Confucionismo.
www.https//rt.br. OS ANALECTOS – APÊNDICE
I C. O relato em Shih chi é excessivamente breve, mas, infelizmente, também são encontrados relatos em outros trabalhos. Alguns desses relatos são
igualmente breves, mas outros são mais detalhados. Os trabalhos nos quais um
relato mais extenso da mesma história pode ser encontrado são o Hsün tzu [253]
, o Shuo yüan, [254] , o K’ung tzu chia yü [255] e o Yin wen tzu [256] . Há uma
citação curta do que deve ter sido um relato maior no Han shih nei chuan, que
pode ser encontrado no Po hu t’ung. [257] O Huai nan tzu [258] também contém
uma referência ao incidente. Embora Hsün Tzu tenha vivido do último quarto do
século IV a.C. à primeira metade do século III a.C. e embora a maior parte do
Hsün tzu tenha sido provavelmente dele, a história de Shao Cheng Mao pode ser
encontrada no capítulo 28, Tso yu, que fica na seção final do livro (capítulos
27 a 32), uma seção que consiste largamente de material miscelâneo e muito
provavelmente data de uma época posterior à da maior parte do trabalho. O Han
shih nei chuan, que não mais existe, foi escrito por Han Ying, que era um po
shih (professor) no tempo do imperador Wen (por volta de 179-157 a.C.), da
dinastia Han do Oeste. O Huai nan tzu foi terminado provavelmente na metade do
século II a.C. O Shuo yüan, uma compilação miscelânea, foi reunida por Liu
Hsiang, que viveu no século I a.C. O K’ung tzu chia yü, tal qual o conhecemos,
é um trabalho reconstituído, e geralmente se acredita que tenha sido compilado
por Wang Su [259] (195-256 d.C.). Acredita-se, de modo geral, que o Yin wen tzu
atual seja uma invenção de não antes que o século III d.C. Comecemos com o Han
shih nei chuan e com o Shuo yüan. O Han shih nei chuan não mais existe, mas o
Han shih wai chuan, pelo mesmo autor, sim. No presente Shuo yüan, há umas
oitenta passagens que são muito semelhantes a passagens do Han shih wai chuan,
e pode ser demonstrado que as passagens no Shuo yüan, foram, em muitos casos,
tomadas ipsis litteris do Han shih wai chuan. Sendo esse o caso, o provável é
que haja igualmente passagens tomadas ipsis litteris do Han shih nei chuan. A
citação do Han shih nei chuan preservada no Po hu t’ung é muito curta e
possivelmente abreviada mas, de resto, exatamente como deveríamos esperar de um
fragmento de uma passagem mais longa que viesse a ser incorporada, sem o devido
crédito, ao Shuo yüan. A citação do Po hu t’ung é a seguinte: O Han shih nei
chuan [diz], “Confúcio era o ssu k’ou de Lu e seu primeiro ato de punição
(hsien chu) recaiu sobre Shao Cheng Mao. (4.5b) Para o nosso presente
propósito, o que interessa é que tanto no Han shih nei chuan quanto no Shuo
yüan Confúcio é referido como ssu k’ou de Lu. Enquanto o Huai nan tzu não
menciona sua posição oficial, o Shih chi e o K’ung tzu chia yü ambos dizem “de
ta ssu k’ou Confúcio [seguiu] para cumprir as funções de um primeiro-ministro”.
