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INTRODUÇÃO AO HINDUÍSMO. Parte I. A RELIGIÃO QUE INCLUI TODAS. O Hinduísmo é
uma religião tão abrangente que resulta mais fácil dizer o que não é, do que o
que é. Não se trata de uma religião inflexível, pois oferece amplo espaço para
a liberdade de expressão. É possível aproximar-se dele sob um ponto de vista
próprio, individual, e crescer nele de acordo com a própria personalidade. Não
é uma religião exclusivista e nem reivindica ser a única verdadeira. A menos
que se esteja preparado para aceitar que Deus tenha cometido vários erros,
deve-se aceitar que, se uma religião é verdadeira, todas as outras devem ser
verdadeiras também. Por isso, a fé hindu, sendo um sistema de sabedoria e um
guia para uma vida apropriada, não é só para hinduístas, mas também para
pessoas de todos os tempos, países e religiões. A pessoa pode ser um bom
hinduísta sendo um bom cristão, um bom muçulmano, um bom comunista, um bom ser
humano e mesmo um bom ateu. Embora eu seja hinduísta de nascimento, cresci numa
escola católica, e, assim, me mantenho aberto a outras escrituras e fé
religiosas. Como resultado de meus antecedentes hinduístas, não sinto aversão
por estar numa igreja ou mesquita. De fato, encontro a mesma elevação
espiritual numa igreja cristã como num templo hindu. Não é uma religião
missionária e não objetiva a conversão de fiéis. O leitor tem que se sentir
livre, sem receio de que sua religião seja enfraquecida quando ficar entendida
a verdadeira finalidade destas páginas. Na verdade, compreender o hinduísmo
servirá para fortalecer sua própria religião e ajudar a acrescentar harmonia
para relacionar-se com outras pessoas e culturas. AS ESCRITURAS DO HINDUÍSMO.
Enquanto as escrituras de outras religiões derivam sua autoridade de um Deus
pessoal, anjo ou mensageiro especial, os Vedas, que são a escritura básica do
hinduísmo, não fazem tal reivindicação. “VID” significa conhecer, e os Vedas
representam o conhecimento infinito, não criado, eterno. O conhecimento não
pode ser inventado, mas somente descoberto. A soma total do conhecimento é
chamada Vedanta, que significa “verdade descoberta”, verdade descoberta pelos
Rishis, almas que realizaram sua clarividência e não apenas sua vidência. O
Rishi não demanda propriedade ou direitos autorais por seu pensamento ou
conhecimento. Nada de novo há no universo. Só os descobrimentos parecem novos.
Cristóvão Colombo (1451-1506) descobriu o que já existia: a América. Os Rishis
descobriram o sempre existente Conhecimento. Este Conhecimento, representado
pelos Vedas não é algo que deva ser aceito só porque está expresso em preto e
branco em um livro. Não: o conhecimento dos Vedas pode ser experimentado por
todo e qualquer ser humano por ser a Verdade. Pela experimentação pessoal
pode-se verificar a eterna Verdade encerrada dentro de si mesma. Aliás, este é
o desafio do hinduísmo. A fé é, certamente, necessária, mas as asserções dos
Vedas não necessitam de aceitação na forma da fé cega. Questione tal
conhecimento, experimente-o e, finalmente com perseverança, vivencie-o por si
mesmo. Não é forçoso ficar satisfeito com o que já está estabelecido como, por
exemplo, que “a manga é doce”. O hinduísmo o convida e o encoraja a ir além:
morder, provar, sentir seu doce néctar escorrendo pelo seu ser, para saber por
você mesmo que “a manga é doce”. Os Vedas – Rig Veda, Sama Veda, Yajur Veda e
Atharva Veda – estão divididos em duas partes principais: a do trabalho ou
ação, e a do conhecimento. Na parte do trabalho, estão incluídos os deveres da
pessoa: deveres como estudante, homem do lar e monge. Já a parte final dos
Vedas é chamada Vedanta e contém as UPANISHADES – essência do conhecimento
espiritual dos Vedas. À semelhança das outras religiões, o hinduísmo possui
muitas escolas com várias interpretações das escrituras. Porém, qualquer seita
que reivindique ser parte do hinduísmo deve reconhecer a autoridade das
Upanishades e dos Vedas. O próprio nome “hindu” é proveniente da Vedanta. Além
dos Vedas, o hinduísmo também tem outras escrituras, e um resumo das mais
importantes será feito neste capítulo. Presentemente direi que o hinduísmo tem
os SMRTIS ou “Códigos da Lei”, cuja origem é humana. Entre os melhores
conhecedores que estabeleceram as leis que regulam as sociedades está Manu. O
