Cristianismo.
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IDEIAS DE FÉ, CONDUTA E SALVAÇÃO em Clemente de Alexandria. Esse Pai da Igreja morreu em 217 da Era
Cristã. Grego de uma família de libertos, nascido em torno do ano 180, no
paganismo, Tito Flávio Clemente (mais conhecido por Clemente de Alexandria)
encontra a doutrina cristã na juventude e a ela se converte de maneira
profunda. Durante anos seguidos, em incessantes viagens da Grécia para a Síria
e da Palestina para o Egito, este homem, que veio a ser um ícone da Igreja
primitiva, procurou penetrar melhor na doutrina de Cristo, ouvindo atentamente
a cristãos e sábios – adquirindo e desenvolvendo conhecimentos. Dentre esses
sábios houve um em especial que lhe chamou a atenção, fazendo do alexandrino
seu seguidor (pela convergência de ideias). Esse homem chamava-se Panteno (tido
como detentor de um conhecimento "superior"), de quem Clemente se
tornou aluno, assistente e que, mais tarde, veio a superar aquele que foi
conhecido como "abelha da Sicília". Já no ano 200 Clemente teria ido
além dos ensinamentos do seu tutor. Sendo padre, mas sem obrigações paroquiais
(não era muito afeito a celebrações), Clemente de Alexandria dedica-se
inteiramente ao ensino cristão – catequese. Ao mesmo tempo em que fala, segue
escrevendo; sempre infatigável, sempre profundo, embora por vezes caótico e
difuso na sua linguagem. Dono de um coração largo, espírito de uma cultura
enorme, inteligência do mais vasto alcance, que o seu entusiasmo pela doutrina
evangélica não impediria de se abrir a tudo (nem mesmo à tão atacada cultura
pagã, em especial no que diz respeito à filo dos gregos). Em muitas passagens
de suas obras sentimo-nos deveras comovidos: quando fala da virtude e da
infância tão dedicadamente, a questão do casamento, e quando se refere a
problemas que são sempre do maior interesse; como o das responsabilidades do
dinheiro e o da salvação dos ricos (de grande dificuldade), dentre vários
outros também de suma importância para nosso conhecimento e para a nossa
religião como hoje a temos. Quando a perseguição aos cristãos, promovida pelo
imperador Sétimo Severo, fecha, por algum tempo, sua escola, refugia-se na
Capadócia, junto de um de seus antigos alunos, onde continua seu fatigante
trabalho. Clemente morre em 216, após muito ter contribuído para o
desenvolvimento – e mesmo para o surgimento – do que foi denominado
"cristianismo primitivo" (é o início da doutrina cristã; da Igreja).
Na ótica de Clemente, a vida é um verdadeiro "combate espiritual",
ele frisa – prioriza – o lado ascético (práticas de devoção e penitência); isso
no que diz respeito à transformação que ocorre na vida das pessoas, que,
seguindo o ideal cristão, tentam levar uma vida "santificada". É um
dos "pais da Igreja" (patrística), pois fundamentou as suas bases,
seu início. "O que o Cristianismo condena é o abuso é o excesso de afeição
que o homem tem aos bens da terra e que o obriga a desconhecer o seu verdadeiro
sentido e o seu valor limitado". Clemente de Alexandria e muitos outros
padres da Igreja primitiva condenam com rigor o luxo, os vestuários de ricos
coloridos, "os sapatos bordados a ouro, sobre os quais os pregos se
enrolam em espiral", e a gulodice desmedida dos ricos, as gastronomias
requintadas, e a "vã habilidade dos pasteleiros". O ensinamento da
Igreja é que se deve usar o que Deus legou, mas com moderação e gratidão: o
alimento celestial (que é simples por natureza) seria o "único prazer fino
e puro", pois nos levaria à salvação. Por vezes, Clemente se referiu e
reconheceu que na Igreja havia ricos e pobres – o que não justifica que o lucro
e a propriedade sejam condenados. As riquezas da terra são efêmeras, a única
riqueza verdadeira é a do céu, visto que essa jamais passará. Temos aí a
explicação para, no ideal de Clemente, a dificuldade que os ricos encontravam
para entrar no reino dos céus. Tido como "o mais instruído dos
padres", Clemente também atacou fortemente os basilidianos e demais
hereges que tentavam contra a Igreja, e que sempre buscaram distorcer os
ensinamentos de Jesus. O mestre alexandrino utiliza muito a comparação entre
ensino / vida cristã e as atividades agrícolas, algo muito comum entre os
estoicos. Como nesta passagem sobre o casamento: "Assim,
não está certo tornar-se escravo dos prazeres do amor e dedicar-se lascivamente
à satisfação dos próprios desejos; da mesma forma que é errado entregar-se à
satisfação das paixões irracionais. Como o agricultor, ao homem casado é
permitido semear sua semente quando a estação permite" . Clemente não
aceita o prazer sexual; o coito serviria apenas para a reprodução. Dessa
maneira, o homossexualismo é, também, visto como uma anomalia, uma afronta à
moral. "Comete-se adultério com a própria esposa quando se mantém relações
sexuais com ela como se fosse uma prostituta". Muitos são
os estudiosos que apresentam o cristianismo do alexandrino como sendo uma filo.
