domingo, 4 de fevereiro de 2024

I. DA BREVIDADE DA VIDA

 

Filosofia. Livro da Brevidade da Vida. I. Apresentação. I. DA BREVIDADE DA VIDA. A palavra filosofia vem do grego philos – amigo ou amante e sophia – sabedoria. O filósofo é, portanto, aquele que ama a sabedoria e, por não a ter, busca-a constantemente, em toda forma de conhecimento e em todos os lugares. A Coleção Filosofia à Maneira Clássica resgata as grandes obras do pensamento universal, que são como ferramentas para essa busca. Possibilita um estudo comparativo de diversas tradições, tanto do Oriente quanto do Ocidente, visando a responder aqueles questionamentos que todo ser humano se faz: “Quem sou eu? De onde vim? Para onde vou? Estude Filosofia de forma prática, dinâmica e atrativa, aprendendo com os grandes mestres de sabedoria a encontrar respostas e entender a si mesmo e ao mundo! Introdução. Lucius Annaeus Seneca, mais conhecido simplesmente como Sêneca, foi, e ainda é considerado um dos mais célebres escritores e filósofos do Império Romano. Ele nasceu no ano 4 a.C., em Córdova e morreu no ano de 65 d.C., em Roma. Na filosofia, pertencia à Escola Estoica, que se baseava em três princípios básicos: a vida moral, a negligência da dor e do prazer e a harmonia com a natureza. Sêneca ocupava-se de uma forma correta de viver a vida. Via o estoicismo como a maior virtude, o que lhe permitiu praticar a imperturbabilidade da alma, denominada ataraxia. Via o cumprimento do dever como um serviço à humanidade e procurava aplicar a sua filosofia de vida cotidianamente. Desse modo, apesar de ser rico, vivia modestamente: bebia apenas água, comia pouco e dormia sobre um colchão duro. Ele não viu nenhuma contradição ente a sua filosofia estoica e a sua riqueza material. Dizia que o sábio não estava obrigado à pobreza, desde que o seu dinheiro tivesse sido ganho de forma honesta. No entanto, deveria ser capaz de abdicar dela. Retirou-se da vida pública em 62 d.C. Entre seus últimos textos estão a compilação científica Naturales quaestiones – problemas naturais, os tratados de tranquilitate animi – Sobre a tranquilidade da alma, De vita beata – Sobre a vida beata. E talvez, sua obra mais profunda, as Epistolae Morales – Tratados morais dirigidas a Lucílio, em que reúne conselhos estoicos, dentro os quais se encontra “Da Brevidade da Vida”. No ano 65d.C., Sêneca foi acusado de ter participado na conspiração de Pisão, na qual o assassinato do imperador Nero teria sido planejado. Sem qualquer julgamento, foi obrigado a cometer suicídio. Na presença dos seus amigos cortou os pulsos, com o ânimo sereno que defendia em sua filosofia. Tácito relatou a morte de Sêneca e da mulher, que também cortou os pulsos. Nero, com medo da repercussão negativa dessa dupla morte, mandou que médicos a tratassem, e ela sobreviveu alguns anos.