Hinduísmo é uma religião dinâmica, e os Códigos da Lei nos SMRTIS são flexíveis
e mudam de tempos em tempos segundo as necessidades do gênero humano. A relação
do SMRTI com o SRUTI (Veda) equivale à do corpo com a alma. O corpo é sujeito à
mudanças e a alma, não. A alma está além do tempo. O “Ramayana” de Valmiki e o “Mahabharata”
de Vyasa são também escrituras do hinduísmo e podem ser descritos como “O Veda
Popular” onde histórias e lendas são usadas para ilustrar os princípios da
Vedanta. Os Puranas são histórias religiosas que ilustram a verdade do SRUTI,
narrando os feitos dos reis, deuses e santos. Entre as maravilhosas histórias
dos Puranas estão as de PRAHLADA e DHRUVA. É difícil descrever nossa própria
mãe, bem como o BHAGAVAD GUITA. Nós estamos todos no campo de batalha da vida,
e o Guita foi apresentado pelo Senhor Krishna ao guerreiro Arjuna num campo de
batalha. Cada momento de nossa vida requer decisões, e o Bhagavad Guita provê
as respostas a milhares de questões e problemas que surgem no decorrer da vida.
O que fazer e o que não fazer estão respondidos no Guita. O caminho da devoção,
do trabalho e do conhecimento estão ali descritos e unificados. As questões da
vida em geral, e as de morte e vida, são abordados nele. O relacionamento entre
pessoas, e entre a pessoa e Deus, também. O Guita é a essência das Upanishades.
Muitos já disseram que os que estudam constantemente o Guita e vivem a vida
nele indicada não necessitam de outro livro. Com frequência as pessoas ficam
confusas pela grande quantidade de livros existentes. O Guita responde às
questões apresentadas por Arjuna em nome de todos nós. Os conflitos de Arjuna
são os mesmos que sempre tivemos e temos hoje. O que foi escrito até aqui é
somente um resumo. Para o iniciante seria bom que primeiro lesse uma versão
simplificada e condensada das várias escrituras a fim de obter uma compreensão
inicial e um panorama geral de cada uma delas antes de ler o texto completo. A
TEORIA DA CRIAÇÃO. A criação implica algo feito do nada. Diz a lógica que “do
nada, nada procede”. “Nada” não pode ser “alguma coisa”. Por isso, “criação”
não é a palavra certa para ser usada aqui. Vejamos a definição de espaço. O
espaço pode conter planetas, astronaves, estrelas, mas, em si mesmo, não é
substância alguma. De fato, ele nada tem a ver com nenhuma dimensão limitada.
Em outras palavras, o espaço é infinito e a existência de planetas não diminui
a infinita dimensão do espaço. Se você olha uma xícara, existe espaço fora
dela, espaço dentro dela, espaço nas “paredes”, na base, e na asa da xícara. A
existência da xícara não reduz ou contradiz a infinitude do espaço. Nas
Escrituras cristãs, com relação à Criação, se diz que “primeiro era o Verbo, e
o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus”. O conceito hinduísta é
semelhante, embora não reconheça um começo para a Criação nem um ponto final.
O hinduísmo acha a palavra “emanação” mais apropriada do que “criação”.
Chame-se a isso natureza ou chame-se a isso Deus. Dessa Verdade sempre
existente o universo parece projetado, parece existir, e parece dissolver-se.
Tal como as ondas do oceano, “ondas” que aparecem e desaparecem todo o tempo. A
continuidade entre essas oscilações é a eternidade. O aparecimento e o
desaparecimento das ondas não afetam de maneira alguma o oceano, e essa
emanação e sua retirada ou absorção não atinge a Suprema Verdade a qual é
sempre infinita, sempre contínua. Nas escrituras, a palavra “começo” algumas
vezes é usada. Refere-se ao início de um ciclo. O que é o mundo do homem? É
nada mais que o reflexo de sua própria emanação. Toda poderosa é a vontade
humana, e o ambiente ou circunstâncias podem ser determinados por uma constante
vontade, seja ela expressa por uma única determinação ou pela oração intensa e
contínua. A LEI DO KARMA (AÇÃO). A lei da Física estabelece que “para cada ação
há uma reação igual e oposta”, e o que é tido como verdade para os físicos
também é válido para as ações do homem. O tempo de reação difere devido à
diversidade das ações, mas a reação é certa. Vejamos alguns exemplos: dê uma
tapa no rosto de sua esposa e você não terá que esperar muito tempo pela sua
reação. Uma bofetada em resposta machucará seu rosto em questão de segundos.
