terça-feira, 23 de março de 2021

QUADRO DO INFERNO CRISTÃO

 

Espiritismo. www.espirito.org.br. Texto de Allan Kardec (1804-1869). Livro O Céu e o Inferno. QUADRO DO INFERNO CRISTÃO. 11. As opiniões dos teólogos podem ser resumidas pelas citações que seguem. (Tiradas de O Inferno, de Pierre Augusto Callet (1812-1883) Esta descrição, tirada de autores sagrados e da vida de santos, pode ser considerada como a expressão da fé ortodoxa sobre o assunto, já que é sempre reproduzida, com algumas variações, nos sermões, nas igrejas e nas instruções pastorais. 12. “Os demônios são puros Espíritos e os condenados podem também ser considerados como puros Espíritos, já que apenas a alma desce ao inferno. O corpo torna-se poeira e se transforma continuamente em ervas, plantas, frutos, minerais, líquidos, sofrendo, sem saber, as contínuas metamorfoses da matéria. Mas os condenados, como os santos, devem ressuscitar no último dia e retomar, para sempre, o mesmo corpo carnal com que eram conhecidos, enquanto vivos. Serão diferenciados uns dos outros, porque os eleitos ressuscitarão, com um corpo purificado e radiante, e os condenados, com um corpo sujo e deformado pelo pecado. Então, não haverá mais puros Espíritos, no inferno, e sim homens como nós. O inferno é, por consequência, um lugar físico, geográfico, material, já que será povoado por criaturas terrestres, com pés, mãos, boca, língua, dentes, orelhas, olhos, semelhantes aos nossos, sangue nas veias e nervos sensíveis à dor. “Onde está situado o inferno? Alguns doutores o colocaram nas entranhas de nossa terra; outros, em não se sabe qual planeta. É uma questão não decidida em nenhum concílio. Neste ponto, têm-se apenas conjecturas. A única coisa que se afirma, é que o inferno, esteja onde estiver, é um mundo formado por elementos materiais, mas sem sol, sem uma, sem estrelas. Mais triste, menos hospitaleiro, mais desprovido de qualquer gérmen ou aparência de bem do que as piores regiões deste mundo onde pecamos. “Os teólogos circunspectos – como os egípcios, hindus e gregos – não se aventuram a pintar todos os horrores deste lugar e se limitam a mostrá-lo, como um exemplo do pouco que a Escritura revela: os lagos de enxofre do Apocalipse, os vermes formigantes de Isaías sobre os cadáveres de Tofel e os demônios atormentando os homens que se perderam, e os homens chorando e rangendo os dentes, segundo a expressão dos evangelistas. “Santo Agostinho não concorda que essas penas físicas sejam simples imagens das penas morais. Vê, em um verdadeiro lago de enxofre, vermes e serpentes verdadeiras presos furiosamente sobre todas as partes do corpo dos condenados, acrescentando umas feridas às provocadas pelo fogo. Com base em um versículo de São Marcos, ele afirma que este fogo estranho, embora material como o nosso, agindo sobre os corpos materiais, os conservará, como o sal conserva a carne das vítimas. Mas os condenados sentirão a dor desse fogo, que queima sem destruir, que lhes penetrará na pele, impregnará e saturará seus membros, seus ossos, as pupilas de seus olhos e as fibras mais sensíveis de seus corpos. Se pudessem mergulhar na cratera de um vulcão, encontrariam um lugar mais fresco e mais repousante. “Assim falam os teólogos mais tímidos, mais discretos, mais reservados. Não negam que haja no inferno outros suplícios corporais, mas alegam não terem conhecimento tão suficiente, como o têm sobre os suplícios do fogo e dos vermes, para falarem sobre eles. Há, entretanto, teólogos mais ousados ou mais esclarecidos que fazem descrições mais detalhadas, variadas e completas sobre o inferno. Embora não se saiba em que lugar do espaço está situado, há santos, como Santa Teresa, que o viram. Não foram para lá, com a lira nas mãos, como Orfeu, com a espada, como Ulisses, e sim foram transportados em Espírito. “Segundo o relato de Santa Teresa, parecia existirem cidades no inferno. Ela viu pelo menos uma ruela, longa e estreita, como existe nas cidades medievais, pela