Embora guarde certo receio frente aos perigos que a cultura mundana oferece,
Clemente designa a filo como importante fonte para a aquisição de uma fé melhor
fundamentada. A filo grega é vista aqui como um todo, e não haveria o
conhecimento, platônico, o aristotélico e tudo mais; apenas a totalidade. Daí,
podemos lançar a importância da unidade, também, para a religião. Fé e razão
encontram-se interdependentes, onde se a fé não se apresenta como simples
demonstração da razão, não pode se constituir, também, em algo que a negue;
existe complementaridade. Deve-se buscar uma fé "sincera", através da
Lei, da obediência e de uma vida reta em Cristo. Fazendo uso de sua pedagogia,
o mestre alexandrino nos passa que: "Uma educação sem castigos se
equivoca". Ao contrário do que se possa pensar, os castigos seriam
complementares da sabedoria, e tudo é feito por amor. A necessidade da defesa
da doutrina cristã é muito presente, pois as pessoas devem tomar cuidado com o
que escutam ou falam. Deve-se transmitir a luz a quem convém. É por isso que,
em "Stromata", o próprio autor reconhece que o texto contém uma
verdade dispersa (mutilada); tudo como forma de defesa. "Como las
semillas, de modo que no estén al alcancede los charlatanes, cual grajos. Mas
si tienen la suerte de encontrar un bom agricultor, cada una de ésas (semillas)
brotará y mostrará lozano el trigo". Mas uma vez agrupada, essa verdade
que é anunciada se revela totalmente àqueles aptos a compreendê-la
(especialmente aos gnósticos). "Quien reúne de nuevo lo que se ha
disseminado y reconstruye la unidad poderá comtemplar con seguridad al Logos, a
la Veredad". Deve haver uma mobilização para se combater os hereges,
porque "quien no impide una cosa es participante de la misma".
Clemente crê na autonomia do espírito humano, em contrapartida com o determinismo
de alguns hereges (basílides e sofistas, por exemplo). Vale destacar que mesmo
atacando muito os sofistas e seu discurso, Clemente reconhece a importância da
dialética para o progresso do conhecimento racional (progresso da fé
científica). O pecado é apresentado como sendo uma doença da alma, que deve ser
curada através do correto seguimento dos ideais cristãos. E seguindo uma
tendência clementina, às vezes torna-se necessário amputar um membro do corpo,
para que o todo permaneça saudável. Também a antiguidade do Cristianismo (a
tradição) é utilizada pelo padre de Alexandria, em Stromata, para ajudar na
defesa contra os infiéis. E Moisés é apresentado em muitas páginas, como sendo
mesmo o grande legislador do Senhor na terra – o que evidencia o apego de
Clemente ao Antigo Testamento. Religião e filo. Como legítimo representante dos
primórdios do Cristianismo, Clemente de Alexandria prega muito a importância da
religião e a necessidade de que o povo a compreenda, para que ele adquira boas
e corretas palavras que vão norteá-lo rumo à salvação perante Cristo. Altamente
influenciado pelos ideais neoplatônicos, o alexandrino não vê, como outros
padres do período, apenas aspectos maus na cultura pagã. É bem o contrário, o
conhecimento grego vai justamente facilitar que as pessoas compreendam melhor
os ensinamentos do Senhor. Clemente chega a atribuir grande importância à filo,
a tal ponto de compará-la à Bíblia, em termos da justificação que era lançada
sobre gregos e hebreus, respectivamente. Há a valorização da filo sobre as
demais ciências. "Antes de la venida del Señor, a filo era necessaria para
la justificación de los griegos; ahora, sin embargo, es provechosa para la
religión". Para Clemente, havia "níveis" de fé, e as pessoas
poderiam ser "fiéis simples" ou com um grau maior de elevação. O
grande objetivo do alexandrino era o de fazer surgir uma ciência da religião,
tendo a fé como critério racional de juízo, de onde surgiriam os gnósticos –
"cristãos superiores" – que associavam conhecimento racional às palavras
sagradas: "(...) la filosofía contribuye a la adquisición de la sabiduría
(...) es una práctica de la sabiduría". Clemente via a importância de que
fosse significativo o número de fiéis gnósticos, mas sabia da dificuldade desse
acontecimento: "La gnosis no es patrimonio de todos (...); sin embargo los