Claro que isto é apenas um exemplo e, de certo o leitor não precisa fazer essa
experiência… Coma mais lentamente, muito mais lentamente do que você necessita,
pois a energia atômica da comida é absorvida primeiro na boca. Durante alguns
anos, o estômago aceita o abuso, mas, pouco a pouco, deteriorar-se-á a tal
ponto que não terá mais condições de comer sequer o necessário. Em geral, atos
de bondade não são apreciados pelos outros porque nosso ego, em princípio, é
contrário a tudo. E ao que parece eles também nunca são bem retribuídos.
Desnecessário dizer que atos de bondade nunca deveriam ser pagos ou
retribuídos, já que seu motivo é a bondade. Ainda assim, a lei do Karma age
sempre e, quando você menos esperar, sua bondade será retribuída e compensada
com uma soma generosa de juros. O que acontece com a lei do Karma quando, por
exemplo, uma pessoa comete um assassinato já próximo ao fim de sua vida, e logo
depois morre, antes de essa ação ser eliminada ou punida? Por outro lado, o que
acontece à pessoa que pratica boas ações e morre antes de ter tempo de
desfrutá-las? A lei do Karma opera com base na eterna continuidade da vida. A
morte do corpo físico nada mais é do que – de acordo com o Senhor Krishna, no
Bhagavad Guita – um deixar do corpo velho e usado e um adquirir de um outro,
novo, da mesma maneira com que uma pessoa descarta uma roupa velha em troca de
uma roupa nova. A simples troca de “roupas” não cria um indivíduo novo. A alma,
com suas qualidades de “ativo e passivo” do Karma, impulsiona a si mesma para
o novo corpo. Sua “conta bancária” é transferida para uma nova seção. Todavia,
seu saldo bancário e empréstimo permanecem os mesmos para desfrute e remuneração,
respectivamente. Então, a ação do assassínio, que não foi eliminada, terá sua
punição na vida seguinte. O homem bondoso, que não teve sua recompensa naquela
vida, com certeza terá na seguinte. As pessoas que não estão familiarizadas com
a lei do Karma criticam dizendo que Deus não é justo, e fazem perguntas tais
como “Por que este bebê é cego? Que mal ele pode ter feito a alguém? Por que
este homem preguiçoso ganhou um milhão de dólares na loteria?” A pessoa
familiarizada com a lei do Karma apenas terá um sorriso para essas questões
porque sabe que cada pessoa é responsável por seu próprio destino, já que nós
mesmos o criamos. A palavra “destino” leva-me à última parte deste capítulo.
Algumas pessoas querem tomar a saída mais fácil a este respeito e dizem que,
“se tudo nesta vida é determinado pelo destino ou sorte – ou pelo resultado de
suas prévias ações – então por que se aborrecer em fazer algo agora?” Elas
dizem: “O que tem que acontecer, acontecerá”. É importante compreender a
verdade sobre o destino. Fazer o seu próprio destino é um processo contínuo.
Dizer que as ações da vida passada vão governar inteiramente esta vida é
ignorar o fato de que suas ações presentes também afetam o futuro. Certamente,
as ações de suas vidas prévias atingem, afetam você. Mas, a qualquer momento
particular de sua vida, você terá o direito e o poder de criar um destino novo
e melhor. A vontade humana, tal como eu disse anteriormente, tem grande poder.