[260] No Hsün tzu, Confúcio tinha se tornado o “primeiroministro interino (she
hsiang)”, mas pelo Yin wen tzu ele era simplesmente “primeiro-ministro de Lu
(Lu hsiang)”. Conforme vimos, quanto mais tardia a fonte, mais exaltada a
posição de Confúcio se tornou. Visto sob essa luz, o Han shih nei chuan e,
consequentemente, o Shuo yüan pareceriam representar o primeiro estágio da
tradição quando Confúcio ainda era apenas um ssu k’ou. O Shih chi e o K’ung tzu
chia yü representam estágios transitórios, de quando ele era ainda apenas ta ssu
k’ou cumprindo funções de primeiro-ministro. O Hsün tzu representa o estágio
seguinte, de quando ele agia como primeiro-ministro. O Yin wen tzu representa o
estágio final, quando ele simplesmente era o primeiroministro de Lu. Que o Yin
wen tzu descrevesse Confúcio como primeiro-ministro de Lu não causa surpresa,
já que se trata de uma invenção de uma época muito posterior às fontes
estabelecidas. Mas que o Hsün tzu descreva Confúcio como primeiro-ministro sim,
é surpreendente, já que a tradição parecia, como vimos, não ter sido aceita
amplamente até quase 240 a.C., sendo que por essa época Hsün Tzu provavelmente
já estava morto; mas como a história é encontrada no capítulo que foi
acrescentado posteriormente, então é compatível com o fato de ela ser uma invenção
tardia. Já que a versão de Shuo yüan representa o primeiro estágio da tradição,
citemos o trecho inteiramente. Confúcio era ssu k’ou em Lu havia sete dias e
executou (chu) [261] Shao Cheng Mao sob a torre Oriental, que flanqueava o
portão do palácio. Nenhum dos discípulos que, ao ouvir as notícias, tinham
acorrido, falou, embora pensassem todos a mesma coisa. Tzu-kung apressou-se a
se apresentar, dizendo: “Shao Cheng Mao é uma figura bem conhecida no reino de
Lu. Por que, Mestre, o seu primeiro ato de punição (hsien chu), após assumir a
responsabilidade do governo, recai sobre ele?”. Confúcio disse: “Ssu, isso está
além da sua compreensão. Há cinco coisas que um rei de verdade pune, e roubar é
uma delas. Primeiro vem a mente que é traiçoeira ao discernir alguma coisa; em
segundo lugar vêm as palavras que são eloquentes ao serem falsas; em terceiro
lugar vem a conduta que não titubeia ao ser perversa; em quarto lugar vem a
memória que é ampla mas estúpida; em quinto lugar, seguir o que é errado ao
mesmo tempo que faz com que este algo aparente correção. Todos esses cinco
gozam do nome de discernimento, inteligência, esperteza e compreensão, mas não
são, na verdade, a coisa genuína. Se alguém deveria ser preso por enganar,
então sua inteligência é suficiente para influenciar a multidão e sua força é
bastante para que ele fique sozinho. Ele vai, então, superar outros homens maus
e precisa ser punido. Um homem que tem uma das cinco qualidades mencionadas não
escapará da punição. Eis aqui Shao Cheng Mao, que tem todas as cinco. É por
isso que minha primeira punição recai sobre ele. Antes, T’ang puniu Chu Mu,
T’ai Kung puniu P’n Chih, Kuan Chung puniu Shih Fu Li, Tzu-ch’an puniu Teng
Hsi. Estes cinco [262] cavalheiros jamais hesitaram em levar adiante uma punição.
