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A UNICIDADE DE D’US. “E saberás hoje e considerarás no teu coração, que o
Eterno, Ele é D’us, em cima, nos céus, e embaixo, na Terra; não há nada além
Dele. (Deuteronômio 4:39). O estudo
sobre D'us e Sua Unicidade constitui a matriz do judaísmo. É a essência da
Cabalá, que, por sua vez, é a alma da Torá e o portão de entrada a um
entendimento mais profundo da lei e filosofia judaica, sua crença e prática. Nosso propósito, nesta análise, é fornecer uma introdução e
um convite a aprofundar o estudo de um tema sem fim e, por vezes, paradoxal, e
as ideias abaixo apresentadas baseiam-se na Cabalá de Rabi Itzhak Luria, o
Arizal (1534-1572), e nos ensinamentos do Rabi Shneur Zalman de Liadi
(1745-1813), o Baal HaTanya, autor do Tanya. Adentramos
no estudo sobre D'us e sua Unicidade com a consciência de que somos meras
criaturas finitas e falíveis tentando discutir o Infinito. O pouco que
conhecemos acerca de D'us se deve ao fato de sermos, em parte, a Sua Essência.
Falar de D'us é falar de um Ser indefinível e incompreensível, que está além de
qualquer medida ou definição. Comparado a D'us, que transcende a sabedoria e o
conhecimento, até o mais sábio dos homens nada mais é do que um tolo. E,
portanto, qualquer exemplo, metáfora ou analogia que tente entender D'us é,
inevitavelmente, imprecisa. Na melhor das hipóteses, pode-se pretender alcançar
um pingo da verdade. Um corolário disso é o fato de D'us ser
absolutamente singular. Nada nem ninguém a Ele se podem comparar. Há uma linha
muito bem definida que O distingue de toda a Sua criação. Temos que ter isto
sempre presente em nossa mente, pois, como veremos adiante, apesar de ser o
mundo todo divino, o Criador e a criação não representam uma unidade. Nos
livros sagrados, inclusive na Hagadá de Pessach, D'us é, às vezes, chamado de
HaMakom - O Lugar. A razão para este nome, como ensina o Midrash, é que D'us é
O Lugar do mundo, mas o mundo não é o Seu Lugar. Isto significa que a criação
reside dentro do Criador, mas D'us não é definido nem dependente do mundo, em
instância alguma. Nem Ele nem o Seu Nome podem ser associados a ser algum, vivo
ou inanimado; pois isto equivaleria à idolatria. D'us não pode ser confundido
com Seus Atributos - as Sefirot. Ele não é a Natureza, nem tampouco alguma
forma de anjo ou ser humano onipotente. Até o mais espiritual dos homens, o
maior dos sábios, o mais poderoso milagreiro – mesmo Moshé ou o Mashiach, seja
este último quem for – são, nas palavras do Tanya, "ingênuos diante de Sua
abençoada Presença". Até mesmo um verdadeiro Tzadik, que tem condições de
reverter os decretos divinos, nada mais é do que um instrumento de D'us – um
canal através do qual flui a misericórdia e a plenitude Divina. Judaísmo é monoteísmo puro. É, também, a busca pela Verdade.