Você até pode ser influenciado pelas prévias más tendências. Todavia, sua
vontade pode vencê-las desde que, fortalecendo-a, ela leve você a melhorar e,
em consequência, melhorar seu futuro. No hinduísmo não há limites do quanto
você pode avançar. Então, se seu esforço é vigoroso e constante, com a graça de
Deus a onipresença em você mesmo poderá ser sua recompensa! Maior retribuição,
mais desejável recompensa que essa, não existe. A bênção da onipresença! Galgue
a montanha e veja o panorama extenso à sua frente, em todas as dimensões. Sinta
a bênção da unidade conjuntamente com a expansão do panorama. Para vislumbrar
a bênção – a infinita e sempre renovada bênção da onipresença, multiplique a
“bênção do cume da montanha” um bilhão, um trilhão, um quatrilhão, um
quintilhão, um sem-fim de vezes. A ALMA DO HOMEM. Olhe para um ventilador, uma
lâmpada elétrica, um aquecedor. Se suas tomadas não forem ligadas à
eletricidade, os aparelhos estarão “mortos”. Serão apenas um amontoado de
metais. E se a eletricidade não estivesse permanentemente acessível, o que
faria você com esses aparelhos? Certamente os jogaria fora. Quando a
“eletricidade” ou a “chispa” que alenta e anima o corpo humano se vai, nós
“jogamos fora” o corpo (cremamos ou enterramos). O que é essa “Chispa” que dá
vida ao corpo humano? Chame-a por qualquer nome, mas é certo que existe algo
que faz diferente o ser vivo, a quem amamos e cuidamos, do corpo morto, o qual
não podemos sequer demorar para dele dispor. Qualquer pessoa que tenha visto um
ser vivo e um corpo morto não discute se a alma humana existe. É a alma que
mora no ouvido, no olho, nos sentidos do tato, gosto e olfato, e na mente. É a
alma que permite a você experimentar os objetos dos sentidos. Um corpo sem
alma – corpo morto – não grita de dor se você o finca com um alfinete ou se
você o corta. E não sorri se você sorrir, e não o beija se você o beijar. De
uma macieira não crescem peras. Assim, a consciência não provém da
inconsciência e a alma somente pode vir da “árvore” da Consciência. Voltemos ao exemplo do ventilador, da lâmpada elétrica e
do aquecedor. Nós os ligamos e desligamos, e essa ação completa o circuito
elétrico. Então, a “doação da vida”, a energia, passa do gerador aos aparelhos.
A mesma energia faz o ventilador girar, a lâmpada iluminar e o aquecedor
aquecer, tudo de acordo com seu próprio mecanismo. Sim, a alma humana nunca se
separa do “Gerador” da Consciência. Chame-o “Gerador”, Deus, Consciência ou
Realidade. O circuito é completo. A Consciência humana é una com a Consciência
Cósmica. Em cada aparelho circula a mesma eletricidade, e em cada ser humano
existe aquela mesma Consciência. O grau de manifestação varia, dependendo do
tipo e campo de atividade de cada aparelho. Você pode notar uma grande
diferença no grau do brilho da luz entre uma lâmpada de 40 e uma de 100 Watts,
embora a mesma eletricidade passe por ambas. A realização de que é a mesma
Consciência, a mesma alma em todos os seres humanos, é a base para a
fraternidade dos homens. Uma vez realizado que nós somos UM, sem considerar
nosso exterior, isto é, se somos brancos, morenos, ou pretos e uma vez
realizado que nós nunca poderemos ser felizes enquanto houver outros infelizes,
então jamais nos apanharemos magoando os outros. E nunca permitiremos aos
outros passarem fome, nunca permitiremos que uma palavra cruel escape dos
nossos lábios. Pode haver eterna discussão acadêmica sobre religião, mas a
realização da unidade da alma humana é a de tratar a todos com amor e bondade –
um benefício prático da religião. Não esqueçamos que mesmo nos animais existe a
mesma Consciência. Apenas há diferença no grau de manifestação. Portanto,
nossa bondade para com os animais não deve ser menor. MORTE? A humanidade tem
visto o que parece ser a morte milhões de vezes. Todavia, qual homem pode
realmente acreditar que ele mesmo morrerá? O fato é que não acreditamos porque,
na verdade, nos sentimos eternos. A questão é que, para sermos capazes de
considerar a morte (a não-existência), temos que primeiro ter existido. A
energia nunca pode ser criada e nem destruída. Isto é afirmado com frequência.
Se Eu “sou” não pode ser que Eu “não sou”, com morte ou sem nenhuma morte,
minha essência é a alma, e o Senhor Krishna disse no verso 7 do Capítulo XV do
Guita: “A alma é uma parte eterna de Mim mesmo – Deus”. A morte sugere término.
