Cristianismo. www.vatican.va. CARTA ENCÍCLICA. LAUDATI SI. Do Santo Padre Francisco. SOBRE O CUIDADO
DA CASA COMUM. Capítulo Cinco. ALGUMAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO E AÇÃO. 163. Procurei examinar a
situação actual da humanidade, tanto nas brechas do planeta que habitamos, como
nas causas mais profundamente humanas da degradação ambiental. Embora esta
contemplação da realidade em si mesma já nos indique a necessidade duma mudança
de rumo e sugira algumas acções, procuremos agora delinear grandes percursos de
diálogo que nos ajudem a sair da espiral de autodestruição onde estamos a
afundar. 1. O diálogo sobre o meio ambiente na política internacional. 164. Desde meados do século passado e superando muitas
dificuldades, foi-se consolidando a tendência de conceber o planeta como pátria
e a humanidade como povo que habita uma casa comum. Um mundo interdependente
não significa unicamente compreender que as consequências danosas dos estilos
de vida, produção e consumo afectam a todos, mas principalmente procurar que as
soluções sejam propostas a partir duma perspectiva global e não apenas para
defesa dos interesses de alguns países. A interdependência obriga-nos a pensar num
único mundo, num projecto comum. Mas, a mesma inteligência que foi
utilizada para um enorme desenvolvimento tecnológico não consegue encontrar
formas eficazes de gestão internacional para resolver as graves dificuldades
ambientais e sociais. Para enfrentar os problemas de fundo, que não se podem
resolver com acções de países isolados, torna-se indispensável um consenso
mundial que leve, por exemplo, a programar uma agricultura sustentável e
diversificada, desenvolver formas de energia renováveis e pouco poluidoras,
fomentar uma maior eficiência energética, promover uma gestão mais adequada dos
recursos florestais e marinhos, garantir a todos o acesso à água potável. 165. Sabemos que a tecnologia baseada nos combustíveis fósseis –
altamente poluentes, sobretudo o carvão mas também o petróleo e, em menor
medida, o gás – deve ser, progressivamente e sem demora, substituída. Enquanto
aguardamos por um amplo desenvolvimento das energias renováveis, que já deveria
ter começado, é legítimo optar pela alternativa menos danosa ou recorrer a
soluções transitórias. Todavia, na comunidade internacional, não se consegue
suficiente acordo sobre a responsabilidade de quem deve suportar os maiores
custos da transição energética. Nas últimas décadas, as questões ambientais
deram origem a um amplo debate público, que fez crescer na sociedade civil
espaços de notável compromisso e generosa dedicação. A política e a indústria
reagem com lentidão, longe de estar à altura dos desafios mundiais. Neste
sentido, pode-se dizer que, enquanto a humanidade do período pós-industrial
talvez fique recordada como uma das mais irresponsáveis da história, espera-se
que a humanidade dos inícios do século XXI possa ser lembrada por ter assumido
com generosidade as suas graves responsabilidades. 166. O
movimento ecológico mundial já percorreu um longo caminho, enriquecido pelo
esforço de muitas organizações da sociedade civil. Não seria possível
mencioná-las todas aqui, nem repassar a história das suas contribuições. Mas,
graças a tanta dedicação, as questões ambientais têm estado cada vez mais
presentes na agenda pública e tornaram-se um convite permanente a pensar a longo
prazo. Apesar disso, as cimeiras mundiais sobre o meio ambiente dos últimos
anos não corresponderam às expectativas, porque não alcançaram, por falta de
decisão política, acordos ambientais globais realmente significativos e
eficazes. 167. Dentre elas, há que recordar a Cimeira da Terra,
celebrada em 1992 no Rio de Janeiro. Lá se proclamou que «os seres humanos
constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento
sustentável».[126] Retomando
alguns conteúdos da Declaração de Estocolmo (1972), sancionou, entre outras
coisas, a cooperação internacional no cuidado do ecossistema de toda a terra, a
obrigação de quem contaminar assumir economicamente os custos derivados, o
dever de avaliar o impacto ambiental de toda e qualquer obra ou projecto.