Para o judeu, a existência e unicidade de D'us não são mera questão de fé – são
a base de toda a Realidade. São verdades mais preciosas do que a própria vida. A contínua criação do mundo. Nós, seres humanos, temos a impressão errônea de que somos
criadores. Na verdade, nada criamos; simplesmente moldamos ou transformamos
algo em outro algo. Um escultor, por exemplo, não cria sua escultura – ele a
modela, com gesso ou outro material. Mesmo um escritor que componha uma
história original necessita da matéria física, ou seja, papel e tinta, para
gravar seu trabalho. E apenas pelo fato de ter a matéria física, o trabalho do
escritor permanece após ser finalizado. Tudo na
criação humana é iniciado a partir de um original. Há uma única exceção, o
pensamento. Em nossa mente, temos o poder da imaginação, criando assim coisas
ou pessoas ou situações inexistentes anteriormente e sem substância física. As
crianças, por exemplo, costumam criar na mente amigos imaginários – chegando,
mesmo, a lhes atribuir nomes e com eles "conversar". Contrastando com
outras criações do homem, o pensamento, criado a partir do nada, jamais se
torna independente de seu criador. Um conto publicado pode sobreviver a seu
autor, mas se um escritor apenas criar o conto em sua imaginação, este deixará
de existir no instante em que ele mudar de pensamento. E se ele se esquecer do
mesmo, jamais voltando a pensar no assunto, tal história jamais terá existido. Antes da criação do mundo, não havia nada além de D'us. O
Criador não modelou o universo a partir de um original, pré-existente, já que
não existia absolutamente nada. Como D'us criou tudo a partir do nada, a
criação não pode ser comparada à modelagem de uma estátua ou à escrita de uma
conto – são criados a partir de uma matéria física, mas apenas aos pensamentos
da mente humana, criados a partir do nada. Em sua essência, é isto o que é o
nosso universo: o conjunto dos pensamentos de D'us. Falando por metáforas, Ele pensou e tudo se criou. D'us
continua a pensar sobre sua criação e está continua a existir. E como a criação
é a mudança do nada em algo, há que haver alguma força que garanta que tudo não
volte à forma original de inexistência. Em termos científicos, poder-se-ia
dizer que a criação é a força incessante que se opõe à entropia. Para que o
mundo continue a existir, D'us precisa continuar com o pensamento no mundo – a
dizer, Ele precisa estar constantemente recriando-o, sem parar; de outra forma,
tudo reverteria ao nada, onde tudo se originou. O ato
da criação, portanto, não foi um evento único, de uma única vez; é um evento
contínuo e incessante. Esta é a razão pela qual todas as manhãs, em nossas
orações, louvamos D'us por ser Aquele "que, em sua bondade, renova dia
após dia, continuamente, a obra da criação". Contudo, como tudo está
constantemente sendo criado do nada, o mundo pode, a qualquer momento, reverter
ao nada, seu estado inicial. D'us não precisa inundar novamente o mundo para se
livrar da humanidade. Basta que Ele pare de pensar no homem. À luz disto, o
Talmud ensina que se em um momento qualquer, em algum ponto da Terra, não
houver ao menos um judeu estudando a Torá, D'us perderia o interesse na criação
e todo o universo súbita e instantaneamente deixaria de existir. Criação contínua significa que D'us está constantemente
pensando em tudo e em todos; nada, portanto, escapando ao Seu escrutínio. A
existência de qualquer ser – um micróbio, um ser humano ou uma galáxia - está
sob Seu constante domínio. Nada pode existir ou ocorrer sem Sua Presença. Como
está escrito na Torá, "pois que Ele é nossa própria vida" (Deut., 30:
20). A criação constante nos ensina que Ele não é apenas Quem dá a vida, mas
Ele é a nossa vida. É fundamental ter isso bem claro para se entender a
unicidade de D'us. Há quem acredite que D'us criou o mundo e o afastou de Si; é
a teoria filosófica intitulada Deísmo. Outros acreditam que D'us apenas
intervém no mundo esporadicamente, através da realização de um milagre. Tais
noções – a de que existe um mundo e de que há um D'us e ambos interagem ou não
interagem – são falsas. O mundo não é uma realidade absoluta; somente D'us o é.
Pois, assim como os pensamentos residem na mente de uma pessoa, o mundo reside
em D'us. E é por isso que D'us conhece tudo o que transpira no universo – não
porque Ele invade nossa mente e nosso domínio individual – mas porque nós
residimos dentro d'Ele. Assim sendo, nada do que pensamos ou fazemos Lhe é
desconhecido. Afirmar que D'us não percebe ou não se importa se a pessoa diz a
bênção antes de comer ou se a pessoa destina uma doação para caridade, é, no
mínimo, uma leviandade. Na Torá que Ele compôs, D'us descreve Seu ato
de criação como um produto de Sua fala, dos Dez Pronunciamentos Divinos. Esta
metáfora da fala explica a criação na forma da Revelação Divina. Assim como as
palavras de uma pessoa são reveladoras, a "fala" Divina implica que o
mundo emanou d'Ele e que a criação realmente aconteceu. Mas tal metáfora tem
limitações - como o têm todas as demais usadas para descrever D'us e Seus Atos
- pois quando uma pessoa fala, as palavras emanam de seu íntimo. Há um orador e
um discurso. Este, uma vez pronunciado, deixa o domínio do orador, não podendo
ser revertido. Mas, em se tratando de D'us, não há nada fora de Seu domínio.