Mas certamente não pode haver fim para o eterno. O sol brilha no oceano e o
vapor d’água se levanta. Enquanto se eleva, o vapor, que é uma parte do mesmo
oceano, esfria e forma gotas isoladas que um dia vão retornar ao oceano. E
quando atinge o oceano, a gota não é destruída, não termina; pelo contrário,
torna-se una com o infinito oceano. Não há nenhuma eliminação de identidade,
mas uma expansão infinita da Consciência. Quando uma criança cresce e chega aos
vinte e um anos de idade, o evento é celebrado com uma festa pródiga. Não é
lamentada de maneira alguma a perda da infância porque chegar a essa idade é
cumprir uma etapa para a idade adulta. Faz poucos anos, um homem chamado Swami
Tilak, um amigo e santo muito acima de comparações, foi ao encontro de um
acidente fatal na Espanha. Mesmo em se tratando de pessoas comuns, com todas
suas múltiplas faltas, quando elas morrem sente-se uma sensação de perda. Mas
no caso de Swami Tilak, que foi meu mais íntimo amigo, houve algo a mais, pois
era ele um homem cuja renúncia não conhecia apego algum. Externamente havia
renunciado a todo apego a coisas como dinheiro, roupas e calçados. Nenhum bem
material carregava consigo. Vestia somente dois panos de cor ocre e caminhava
descalço sobre areias ardentes ou ruas nevadas. Interiormente, nenhum apego
tinha quanto à popularidade ou quanto a ter muitos seguidores. Humilde além do
que é possível acreditar, era o mesmo para com o pobre e com o rico, o jovem e
o velho. Não construiu nenhum ashram ou fundou Instituições. Ele construía um templo no coração
de cada pessoa que encontrava e que se sentia tocada pela sua santidade e
humildade. De qualquer maneira, o corpo de cada um de nós tem que ir em
determinado momento e não há exceções nem para os santos. Como eu disse antes,
meu amigo foi ao encontro de um acidente fatal. A notícia desse evento
inicialmente chocou-me. Aos poucos, porém, a tranquilidade substituiu o choque
e um sorriso pairou nos meus lábios. Para a pessoa que não está totalmente
pronta para aceitar a identidade com o Absoluto, a alma arrebata a mente e os
sentidos do corpo moribundo e migra para um corpo novo. Porém, para a pessoa
que está preparada – e Swami Tilak estava pronto – nenhuma necessidade há de
migrar de corpo em corpo. Para essa pessoa, o pulo no infinito e na eternidade
é plenamente acessível. Para essa pessoa, nenhuma espera é necessária para a
expansão da identidade com o Todo, algo assim como a onipresença. Então, ela
virá e irá “quando quiser e como quiser”. O sorriso pairava nos meus lábios por
uma boa razão. Tinha eu perdido o amigo? Não! Minha alma e a dele são
simplesmente UMA e suas nobres e santas qualidades são da minha essência.
Quando eu gozo ao encontrar alimento, ele, que é meu amigo também goza, porque,
querido leitor, é a mesma alma. Ser capaz de ver unidade em toda esta aparente
diversidade é ser realmente capaz de “Ver”. ADORAÇÃO AS IMAGENS. Parece haver
algo na natureza humana que faz uma pessoa julgar e criticar os outros sem
primeiro examinar a si mesma por faltas semelhantes. A turba aglomerada estava
pronta para apedrejar a prostituta até que o Senhor Cristo pediu que “o
primeiro homem a atirar uma pedra fosse aquele que nunca tivesse cometido
pecado”. Todos nós temos esta tendência de julgar apressadamente sem examinar
os fatos. Sem pensar duas vezes. Muitas vezes as pessoas dizem que adorar
imagens ou ídolos está errado. Vejamos então os fatos. Todas as religiões
concordam que Deus é infinito e onipresente. Quem de nós pode imaginar o
infinito? Esqueça a referência da infinitude. Quem de nós pode imaginar nossa
própria cidade na sua totalidade? Nós não podemos, e, assim, consultamos mapas.
Quem de nós pode sequer imaginar o planeta Terra na sua totalidade? Não podemos.