Propôs o objectivo de estabilizar as concentrações de gases com efeito de
estufa na atmosfera para inverter a tendência do aquecimento global. Também
elaborou uma agenda com um programa de acção e uma convenção sobre
biodiversidade, declarou princípios em matéria florestal. Embora tal cimeira
marcasse um passo em frente e fosse verdadeiramente profética para a sua época,
os acordos tiveram um baixo nível de implementação, porque não se estabeleceram
adequados mecanismos de controle, revisão periódica e sanção das violações. Os
princípios enunciados continuam a requerer caminhos eficazes e ágeis de
realização prática. 168. Como experiências positivas, pode-se
mencionar, por exemplo, a Convenção de Basileia sobre os resíduos perigosos,
com um sistema de notificação, níveis estipulados e controles, e também a
Convenção vinculante sobre o comércio internacional das espécies da fauna e da
flora selvagens ameaçadas de extinção, que prevê missões de verificação do seu
efectivo cumprimento. Graças à Convenção de Viena para a protecção da camada de
ozono e a respectiva implementação através do Protocolo de Montreal e as suas
emendas, o problema da diminuição da referida camada parece ter entrado numa
fase de solução. 169. No cuidado da biodiversidade e no
contraste à desertificação, os avanços foram muito menos significativos.
Relativamente às mudanças climáticas, os progressos são, infelizmente, muito
escassos. A redução de gases com efeito de estufa requer honestidade, coragem e
responsabilidade, sobretudo dos países mais poderosos e mais poluentes. A
Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, chamada Rio+20
(Rio de Janeiro 2012), emitiu uma Declaração Final extensa mas ineficaz. As
negociações internacionais não podem avançar significativamente por causa das
posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem
comum global. Aqueles que hão-de sofrer as consequências que tentamos
dissimular, recordarão esta falta de consciência e de responsabilidade. Durante
o período de elaboração desta encíclica, o debate adquiriu particular
intensidade. Nós, crentes, não podemos deixar de rezar a Deus pela evolução
positiva nos debates actuais, para que as gerações futuras não sofram as
consequências de demoras imprudentes. 170. Algumas das
estratégias para a baixa emissão de gases poluentes apostam na
internacionalização dos custos ambientais, com o perigo de impor aos países de
menores recursos pesados compromissos de redução de emissões comparáveis aos
dos países mais industrializados. A imposição destas medidas penaliza os países
mais necessitados de desenvolvimento. Assim, acrescenta-se uma nova injustiça
sob a capa do cuidado do meio ambiente. Como sempre, a corda quebra pelo ponto
mais fraco. Uma vez que os efeitos das mudanças climáticas se farão sentir
durante muito tempo, mesmo que agora sejam tomadas medidas rigorosas, alguns
países com escassos recursos precisarão de ajuda para se adaptar a efeitos que
já estão a produzir-se e afectam as suas economias. É verdade que há
responsabilidades comuns, mas diferenciadas, pelo simples motivo – como
disseram os bispos da Bolívia – que «os países que foram beneficiados por um
alto grau de industrialização, à custa duma enorme emissão de gases com efeito
de estufa, têm maior responsabilidade em contribuir para a solução dos
problemas que causaram».[127] 171. A estratégia de compra-venda de «créditos de emissão» pode
levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão
global de gases poluentes. Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil,
com a aparência dum certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica
de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo
contrário, pode tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo
excessivo de alguns países e sectores. 172. Para os países
pobres, as prioridades devem ser a erradicação da miséria e o desenvolvimento
social dos seus habitantes; ao mesmo tempo devem examinar o nível escandaloso
de consumo de alguns sectores privilegiados da sua população e contrastar
melhor a corrupção. Sem dúvida, devem também desenvolver formas menos poluentes
de produção de energia, mas para isso precisam de contar com a ajuda dos países
que cresceram muito à custa da actual poluição do planeta. O aproveitamento
directo da energia solar, tão abundante, exige que se estabeleçam mecanismos e
subsídios tais, que os países em vias de desenvolvimento possam ter acesso à
transferência de tecnologias, assistência técnica e recursos financeiros, mas
sempre prestando atenção às condições concretas, pois «nem sempre se avalia
adequadamente a compatibilidade dos sistemas com o contexto para o qual são
projectados».[128] Os
custos seriam baixos se comparados com os riscos das mudanças climáticas. Em
todo o caso, trata-se primariamente duma decisão ética, fundada na
solidariedade de todos os povos. 173. Urgem acordos
internacionais que se cumpram, dada a escassa capacidade das instâncias locais
para intervirem de maneira eficaz. As relações entre os Estados devem
salvaguardar a soberania de cada um, mas também estabelecer caminhos
consensuais para evitar catástrofes locais que acabariam por danificar a todos.
