Budismo. www.budavirtual.com.br
Texto escrito por Elizabeth Mattis Namgyel, originalmente publicado em seu site. Tradução de Gabriel
Falcão, Marcus Telles e Gustavo Gitti. O BUDA DEFENDEU A IDEIA DE GURU? Elizabeth Namgyel é uma das muitas mestras budistas
contemporâneas, estuda e pratica o budismo por 30 anos sob a orientação de seu
professor e marido, Dzigar Köngtrul Rinpoche (1964 - ). Passou sete anos em retiro solitário e é mestra de retiros no
Longchen Jigme Samten Ling, centro do Mangala Shri Bhuti no sul do Colorado –
USA. Editou dois livros de Dzigar Köngtrul Rinpoche e é autora de “The Power of
an Open Question”. Pergunta: Olá, Elizabeth. Embora eu tenha grande
respeito e admiração por professores budistas como Pema Chodron (1936 - ),
Dalai Lama (1935 - ) e Thich Nhat Hanh (1926 - ), para citar alguns dos meus
favoritos, eu fico um pouco desconfortável em relação a esta noção de um “GURU”
e de devoção ao Guru. Ela me remete à adoração a um herói e a colocar um outro
ser humano em um pedestal. Para mim, um professor do darma é um professor do
darma. Digo, o Buda defendeu a ideia de GURU? Alguém que é mais do que um ser
humano comum? Resposta: Obrigada pela sua
pergunta. Eu acho que isso é uma questão para muitas pessoas, então fico feliz
que você tenha perguntado. A relação professor/aluno é um tópico realmente
importante para pessoas que têm professores e para aqueles que estão olhando a
tradição e tentando entendê-la. Contemplando a sua questão, estou tentando
discernir por mim mesma: “Qual é a diferença entre um professor e um guru”? Eu
acho que a palavra ‘professor’ é um termo mais geral. Nós temos professores na
escola enquanto estamos crescendo. Acho que podemos pensar neles como pessoas
que nos passam informações para que possamos funcionar bem no mundo. Às vezes
apreciamos isso e às vezes fazemos porque é obrigatório. De qualquer forma, às
vezes um professor terá um impacto imenso em nossas vidas (…) e pode até mesmo
determinar a direção que nossas vidas tomarão. O relacionamento com um
professor pode ser bastante íntimo. E eu não estou me referindo apenas a um
professor espiritual. É comum ouvirmos histórias ou encontrarmos relacionamentos
em que professores transmite uma linhagem de sabedoria ou criatividade para um
estudante e o estudante sente uma profunda apreciação e devoção pelo professor.
Devoção é um termo interessante, além de uma experiência pungente e
emocionante. Meu amigo Greg estuda sânscrito e tibetano na Universidade de
Oxford. Eu perguntei a ele recentemente como ele traduziria a palavra
“devoção”. Sua tradução foi profundamente esclarecedora para mim. Ele traduziu
a palavra tibetana para devoção (mugu) como “Desfazer-se em humildade”. Eu
particularmente acho difícil falar do papel do professor sem olhar também para
o papel do aluno. Quando penso sobre o que significa ser um aluno, a
palavra abertura ou humildade vem à mente. Eu
não quero dizer “humildade” como auto apagamento, ou que temos que deixar de
lado o nosso próprio discernimento apenas porque estamos em um processo de
aprendizagem com um professor. De fato, a questão aberta é parte desse
aprendizado. Então eu não acho que ser um aluno significa ter que ser
subserviente. Mas quando escolhemos um professor, estamos estabelecendo um
acordo, e isso é uma escolha, de nos mantermos humildes, abertos e aprender.
Qual seria o sentido de ter um professor se nós fôssemos apenas nos agarrar às
nossas próprias ideias? Portanto, estamos nos colocando em uma posição de
aprendizado. Isto não significa que não podemos fazer perguntas (…) significa
que nos posicionamos para aprender. E isso significa manter a abertura sem cair
na aceitação cega ou no ceticismo. De fato, uma vez eu perguntei ao meu
professor como ser uma boa aluna e ele disse, “Apenas esteja aberta”. A
abertura é uma forma de existir que está além dos extremos de apenas cair em
crenças ou cair em dúvidas. Mesmo quando somos desafiados, nós podemos
permanecer abertos… e isso não é apenas um estado passivo (como a aceitação
cega) – é um estado de aprendizado. Quando nós lemos os sutras e estudamos a
vida do BUDA, vemos que ele se pôs nessa posição ao longo de toda sua vida. Ele
teve muitos professores (…) e praticou o que eles lhe ensinaram com muita
diligência e devoção. Para ele, esses professores não possuíam a compreensão
que ele estava buscando no fim das contas, mas ainda assim seu relacionamento
com eles o colocou no caminho do despertar. Por fim, o Buda abriu mão das
muitas crenças que ele tinha: que poderia encontrar a felicidade no mundo
ordinário das ‘coisas’, ou que poderia encontrar a felicidade abandonando a
vida mundana e negligenciando seu corpo. Ele apenas abandonou essas visões (…)
e com um profundo senso de humildade, sentou-se sob a árvore BODHI. Portanto, a
humildade, como vocês podem ver, está no coração desta tradição. Após sua
iluminação seus discípulos o cercaram, porque conseguiam reconhecer suas
qualidades. Eles estavam atraídos por esse senso de humildade e deslumbramento
do Buda (…) e o que foi maravilhoso é que o BUDA foi capaz de colocar o caminho
em palavras e guiá-los. Eles olharam para o Buda com admiração, tomaram-no como
exemplo e serviram a ele como uma maneira de eles próprios se desfazerem em
humildade. Portanto, o caminho de aprendizado e serviço tem uma função (…) e
isso foi entendido. Agora, o termo ‘guru’ (sânscrito) ou ‘Lama’ (tibetano) na
verdade significa ‘Nada Mais Elevado’ ou ‘Insuperável’. Então nós temos que
perguntar, “Por que é assim”? Eu não penso que é a personalidade do Lama que é
insuperável, ou mesmo a pessoa em si. O relacionamento com o professor deve ser
um meio hábil para o nosso despertar (…) ele aponta para o método de
“Desfazer-se em humildade”. Isso tem a ver com a desaparição do ego e leva à
liberdade. Portanto, dessa forma nós podemos dizer, “O que pode ser mais
elevado”? A ideia de humildade às vezes é difícil para o praticante ocidental.