qual caminhou com horror, sobre um terreno lodoso e fétido, cheio de répteis monstruosos. Mas foi detida por uma muralha que lhe serviu como um inexplicável abrigo. Seria, disse ela, o lugar que lhe seria destinado, caso abusasse, enquanto viva, das graças com que Deus a cobria em sua cela em Ávila. Embora tivesse entrado com muita facilidade nesse nicho de pedra, não conseguia sentar-se nem deitar. Nem ao menos manter-se em pé ou sair. As paredes a envolviam, a apertavam, como se estivessem vivas. Parecia que a sufocavam, a estrangulavam e, ao mesmo tempo, a esfolavam, a cortavam em pedaços. Sentia-se queimar e experimentava todos os tipos de angústia. Sem nenhuma esperança de socorro, tudo eram trevas à sua volta. Entretanto, através das trevas, ela podia perceber, apavorada, a terrível rua em que estava e toda a imunda redondeza, uma visão tão insuportável como os apertos de sua prisão. “Era, sem dúvida, um pequeno pedaço do inferno. Outros viajantes espirituais foram mais favorecidos. Viram no fogo do inferno grandes cidades, como Babilônia e Nínive e mesmo Roma, com seus palácios e templos em brasas e todos os habitantes acorrentados. Os negociantes em seu balcão, padres reunidos em festas com cortesãos, urrando, presos sem poder sair de suas cadeiras, levando ao lábio taças flamejantes. E criados de joelhos, com os braços estendidos, dentro de cloacas ferventes e príncipes em cujas mãos escorria lava de ouro derretido. Outros viram no inferno planícies sem limites e fumegantes, cavadas e semeadas com sementes estéreis, por agricultores famintos. Como nada crescia, esses camponeses se comiam, uns aos outros, mas continuavam tão numerosos quanto antes, tão magros e esfomeados, que se dispersavam em bandos, indo procurar, inutilmente, terras melhores. Outras colônias de condenados errantes os substituíam imediatamente, nos campos que abandonavam. Outros viram ainda no inferno montanhas cheias de precipícios, fontes de lágrimas, ribeirões de sangue, rodamoinhos de neve em desertos de gelo, barcos de desesperados, vagando em mares sem praias. Resumindo, viram tudo o que os pagãos viam: um reflexo da terra, uma sombra incomensurável de suas misérias, seus sofrimentos naturais eternizados e até cárceres, forcas e instrumentos de tortura forjados por nossas próprias mãos. “De fato, há demônios que, para melhor atormentar os homens, tomam seus corpos. Têm asas de morcego, couraças de escamas, patas com garras, mostram-se armados com espadas, garfos, pinças, tenazes ardentes, foles, grelhas, executando eternamente a tarefa de cozinheiros e açougueiros da carne humana. Transformados em leões ou enormes víboras, arrastam suas presas para cavernas solitárias. Alguns se transformam em corvos, para arrancar os olhos de certos culpados, outros, em dragões voadores, para carregá-los sobre as costas, arrebentados e sangrando, aos gritos, através de espaços tenebrosos, e depois jogá-los no lago de enxofre. Há nuvens de gafanhotos, escorpiões gigantes, cuja visão produz arrepios, cujo odor dá náuseas e o menor contato dá convulsões. Há monstros de várias cabeças, que abrem suas goelas vorazes, chacoalhando suas crinas de víboras venenosas, esmagam os reprovados, com suas mandíbulas ensanguentadas, e os vomitam, mastigados, mas vivos, porque são imortais. “Não são um acaso estes demônios, com formas sensíveis, que lembram visivelmente os deuses do Amenti e do Tártaro, e os ídolos adorados pelos fenícios, moabitas e outros gentios, vizinhos da Judeia. Cada um tem sua função e seu trabalho. O mal que eles fazem no inferno corresponde ao mal que induziram na Terra. Os condenados são punidos em todos os sentidos e órgãos, pelos quais ofenderam a Deus. Punidos de uma forma, como gulosos, pelos demônios da gula, de outra forma, como preguiçosos, pelos demônios da preguiça, e, ainda, como fornicadores pelos demônios da fornicação. Enfim, punidos de tantas maneiras quantas são as formas de pecar. Sentirão frio, estando