São necessários padrões reguladores globais que imponham obrigações e impeçam
acções inaceitáveis, como o facto de empresas ou países poderosos
descarregarem, sobre outros países, resíduos e indústrias altamente poluentes. 174. Mencionemos também o sistema de governança dos oceanos. Com
efeito, embora tenha havido várias convenções internacionais e regionais, a
fragmentação e a falta de severos mecanismos de regulamentação, controle e
sanção acabam por minar todos os esforços. O problema crescente dos resíduos
marinhos e da protecção das áreas marinhas para além das fronteiras nacionais
continua a representar um desafio especial. Em definitivo, precisamos de um
acordo sobre os regimes de governança para toda a gama dos chamados bens comuns
globais. 175. A lógica que dificulta a tomada de decisões
drásticas para inverter a tendência ao aquecimento global é a mesma que não
permite cumprir o objectivo de erradicar a pobreza. Precisamos duma reacção
global mais responsável, que implique enfrentar, contemporaneamente, a redução
da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres. O século XXI,
mantendo um sistema de governança próprio de épocas passadas, assiste a uma
perda de poder dos Estados nacionais, sobretudo porque a dimensão
económico-financeira, de carácter transnacional, tende a prevalecer sobre a
política. Neste contexto, torna-se indispensável a maturação de instituições
internacionais mais fortes e eficazmente organizadas, com autoridades designadas
de maneira imparcial por meio de acordos entre os governos nacionais e dotadas
de poder de sancionar. Com afirmou Bento XVI, na linha desenvolvida até agora pela
doutrina social da Igreja, «para o governo da economia mundial, para sanar as
economias atingidas pela crise de modo a prevenir o agravamento da mesma e
consequentes maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral
desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do
ambiente e para regulamentar os fluxos migratórios urge a presença de uma
verdadeira Autoridade política mundial, delineada já pelo meu predecessor,
[São] João XXIII».[129] Nesta
perspectiva, a diplomacia adquire uma importância inédita, chamada a promover
estratégias internacionais para prevenir os problemas mais graves que acabam
por afectar a todos. 2. O diálogo para novas políticas nacionais e locais 176. Há vencedores e vencidos não só entre os países, mas também
dentro dos países pobres, onde se devem identificar as diferentes
responsabilidades. Por isso, as questões relacionadas com o meio ambiente e com
o desenvolvimento económico já não se podem olhar apenas a partir das
diferenças entre os países, mas exigem que se preste atenção às políticas
nacionais e locais. 177. Perante a possibilidade duma
utilização irresponsável das capacidades humanas, são funções inadiáveis de
cada Estado planificar, coordenar, vigiar e sancionar dentro do respectivo
território. Como pode a sociedade organizar e salvaguardar o seu futuro num contexto
de constantes inovações tecnológicas? Um factor que actua como moderador
efectivo é o direito, que estabelece as regras para as condutas permitidas à
luz do bem comum. Os limites que uma sociedade sã, madura e soberana deve impor
têm a ver com previsão e precaução, regulamentações adequadas, vigilância sobre
a aplicação das normas, contraste da corrupção, acções de controle operacional
sobre o aparecimento de efeitos não desejados dos processos de produção, e
oportuna intervenção perante riscos incertos ou potenciais. Existe uma
crescente jurisprudência que visa reduzir os efeitos poluentes dos
empreendimentos. Mas a estrutura política e institucional não existe apenas
para evitar malversações, mas para incentivar as boas práticas, estimular a criatividade
que busca novos caminhos, facilitar as iniciativas pessoais e colectivas. 178. O drama duma política focalizada nos resultados imediatos,
apoiada também por populações consumistas, torna necessário produzir
crescimento a curto prazo. Respondendo a interesses eleitorais, os governos não
se aventuram facilmente a irritar a população com medidas que possam afectar o
nível de consumo ou pôr em risco investimentos estrangeiros. A construção míope
do poder frena a inserção duma agenda ambiental com visão ampla na agenda
pública dos governos. Esquece-se, assim, que «o tempo é superior ao espaço»[130] e
que sempre somos mais fecundos quando temos maior preocupação por gerar
processos do que por dominar espaços de poder. A grandeza política mostra-se
quando, em momentos difíceis, se trabalha com base em grandes princípios e
