Espiritualidade.
Texto de N. Sri Ham (1889-1973). Capítulo 3. LIBERDADE DE OPOSTOS. A expressão
O CAMINHO DO MEIO, usada nos ensinamentos budistas, foi interpretada como um
caminho da vida que evita os excessos do ascetismo e da auto- mortificação de
um lado, e a indulgência na busca de prazeres na luxúria, de outro.
Possivelmente BUDA referiu-se às condições que havia na Índia no seu tempo e
usou a expressão principalmente com referência a elas. Mas ela é susceptível de
um significado muito mais amplo. Os extremos mencionados representam UM PAR DE
OPOSTOS. O Gita menciona outros e fala no transcender de todos os PARES DE
OPOSTOS. Cada OPOSTO em qualquer PAR realmente produz o outro. Este fato é
destacado por Platão (428 AC 347) em um dos Diálogos. Uma pessoa que irá a um
extremo, após algum tempo, tenderá a deslocar-se ao extremo OPOSTO. A partir de
uma ação violenta, que com certeza experimentar-se-á, surgirá uma repercussão
que levará na direção OPOSTA. Como efeito, cada OPOSTO sutilmente oculta a
NATUREZA do outro. Tomemos um exemplo - o tipo de coragem que é induzido na
pessoa pela autossugestão ou pela simulação de um semblante exageradamente
destemido, realmente constitui uma máscara de MEDO. Como você tem medo, no seu
íntimo você se reveste de ares que sugerem o oposto do MEDO. Esta coragem
aparente não dura muito. Também nos assuntos humanos verifica-se o constante
JOGO DOS OPOSTOS. Onde há tirania ou opressão, a revolta sempre é provocada,
seja ela aberta ou forçada a silenciar ou ocultar-se. A doutora Annie Besant
(1847-1933) costumava dizer que ela admitia o direito dos indianos naquela
ocasião de se revoltarem contra o domínio britânico se consideravam que não
havia outra maneira de conquistar a liberdade para o seu país. Porém, vendo as
consequências que surgiram da revolta e conhecendo o povo britânico comum como
conhecia, com sentido geral de justiça, ela advogou a adoção de meios
constitucionais de que tinha certeza obteriam êxito. Na história, todas as
revoltas justificam-se apenas pelo seu êxito. Se você falhar, você é o traidor;
se você tiver êxito, você é o pioneiro, o pai da nação, o libertador, o grande
herói. Estes títulos são outorgados aos homens que se revoltam com êxito, você
é o pioneiro, o pai da nação, o libertador, o grande herói. Estes títulos são
outorgados aos homens que se revoltam com êxito e não àqueles que defendem uma
causa até mesmo quando todas as probabilidades forem contrárias e sem qualquer
perspectiva de sucesso. Com frequência as forças revoltosas, ao terem êxito,
estabelecem uma tirania própria. Com relação ao povo em geral, verifica-se nada
além de uma troca de senhores, talvez com um sistema diferente, mas com a mesma
ditadura que antes reinava. O fato é que toda a NATUREZA é governada pela LEI
DE AÇÃO E REAÇÃO, e todas a leis com as quais estamos familiarizados são
mecânicas. A NATUREZA, movida por este jogo mecânico, está sujeita a forças
alternantes e contrárias; e assim também é a NATUREZA HUMANA. Cada partícula
elementar que foi descoberta tem sua contraparte ou OPOSTO. As forças que
constituem estas partículas parecem estar sujeitas às mesmas leis mecânicas.
Mas, profundamente no homem, há uma natureza que não sofre do JOGO DE OPOSTOS –
esta é uma distinção fundamental entre aquela natureza que pode ser chamada
espiritual e a natureza nele atualmente tão evidente que se modela no JOGO DE
FORÇAS no campo da matéria. A NATUREZA HUMANA que reflete a mente do homem,
como a vemos, pode ser governada pelas LEIS DA NATUREZA, da ação, que é de fato
reação, ou ela pode refletir a NATUREZA DO ESPÍRITO. Essas são as duas
possibilidades. Uma delas vivenciamos na nossa ignorância, mas há também a
outra possibilidade que torna a VIDA totalmente diferente para aquele que a
compreende. OS OPOSTOS na NATUREZA têm o seu lugar, mas existem também OPOSTOS
aparentes que são na verdade complementares, como masculino e feminino, forças
positivas e negativas, emoção e intelecto, Terra e céu. ESPÍRITO E MATÉRIA
constituem um par deste tipo. SÃO OPOSTOS enquanto a verdadeira relação entre
eles não for percebida, e as forças que representam não estiverem harmonizadas
naquela NATUREZA DO HOMEM que tem algo de ambos. Quando aquela NATUREZA torna
harmonizada, ela age com um equilíbrio que é uma mescla de OPOSTOS APARENTES.
Por exemplo, pode existir em alguém uma mescla perfeita de força e de
afabilidade, embora cada uma dessas qualidades pareça muito diferente uma da
outra. A NATUREZA em que se mesclam perfeitamente é a NATUREZA ESPIRITUAL.