libros son feitos para las multitudes". Em suma, o gnóstico seria "um
cristão ideal, que alcançou a ciência e vida espiritual perfeitas, na medida
que podem ser alcançadas neste mundo"; apenas o gnóstico seria capaz de
comunicar a doutrina verdadeira sem distorcê-la – exatamente pelo fato de
conhecê-la de forma mais profunda. A fé simples é aquela que crê apenas no que
diz as Escrituras, sem nenhuma atividade de investigação. A filo, ou qualquer
outra forma de conhecimento, vem a ser útil para se ter uma fé mais segura,
mais forte; para que se possa distinguir com toda certeza o bem e o mal,
"la herejía de la verdad misma". E ainda: "La actividad racional
regenera al alma y la orienta hacia una conducta intachable". Através do
filo, o espírito humano teria maior predisposição para entender e conhecer
melhor asa coisas divinas. E ainda sobre a união fé/filo: "La cuerda más
alta (de la lira) se opone a la más baja, pero de ambas resulta una única ía
musical; (...) el número par és diferente del impar, y sin embargo ambos son
necessarios en la aritmética". Associando-se à filo grega, o Cristianismo
proposto por Clemente faria, agora, de aliado um antigo inimigo (representante
fundamental da cultura pagã). A defesa da religião frente aos ataques dos
hereges e dos sofistas é também fundamental na obra do padre cristão. A
sofística, através do seu forte discurso, denigre o verdadeiro em função de
algo falso (poder de persuasão); é uma "má arte" no entender do alexandrino.
Os sofistas seriam "lobos saqueadores con pieles de oveja, que esclavizam
los hombres y suceden con elocuencia a las almas" . O padre alexandrino
não admite que a doutrina sagrada seja posta em comparação. Deve-se evitar as
palavras desnecessárias: "Quienes pretenden participar de las palavras
divinas deben estar muy atentos no sea que refiriendo lo superfluo" . Na
sua tarefa de persuasão, a sofística impediria o desenvolvimento do
conhecimento a partir das próprias pessoas; elas seriam, assim, guiadas pelo
discurso de outrem, onde não haveria espaço para a livre reflexão. Mesmo
entendendo a necessidade de não deixar de lado a filo, é importante ressaltar
que as palavras santas são bastante superiores ao conhecimento dos gregos. Ou
seja, a religião pode sobreviver sem a filo (que é um catalisador, uma
facilitadora da religião), mas o contrário não pode ocorrer. "Los
filósofos son niños, a menos que se hagan totalmente hombres por obra de
Cristo". A junção entre a tradição humana (filo) e a divina (fé) seria,
desse modo, de dupla utilidade – tanto para a religião como para a filo. Por
fim, temos que a fé seria, também, um filtro para a entrada das palavras
sagradas. Seria um subsídio necessário para a compreensão desses conhecimentos:
"Se não credes, não compreendereis" . A verdade e a salvação em
Cristo. Procurando fazer com que o grande público compreendesse de melhor forma
os ensinamentos cristãos, Clemente utiliza uma metodologia bastante simples e
repetitiva, para que seus ouvintes o compreendessem – haja vista que o padre
alexandrino se dedicou especialmente à catequese. Apesar de seus ensinamentos,
o próprio mestre reconhecia que a maioria das pessoas não estava apta ao
conhecimento da doutrina de Cristo. Aquele que procura passar conhecimento religioso
a outrem (geralmente um padre) deve agir de maneira semelhante a um agricultor,
devendo cultivar com esmero em boa terra suas sementes (os fiéis): "Un
alma que se une a (otra) alma y un espiritu a (otro) espiritu, cuando se
siembra la palavra, hacem crescer la semilla y producem vida; y todo el que es
educado viene a ser hijo del educador en virtude de la obediencia". A
semente seria, também, símbolo da perseverança que um verdadeiro fiel deve
possuir; resistir a tudo, suportar toda forma de agressão estando no estado
latente, e germinar quando boas condições forem encontradas. A salvação da alma
não é coisa fácil de se alcançar; pois ela só é possível através de muito
esforço e dedicação por obra daqueles que a buscam. "La mies es mucha y los
operarios son pocos". O alexandrino fala em seus escritos da necessidade
de se seguir os passos do Senhor, de se levar uma "vida santa", reta
em Cristo – é encontrada essa necessidade no Antigo Testamento. E diz Clemente:
