Cristianismo. www.vatican.va. CARTA ENCÍCLICA. LAUDATO SI. Do Santo Padre Francisco. SOBRE O CUIDADO
DA CASA COMUM. Capítulo Quatro. UMA ECOLOGIA INTEGRAL. 137. Dado que tudo está
intimamente relacionado e que os problemas actuais requerem um olhar que tenha
em conta todos os aspectos da crise mundial, proponho que nos detenhamos agora
a reflectir sobre os diferentes elementos duma ecologia integral,
que inclua claramente as dimensões humanas e sociais. 1. Uma Ecologia
ambiental, económica e social. 138. A ecologia estuda as
relações entre os organismos vivos e o meio ambiente onde se desenvolvem. E
isto exige sentar-se a pensar e discutir acerca das condições de vida e de
sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de pôr em questão modelos de
desenvolvimento, produção e consumo. Nunca é demais insistir que tudo está
interligado. O tempo e o espaço não são independentes entre si; nem os próprios
átomos ou as partículas subatómicas se podem considerar separadamente. Assim
como os vários componentes do planeta – físicos, químicos e biológicos – estão
relacionados entre si, assim também as espécies vivas formam uma trama que
nunca acabaremos de individuar e compreender. Boa parte da nossa informação
genética é partilhada com muitos seres vivos. Por isso, os conhecimentos
fragmentários e isolados podem tornar-se uma forma de ignorância, quando
resistem a integrar-se numa visão mais ampla da realidade. 139.
Quando falamos de «meio ambiente», fazemos referência também a uma particular
relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto impede-nos
de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera moldura da
nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e compenetramo-nos. As
razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem uma análise do funcionamento
da sociedade, da sua economia, do seu comportamento, das suas maneiras de
entender a realidade. Dada a amplitude das mudanças, já não é possível
encontrar uma resposta específica e independente para cada parte do problema. É
fundamental buscar soluções integrais que considerem as interacções dos
sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas:
uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise sócio-ambiental.
As directrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a
pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da
natureza. 140. Devido à quantidade e variedade de elementos a
ter em conta na hora de determinar o impacto ambiental dum empreendimento
concreto, torna-se indispensável dar aos pesquisadores um papel preponderante e
facilitar a sua interacção com uma ampla liberdade académica. Esta pesquisa
constante deveria permitir reconhecer também como as diferentes criaturas se
relacionam, formando aquelas unidades maiores que hoje chamamos «ecossistemas».
Temo-los em conta não só para determinar qual é o seu uso razoável, mas também
porque possuem um valor intrínseco, independente de tal uso. Assim como cada
organismo é bom e admirável em si mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus,
o mesmo se pode dizer do conjunto harmónico de organismos num determinado
espaço, funcionando como um sistema. Embora não tenhamos consciência disso,
dependemos desse conjunto para a nossa própria existência. Convém recordar que
os ecossistemas intervêm na retenção do dióxido de carbono, na purificação da
água, na contraposição a doenças e pragas, na composição do solo, na
decomposição dos resíduos, e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou
ignoramos. Quando se dão conta disto, muitas pessoas voltam a tomar consciência
de que vivemos e agimos a partir duma realidade que nos foi previamente dada,
que é anterior às nossas capacidades e à nossa existência. Por isso, quando se
fala de «uso sustentável», é preciso incluir sempre uma consideração sobre a
capacidade regenerativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores e
aspectos. 141. Além disso, o crescimento económico tende a
gerar automatismos e a homogeneizar, a fim de simplificar os processos e
reduzir os custos. Por isso, é necessária uma ecologia económica, capaz de
induzir a considerar a realidade de forma mais ampla. Com efeito, «a protecção do
meio ambiente deverá constituir parte integrante do processo de desenvolvimento
e não poderá ser considerada isoladamente».[114] Mas,
ao mesmo tempo, torna-se actual a necessidade imperiosa do humanismo, que faz
apelo aos distintos saberes, incluindo o económico, para uma visão mais
integral e integradora. Hoje, a análise dos problemas ambientais é inseparável
da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos, e da relação
de cada pessoa consigo mesma, que gera um modo específico de se relacionar com
os outros e com o meio ambiente. Há uma interacção entre os ecossistemas e
entre os diferentes mundos de referência social e, assim, se demonstra mais uma
vez que «o todo é superior à parte».[115]. 142. Se tudo está relacionado, também o estado de saúde das
instituições duma sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de
vida humana: «toda a lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos
ambientais».[116] Neste
sentido, a ecologia social é necessariamente institucional e progressivamente
alcança as diferentes dimensões, que vão desde o grupo social primário, a
família, até à vida internacional, passando pela comunidade local e a nação.
Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as
instituições que regulam as relações humanas. Tudo o que as danifica comporta
efeitos nocivos, como a perda da liberdade, a injustiça e a violência. Vários
países são governados por um sistema institucional precário, à custa do
sofrimento do povo e para benefício daqueles que lucram com este estado de
coisas. Tanto dentro da administração do Estado, como nas diferentes expressões
da sociedade civil, ou nas relações dos habitantes entre si, registam-se, com
demasiada frequência, comportamentos ilegais. As leis podem estar redigidas de
forma correcta, mas muitas vezes permanecem letra morta. Poder-se-á, assim,
esperar que a legislação e as normativas relativas ao meio ambiente sejam
realmente eficazes? Sabemos, por exemplo, que países dotados duma legislação
clara sobre a protecção das florestas continuam a ser testemunhas mudas da sua
frequente violação. Além disso, o que acontece numa região influi, directa ou
indirectamente, nas outras regiões. Assim, por exemplo, o consumo de drogas nas
sociedades opulentas provoca uma constante ou crescente procura de produtos que
provêm de regiões empobrecidas, onde se corrompem comportamentos, se destroem
vidas e se acaba por degradar o meio ambiente. 2. Ecologia cultural. 143. A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado
um património histórico, artístico e cultural. Faz parte da identidade comum de
um lugar, servindo de base para construir uma cidade habitável. Não se trata de
destruir e criar novas cidades hipoteticamente mais ecológicas, onde nem sempre
resulta desejável viver. É preciso integrar a história, a cultura e a
arquitectura dum lugar, salvaguardando a sua identidade original. Por isso, a
ecologia envolve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade, no seu
sentido mais amplo. Mais directamente, pede que se preste atenção às culturas
locais, quando se analisam questões relacionadas com o meio ambiente, fazendo
dialogar a linguagem técnico-científica com a linguagem popular. É a cultura –
entendida não só como os monumentos do passado, mas especialmente no seu
sentido vivo, dinâmico e participativo – que não se pode excluir na hora de
repensar a relação do ser humano com o meio ambiente. 144. A visão
consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da economia globalizada
actual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a imensa variedade
cultural, que é um tesouro da humanidade. Por isso, pretender resolver todas as
dificuldades através de normativas uniformes ou por intervenções técnicas, leva
a negligenciar a complexidade das problemáticas locais, que requerem a
participação activa dos habitantes. Os novos processos em gestação nem sempre
se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do exterior, mas hão-de ser
provenientes da própria cultura local. Assim como a vida e o mundo são
dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser flexível e dinâmico. As
soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em consideração sintomas
que não correspondem às problemáticas mais profundas. É preciso assumir a
perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas de
compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo histórico
no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o protagonismo dos
actores sociais locais a partir da sua própria cultura. Nem mesmo a
noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro do
mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano. 145.
Muitas formas de intensa exploração e degradação do meio ambiente podem esgotar
não só os meios locais de subsistência, mas também os recursos sociais que
consentiram um modo de viver que sustentou, durante longo tempo, uma identidade
cultural e um sentido da existência e da convivência social. O desaparecimento
duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie
animal ou vegetal. A imposição dum estilo hegemónico de vida ligado a um modo
de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas. 146.
Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades
aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre
outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando
se avança com grandes projectos que afectam os seus espaços. Com efeito, para
eles, a terra não é um bem económico, mas dom gratuito de Deus e dos
antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de
interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando
permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do
mundo, porém, são objecto de pressões para que abandonem suas terras e as
deixem livres para projectos extractivos e agro-pecuários que não prestam
atenção à degradação da natureza e da cultura. 3. Ecologia da vida
quotidiana. 147. Para se poder falar de autêntico
progresso, será preciso verificar que se produza uma melhoria global na
qualidade de vida humana; isto implica analisar o espaço onde as pessoas
transcorrem a sua existência. Os ambientes onde vivemos influem sobre a nossa
maneira de ver a vida, sentir e agir. Ao mesmo tempo, no nosso quarto, na nossa
casa, no nosso lugar de trabalho e no nosso bairro, usamos o ambiente para
exprimir a nossa identidade. Esforçamo-nos por nos adaptar ao ambiente e,
quando este aparece desordenado, caótico ou cheio de poluição visiva e
acústica, o excesso de estímulos põe à prova as nossas tentativas de
desenvolver uma identidade integrada e feliz. 148. Admirável é
a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que são capazes de dar a
volta às limitações do ambiente, modificando os efeitos adversos dos
condicionalismos e aprendendo a orientar a sua existência no meio da desordem e
precariedade. Por exemplo, nalguns lugares onde as fachadas dos edifícios estão
muito deterioradas, há pessoas que cuidam com muita dignidade o interior das
suas habitações, ou que se sentem bem pela cordialidade e amizade das pessoas.
A vida social positiva e benfazeja dos habitantes enche de luz um ambiente à
primeira vista inabitável. É louvável a ecologia humana que os pobres conseguem
desenvolver, no meio de tantas limitações. A sensação de sufocamento, produzida
pelos aglomerados residenciais e pelos espaços com alta densidade populacional,
é contrastada se se desenvolvem calorosas relações humanas de vizinhança, se se
criam comunidades, se as limitações ambientais são compensadas na interioridade
de cada pessoa que se sente inserida numa rede de comunhão e pertença. Deste
modo, qualquer lugar deixa de ser um inferno e torna-se o contexto duma vida
digna. 149. Inversamente está provado que a penúria extrema
vivida nalguns ambientes privados de harmonia, magnanimidade e possibilidade de
integração, facilita o aparecimento de comportamentos desumanos e a manipulação
das pessoas por organizações criminosas. Para os habitantes de bairros
periféricos muito precários, a experiência diária de passar da superlotação ao
anonimato social, que se vive nas grandes cidades, pode provocar uma sensação
de desenraizamento que favorece comportamentos anti-sociais e violência.
Todavia tenho a peito reiterar que o amor é mais forte. Muitas pessoas, nestas
condições, são capazes de tecer laços de pertença e convivência que transformam
a superlotação numa experiência comunitária, onde se derrubam os muros do eu e
superam as barreiras do egoísmo. Esta experiência de salvação comunitária é o
que muitas vezes suscita reacções criativas para melhorar um edifício ou um
bairro.[117] 150. Dada a relação entre os espaços urbanizados e o
comportamento humano, aqueles que projectam edifícios, bairros, espaços públicos
e cidades precisam da contribuição dos vários saberes que permitem compreender
os processos, o simbolismo e os comportamentos das pessoas. Não é suficiente a
busca da beleza no projecto, porque tem ainda mais valor servir outro tipo de
beleza: a qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o ambiente, o
encontro e ajuda mútua. Por isso também, é tão importante que o ponto de vista
dos habitantes do lugar contribua sempre para a análise da planificação
urbanista. 151. É preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos
visuais e das estruturas urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença, a
nossa sensação de enraizamento, o nosso sentimento de «estar em casa» dentro da
cidade que nos envolve e une. É importante que as diferentes partes duma cidade
estejam bem integradas e que os habitantes possam ter uma visão de conjunto em
vez de se encerrarem num bairro, renunciando a viver a cidade inteira como um
espaço próprio partilhado com os outros. Toda a intervenção na paisagem urbana
ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um
todo, sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de
significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como
parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio
urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem
intervenções humanas que os alterem constantemente. 152. A
falta de habitação é grave em muitas partes do mundo, tanto nas áreas rurais
como nas grandes cidades, nomeadamente porque os orçamentos estatais em geral
cobrem apenas uma pequena parte da procura. E não só os pobres, mas uma grande
parte da sociedade encontra sérias dificuldades para ter uma casa própria. A
propriedade da casa tem muita importância para a dignidade das pessoas e o
desenvolvimento das famílias. Trata-se duma questão central da ecologia humana.