O que fazemos é usar o mapa globo-terrestre a fim de podermos concentrar nossa
mente e falar em termos aceitáveis a respeito de nosso planeta. Todos nós
sabemos que o “mapa mundi” não é o planeta e apenas o representa. Adorar a Deus
por meio de imagens é semelhante. Um hindu sabe que a imagem não é Deus, que só
representa Deus. Um hindu se dá conta de que, para o homem comum, é
virtualmente impossível visualizar e imaginar o infinito. Por isso ele usa
imagens. Para adorar a Deus, é melhor usar imagens que deixar de fazê-lo,
dizendo que “o infinito e a onipresença são muito difíceis para nós”. Adorar
imagens está restrito aos hindus? Certamente que não. Vejamos por exemplo a
Igreja Católica. A santa Cruz com a estátua de Cristo está lá. Os católicos
sabem que a estátua não é o Cristo e meramente o representa. Por estranho que
pareça, a atitude do hindu e do cristão na adoração de imagens é a mesma. Os
hinduístas são frequentemente acusados de politeístas. Eles parecem adorar
muitos deuses. Mas não é assim. Não são muitos deuses. Eles adoram muitas
imagens do mesmo Deus. Para facilitar a mente e adquirir maior concentração num
particular aspecto de Deus, os hindus usam uma particular imagem. Ganapati ou
Ganesh é adorado no começo de toda oração e de cerimônias a fim de remover
obstáculos da mente. Os hinduístas, nesses momentos, concentram seu coração e
mente no aspecto de Deus que remove o obstáculo, e chamam esse aspecto de
Ganapati. É mais fácil acercar-nos de nossa mãe e fazer-lhe pedidos do que
acercar-nos do nosso próprio pai. Por isso os hinduístas adoram Deus em seu
aspecto de mãe, e chamam a esse aspecto de Lakshmi – para pedir bem-estar e
riqueza. Os hinduístas se dão conta de que o mesmo Senhor é o Criador, o
Preservador e o Destruidor, e dá a cada aspecto do mesmo Senhor títulos e
imagens como Brahma, Vishnu e Shiva, respectivamente. O objetivo da adoração do
hinduísta, isto é, sua finalidade última, é a realização de Deus. Ele usa a
imagem em um estágio inicial. Assim é como deve ser. Quando nós somos bebês,
seguramos no dedo de nosso pai para aprender a caminhar. Mesmo tendo obtido a
realização, o hinduísta não esquece que a imagem de Deus o representa e, por
isso, nunca deixa de reverenciar com devoção, humildade e amor quando está na
frente de uma dessas imagens, tendo em conta sempre que sua homenagem é para o
todo-poderoso Deus que a imagem representa. O hinduísta não tem dificuldade de
orar na frente do sol, do oceano ou da montanha. Tudo isso representa a
onipotência de Deus para ele. Toda a criação é manifestação da chispa de Sua
refulgência. Finalmente, ainda que os hinduístas não sejam politeístas, seu
monoteísmo deve ser apropriadamente compreendido. Os hinduístas não dizem que
existe um só Deus. Todas as religiões declaram que Deus é infinito. Os
hinduístas dizem que só existe Deus. E se nós nos sentimos separados desse
infinito, se o universo for separado do infinito, então isso significa pôr uma
limitação ao infinito. Um infinito no qual não se inclua tudo não é infinito.