Como D'us é Infinito, assim como tudo o que existe dentro d'Ele, Sua fala,
contrariamente à do homem, nunca o abandona. Neste sentido, é mais preciso
comparar a criação Divina do mundo aos pensamentos de uma pessoa que nunca são
exteriorizados. Resumindo, a Criação tem elementos que são comparáveis à fala e
ao pensamento do homem. Como a fala, a Criação é uma forma de revelação e
expressão; como o pensamento, nunca abandona o domínio de um ser. Isto
significa que os Dez Pronunciamentos Divinos resultaram na criação do universo,
mas isso não é, de forma alguma, apartado ou independente de D'us. A Criação, através do ocultamento. A luz de uma vela tem maior significado à noite; mas se torna
menos relevante, apesar de não mudar sua luminosidade, em plena luz do dia. E,
se de alguma maneira, a vela fosse colocada dentro do sol, sua luz seria
imediatamente anulada pela potente luz do sol. A luz de uma vela dentro do sol
somente teria relevância se o sol se tornasse escuro. Apenas ocultando a luz do
sol, a luz da vela seria perceptível. Esta
analogia ajuda a ilustrar que a Criação, que é finita e reside dentro do
Infinito, na verdade é anulada dentro de D'us. Esta analogia fica aquém da
realidade, pois uma vela, por menor que seja, ainda é uma fração infinitesimal
do sol. Comparado com o Infinito, qualquer número, por maior que seja, é
insignificante. Ademais, por definição, o infinito não pode ser decomposto em
partes, e, portanto, não permite a existência de mais nada. Como discutimos
acima, não há espaço fora de D'us; e, como o infinito não faz espaço para nada
mais, como pode o mundo existir? A Cabalá revela que o mundo foi criado não
apenas pela fala Divina, mas pelo Tzimtzum. Comumente traduzido por Divina
Constrição, Tzimtzum deve ser entendido como Divino Ocultamento: D'us ocultou
Sua Luz Infinita para que o mundo não parecesse estar sendo anulado dentro
d'Ele. Nós, portanto, vemos o mundo, mas não vemos D'us. Referindo-se ao ocultamento de D'us, o Zohar fala de uma
"Lâmpada da Escuridão" que oculta a Luz Infinita para fazer crer que
a Criação é separada de seu Criador. Como a presença do Infinito e o finito –
D'us e o mundo – estão sempre em oposição, sua coexistência é uma contradição.
O mundo somente pode existir quando D'us Se esconde. Se a Luz Infinita fosse
revelada, instantaneamente Ela consumiria e anularia tudo o que existe. A existência do universo envolve dois processos
concomitantes: a contínua criação Divina, pois, do contrário, o mundo
reverteria ao vazio, ao nada; e o ocultamento de D'us, pois, do contrário, o
mundo seria totalmente anulado dentro de Sua Luz Infinita. No entanto, o Tzimtzum
apenas explica como podemos perceber o mundo, mas não como o mundo pode
coexistir com o Infinito. O mundo é um produto da Revelação Divina e do
Ocultamento Divino. O fator comum a ambos os mecanismos é o Divino, não
deixando espaço para nada mais. Como pode um mundo finito ser criado por D'us,
oscilando entre a luz e a escuridão? Revelado ou oculto, é tudo Ele. O Baal
HaTanya elucida este paradoxo com a seguinte analogia: alguém que fique fora do
sol pode diferenciar entre o próprio sol e os raios de luz que emite. De fato,
as pesadas nuvens arruinarão um dia a ar livre apesar do sol nunca deixar de
brilhar. Mas, a luz solar dentro do sol é vinculada à sua origem. Dentro do
sol, não há distinção entre o sol e a luz solar; há apenas o sol. De forma similar,
como não há nada fora de D'us, o mundo nem pode ser comparado a um raio de sol
que, apesar de ser completamente dependente do sol, é reconhecido como uma
entidade em si só. Pelo contrário, o universo todo é anulado dentro de D'us
assim como o raio de sol o é dentro do sol. Como escreve o Baal HaTanya, este é
o significado da verdadeira unicidade de D'us: o fato de que tudo é nada,
comparado a Ele, pois tudo é verdadeiramente anulado dentro de Sua Existência. A unicidade de D'us não significa que não haja outros deuses
no mundo. Significa que não há nada além d'Ele. Pois, ainda que nosso mundo
realmente exista, assim como a luz existe dentro do sol, esse mundo é
completamente anulado dentro de sua Origem: não possui existência independente
ou absoluta. O ato de idolatria - quer se adore uma estrela, uma estátua ou um
homem qualquer, mesmo um Tzadik - é abandonar tudo pelo nada, pois que apesar
de o mundo ser a fala Divina, o mundo não é D'us. Prova disto é que o mundo
está constantemente sendo criado do nada e poderia reverter ao vazio do nada -
sem efetuar qualquer mudança em D'us. Segundo a
Cabalá, o ponto de partida da idolatria não é a negação de D'us nem a crença em
outros deuses, mas é a assunção de qualquer coisa que seja independente d'Ele.