Quando usamos a palavra ESPIRITUAL, não deveria haver qualquer noção fantasiosa
sobre ela. Ela não significa algo distanciado da vida, aberto a diferentes
interpretações por mentes diferentes. Refere-se a algo que existe de forma
absoluta. Pode-se saber do que se trata apenas através das qualidades que
manifesta. Para obter a verdadeira compreensão de algo, será necessário olhar
para os fatos envolvidos, evitando ideias que são meras projeções a partir de
uma base de ignorância. Para tomarmos outro exemplo, aquela NATUREZA que pode
ser chamada ESPIRITUAL sempre tem presente em si o atributo de uma sensibilidade
extrema, uma inteligência que responde imediatamente ao mais leve toque. Embora
esta resposta pareça automática, ela surge de uma percepção da verdade com
relação ao que quer que a toque. Portanto, está resposta é determinada por
aquela verdade. É a resposta de uma natureza que é suscetível, porém não
influenciada. Ela não se entrega indistintamente a qualquer coisa e nunca se
deixa dominar. Mas também não se diminui ou foge de qualquer coisa que
atravesse o seu caminho – que seria o OPOSTO da ENTREGA – ela mantém a sua
liberdade e equilíbrio. A verdade no interior da pessoa significa que há sempre
ação livre, não forçada, oriunda da própria inteligência e da vontade livre,
isto é, sem jamais envolver-se ou estas sujeita a forças que obrigam ou determinam
as ações da pessoa. Se a pessoa fosse incitada a um curso de ação, ou até mesmo
influenciada por adulações abertas ou sutis, por ameaça ou pressão. Por alguma
espécie de engodo, isso seria uma ação produzida, não livre. A NATUREZA DO
ESPÍRITO ou a NATUREZA ESPIRITUAL permanece sempre livre. Se todo pensamento e
todo sentimento se originarem de um estado interior em que nenhuma influência
externa perturbe-se modifique-se, então é realmente um estado de encontrar-se
só. Porém não em alheamento ou solidão. Mesmo esta condição de encontrar-se só,
na qual a natureza que está tão só mantém a sua pureza e integridade originais,
é compatível com relações íntimas e profundas. É como a relação entre os raios
do Sol que incidem em um objeto, talvez interpenetrando, e o próprio objeto em
si. A intimidade surge da NATUREZA de sua percepção e resposta. O contato
íntimo e uma relação que penetra a NATUREZA INTERNA do OUTRO, por outro,
parecem incompatíveis. Contudo, estão igualmente presentes enquanto qualidade ou
capacidade naquela NATUREZA, que pode ser verdadeiramente descrita como
ESPIRITUAL. Krishnaji fala de uma NATUREZA DA MENTE e do coração que é
vulnerável, à qual se refere como sendo sensível ao toque mais leve, não opondo
qualquer resistência. Ela é sintonizada de uma forma tão bela que responde a
cada vibração e de nada impede a entrada. Poderíamos pensa que, neste caso, em
breve, desgastar-se ou se confundirá com impulsos contrários. Mas como não há
resistência, toda onda que surge a atravessa e nunca é detida. A eletricidade,
até mesmo nas voltagens mais elevadas, não afeta o seu meio condutor se não
houver qualquer resistência. Se alguém for ferido ou ofendido por alguma coisa
que aconteça ou por alguma observação que lhe seja feita, ou a seu respeito, é
porque existe nele um eu que resiste e ressente-se. Mas é possível chegar a uma
condição interna em que a pessoa não é ferida de modo algum. Ela então será
tanto vulnerável como invulnerável, por mais paradoxal que isso possa parecer.
Aquilo que imaginamos ser o eu, o eu próprio, é um sentimento sombrio e difuso,
difícil de localizar, que surge de uma condição de estar encerrado, de
encontrar-se em um invólucro, no qual todas as reações estão confinadas e que,
portanto, permanecem existindo, na maior parte, de forma subconsciente,
submetendo-se a permutações e combinações. O fato de que isso ocorre pode ser
compreendido por qualquer um de nós, desde que se observe a si mesmo
cuidadosamente. Este eu é uma entidade ilusória, que guarda muitas forças de naturezas
variadas e contrárias e dá origem ao JOGO DE OPOSTOS. Ela divide uma natureza,
que do contrário seria homogênea, em seções que variam reciprocamente. O
Bhagavad Gita descreve uma estrutura de MENTE, um estado de ESPÍRITO, que não é
assim dividido e que é IGUAL EM RELAÇÃO A AMIGO E INIMIGO, o mesmo na honra ou
na desonra, entre o êxito ou o fracasso. Comumente, quando encontramos o êxito,
prosseguimos alegremente e ficamos exultantes e felizes, mas quando encontramos
problemas e derrotas, ficamos acabrunhados e deprimidos. No entanto, pode-se
estar num estado de equilíbrio, que se origina da pura simplicidade de aceitar
o que quer que seja e em fazer o que vale a pena ser feito em qualquer
circunstância. É um estado da MENTE E DO CORAÇÃO de extraordinária beleza, o
que encara as coisas desta maneira. Esta equanimidade ou igualdade de espírito
é descrita pelo Gita como YOGA – na verdadeira acepção da palavra um estado
unificado. E é este estado unificado que é o estado verdadeiramente natural em
que a UNIDADE DO ESPÍRITO obtém e manifesta suas potencialidades e harmonia.