Se num lugar concreto já se desenvolveram aglomerados caóticos de casas
precárias, trata-se primariamente de urbanizar estes bairros, não de erradicar
e expulsar os habitantes. Mas, quando os pobres vivem em subúrbios poluídos ou
aglomerados perigosos, «no caso de ter de se proceder à sua deslocação, para
não acrescentar mais sofrimento ao que já padecem, é necessário fornecer-lhes
uma adequada e prévia informação, oferecer-lhes alternativas de alojamentos
dignos e envolver directamente os interessados».[118] Ao
mesmo tempo, a criatividade deveria levar à integração dos bairros precários
numa cidade acolhedora: «Como são belas as cidades que superam a desconfiança
doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo
factor de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projecto
arquitectónico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o
reconhecimento do outro!»[119] 153. Nas cidades, a qualidade de vida está largamente relacionada
com os transportes, que muitas vezes são causa de grandes tribulações para os
habitantes. Nelas, circulam muitos carros utilizados por uma ou duas pessoas,
pelo que o tráfico torna-se intenso, eleva-se o nível de poluição, consomem-se
enormes quantidades de energia não-renovável e torna-se necessário a construção
de mais estradas e parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano. Muitos
especialistas estão de acordo sobre a necessidade de dar prioridade ao
transporte público. Mas é difícil que algumas medidas consideradas necessárias
sejam pacificamente acolhidas pela sociedade, sem uma melhoria substancial do
referido transporte, que, em muitas cidades, comporta um tratamento indigno das
pessoas devido à superlotação, ao desconforto, ou à reduzida frequência dos
serviços e à insegurança. 154. O reconhecimento da dignidade
peculiar do ser humano contrasta frequentemente com a vida caótica que têm de
fazer as pessoas nas nossas cidades. Mas isto não deveria levar a esquecer o
estado de abandono e desleixo que sofrem também alguns habitantes das áreas
rurais, onde não chegam os serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos a
situações de escravidão, sem direitos nem expectativas duma vida mais
dignificante. 155. A ecologia humana implica também algo de
muito profundo que é indispensável para se poder criar um ambiente mais
dignificante: a relação necessária da vida do ser humano com a lei moral
inscrita na sua própria natureza. Bento XVI dizia que existe uma «ecologia do
homem», porque «também o homem possui uma natureza, que deve respeitar e não
pode manipular como lhe apetece».[120] Nesta
linha, é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em relação directa com o
meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do próprio corpo como
dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo inteiro como dom do Pai
e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio sobre o próprio corpo
transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio sobre a criação.
Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a respeitar os seus
significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana. Também é
necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou masculinidade, para
se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que é diferente. Assim,
é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou da outra, obra de
Deus criador, e enriquecer-se mutuamente. Portanto, não é salutar um
comportamento que pretenda «cancelar a diferença sexual, porque já não sabe
confrontar-se com ela».[121]
4. O princípio do bem comum. 156. A ecologia integral é
inseparável da noção de bem comum, princípio este que desempenha um papel
central e unificador na ética social. É «o conjunto das condições da vida
social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro, alcançar mais plena e
facilmente a própria perfeição».[122]. 157. O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana
enquanto tal, com direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu
desenvolvimento integral. Exige também os dispositivos de bem-estar e segurança
social e o desenvolvimento dos vários grupos intermédios, aplicando o princípio
da subsidiariedade. Entre tais grupos, destaca-se de forma especial a família
enquanto célula basilar da sociedade. Por fim, o bem comum requer a paz social,
isto é, a estabilidade e a segurança de uma certa ordem, que não se realiza sem
uma atenção particular à justiça distributiva, cuja violação gera sempre
violência. Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem obrigação
de defender e promover o bem comum. 158. Nas condições actuais
da sociedade mundial, onde há tantas desigualdades e são cada vez mais
numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos humanos fundamentais, o
princípio do bem comum torna-se imediatamente, como consequência lógica e
inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção preferencial pelos mais
pobres. Esta opção implica tirar as consequências do destino comum dos bens da
terra, mas – como procurei mostrar na exortação apostólica Evangelii gaudium [123] –
exige acima de tudo contemplar a imensa dignidade do pobre à luz das mais
profundas convicções de fé. Basta observar a realidade para compreender que,
hoje, esta opção é uma exigência ética fundamental para a efectiva realização
do bem comum. 5. A justiça inter generacional. 159. A
noção de bem comum engloba também as gerações futuras. As crises económicas internacionais
mostraram, de forma atroz, os efeitos nocivos que traz consigo o
desconhecimento de um destino comum, do qual não podem ser excluídos aqueles
que virão depois de nós. Já não se pode falar de desenvolvimento sustentável
sem uma solidariedade intergeneracional. Quando pensamos na situação em que se
deixa o planeta às gerações futuras, entramos noutra lógica: a do dom gratuito,
que recebemos e comunicamos. Se a terra nos é dada, não podemos pensar apenas a
partir dum critério utilitarista de eficiência e produtividade para lucro
individual. Não estamos a falar duma atitude opcional, mas duma questão
essencial de justiça, pois a terra que recebemos pertence também àqueles que
hão-de vir. Os bispos de Portugal exortaram a assumir este dever de justiça: «O
ambiente situa-se na lógica da recepção. É um empréstimo que cada geração
recebe e deve transmitir à geração seguinte».[124] Uma
ecologia integral possui esta perspectiva ampla. 160. Que tipo
de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a
crescer? Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira isolada,
porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária. Quando nos interrogamos
acerca do mundo que queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua orientação
geral, ao seu sentido, aos seus valores. Se não pulsa nelas esta pergunta de
fundo, não creio que as nossas preocupações ecológicas possam alcançar efeitos
importantes. Mas, se esta pergunta é posta com coragem, leva-nos
inexoravelmente a outras questões muito directas: Com que finalidade passamos
por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que
necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer que devemos
preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de que é a
nossa própria dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros interessados
em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai suceder. Trata-se
de um drama para nós mesmos, porque isto chama em causa o significado da nossa
passagem por esta terra. 161. As previsões catastróficas já não
se podem olhar com desprezo e ironia. Às próximas gerações, poderíamos deixar
demasiadas ruínas, desertos e lixo. O ritmo de consumo, desperdício e alteração
do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o
estilo de vida actual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes,
como aliás já está a acontecer periodicamente em várias regiões. A atenuação
dos efeitos do desequilíbrio actual depende do que fizermos agora, sobretudo se
pensarmos na responsabilidade que nos atribuirão aqueles que deverão suportar
as piores consequências. 162. A dificuldade em levar a sério
este desafio tem a ver com uma deterioração ética e cultural, que acompanha a
deterioração ecológica. O homem e a mulher deste mundo pós-moderno correm o
risco permanente de se tornar profundamente individualistas, e muitos problemas
sociais de hoje estão relacionados com a busca egoísta duma satisfação
imediata, com as crises dos laços familiares e sociais, com as dificuldades em
reconhecer o outro. Muitas vezes há um consumo excessivo e míope dos pais que
prejudica os próprios filhos, que sentem cada vez mais dificuldade em comprar
casa própria e fundar uma família. Além disso esta falta de capacidade para
pensar seriamente nas futuras gerações está ligada com a nossa incapacidade de
alargar o horizonte das nossas preocupações e pensar naqueles que permanecem
excluídos do desenvolvimento. Não percamos tempo a imaginar os pobres do
futuro, é suficiente que recordemos os pobres de hoje, que poucos anos têm para
viver nesta terra e não podem continuar a esperar. Por isso, «para além de uma
leal solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade
moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração».[125]
www.vatican.va. Abraço. Davi
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