divinas, conforme o grau e o caráter de seu desenvolvimento.

Seja, pois, o motivo das tuas ações e dos teus pensamentos sempre o cumprimento do dever, e realiza as tuas obras sem procurares recompensa, sem te preocupares com o teu sucesso ou insucesso, com o teu ganho ou o teu prejuízo pessoal. Não caias, porém, em ociosidade e inação, como acontece facilmente aos que perderam a ilusão de esperar uma recompensa das suas ações.

Coloca-te no meio entre esses dois extremos, Seis príncipe, e cumpre, em tranquila resignação, o dever por ser dever, e não pela expectativa da recompensa. Conserva ânimo igual na ventura ou desventura; assim é que faz o Yogi.

Por muito importante que seja a tua reta ação, o primeiro lugar pertence sempre ao reto pensamento. Procura, portanto, o teu refúgio na paz e na calma do reto pensar, Seis Arjuna; porque aqueles que baseiam o seu bem estar só nas ações, com estas necessariamente perdem a felicidade e a paz, e caem na miséria e no descontentamento.

Quem atingiu a consciência de yogi, é capaz de elevar-se acima dos resultados bons e maus. Esforça-te por atingir esta consciência, porque ela é a chave que abre o mistério da ação.

Os sábios, que renunciam mentalmente os frutos possíveis de suas retas ações, libertam-se das cadeias dos renascimento e se encaminham para a morada eterna.

Quando te tiveres elevado acima da trama das ilusões, não te inquietarás com os cuidados e questões a respeito das doutrinas, nem com as disputas sobre ritos, cerimoniais e outros enfeites dispensáveis da vestimenta da ideia espiritual.

Livre serás, então, de todas as opiniões alheias, tanto das que se acham nos Livros Sagrados, como das dos teólogos eruditos ou dos que ousam interpretar o que não compreendem; em lugar disso, fixarás a tua mente na mais séria contemplação do Espírito. E assim, alcançarás, a harmonia com o teu Eu Real, que é a base de tudo.

Diz Arjuna: Explica-me, Seis Mestre cujos raios de saber tudo penetram, quais são os sinais distintivo que caracterizam os homens sábios; aqueles que são firmes e constantes no conhecimento e fixos na contemplação; como se comportam e como agem? Como se pode reconhecê-los?

Fala (Krishna) o Verbo Divino: Quando um homem, ó príncipe, quebrou os vínculos dos desejos do seu coração e está internamente satisfeito consigo, atingiu a Consciência Espiritual e firmou-se no conhecimento.

A sua mente não é perturbada nem pela adversidade nem pela prosperidade; aceita ambas, sem apegar-se a nenhuma. Nele não tem parte a ira, nem o medo, nem as paixões; ele merece o nome de sábio.

Com equanimidade suporta as vicissitudes da vida, tanto as favoráveis como as desfavoráveis; não se entrega nem à alegria excessiva, nem à tristeza. Nada lhe rouba a liberdade.

Quando um homem chegou a possuir a verdadeira Sabedoria Espiritual, é semelhante à tartaruga que encolhe para dentro da sua casa os seus membros. Assim o homem sábio é capaz de desviar os seus sentidos dos objetos que neles produzem impressão, e abrigá-los das ilusões do mundo exterior, protegendo-os pela armadura do Espírito.

É verdade que o homem que se abstém dos excessos sensuais,é capaz de negar a satisfação dos sentidos; tal homem, porém, ainda é inquieto pelos desejos de gratificação. Mas aquele que achou o seu Eu Real dentro de si, é livre até do desejo e de toda tentação que desaparecem como a sombra ante a luz meridiana.

O homem que se abstém, às vezes sucumbe ainda ao ataque repentino de um desejo tumultuoso; mas quem conhece que o seu Eu Real é a única realidade, esse é senhor de si mesmo, de seus desejos e de seus sentidos.

Tendo vencido os sentidos, pode descansar em minha Divindade (a de Krishna), contemplando o Ser Real; o irreal, o ilusório, não existe para ele. Quem anela objetos dos sentidos, nos quais pensa e os quais contempla, fica atraído e enlaçado por esses objetos; desta atração e deste enlace provém o desejo, o desejo gera a paixão.

A paixão é a causa da perturbação mental e da temeridade; estas trazem a confusão e a perda da memória (das verdades já reconhecidas); da perda da memória resulta a perda da razão, e, com isso, perde-se o homem totalmente.

Mas quem, senhor de si mesmo, encontra os objetos dos sentidos, sem a eles anelar e sem deles fugir, esse alcança a Paz. E na Paz que superior a todo o intelecto, ele encontra a sua libertação de todas as aflições e dores da vida. Quando, porém, a sua mente está livre destes elementos de inquietação, fica aberta ao influxo da Sabedoria e da Ciência.

Não podem chegar a verdadeira ciência aqueles que não entraram nessa Paz, pois, sem a Paz e sem a calma não é possível existir Sabedoria, nem felicidade. Onde não há Paz, encontra-se somente a tormenta dos desejos sensuais, que destrói a faculdade do saber, assim como um feroz vento borrascoso (temporal com ventania violenta e de pouca duração) impede o forte navio que caminha pelas ondas do Oceano.

Por isso, ó príncipe , só aquele cujos sentidos são plenamente livres de atração dos objetos sensuais e protegidos pelo saber do Espírito, tem o verdadeiro conhecimento. Aquilo que parece ser claridade de dia à massa do povo, é para ele escuridão e ignorância; e aquilo que é noite para a multidão, ele reconhece como luz meridiana. Isto quer dizer que aquilo que à gente do mundo sensorial parece ser real e verdadeiro, para o sábio é ilusão; e aquilo que a maior parte dos homens julga ser irreal e não existente, o sábio conhece como o único que é Real e existente.

O homem, cujo coração é como o Oceano, a que afluem todos os rios e que, apesar disso, permanece constante e não sai dos seus limites; o homem que sente o ímpeto dos desejos, das paixões e inclinações, mas que, todavia, fica imóvel, esse alcança a Paz (3). Aquele, porém, que se entrega aos desejos, não conhece a Paz, e é escravo dos desejos inquietantes. (3).  Tal estado, em que todos os desejos e todos os pensamentos dormem, mas em que se sente a mais elevada consciência da Divindade, chama-se Samadhi; sendo um termo da língua sânscrito.

Aquele que se separou dos efeitos dos desejos, e abandonou os prazeres da carne, tanto em pensamento como em ação, caminha diretamente para a Paz. Quem deixou atrás de si o orgulho, a vanglória e o egoísmo, caminha diretamente para a Bem Aventurança.

Este é, ó príncipe de Pându, o estado da união com o Ser Real, o estado bem aventurado da Consciência Espiritual. Quem o atingiu, não se deixa embaraçar nem desviar pela ilusão. E quem, havendo-o atingido, nele permanece na hora da morte, entra diretamente em Nirvana (2), em Brama (3), no seio do Pai Eterno.  (2). Essa palavra designa a desaparição de todas as ilusões; é o domínio completo do espírito sobre a matéria. (3). É o Deus Criador". Abraço. Davi.






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