O epítome da idolatria foi personificado pelo Faraó do Egito - o vilão
arrogante que afirmou ser um deus, auto criado. Não é de surpreender que D'us
tenha escolhido Moshé, cuja essência é a antítese da idolatria, para enfrentar
e vencer o Faraó. Pois Moshé, apesar de ser o maior de todos os profetas, foi
também o homem mais humilde que já existiu: ele personificou a verdadeira
santidade, que significa a auto anulação diante do Divino. Pode-se conjeturar
que a humildade de Moshé não era simplesmente produto do tipo de pessoa que
era, mas também do que ele vivenciou. Chegando tão próximo a D'us, como a
nenhum outro ser humano foi dado chegar, ele pôde perceber, melhor do que
ninguém, que tudo e todos nada são quando comparados ao Criador. Moshé
pergunta, pois, retoricamente: "E que somos nós?" (Êxodo, 16:7). A
resposta é que comparados a D'us, nada somos. O
paradoxo da Criação - de como um mundo finito pode existir quando, na verdade,
nada existe além de D'us - é transmitida pela seguinte história. Um rabino
chassid disse, certa vez, a um filósofo, que "pessoas como você pensam em
D'us o tempo todo, enquanto os chassidim apenas pensam em si próprios".
Percebendo um sorriso no rosto do filósofo, o rabino disse, "não o digo
como elogio", explicando a seguir: "Pessoas como você têm certeza de
sua própria existência. E, por isso, passam os dias pensando em D'us. 'Será que
Ele existe? E que tipo de D'us é Ele?' Por outro lado, nós, os chassidim,
sabemos que D'us existe. Portanto, passamos o dia pensando se nós próprios existimos.
E em como é possível esta nossa existência". Corre
uma história sobre assunto semelhante acerca de um grande mestre do
Chassidismo, Rabi Aharon, de Karlin (1802-1872). Grande líder e erudito, além
de poderoso milagreiro, ele foi um dos principais alunos do Maguid de
Mezeritch. Certa vez lhe perguntaram o que havia aprendido enquanto estudara em
Mezeritch. "Nada", respondeu. "Nada?", repetiram,
incrédulos. "Nada", reiterou. "Em Mezeritch, aprendi que nada
sou". Estamos falando de um homem verdadeiramente extraordinário - um
Tzadik, um sábio, um fazedor de milagres e maravilhas - cuja sabedoria e
conhecimentos apenas o tornavam mais humilde pelo fato de o fazerem constatar
que o mundo inteiro é, de fato, anulado diante do Criador. No entanto, essa anulação perante D'us não significa que o
mundo não exista. Fosse este o caso, não haveria paradoxo algum na Criação.
Diferentemente do misticismo oriental, o judaísmo não afirma que o mundo é uma
ilusão. O mundo é uma realidade. Se a vida fosse uma ilusão, não haveria
diferença entre o bem e o mal, o certo e o errado, uma mitzvá e um pecado. Se,
por exemplo, o alimento que ingerimos fosse uma ilusão dos sentidos, que
diferença faria comer matzá ou chametz, em Pessach? Portanto, negar a realidade
do universo não soluciona o paradoxo da Criação. O
propósito do ocultamento. Buscando
algum sentido para o paradoxo da Criação, tomemos emprestada uma analogia do
campo da Física. A olho nu, a matéria parece ser sólida e inerte. Mas um objeto
como uma pedra é composto do movimento constante de partículas cuja solidez
física é questionável. Os elétrons são pontos concentrados de ondas de energia.