"Es necessario, pues, imitar en lo possible al Señor". E está na
Bíblia: "O povo de Deus deve ter uma vida santa". Aqueles que ensinam
às pessoas devem facilitar a sua compreensão, nada mais que isso, pois os fiéis
devem aprender a superar suas dificuldades. Consta em Clemente: "Es
razonable ayudar a uno a llevar su carga, sin embargo no lo es ayudar a
descargarla". Os detentores do conhecimento devem não guardá-los apenas
para si, mas torná-los disponíveis ao público; para que este possa realizar a
progressão de sua fé: "Quien habla delante de personas y, con tiempo, las
somete a examen (...) difere camiño pedregoso del solo fertil". Também
aquele que ensina está aprendendo a cada palavra que profere. A Sabedoria é
personificada em Deus, logo, conhecendo-a melhor, as pessoas estariam se aproximando
mais de Jesus e da salvação. Na pedagogia clementina, o exercício leva à
perfeição e a prática é inimiga do erro. Aqueles que não praticam sua fé
perdem-se (eles se atrofiam espiritualmente e se tornam mais aptos aos ataques
dos pecadores). Ainda nesse ponto, a tradição oral é valorizada sobre a escrita
– é mais segura, uma vez que os perigos da nossa língua são os de permitir
várias interpretações; o que é campo fértil para especulações. Quando o assunto
é a vida mundana (seu fascínio), Clemente não é tão radical como outros padres
da Igreja. Deve-se utilizar a cultura mundana – aquilo que a vida na terra
oferece – mas não se pode ficar preso demasiadamente à ela; os atrativos do
mundo devem ser usados apenas para o bem. É terrível o fim daqueles que fazem
uso do prazer de forma desordenada: "Luego te arrepentirás en la vejez,
cuando se consuman las carnes de tu cuerpo. Ese es el fin del placer
desordenado". Os ricos encontram muita dificuldade para entrar no reino
dos céus, pelo fato de se ligarem muito aos bens materiais; quando já se dizia
nesse cristianismo que "Deus está além do material" . O homem que
deseja a salvação de sua alma não deve viver na glória de suas posses ou do seu
conhecimento; não se deve ter vaidade. "Que no se glorie el sabio de su
sabiduría nen el rico de su riqueza" . Existe a consciência de que: "
Muchos, en efecto, hay entre nossotros flacos y débiles y bastantes que están
dormidos. Si nos juzgásemos a nossotros mismos, no seríamos condenados".
Por fim, a importância de se levar uma vida simples e a consequente dificuldade
do ingresso dos ricos na salvação fica clara em: "La caridad es la major
ley del amor que Cristo ensino". Um grande centro cristão: A Escola de
Clemente. Num momento em que a literatura pagã vai sofrendo um período de forte
crise, surge a inteligência da Igreja, através, principalmente, dos escritos
dos padres. Os dois maiores centros de onde emanavam as idéias cristãs no
século III eram o Egito e a África. E dentre os nomes de maior destaque está o
de Clemente de Alexandria. A título de curiosidade, Alexandria era uma cidade
imensa – das maiores do mundo no período – aglomeração em constante
crescimento, cidade de muitas morais, várias religiões. A inteligência era ali
muito estimada e dispunha de inumeráveis instrumentos de trabalho: Museu,
Biblioteca, Zoológico e tudo mais. Ali se encontrava um clima excitante para o
espírito, uma terra de eleição para todas as tentativas sincretistas, e para
todas as heresias. Por volta de 200, Alexandria era o centro do aprendizado
cristão e gnóstico; o grande cérebro (o ponto de convergência) do mundo
ocidental – era onde tudo fluía muito rapidamente. O capitalismo há muito se
instalara nesta cidade. Como já foi dito, no século II a fama da cidade
torna-se ainda maior. Ao lado das escolas dos filósofos, fundara-se uma
instituição "análoga à de São Justino em Roma", uma didascália
cristã. Essa escola era, ao mesmo tempo, uma universidade e um cenáculo: muitas
matérias, poucos alunos e também poucos mestres. Clemente foi o primeiro desses
chefes da escola cristã. Alexandria – situada no Egito – tornara-se, no século
III, a então capital do Cristianismo e o mestre Clemente seu principal nome. www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais.
Abraço. Davi
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