Aquilo que é descrito como ‘punição’é assim descrito não porque os homens
punidos atacassem e roubassem durante o dia e abrissem buracos nas paredes à
noite, mas porque eles são como os homens que planejam a queda daqueles que se
opõem a eles. São naturalmente objeto de suspeita dos cavalheiros e a causa de
perplexidade para os justos e de erro para os estúpidos. As Odes dizem Quanta
preocupação em meu coração! Sou odiado pela horda de homens vulgares. Isso
descreve bem o que acabo de dizer”. (15.14b-16a) A primeira coisa a ser
percebida nessa história é que ela pertence à categoria de histórias
ilustrativas. Em uma história ilustrativa, a identidade dos personagens não é
importante e pode variar, mas a tendência é a de se usar figuras muito
conhecidas, para dar credibilidade ao que se quer provar. A pergunta a ser
feita sobre tais histórias é: “O que ela deve ilustrar?”. Neste caso
específico, a resposta é bastante clara. Ela ilustra a punição e a supressão de
qualquer homem que leva a melhor sobre a multidão por causa de sua eloquência,
inteligência e força de personalidade, em outras palavras, aquilo que hoje
seria descrito como uma figura carismática. Os casos citados como precedentes,
embora não digam muito à primeira vista, acabam, ao serem melhor examinados,
sendo de alguma ajuda. Em três dos cinco casos, o réu, como Shao Cheng Mao, é
desconhecido por nós e, ao que tudo indica, totalmente ficcional. O quarto,
entretanto, é histórico. Teng Hsi era, de acordo com o Hsün tzu [263] , um
sofista como Hui Shih. À parte a presente história, dele também se diz, no Lü
shih ch’un ch’iu [264] , que foi sentenciado à morte por Tzu-ch’an. Isso,
entretanto, contradiz-se com o relato do Tso chuan no qual Teng Hsi teria sido
executado por Ssu Ch’uan no nono ano do duque Ting (501 a.C.), uns vinte anos
depois da morte de Tzu-ch’an. Ssu Ch’uan de Cheng matou Teng Hsi e
apropriou-se, para uso próprio, do código criminal de bambu de Teng Hsi. (Tso
chuan chu shu, 55.19a-b) Pareceria que Teng Hsi tinha inscrito seu próprio código
criminal em bambu, e isso provavelmente se opunha a Tzu-ch’an, que em 536 a.C.
mandou fazer um tripé, com o código criminal nele inscrito. Considerando-se o
que sabemos de Tzu-ch’an, é pouco provável que ele, assim como Confúcio, tenha
recorrido à sentença de morte para suprimir um oponente, mas, seja qual for o
fato histórico, a história da execução de Teng Hsi é provavelmente uma história
usada com propósitos legalistas. O princípio mais importante da filosofia
legalista era a suprema autoridade do Estado em pronunciar-se sobre o que é
certo e errado, e estaria de acordo com essa filosofia advogar a execução de
qualquer homem que se intromete com o código criminal. Dos outros casos
citados, aquele que diz respeito à execução de P’an Chih por T’ai Kung de Ch’i
é interessante. Embora P’an Chih seja desconhecido, há outra história parecida
sobre T’ai Kung. No Han fei tzu há duas versões próximas a essa história. Eis
aqui a versão mais curta: T’ai Kung Wang foi enfeudado em Ch’i, no Leste.
Próximo ao mar morava um excelente homem, Louco Chüeh. T’ai Kung Wang, ao saber
disso, foi três vezes visitá-lo. Três vezes ele deixou o seu cavalo junto à
porta, mas Louco Chüeh não fez menção de retribuir a cortesia. T’ai Kung Wang
matou-o. Naquela época, Tan, o duque de Chou, estava em Lu. Ele foi correndo
pará-lo, mas, quando lá chegou, T’ai Kung Wang já tinha matado Louco Chüeh.
Tan, o duque de Chou, disse: “Louco Chüeh é conhecido como um homem excelente
em todo o império. Por que o senhor o matou?”. T’ai Kung Wang respondeu: “Louco
Chüeh demonstrou que não seria súdito do imperador nem amigo dos senhores
feudais. Temi que ele lançasse as leis ao caos e que substituísse os
ensinamentos do reino. Foi por isso que fiz dele objeto de meu primeiro ato de
punição (shou chu). Suponhamos que haja aqui um cavalo, que se parece com um
garanhão, e, no entanto, não cavalga quando montado nem avança quando
conduzido. Nem mesmo um escravo se arriscaria a ter uma carruagem virada por
tal cavalo”. (Han fei tzu, 13.4a) Essa história é usada por Han Fei Tzu para
ilustrar a ideia de que o governante deveria se livrar de qualquer pessoa além
do seu poder e controle. De acordo com a teoria legalista, recompensa e punição
são “os dois cabos” por meio dos quais um governante pode controlar seus
súditos. Se um homem não responde a nenhum dos dois, não há nada que o
governante possa fazer, seja para encorajá-lo ou para detê-lo. Tal pessoa é
aquilo que o mundo admira, mas, aos olhos do governante legalista, ele apenas
se parece com um homem excelente mas não é, na verdade. Louco Chüeh era
precisamente esse tipo de pessoa, e é por isso que foi necessário fazer dele um
exemplo. O que é interessante para nós nessa história é o uso da expressão shou
chu. Isso é exatamente como o hsien chu no Shuo yüan e o shih chu no K’ung tzu
chia yü. Todos eles significam “o ato inicial de punição”. Que a expressão
constitui o elemento crucial na história é mostrado pelo fato de que aparece
até mesmo na breve citação do Han shih nei chuan. [265] O uso comum dessa expressão
mostra que a história sobre a punição de Shao Cheng Mao por Confúcio e a outra,
sobre a punição de Louco Chüeh por T’ai Kung Wang, pertencem ao mesmo tipo.