pensando no bem comum a longo prazo. O poder político tem muita dificuldade em
assumir este dever num projecto de nação. 179. Nalguns lugares,
estão a desenvolver-se cooperativas para a exploração de energias renováveis,
que consentem o auto-abastecimento local e até mesmo a venda da produção em
excesso. Este exemplo simples indica que, enquanto a ordem mundial existente se
revela impotente para assumir responsabilidades, a instância local pode fazer a
diferença. Com efeito, aqui é possível gerar uma maior responsabilidade, um
forte sentido de comunidade, uma especial capacidade de solicitude e uma
criatividade mais generosa, um amor apaixonado pela própria terra, tal como se
pensa naquilo que se deixa aos filhos e netos. Estes valores têm um
enraizamento muito profundo nas populações aborígenes. Dado que o direito por
vezes se mostra insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política
sob pressão da população. A sociedade, através de organismos não-governamentais
e associações intermédias, deve forçar os governos a desenvolver normativas, procedimentos
e controles mais rigorosos. Se os cidadãos não controlam o poder político –
nacional, regional e municipal –, também não é possível combater os danos
ambientais. Além disso, as legislações municipais podem ser mais eficazes, se
houver acordos entre populações vizinhas para sustentarem as mesmas políticas
ambientais. 180. Não se pode pensar em receitas uniformes,
porque há problemas e limites específicos de cada país ou região. Também é
verdade que o realismo político pode exigir medidas e tecnologias de transição,
desde que estejam acompanhadas pelo projecto e a aceitação de compromissos
graduais vinculativos. Ao mesmo tempo, porém, a nível nacional e local, há
sempre muito que fazer, como, por exemplo, promover formas de poupança
energética. Isto implica favorecer modalidades de produção industrial com a
máxima eficiência energética e menor utilização de matérias-primas, retirando
do mercado os produtos pouco eficazes do ponto de vista energético ou mais
poluentes. Podemos mencionar também uma boa gestão dos transportes ou técnicas
de construção e restruturação de edifícios que reduzam o seu consumo energético
e o seu nível de poluição. Além disso, a acção política local pode orientar-se
para a alteração do consumo, o desenvolvimento duma economia de resíduos e
reciclagem, a protecção de determinadas espécies e a programação duma
agricultura diversificada com a rotação de culturas. É possível favorecer a
melhoria agrícola de regiões pobres, através de investimentos em
infra-estruturas rurais, na organização do mercado local ou nacional, em
sistemas de irrigação, no desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis.
Podem-se facilitar formas de cooperação ou de organização comunitária que
defendam os interesses dos pequenos produtores e salvaguardem da predação os
ecossistemas locais. É tanto o que se pode fazer! 181.
Indispensável é a continuidade, porque não se podem modificar as políticas
relativas às alterações climáticas e à protecção ambiental todas as vezes que
muda um governo. Os resultados requerem muito tempo e comportam custos
imediatos com efeitos que não poderão ser exibidos no período de vida dum
governo. Por isso, sem a pressão da população e das instituições, haverá sempre
relutância a intervir, e mais ainda quando houver urgências a resolver. Para um
político, assumir estas responsabilidades com os custos que implicam não
corresponde à lógica eficientista e imediatista actual da economia e da
política, mas, se ele tiver a coragem de o fazer, poderá novamente reconhecer a
dignidade que Deus lhe deu como pessoa e deixará, depois da sua passagem por
esta história, um testemunho de generosa responsabilidade. Importa dar um lugar
preponderante a uma política salutar, capaz de reformar as instituições,
coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e
inércias viciosas. Todavia é preciso acrescentar que os melhores dispositivos
acabam por sucumbir, quando faltam as grandes metas, os valores, uma
compreensão humanista e rica de significado, capazes de conferir a cada
sociedade uma orientação nobre e generosa. 3. Diálogo e transparência nos
processos decisórios. 182. A previsão do impacto ambiental
dos empreendimentos e projectos requer processos políticos transparentes e
sujeitos a diálogo, enquanto a corrupção, que esconde o verdadeiro impacto
ambiental dum projecto em troca de favores, frequentemente leva a acordos
ambíguos que fogem ao dever de informar e a um debate profundo. 183.