Ao mencionar isto, quer-se defender o fato de que mesmo dentro do reino do
mundo físico, nem tudo é o que parece. Percebemos apenas os sólidos tangíveis
porque nossa percepção é limitada. Contudo, justamente esta falta de percepção
é o que nos permite funcionar. Não teríamos condições de viver efetivamente se
apenas víssemos partículas atômicas. Esta
analogia nos ajuda a entender que pode haver mais de um nível de percepção. O
mesmo é válido para a Realidade, como um todo. Por um lado, tudo no universo é
produto da fala Divina. Nada há além de D'us; somente Ele existe e o mundo é
anulado dentro d'Ele. Por outro, o mundo não é uma ilusão: matzá é matzá;
chametz é chametz e o ser humano é um ser humano. Quem estuda Cabalá e não
consegue aceitar este paradoxo ou perde a razão ou perde a fé. Esta é uma das
razões porque o estudo do misticismo judaico foi proscrito durante tanto tempo. A Cabalá aborda o paradoxo da criação através da revelação de
que há dois níveis de unicidade: Unicidade Superior, Yichudá Ila'á, que é a
perspectiva do Criador, e a Unicidade Inferior, Yichudá Tata'á, que é a
perspectiva da criação. A Superior significa que, sob a perspectiva Divina, o
mundo é totalmente anulado dentro d'Ele, assim como a luz do sol o é dentro do
sol. A Unicidade Inferior significa que nós vemos um mundo que aparenta ser
separado de seu Criador, assim como alguém que fica fora do sol percebe os
raios de luz totalmente dependentes do astro-rei, mas não anulados dentro dele. Dois níveis de Unicidade Divina significam que o
relacionamento entre D'us e o universo não é idêntico nas duas direções. D'us é
totalmente independente do mundo, ao passo que o mundo é totalmente dependente
d'Ele. O Criador tudo vê, mas nenhuma de suas criaturas, nem mesmo os anjos,
podem vê-Lo diretamente. Isto significa que o ocultamento Divino é a escuridão
para nós, não para D'us. A partir de Seu ponto de vista, não há barreira alguma
entre Ele e sua criação – Ele nos vê como se estivéssemos dentro d'Ele. Mas, a
partir de nosso ponto de vista, parece haver uma linha divisória entre D'us e o
mundo. Podemos comparar esta situação a um espelho de um só lado. De
um deles, é um espelho, enquanto que do outro é totalmente transparente. Nós,
que olhamos do lado espelhado, conseguimos ver nossa imagem refletida e, por
essa razão, aceitamos a nossa existência como um fato tácito e natural. Mas
perante D'us, tudo é como o vidro translúcido, que nada encobre nem oculta, não
havendo nenhuma barreira a nos separar d'Ele. Isto explica o fato de que D'us
ouve todas as preces. Como o Ocultamento Divino não é real - mas meramente uma
falta de percepção de nossa parte - não há separação real entre o Criador e
toda a criação. D'us percebe tudo, em todos os níveis, seja o desejo não
expresso de uma criança ou o canto de um anjo. Ele está sempre infinitamente
próximo, ainda que não O possamos ver. Na corrente
dos mundos espirituais, o nosso é aquele que mais oculta a Presença Divina. Na
liturgia judaica e nos livros sagrados repete-se, muito apropriadamente, que
D'us está nos Céus - não porque Ele não esteja em lugar algum - mas porque nos
mundos espirituais D'us é menos oculto. Nós, contudo, vivemos em um mundo que,
como diz o Zohar, aparenta ser "um palácio sem governante". E a razão
para tal é que se D'us não Se ocultasse, nosso mundo seria obliterado por Sua
Luz Infinita. O Tzimtzum, portanto, é um elemento essencial da criação. Mais do
que isso, é o que nos outorga o livre arbítrio. Se sentíssemos a Presença de
D'us pairando sobre nós e nos envolvendo, nenhum de nós conseguiria fazer nada
de errado e o conceito do livre arbítrio perderia todo o seu significado. Assim é que está escrito que nenhum ser "há de Me ver e
continuar vivo". Mesmo os grandes Tzadikim e os mais sábios entre nossos
sábios não podem ver o Divino, diretamente. Nem Moshé, a alma mais elevada que