Ambas servem para ilustrar ideias da filosofia legalista. Vistas sob essa luz,
a história de Shao Cheng Mao é meramente uma das várias histórias encontradas
na literatura legalista na qual Confúcio aparece como porta-voz das ideias
legalistas. Eis aqui um exemplo descarado tirado do Han fei tzu de sentimentos
legalistas sendo colocados na boca de Confúcio: Duque Ai de Lu perguntou a
Chung-ni: “O Ch’un ch’iu registra: ‘Inverno, o 12º mês, geada caiu mas não
matou os legumes’. Por que ele registra isso?”. Chung-ni respondeu: “Isso
significa que aquilo que pode estar morto não está morto. Então, se o que
deveria estar morto não está morto, então pêssegos e ameixas darão frutos no
inverno. Então, se até o Céu é desafiado por plantas quando falha em seguir seu
caminho, o que não aconteceria com um governante dos homens?”. (op. cit.,
9.5b-6a) Esta, assim como a história de Shao Cheng Mao, ilustra o ponto de que
o governante não deve ter escrúpulos quando a situação requer severidade. Que a
história de Shao Cheng Mao é de origem legalista é algo sustentado por outro
trecho. No capítulo 14 do Kuan tzu, que lida com aquilo que deveria ser
proibido pela lei, encontramos: Conduta que é firme ao mesmo tempo que
perversa, palavras que são eloquentes ao mesmo tempo que engenhosas, a
transmissão do que é errado por meio da erudição, seguir aquilo que é mau
enquanto dá a isso a aparência de correção – tudo isso é proibido pelo sábio
rei. (Kuan tzu, 5.7b) A não ser por variações insignificantes, essa peça
inegavelmente legalista é quase idêntica à parte relevante da história de Shao
Cheng Mao. [266] Uma vez que vimos que a história de Shao Cheng Mao é de origem
legalista, podemos ver por que Confúcio é aqui pintado como advogando a
supressão e execução de um causador de problemas em potencial, um ato que
contradiz tudo aquilo que ele defendia. Para mostrar a história como ela é, não
podemos fazer nada mais além de lembrar mais uma vez qual a opinião de Confúcio
sobre a morte de homens maus. Chi K’ang Tzu perguntou a Confúcio sobre o
governo, dizendo: “O que o Mestre pensaria se, para me aproximar daqueles que
seguem o Caminho, eu matasse aqueles que não o seguem?”. Confúcio respondeu:
“Qual a necessidade de matar para administrar um governo? Apenas deseje o bem e
o povo será bom. A virtude do cavalheiro é como o vento; a virtude do homem
comum é como grama. Que o vento sopre sobre a grama, e ela com certeza se
dobrará”. (XII.19) Esse exame das tradições de Shih chi que não são sustentadas
por fontes primárias serve para confirmar o veredicto de Ts’ui Shu de que na
biografia de Shih chi “aquilo que não tem fundamento chega a setenta ou oitenta
por cento” [267] e para mostrar que estamos certos ao aderir ao austero
princípio de submeter a cuidadoso exame tudo aquilo que não é chancelado por
pelo menos três fontes primárias. www.http//rt.br.
Abraço. Davi
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