Um estudo de impacto ambiental não deveria ser posterior à elaboração dum
projecto produtivo ou de qualquer política, plano ou programa. Há-de inserir-se
desde o princípio e elaborar-se de forma interdisciplinar, transparente e
independente de qualquer pressão económica ou política. Deve aparecer unido à
análise das condições de trabalho e dos possíveis efeitos na saúde física e
mental das pessoas, na economia local, na segurança. Assim os resultados
económicos poder-se-ão prever de forma mais realista, tendo em conta os
cenários possíveis e, eventualmente, antecipando a necessidade dum investimento
maior para resolver efeitos indesejáveis que possam ser corrigidos. É sempre
necessário alcançar consenso entre os vários actores sociais, que podem trazer diferentes
perspectivas, soluções e alternativas. Mas, no debate, devem ter um lugar
privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos que se interrogam sobre o que
desejam para si e para os seus filhos e podem ter em consideração as
finalidades que transcendem o interesse económico imediato. É preciso abandonar
a ideia de «intervenções» sobre o meio ambiente, para dar lugar a políticas
pensadas e debatidas por todas as partes interessadas. A participação requer
que todos sejam adequadamente informados sobre os vários aspectos e os
diferentes riscos e possibilidades, e não se reduza à decisão inicial sobre um
projecto, mas implique também acções de controle ou monitoramento constante. É
necessário haver sinceridade e verdade nas discussões científicas e políticas,
sem se limitar a considerar o que é permitido ou não pela legislação. 184. Quando surgem eventuais riscos para o meio ambiente que
afectam o bem comum presente e futuro, esta situação exige «que as decisões
sejam baseadas num confronto entre riscos e benefícios previsíveis para cada
opção alternativa possível».[131] Isto
vale sobretudo quando um projecto pode causar um incremento na exploração dos
recursos naturais, nas emissões ou descargas, na produção de resíduos, ou então
uma mudança significativa na paisagem, no habitat de espécies protegidas ou num
espaço público. Alguns projectos, não apoiados por uma análise bem cuidada,
podem afectar profundamente a qualidade de vida dum lugar, devido a questões
muito diferentes entre si, como, por exemplo, uma poluição acústica não
prevista, a redução do horizonte visual, a perda de valores culturais, os
efeitos do uso da energia nuclear. A cultura consumista, que dá prioridade ao
curto prazo e aos interesses privados, pode favorecer análises demasiado
rápidas ou consentir a ocultação de informação. 185. Em
qualquer discussão sobre um empreendimento, dever-se-ia pôr uma série de
perguntas, para poder discernir se o mesmo levará a um desenvolvimento
verdadeiramente integral: Para que fim? Por qual motivo? Onde? Quando? De que
maneira? A quem ajuda? Quais são os riscos? A que preço? Quem paga as despesas
e como o fará? Neste exame, há questões que devem ter prioridade. Por exemplo,
sabemos que a água é um recurso escasso e indispensável, sendo um direito
fundamental que condiciona o exercício doutros direitos humanos. Isto está, sem
dúvida, acima de toda a análise de impacto ambiental duma região. 186.
Na Declaração do Rio, de 1992, afirma-se que, «quando existem ameaças de danos
graves ou irreversíveis, a falta de certezas científicas absolutas não poderá
constituir um motivo para adiar a adopção de medidas eficazes»[132] que
impeçam a degradação do meio ambiente. Este princípio de precaução permite a
protecção dos mais fracos, que dispõem de poucos meios para se defender e
fornecer provas irrefutáveis. Se a informação objectiva leva a prever um dano
grave e irreversível, mesmo que não haja uma comprovação indiscutível, seja o
projecto que for deverá suspender-se ou modificar-se. Assim, inverte-se o ónus
da prova, já que, nestes casos, é preciso fornecer uma demonstração objectiva e
contundente de que a actividade proposta não vai gerar danos graves ao meio
ambiente ou às pessoas que nele habitam. 187. Isto não implica
opor-se a toda e qualquer inovação tecnológica que permita melhorar a qualidade
de vida duma população. Mas, em todo o caso, deve permanecer de pé que a
rentabilidade não pode ser o único critério a ter em conta e, na hora em que
aparecessem novos elementos de juízo a partir de ulteriores dados informativos,
deveria haver uma nova avaliação com a participação de todas as partes
interessadas. O resultado do debate pode ser a decisão de não avançar num
projecto, mas poderia ser também a sua modificação ou a elaboração de propostas
alternativas. 188. Há discussões sobre problemas relativos ao
meio ambiente, onde é difícil chegar a um consenso. Repito uma vez mais que a
Igreja não pretende definir as questões científicas nem substituir-se à
política, mas convido a um debate honesto e transparente, para que as
necessidades particulares ou as ideologias não lesem o bem comum. 4.