já existiu, pôde ser totalmente anulado diante da Essência Divina. Pois aquele
que apenas vê a Divindade perde seu livre arbítrio e não mais pode participar
deste mundo. Diz-se que em seus últimos momentos de vida, o Baal HaTanya
(1745-1813), que se abrigava em uma cabana, chamou seu neto e lhe pediu:
"O que você vê?" O neto, que viria a ser um grande Rebe, respondeu:
"Vejo paredes de madeira e um teto". O Baal HaTanya respondeu:
"Pois eu, não. Neste momento, só vejo a Divindade". O Maguid de
Mezeritch dizia que essa capacidade - de deixar de ver o mundo para apenas
enxergar a fala Divina - é investida em um Tzadik três dias antes de seu
falecimento. É o sinal de que seus dias neste mundo se esgotaram. No que tange aos seres humanos, a anulação perante o Divino
não deve ser interpretada como forma de repúdio ao mundo ou à própria
existência. O nível Inferior da Unicidade é a nossa realidade e esta realidade
não permite que se trate o mundo, os demais seres ou a própria vida como uma
ilusão inconsequente. O nível Inferior de Unicidade foi criado por D'us com um
propósito - para que tivéssemos como interagir com Ele. É a perspectiva de ser
independente - de não conseguir ver que verdadeiramente nada existe além d'Ele
– o que nos dá o livre arbítrio de nos agarrarmos a D'us ou de negá-Lo ou de
nos rebelarmos contra Ele. Assim sendo, abandonar o mundo a uma mera ilusão é
frustrar o magnífico plano da Criação. O que a
anulação diante do Divino requer - e é bem mais do que a maioria das pessoas
alcança no curso de sua vida - é o sentimento genuíno de humildade e repúdio a
auto ego. O mais próximo ao "Unio Mystica” – total obliteração de si
próprio - que há, neste mundo, é o estudo da Torá e o cumprimento de Seus
mandamentos - através dos quais a pessoa anula sua própria vontade frente à
Vontade Divina. O estudo da Torá, em particular, revela o Divino, pois como
ensina o Zohar, é na Torá que D'us oculta Sua Luz Infinita. O mestre chassid, Rabi Nachman de Bratslav, ensinava que o
paradoxo da criação não será plenamente entendido até o fim dos dias. Mas,
apesar de certamente ser melhor conhecer esse paradoxo do que manter conceitos
errôneos sobre D'us e Sua Unicidade, nosso propósito neste trabalho não foi
apresentar um enigma e deixá-lo em suspenso. Uma resposta possível é que o
mundo é algo que reside entre a não-existência e a existência - e que está no
processo de se tornar uma realidade. Temos razão para crer nisto porque o
Talmud ensina que, no futuro, D'us Se revelará abertamente, mas a humanidade
não será obliterada. O Baal HaTanya explica que a Torá que estudamos e os
mandamentos que cumprimos são uma blindagem para este mundo que estamos
construindo, para que, um dia, este mundo possa suportar, sem ser consumido,
uma Revelação Divina explícita. E, à pergunta de por que o Ocultamento Divino
deve chegar ao fim, a resposta é que tudo o que há de errado, no mundo, somente
existe porque D'us Se oculta; as pessoas não vêm D'us e costumam usar o livre
arbítrio para fazer o mal. Portanto, por um lado, o mundo não pode ser
aperfeiçoado até que a Luz Infinita seja revelada. Mas, por outro, essa Luz tem
que permanecer oculta até que o mundo esteja pronto para suportá-la. Isto
explica por que a perfeição do mundo é dependente de nossos atos: pois, cada
vez que uma pessoa estuda a Torá ou cumpre a Vontade Divina, esta pessoa está
transformando este mundo envolto em escuridão em uma Morada de D's, um lugar
onde um dia Ele possa livremente revelar Sua Luz Infinita. O Talmud ensina que
quando esse dia vier a Presença Divina será clara para todos nós. E nosso povo,
que viveu por Ele e tanto sofreu por se recusar a negar a Sua Unicidade,
proclamará: "Este é nosso D'us; esperamos por Ele e Ele nos salvou. Este é
o Eterno por Quem ansiamos, exultemos e rejubilemos em Sua salvação"
(Isaías, 25:9). www.morasha.com.br. Abraço. Davi.
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