queimando, e calor, estando gelados. Desejarão eternamente repouso e movimento, sempre esfomeados e alterados, e mil vezes mais cansados do que um escravo no fim do dia, mais doentes que os moribundos, mais alquebrados e cobertos de chagas que os mártires. “Nenhum demônio recusa – e jamais recusará – sua odiosa tarefa. Todos são bem disciplinados e fiéis à execução das ordens de vingança que receberam. Se não fosse assim, o que seria do inferno? Os pacientes repousariam se os carrascos discutissem ou relaxassem. Mas não há qualquer repouso para uns nem qualquer discussão entre outros. Por mais maldosos e numerosos que sejam os demônios – estão de um lado a outro do abismo – jamais se viram sobre a Terra nações tão dóceis a seus príncipes, armadas tão obedientes a seus chefes, comunidades monásticas mais humildemente submissas a seus superiores. “Quase nada se conhece sobre essa ralé de demônios, esses vis Espíritos que formam a legião de vampiros, sapos, escorpiões, corvos, hidras, salamandras e outras bestas sem nome, que compõem a fauna das regiões infernais. Mas se conhecem os nomes de diversos príncipes que as comandam: entre outros, Belfegor, o demônio da luxúria; Abadon ou Apolion, o demônio do assassinato; Belzebu, o demônio dos desejos impuros ou das moscas que engendram as corrupções; Mamon, da avareza; Maloc, Belial, Baalgad, Astarot e tantos outros, e acima de todos, o chefe universal, o sombrio arcanjo que no céu se chamava Lúcifer e, no inferno, Satanás. “Eis, em síntese, a ideia que nos dão sobre o inferno do ponto de vista de sua natureza e de suas penas físicas. Abram os escritos dos padres e dos antigos doutores, consultem as legendas religiosas, olhem as esculturas e pinturas de nossas Igrejas, prestem atenção ao que se diz nos púlpitos, e vocês saberão mais sobre essa questão”. 13. O autor ainda faz algumas reflexões sobre o quadro: “A ressurreição dos corpos é um milagre, mas Deus faz um segundo milagre, ao dar a esses corpos mortais, já desgastados pelas provas da vida, já diminuídos, a virtude de sobreviver, sem se desmanchar, em uma fornalha na qual até metais evaporariam. Pode-se compreender que se diga que a alma é seu próprio carrasco, que Deus não a persegue, que a abandona no estado infeliz que escolheu, embora o abandono eterno de um ser desgarrado e sofredor pareça pouco de acordo com a vontade de Deus. Mas não se pode dizer o mesmo da alma e das penas espirituais e do corpo e das penas corporais. Para perpetuar as penas corporais, não basta que Deus se ausente. Ao contrário, é preciso que Ele se mostre, que intervenha, que aja, sem o que o corpo sucumbiria. “Os teólogos supõem, então, que Deus age, depois da ressurreição, este segundo milagre de que falamos. De início, Ele tira nossos corpos dos sepulcros que os devoravam. E os retira no estado em que entraram: com suas enfermidades originais, as degradações da doença e do vício. Devolve-os em estado decrépito, friorentos, gotosos, cheios de necessidades, sensíveis a uma picada de abelha, cobertos de marcas da vida e da morte – este é o primeiro milagre. Depois, dá a esses corpos medíocres, prontos para retornar ao pó de onde saíram, uma propriedade que nunca tiveram: a imortalidade, esse dom que em Sua cólera, ou antes, em Sua misericórdia, havia tirado de Adão, ao sair do Éden – este é o segundo milagre. Adão, imortal, era invulnerável. Tornando-se mortal, passou a ser vulnerável: a morte acompanhada pela dor. “A ressurreição não nos restabelece, então, nem nas condições físicas de inocente nem de culpado. É uma ressurreição apenas de nossas misérias, com uma sobrecarga de novas misérias, infinitamente piores. É, em parte, uma verdadeira – e a mais maliciosa – criação que a imaginação já ousou conceber. Deus muda de ideia e para juntar eternos tormentos carnais aos tormentos espirituais dos pecadores, por um golpe de poder, muda as leis e propriedades da matéria, por Ele criadas, desde o início. Ressuscita carnes