Política e economia em diálogo para a plenitude humana. 189.
A política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos
ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando no bem comum, hoje
precisamos imperiosamente que a política e a economia, em diálogo, se coloquem
decididamente ao serviço da vida, especialmente da vida humana. A salvação dos
bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à população, sem a firme decisão
de rever e reformar o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto da finança
que não tem futuro e só poderá gerar novas crises depois duma longa, custosa e
aparente cura. A crise financeira dos anos 2007 e 2008 era a ocasião para o
desenvolvimento duma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma
nova regulamentação da actividade financeira especulativa e da riqueza virtual.
Mas não houve uma reacção que fizesse repensar os critérios obsoletos que continuam
a governar o mundo. A produção não é sempre racional, e muitas vezes está
ligada a variáveis económicas que atribuem aos produtos um valor que não
corresponde ao seu valor real. Isto leva frequentemente a uma superprodução
dalgumas mercadorias, com um impacto ambiental desnecessário, que
simultaneamente danifica muitas economias regionais.[133] Habitualmente,
a bolha financeira é também uma bolha produtiva. Em suma, o que não se enfrenta
com energia é o problema da economia real, aquela que torna possível, por
exemplo, que se diversifique e melhore a produção, que as empresas funcionem
adequadamente, que as pequenas e médias empresas se desenvolvam e criem postos
de trabalho. 190. Neste contexto, sempre se deve recordar que
«a protecção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo
financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos
de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente».[134] Mais
uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a
pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das
empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a
maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que
deixará às próximas gerações? Dentro do esquema do ganho não há lugar para
pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degradação e regeneração, e
na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente alterados pela
intervenção humana. Além disso, quando se fala de biodiversidade, no máximo
pensa-se nela como um reservatório de recursos económicos que poderia ser
explorado, mas não se considera seriamente o valor real das coisas, o seu
significado para as pessoas e as culturas, os interesses e as necessidades dos
pobres. 191. Quando se colocam estas questões, alguns reagem
acusando os outros de pretender parar, irracionalmente, o progresso e o
desenvolvimento humano. Mas temos de nos convencer que, reduzir um determinado
ritmo de produção e consumo, pode dar lugar a outra modalidade de progresso e
desenvolvimento. Os esforços para um uso sustentável dos recursos naturais não
são gasto inútil, mas um investimento que poderá proporcionar outros benefícios
económicos a médio prazo. Se não temos vista curta, podemos descobrir que pode
ser muito rentável a diversificação duma produção mais inovadora e com menor
impacto ambiental. Trata-se de abrir caminho a oportunidades diferentes, que
não implicam frenar a criatividade humana nem o seu sonho de progresso, mas
orientar esta energia por novos canais. 192. Por exemplo, um
percurso de desenvolvimento produtivo mais criativo e melhor orientado poderia
corrigir a disparidade entre o excessivo investimento tecnológico no consumo e
o escasso investimento para resolver os problemas urgentes da humanidade; poderia
gerar formas inteligentes e rentáveis de reutilização, recuperação funcional e
reciclagem; poderia melhorar a eficiência energética das cidades... A
diversificação produtiva oferece à inteligência humana possibilidades muito
amplas de criar e inovar, ao mesmo tempo que protege o meio ambiente e cria
mais oportunidades de trabalho. Esta seria uma criatividade capaz de fazer
reflorescer a nobreza do ser humano, porque é mais dignificante usar a
inteligência, com audácia e responsabilidade, para encontrar formas de
desenvolvimento sustentável e equitativo, no quadro duma concepção mais ampla
da qualidade de vida. Ao contrário, é menos dignificante e criativo e mais
superficial insistir na criação de formas de espoliação da natureza só para
oferecer novas possibilidades de consumo e de ganho imediato. 193.