Vemos diferenças em toda a parte na natureza das coisas no campo da MATÉRIA são
refletidas no campo da MENTE e das EMOÇÕES , enquanto ainda se encontram em um
ESTADO DE INCONSCIÊNCIA. O Gita fala da liberdade dessas reações que são
prazeres e desprazeres, paixões, avidez, ódio e inveja. Quando as reações
cessam de existir, há um espírito de igualdade NO CORAÇÃO das pessoas, boa
vontade comum, preocupação e consideração em relação a todos, o elevado e o
usual, o simples e o erudito e assim por diante. A natureza em que se manifesta
esta mesma atitude é a natureza verdadeiramente espiritual. O HOMEM ESPIRITUAL
pode possuir o conhecimento tanto da ciência como do OCULTISMO – este último é
uma ciência, mas ele carregará este conhecimento suavemente como se existisse e
ao mesmo tempo não existisse. Assim, no seu caso, o conhecimento coexistirá com
a inocência. Ele poderá falar com uma criança de maneira que a interessa e a
orienta, e nesta relação com a criança ele estará tão à vontade como em
qualquer tipo de troca com outras pessoas mais eruditas e experientes. Isso
ocorre porque ele possui um coração de criança que não é suprimido pelo seu
conhecimento. Ele também terá um conhecimento da NATUREZA HUMANA com tudo que é
bom e ruim nela, o feio e o belo. Porém, conhecendo tudo isso, será capaz de
amar o homem em sua benevolência. O conhecimento do mundo com todos os
elementos desagradáveis nos homens, a impolidez, a corrupção, as tentações
oferecidas e aceitas e acima de tudo a brutalidade, poderiam parecer
incompatíveis com o AMOR que se associaria a um CORAÇÃO PURO E INOCENTE.
Contudo, pode haver tal AMOR juntamente com o conhecimento, e é a natureza na
qual ele reina supremo que é a NATUREZA ESPIRITUAL. É uma natureza que responde à verdade em tudo, ou, para usar
outra palavra, que neste contexto é sinônimo de verdade, à beleza nelas
inerente. A resposta mais natural àquilo que é BELO, não apenas a BELEZA exterior
de uma pessoa, mas também a BELEZA INTERIOR, A LUZ NELA OCULTA, é o AMOR.
Quando se reage ao vulgar, como muitas pessoas parecem fazer atualmente, quando
a resposta está com os impulsos físicos de luxúria, também acentuados na
atualidade, essa é a resposta do eu. A resposta pura é de uma natureza
diferente, que é uma natureza de autonegação. Em um estado de negação absoluta
na própria pessoa, que é a negação do eu, a ação que se instala surge
livremente, a partir da verdade que então se manifesta em lugar do eu. A sua
ação é como aquela do artista perfeito que conhece instintivamente por onde
traçar as linhas. Da mesma maneira sabe-se então aquilo que está certo e aquilo
que não está. A pessoa expressará em seu trabalho uma disciplina natural inata
que consiste em evitar aquilo que é grosseiro ou prejudicial, aquilo que é
desproporcional ou não belo. A partir do estado de negação surge uma energia
positiva que possui grande inteligência ou sentido inato. É a energia do EU UNO
do pensamento filosófico indiano. Aquele EU UNO está só porque não tem outro a
acompanha-lo. Estando só, está sempre puro e não afetado por qualquer coisa que
possa surgir e com ele estabelecer contato. Na natureza daquele EU ou a
natureza do estado negativo, não há divisão, nenhum conflito. Por não ser
afetado, está para sempre isento das contrariedades e desequilíbrios DOS
OPOSTOS. Contudo, age sempre baseado em mil e umas maneiras, a partir de sua
própria liberdade, porém sempre de tal forma que nunca perde aquela liberdade –
e este é o caminho certo e o caminho perfeito. Pode parecer paradoxal que um
estado de liberdade possa conter dentro de si o segredo da correção absoluta,
bem como a perfeição. Isso ocorre assim porque compreendemos a liberdade em um
sentido que não é liberdade real, uma condição que não está sujeita à atuação
ou a repulsão. Nesta condição, a ação está de acordo com uma LEI INATA que em
um indivíduo é a LEI DO SEU SER. É uma LEI que, entre os componentes daquele ser, sempre mantém um
estado de harmonia. O nosso conceito de perfeição também incorpora, de forma
consciente ou inconsciente, essa harmonia que é a manifestação de uma UNIDADE
NA DIVERSIDADE. Livro Em Busca da Sabedoria. Abraço. Davi
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