I.A maior parte dos homens, Paulino, queixa-se da natureza, culpando-a de que nos tenha criado para viver tão pouco tempo. E que os anos que nos deu corram tão velozmente, que devem ser muito poucos aqueles de quem ela não toma a vida justamente no meio do seu maior esplendor. E não é somente a massa ignorante dos homens que se lamenta deste errôneo julgamento, pois, ao afetar também os excelentes varões cultos, seus efeitos geram os mesmos pesares. Por isso também se originou a seguinte expressão – indigna de um sábio – de Aristóteles: que sendo a idade de alguns animais tão longa, que em alguns chega a cinco séculos e em outros a dez. Ao contrário, tão curta e limitada é a do homem, criado para coisas tão superiores. O tempo que temos não é curto, mas perdendo muito dele, fazemos que o seja, e a vida é suficientemente larga para se fazer coisas grandes, se empregarmos bem. Mas perdemos muito da vida em ócio e em deleites, e não a ocupamos em louváveis exercícios. E quando chega o último momento dela, reconhecemos que se passou muito rápido, sem que tenhamos percebi que caminhávamos. O certo é que a vida que temos não é breve, fazemos, fazemos com que assim seja, e que não somos pobres, e sim pródigos do tempo. Assim como grandes e reais riquezas que, ao chegarem a mãos de maus administradores, dissipam-se em um instante. O contrário ocorre com as curtas e limitadas, caindo nas mãos de bons administradores, pois crescem com o uso. Assim nosso tempo tem muita extensão, se for bem utilizado. II. Por que nos queixamos da Natureza? Ela se mostrou benevolente. Larga é a vida, se soubermos aproveitar. Mas a insaciável avareza domina um. Outro desperdiça seu tempo em trabalhos inúteis, outro se entrega ao vinho ou se entorpece com a ociosidade. Um está muito preocupado com as opiniões alheias, outro percorre diversas terras e mares a comercializar as cobiçadas mercadorias, com esperanças de ganho. Uns são levados pelo desejo de batalhas, sem jamais ficarem cautelosos com os perigos alheios, nem castigados em provocarem tais perigos. Há outros que, voluntariamente sujeitam-se à servidão de superiores. Há muitos que invejam o destino alheio, desprezando o próprio. A grande maioria, por não possuir nenhum objetivo, lança-se em novos projetos levianamente, desmotivando-se e encontrando apenas desgosto. E alguns, não se agradando de ocupação alguma na sua vida, acham-se desmotivados e sem vontade. De tal maneira que, não duvido ser verdade, o que, com previsão de oráculo, disse o maior dos poetas: “Pequena é a parte da vida que vivemos, porque o resto é tempo e não vida”. Por toda parte os prazeres e os vícios cercam os homens, sem dar lugar e nem espaço para que ergam a vista e enxerguem a verdade. Permanecem imersos e presos em paixões e desejos, que dificultam olhar para dentro de si mesmos. E se acaso lhes chega alguma tranquilidade, continuam sendo levados pelas suas ambições e desejos, acontecendo-lhes o que acontece com o mar depois de ter passado a tempestade e os ventos. Ainda ficam alteradas as ondas, sem que jamais adquiram a tranquilidade por não abandonar os desejos. Pensas que falo somente daqueles cujos males são notórios? Põe os olhos em outros, de cuja felicidade se aproximam, e verás que até esses se afogam com seus próprios bens. A riqueza é moléstia para muitos. Quantos não perderam sua tranquilidade preocupados com a eloquência e com a necessidade de demonstrar talento? Quantos não enfraqueceram devido a sua vida de libertinagem? Quantos não possuem muitos súditos, mas nenhuma liberdade? Observa, desde os mais simples aos mais poderosos, e verás que este advoga, o outro assiste. Aquele julga, este defende, ambos se consomem. Observa a vida deles, cujos nomes se celebram, e verás por que são celebrados, que este é reverenciador daquele, aquele do outro, mas nenhum de si. Além disso, não tem fundamento a indignação de alguns que se queixam do desprezo dos superiores, mas eles próprios não os procuram. Quem ousará reclamar da soberba de outro, quando o próprio insatisfeito não dispõe de um momento para si mesmo? O outro, mesmo possuindo um aspecto arrogante e sem nem te conhecer, ouviu tuas palavras e te recebeu junto dele. Tu não levaste em consideração nem a ti mesmo. III. Embora resplandeçam em todas as idades inúmeras expressões de sabedoria nos homens, os sábios não deixarão de se espantar com a cegueira do espírito humano. Ninguém permite que sua propriedade seja invadida. E não estando de acordo em estabelecer as fronteiras, por menor que seja, logo os homens pegam em pedras e armas. Por outro lado, não só consentem que outros invadam sua vida, mas também introduzem os invasores nela. Ninguém quer repartir suas riquezas, mas distribuem sua vida com todos: mostram-se mesquinhos em guardar seu patrimônio, mas desperdiçam o tempo, a única coisa que justifica a avareza. Queria chamar algum dos anciãos e perguntar: “tendo chegado ao último momento da idade humana, estando perto de cem anos ou mais, vamos calcular a tua existência. Diga-me, quanta parte dela te consumiu o credor, o amigo da República, teus parentes, uma amante? Quanta parte dela foi tirada pelas brigas conjugais, pelos castigos aos escravos, pelo apressado passeio pela cidade? Junta tudo isso e s enfermidades causadas pelas tuas próprias mãos, acrescenta o tempo que se passou em ociosidade, e acharás que tem muito menos do que contas. Traze para a memória, se tiveste algum dia, a firme determinação daquilo que atingiste como objetivos. Que fizeste de ti mesmo? O que fizeste ao longo de tua existência? Quantos te roubaram a vida sem entender que tu a perdias? Há quanto tempo te livraste da vã dor, da ignorante alegria, da faminta cobiça e da inútil conversação? E vendo o pouco que te restou da vida, julgarás que morres infeliz. Abraço. Davi.

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