Assim, se nalguns casos o desenvolvimento sustentável implicará novas
modalidades para crescer, noutros casos – face ao crescimento ganancioso e
irresponsável, que se verificou ao longo de muitas décadas – devemos pensar
também em abrandar um pouco a marcha, pôr alguns limites razoáveis e até mesmo
retroceder antes que seja tarde. Sabemos que é insustentável o comportamento
daqueles que consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros ainda não podem
viver de acordo com a sua dignidade humana. Por isso, chegou a hora de aceitar
um certo decréscimo do consumo nalgumas partes do mundo, fornecendo recursos
para que se possa crescer de forma saudável noutras partes. Bento XVI dizia que «é preciso que as
sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer
comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo as próprias
necessidades de energia e melhorando as condições da sua utilização».[135] 194. Para que apareçam novos modelos de progresso, precisamos de
«converter o modelo de desenvolvimento global»[136],
e isto implica reflectir responsavelmente «sobre o sentido da economia e dos
seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações».[137] Não
é suficiente conciliar, a meio termo, o cuidado da natureza com o ganho
financeiro, ou a preservação do meio ambiente com o progresso. Neste campo, os
meios-termos são apenas um pequeno adiamento do colapso. Trata-se simplesmente
de redefinir o progresso. Um desenvolvimento tecnológico e económico, que não deixa
um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode
considerar progresso. Além disso, muitas vezes a qualidade real de vida das
pessoas diminui – pela deterioração do ambiente, a baixa qualidade dos produtos
alimentares ou o esgotamento de alguns recursos – no contexto dum crescimento
da economia. Então, muitas vezes, o discurso do crescimento sustentável
torna-se um diversivo e um meio de justificação que absorve valores do discurso
ecologista dentro da lógica da finança e da tecnocracia, e a responsabilidade
social e ambiental das empresas reduz-se, na maior parte dos casos, a uma série
de acções de publicidade e imagem. 195. O princípio da
maximização do lucro, que tende a isolar-se de todas as outras considerações, é
uma distorção conceptual da economia: desde que aumente a produção, pouco
interessa que isso se consiga à custa dos recursos futuros ou da saúde do meio
ambiente; se o derrube duma floresta aumenta a produção, ninguém insere no
respectivo cálculo a perda que implica desertificar um território, destruir a
biodiversidade ou aumentar a poluição. Por outras palavras, as empresas obtêm
lucros calculando e pagando uma parte ínfima dos custos. Poder-se-ia considerar
ético somente um comportamento em que «os custos económicos e sociais derivados
do uso dos recursos ambientais comuns sejam reconhecidos de maneira
transparente e plenamente suportados por quem deles usufrui e não por outras
populações nem pelas gerações futuras».[138] A
mentalidade utilitária, que fornece apenas uma análise estática da realidade em
função de necessidades actuais, está presente tanto quando é o mercado que
atribui os recursos como quando o faz um Estado planificador. 196.
Qual é o lugar da política? Recordemos o princípio da subsidiariedade, que dá
liberdade para o desenvolvimento das capacidades presentes a todos os níveis,
mas simultaneamente exige mais responsabilidade pelo bem comum a quem tem mais
poder. É verdade que, hoje, alguns sectores económicos exercem mais poder do
que os próprios Estados. Mas não se pode justificar uma economia sem política,
porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspectos
da crise actual. A lógica que não deixa espaço para uma sincera preocupação
pelo meio ambiente é a mesma em que não encontra espaço a preocupação por
integrar os mais frágeis, porque, «no modelo “do êxito” e “individualista” em
vigor, parece que não faz sentido investir para que os lentos, fracos ou menos
dotados possam também singrar na vida».[139] 197. Precisamos duma política que pense com visão ampla e leve
por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar
os vários aspectos da crise. Muitas vezes, a própria política é responsável
pelo seu descrédito, devido à corrupção e à falta de boas políticas públicas.