Ademais, as religiões não podem estar todas erradas! Nós estamos todos neste
infinito, e este infinito é Deus. Existe Deus e Deus. Só. Nada fora de Deus
existe. “fora de tua consciência nenhuma verdade existe. Fora de tua
consciência, onde está Deus?”. GURU. O hinduísmo enfatiza a auto realização
como objetivo de todas as pessoas e criaturas. Até aqui este texto discutiu
claramente a filosofia hinduísta. Nos capítulos restantes discutir-se-á o
sentido da auto realização. Neste capítulo será discutido o que é um guru, e o
que é necessário para ser um guru. Muitos de nós tendem a esquecer que temos
tido gurus ao longo de nossas vidas. Quando, a princípio, nós aprendemos a caminhar,
não o fizemos nós com nossos pais? Que mais podemos acrescentar para dizer que
a primeira linguagem aprendida é a dos nossos pais? Na escola, nossos
professores são nossos gurus. Aprendemos a dirigir um veículo e o instrutor é
nosso guru para tal propósito. Necessitamos aceitar o fato de que nada místico
há sobre a palavra guru, que normalmente significa “professor”. Por que
necessitamos de um mestre ou guru? Há muitos livros sobre qualquer matéria. Por
que não podemos simplesmente ler os livros? Voltemos ao exemplo de como
aprender a dirigir um veículo. Pode-se ler muitos livros a respeito, e de fato
deve-se ler, mas todos os livros do mundo não podem substituir o instrutor. O
instrutor – guru – senta-se no carro quando você nervosamente dá a partida pela
primeira vez. Ele está lá para encorajar você com delicadeza e guiá-lo através
da parte teórica e prática em todos os degraus do aprendizado. Ele também está
lá para impedir e corrigir erros quando você os comete. Ele transforma, faz de
você, pouco a pouco, um qualificado motorista que controla seu veículo e não
permite que a máquina o domine. Para a auto realização, um mestre ou guru deve
atender a um conjunto de bons requisitos. Você pode – e deve – estudar todas as
escrituras, mas o livro de estudo, por si só, está cheio de dificuldades e
perigos. Imagine uma pessoa começando a dirigir numa rua movimentada depois de
ter lido livros, mas sem ter tomado antes aulas práticas com um professor
qualificado. Essa pessoa é uma ameaça para si mesma, para os outros motoristas
e para os pedestres. Pior ainda é a situação dos aventureiros da
espiritualidade, que creem conhecer tudo depois da leitura de uns poucos
livros. Às vezes, o conhecimento de muitos livros de filosofia resulta em
orgulho, procedimento egoísta e desprezo pela aparente “ignorância” das
pessoas. Todos esses riscos são evitados pelo verdadeiro realizado. Os eruditos
– pandits – tratam também de ensinar os outros, dando a impressão de que falam
pela íntima realização. Aqui citamos o caso do “cego guiando outro cego”, e o
resultado é catastrófico. Aquele que busca a auto realização necessita de um
mestre ou guru, isto é óbvio. Um guru não é necessariamente uma pessoa que
tenha um grande ashram. Um guru não é necessariamente uma pessoa que junte ao
redor de si muitos discípulos. Um guru não é necessariamente uma pessoa que
tenha avião particular e muitos carros Rolls Royce. Um guru não é
necessariamente uma pessoa que tenha se tornado Sanyase ou que seja um monge.
Isso não quer dizer que esta pessoa não possa ser um guru. O que queremos dizer
é que essas qualidades, por si mesmas, não fazem um guru. Assim como um
instrutor de motorista deve ser um competente e hábil motorista, um mestre de
auto realização deve ser, ele mesmo, totalmente realizado. Assim como um
instrutor de motorista deve ter a habilidade de instruir, um mestre deve ter a
habilidade de transmitir o conhecimento da auto realização a seu estudante. Assim
como um instrutor o dirige um veículo sem ostentação, e com segurança, de
acordo com o regulamento de trânsito, assim também o mestre de auto realização
pratica o que ele predica, vivendo uma vida na qual olha para cada um com amor
e bondade, vivendo uma vida de humildade e servindo a todos. A santidade
destila de cada poro de seu ser, e a luz do Conhecimento brilha
em seus olhos. Você não deve se preocupar se não tem ainda um guru. Não deve se
preocupar muito em como reconhecer um guru. Mas deve ter sempre em mente o que
foi dito acima, perceber o que seja e o que não seja um guru. Não corra para
achar um guru que venda “mantras” por dólares. Deus não pode ser comprado. Não
fique cego atrás de “milagres”. Se você necessita de um mestre para a auto realização,
não se fixe num mestre de “magia” ou de “milagres”. Seja prudente ao pensar
que, por ser necessário um guru para a auto realização, então “não se deve
fazer nenhum esforço no sentido da auto realização”. Não é isso. Um indivíduo
deve fazer todo auto esforço possível para orar, ler livros, estar em boa e
santa companhia, ouvir palestras espirituais e levar uma vida boa e moral. O
hinduísmo afirma que quando um aspirante está pronto – pelo auto esforço, ele
não tem que procurar um guru. Ao contrário, o guru virá a ele. Como um
catalisador, esse guru o ajudará a tirar os véus das trevas da ignorância,
protegendo o aspirante e, no seu devido tempo, o aspirante, por si mesmo,
haverá de experimentar a infinda paz e a comovente autorrealização. Não se demora
sendo a soma de conceitos intelectuais. Será a experiência própria! Abraço.
Davi
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