doentes e corrompidas, junta em um nó indestrutível os elementos que tendem a se separar por si mesmos, mantém e perpetua, contra a ordem natural, essa podridão viva. Joga-a no fogo, não para purificá-la, mas para perpetuá-la e torná-la imortal, da maneira como é: sensível, sofredora, ardente, horrível. “Por esse milagre, faz-se de Deus um dos carrascos do inferno, porque se os condenados só podem atribuir a si mesmo seus males espirituais, por outro lado, só podem atribuir a Ele os outros males. Era muito pouco, aparentemente, abandoná-los, após a morte, à tristeza, ao arrependimento e a todas as angústias de uma alma, que sente ter perdido o bem supremo. Segundo os teólogos, Deus irá procurá-los nessa noite, no fundo do abismo, chamando-os momentaneamente para a vida, não para consolá-los, mas para revesti-los de um corpo horrível, imortal, mais empesteado que o manto de Dejanira, e então abandoná-los para sempre. “Na verdade, Deus não os abandonará, já que o inferno, o Céu e a Terra dependem de um ato de Sua vontade para existir e desapareceriam se não fossem por Ele sustentados. Assim, Deus terá em Suas mãos estes condenados, para impedir que o fogo se apague e que seus corpos parem de se consumir. Quer que estes infelizes imortais contribuam, com a perenidade de seu suplício, para a edificação dos eleitos”. 14. Dissemos, com razão, que o inferno dos cristãos vai além do inferno dos pagãos. No Tártaro, veem-se os culpados torturados pelo remorso, diante de seus crimes e de suas vítimas, oprimidos por aqueles que oprimiram, durante a vida. Vê-se que fogem da luz que os penetra e procuram em vão escapar dos olhares que os perseguem. O orgulho é rebaixado e humilhado. Todos trazem os estigmas de seu passado. Todos são julgados por seus próprios erros, a tal ponto que, para alguns, não seria necessário nenhum castigo, bastaria livrarem-se deles mesmos. Mas todos são sombras, isto é, almas com seus corpos fluídicos, imagem da existência terrestre. Não se vê homens retomarem seu corpo carnal, para sofrer materialmente, nem o fogo penetrar-lhes a pele e saturá-los, até moer-lhe os ossos. Não se vê o requinte nem o refinamento dos suplícios, que são a base do inferno cristão. No inferno pagão, há juízes inflexíveis, mas justos, que dão a pena proporcional ao erro, enquanto que no império de Satanás, todos se confundem, sob a mesma tortura, tudo se baseia na materialidade e não existe critério de justiça. É verdade que existem hoje na Igreja alguns homens de bom senso que não admitem essas coisas ao pé da letra, mas como alegorias que devem ser interpretadas. Mas são apenas opiniões individuais e não a lei. Portanto, a crença no inferno material, com todas as suas consequências, continua sendo um artigo de fé. 15. Pergunta-se como podem homens, em êxtase, enxergar coisas que não existem. Não cabe aqui explicar a fonte das imagens fantásticas, aparentemente reais, que às vezes se produzem. Diremos apenas que é necessário reconhecer que o êxtase é a menos segura fonte de revelação, porque este estado de super excitação nem sempre é um afastamento da alma, tão completo como se pode acreditar. Muitas vezes, é o reflexo de preocupações anteriores. As ideias que nutrem o Espírito cujas imagens são retidas pelo cérebro, ou melhor, pelo invólucro perispiritual, se reproduzem ampliadas, como em uma miragem, com formas vaporosas, que se cruzam e se confundem, e compõem conjuntos estranhos. Aqueles que entram em êxtase, em todos os cultos, sempre viram coisas relacionadas à sua própria fé. Não surpreende, pois, que aqueles, como Santa Teresa, fortemente imbuídos das ideias de inferno, formadas a partir de descrições verbais ou de pinturas, tenham visões, que são a reprodução dessas ideias, com efeito de um pesadelo. Um pagão, cheio de fé, teria antes visto o Tártaro e as Fúrias, ou Júpiter, no Olimpo, empunhando o raio. Livro O Céu e o Inferno. www.espirito.org.br. Abraço. Davi

Nenhum comentário:

Postar um comentário