Se o Estado não cumpre o seu papel numa região, alguns grupos económicos
podem-se apresentar como benfeitores e apropriar-se do poder real, sentindo-se
autorizados a não observar certas normas até se chegar às diferentes formas de
criminalidade organizada, tráfico de pessoas, narcotráfico e violência muito
difícil de erradicar. Se a política não é capaz de romper uma lógica perversa e
perde-se também em discursos inconsistentes, continuaremos sem enfrentar os
grandes problemas da humanidade. Uma estratégia de mudança real exige repensar
a totalidade dos processos, pois não basta incluir considerações ecológicas
superficiais enquanto não se puser em discussão a lógica subjacente à cultura
actual. Uma política sã deveria ser capaz de assumir este desafio. 198.
A política e a economia tendem a culpar-se reciprocamente a respeito da pobreza
e da degradação ambiental. Mas o que se espera é que reconheçam os seus
próprios erros e encontrem formas de interacção orientadas para o bem comum.
Enquanto uns se afanam apenas com o ganho económico e os outros estão obcecados
apenas por conservar ou aumentar o poder, o que nos resta são guerras ou
acordos espúrios, onde o que menos interessa às duas partes é preservar o meio
ambiente e cuidar dos mais fracos. Vale aqui também o princípio de que «a
unidade é superior ao conflito».[140]
5. As religiões no diálogo com as ciências. 199. Não se
pode sustentar que as ciências empíricas expliquem completamente a vida, a
essência íntima de todas as criaturas e o conjunto da realidade. Isto seria
ultrapassar indevidamente os seus confins metodológicos limitados. Se se
reflecte dentro deste quadro restrito, desaparecem a sensibilidade estética, a
poesia e ainda a capacidade da razão perceber o sentido e a finalidade das
coisas.[141] Quero
lembrar que «os textos religiosos clássicos podem oferecer um significado para
todas as épocas, possuem uma força motivadora que abre sempre novos horizontes
(...). Será razoável e inteligente relegá-los para a obscuridade, só porque
nasceram no contexto duma crença religiosa?»[142] Realmente,
é ingénuo pensar que os princípios éticos possam ser apresentados de modo
puramente abstracto, desligados de todo o contexto, e o facto de aparecerem com
uma linguagem religiosa não lhes tira valor algum no debate público. Os
princípios éticos que a razão é capaz de perceber, sempre podem reaparecer sob
distintas roupagens e expressos com linguagens diferentes, incluindo a
religiosa. 200. Além disso, qualquer solução técnica que as
ciências pretendam oferecer será impotente para resolver os graves problemas do
mundo, se a humanidade perde o seu rumo, se esquece as grandes motivações que
tornam possível a convivência social, o sacrifício, a bondade. Em todo o caso,
será preciso fazer apelo aos crentes para que sejam coerentes com a sua própria
fé e não a contradigam com as suas acções; será necessário insistir para que se
abram novamente à graça de Deus e se nutram profundamente das próprias
convicções sobre o amor, a justiça e a paz. Se às vezes uma má compreensão dos
nossos princípios nos levou a justificar o abuso da natureza, ou o domínio
despótico do ser humano sobre a criação, ou as guerras, a injustiça e a
violência, nós, crentes, podemos reconhecer que então fomos infiéis ao tesouro
de sabedoria que devíamos guardar. Muitas vezes os limites culturais de
distintas épocas condicionaram esta consciência do próprio património ético e
espiritual, mas é precisamente o regresso às respectivas fontes que permite às
religiões responder melhor às necessidades actuais. 201. A
maior parte dos habitantes do planeta declara-se crente, e isto deveria levar
as religiões a estabelecerem diálogo entre si, visando o cuidado da natureza, a
defesa dos pobres, a construção duma trama de respeito e de fraternidade. De
igual modo é indispensável um diálogo entre as próprias ciências, porque cada
uma costuma fechar-se nos limites da sua própria linguagem, e a especialização
tende a converter-se em isolamento e absolutização do próprio saber. Isto
impede de enfrentar adequadamente os problemas do meio ambiente. Torna-se
necessário também um diálogo aberto e respeitador dos diferentes movimentos
ecologistas, entre os quais não faltam as lutas ideológicas. A gravidade da
crise ecológica obriga-nos, a todos, a pensar no bem comum e a prosseguir pelo
caminho do diálogo que requer paciência, ascese e generosidade, lembrando-nos
sempre que «a realidade é superior à ideia».[143].
www.vatican.va. Abraço. Davi
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