Nós confundimos ‘humildade’ com ‘menor’ ou ‘inferior’. Mas eu estou falando de
humildade como encontrar o melhor de nossas qualidades como seres humanos. Por
exemplo, quando olhamos para o céu noturno, ele é tão vasto e misterioso. Em
relação a essa vastidão nós somos tão pequenos e o universo é tão grande e belo
(…) e ainda assim, ao mesmo tempo, nós somos parte desta grandeza. Então,
olhando para o céu, nós temos essa experiência de deslumbramento e admiração.
Esta é a questão aberta da qual eu frequentemente falo. É a habilidade de ver
que a vida é maior do que nossas ideias ou crenças sobre ela. Normalmente eu
vejo isto com mais frequência em outras culturas (…) a devoção é compreendida
como um senso de humildade. Às vezes, ter um objeto – um céu estrelado à noite,
ou um professor cujas qualidades evocam um senso de deslumbramento em nós –
serve como um importante meio hábil. Além do mais, um professor está
efetivamente nos passado os ensinamentos e apontando coisas sobre o nosso ego:
servindo como um espelho para [vermos] onde estamos presos (…) mas também para
a nossa própria natureza de Buda ou o nosso senso de deslumbramento. Então o
relacionamento é íntimo (…) embora não necessariamente em um nível pessoal, mas
em um nível de despertar. Eu posso dizer pessoalmente que o relacionamento
professor/aluno tem sido o epicentro do meu caminho. E devo dizer que demorei
muito tempo para entender isto. Em parte porque sou casada com o meu professor
– e isso me desafiou de algumas formas maravilhosas – mas também porque isto
foi um processo para todos nós. E o que eu vim a entender é que nada disso tem
a ver com a nossa individualidade (…) mas tem tudo a ver com esse processo de
despertar e abrir mão o ego – cair na humildade. Quando abrimos mão do ego, nós
nos sentimos livres. Então, na verdade, esse relacionamento acaba sendo um
tanto empoderador. Porque o que de fato acontece é que as mesmas qualidades que
você vê no professor são inerentes à natureza da sua própria mente. Agora, eu
penso que as pessoas – especialmente nesta cultura – se confrontam muito com
esse tópico, da mesma forma que você também está expressando. E eu não posso
falar sobre o processo de cada um. Eu não posso falar para a expressão de
devoção em todo mundo e não estou em nenhuma posição de julgar isso. Mas posso
dizer que houve vezes em que me senti desconfortável em minha tentativa de
“agradar” o professor, e houve vezes em que senti tanta apreciação, que servir
ao professor foi profundamente inspirador e natural para mim. Houve vezes em
que caí em aceitação cega e também vezes em que caí em dúvida. Mas eu vim a
também reconhecer uma terceira alternativa, por assim dizer. E essa é a mente
de encantamento, humildade e abertura. É a mente do maravilhamento. Como o Buda
disse nos sutras, “Aqueles que estão despertos como eu vivem em constante estado de maravilhamento.” Esse é o
lugar de repouso para o praticante. Porém, é interessante considerar, Mandy,
que todos os professores que você menciona (professores exemplares!) em sua
pergunta têm relacionamentos GURU/discípulo com seus professores. Ani Pema
Chodron foi uma aluna próxima de Chogyam Trungpa Rinpoche e atualmente é uma
aluna dedicada de Dzigar Kongtrul Rinpoche (que é também meu professor). O
Dalai Lama já expressou uma apreciação profunda por seus gurus. Certa vez, em
uma iniciação ele tinha lágrimas em seus olhos quando falou sobre o professor
que havia lhe transmitido os ensinamentos de BODICHITA. Eu não sei quem é o
professor do Thich Nhat Hanh, mas, quando eu estava em uma conferência
recentemente, duas de suas jovens monjas eram minhas colegas de quarto e elas
falaram de seu professor, Thich Nhat Hanh (1926 - ), com tanto amor, devoção e
apreciação. Então claramente há algo neste relacionamento que é íntimo e
profundo. Pode ser que essa afeição frequentemente seja bastante genuína para
as pessoas e venha de um profundo senso de apreciação. E eu diria que estes
professores são belos e graciosos exemplos de alunos e do que pode ocorrer por
meio deste relacionamento muito pouco usual. www.budavirtual.com.br. Abraço. Davi
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