Espiritismo. www.oconsolador.com.br. Por Fernando
A. Moreira. Texto de Alan Kardec. (1804-1869). A POSSESSÃO. “Importa que cada
coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz; o homem precisa habituar-se a
ela pouco a pouco, do contrário fica deslumbrado”. (Allan Kardec) Há possessos? Existe
a possibilidade de dois Espíritos coabitarem num mesmo corpo? O mergulho cronológico
nas obras da Doutrina Espírita nos leva ao seu berço, “O Livro dos Espíritos”: 1857. Questão 473 - Pode um
Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é
introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha encarnado
nesse corpo? – O Espírito não entra em um corpo como entrais numa casa. Identifica-se
com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os
seus, a fim de obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem
atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não
pode substituir-se ao que está encarnado, por isso que este terá que permanecer
ligado ao seu corpo até ao termo fixado para sua existência material. Kardec
retira suas conclusões, prepara e formula a pergunta seguinte, e os Espíritos
respondem: Questão 474 - Desde que não há possessão propriamente dita, isto é, coabitação
de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a alma ficar na dependência de outro
Espírito, de modo a se achar subjugada ou obsidiada ao ponto de sua vontade vir
a achar-se, de certa maneira, paralisada?– Sem dúvida e são esses os
verdadeiros possessos. Mas é preciso saibais que essa denominação não se efetua
nunca sem que aquele que sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer por
desejá-la. Muitos epilépticos ou loucos, que mais necessitam de médico que de
exorcismos, têm sido tomados por possessos. Os Espíritos, aí, fazem uma nítida
distinção entre os verdadeiros e os falsos possessos. Os verdadeiros são os
subjugados até ao ponto de sua vontade vir a achar-se, de certa maneira,
paralisada; os falsos são os que não correspondem aos casos de obsessão,
necessitando tratamento médico. Comenta ainda Kardec, após a resposta dos
Espíritos: “O termo possesso só se deve admitir como exprimindo a dependência
absoluta em que uma alma pode achar-se a Espíritos imperfeitos que a
subjuguem”. 1858. Se havia alguma dúvida sobre a opinião do Codificador até aquele
momento, ele a desfaz no texto da Revista Espírita, por ele dirigida:
“Antigamente dava-se o nome de possessão ao império exercido pelos maus
Espíritos, quando sua influência ia até a aberração das faculdades. Mas a
ignorância e os preconceitos, muitas vezes, tomaram como possessão, aquilo que
não passava de um estado patológico. Para nós, a possessão seria sinônimo de
subjugação. Não adotamos esse termo (...) porque ele implica igualmente a ideia
de tomada de posse do corpo pelo Espírito estranho, uma espécie de coabitação
ao passo que existe apenas uma ligação. O vocábulo subjugação dá uma ideia
perfeita. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar da palavra; há
simplesmente obsedados, subjugados e fascinados”. Fica bastante claro que, para ele, até
aqui, não existia possessão. 1861. O texto acima é
parecido com o exarado no “O Livro dos Médiuns”, com uma diferença
significativa no parágrafo, qual seja, a troca da palavra “ligação”, por
“constrangimento”. 1862. Momentaneamente, temos a impressão de que estariam respondidas as
indagações formuladas na inicial, mas, apesar dessas considerações, o termo
possessão reaparece na Revista Espírita: “Ninguém ignora que quando o Cristo,
nosso muito amado mestre, encarnou-se na Judéia, sob os traços do carpinteiro
Jesus, aquela região havia sido invadida por legiões de maus Espíritos que,
pela possessão, como hoje, se apoderavam das classes sociais mais ignorantes,
dos Espíritos encarnados mais fracos e menos adiantados (...) é preciso lembrar
que os cientistas, os médicos do século de Augusto, trataram, conforme os processos
hipocráticos, os infelizes possessos da Palestina e que toda sua ciência
esbarrou ante esse poder desconhecido. (Erasto)”. Na mesma revista e no mesmo ano,
Kardec, nos “Estudos sobre os Possessos de Morzine”, acrescenta a seguinte
consideração: “O paroxismo da subjugação é geralmente chamado de possessão”. 1863. A
retomada do termo tinha uma razão, e Kardec é bem incisivo na sua opinião na
Revista Espírita, sobre os mesmos Possessos de Morzine, que certamente o
impressionaram e influíram na mudança de sua conceituação sobre possessão, e
valeram doze citações no índice remissivo da Revista Espírita (1862, 63, 64, 65
e 68), além de outros estudos, na mesma revista, como, por exemplo, quando
analisa “Um Caso de Possessão”. Senão vejamos: “Temos dito que não havia possessos, no
sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta,
porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é,
substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado. (...) Não
vendo senão o efeito, e não remontando à causa, eis por que todos os obsedados,
subjugados e possessos passam por loucos (...). Eis um primeiro fato, que o
prova, e apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade. (...)”. (O Sr.
Charles) Declarou que, querendo conversar com seu velho amigo, aproveitava o
momento em que o Espírito da Sra. A. a sonâmbula, estava afastado do corpo,
para tomar-lhe o lugar. (....). Eis algumas de suas respostas. – Já que tomastes
posse do corpo da Sra. A poderíeis nele ficar? – Não; mas vontade não me falta. – Por que não podeis? – Porque seu Espírito
está sempre ligado ao seu corpo. Ah! Se eu pudesse romper esse laço eu pregaria
uma peça. – Que faz durante este tempo o Espírito da Sra. A. – Está aqui ao meu
lado; olha-me e ri, vendo-me em suas vestes. O Sr. Charles (...) era pouco adiantado
como Espírito, mas naturalmente bom e benevolente. Apoderando-se do corpo da
Sra. A. não tinha qualquer intenção má; assim aquela Sra. nada sofria com a
situação, a que se prestava de boa vontade. Aqui a possessão é evidente e ressalta
ainda melhor dos detalhes, que seria longo enumerar. Mas é uma possessão
inocente e sem inconvenientes. Na mesma página, no entanto, Kardec descreve um
caso de possessão da Sra. Júlia, agora dirigida por um Espírito malévolo e mal
intencionado. Há cerca de seis meses tornou-se presa de crises de um caráter estranho,
que sempre corriam no estado sonambúlico, que, de certo modo, se tornara seu
estado normal. Torcia-se, rolava pelo chão, como se se debatesse, em luta com
alguém que a quisesse estrangular e, com efeito, apresentava todos os sintomas
de estrangulamento. Acabava vencendo esse ser fantástico, tomava-o pelos cabelos,
derrubava-o a sopapos, com injúrias e imprecações, apostrofando-o
incessantemente com o nome de Fredegunda, infame regente, rainha impudica,
criatura vil e manchada por todos os crimes, etc. Pisoteava como se acalcasse
aos pés com raiva, arrancando-lhe as vestes. Coisa bizarra, tomando-se ela
própria por Fredegunda, dando em si própria redobrados golpes nos braços, no
peito, no rosto, dizendo: “Toma! Toma! É bastante, infame Fredegunda?
Queres me sufocar, mas não o conseguirás; queres meter-se em minha caixa, mas
eu te expulsarei”. Minha caixa era o termo que se servia para designar o próprio
corpo. (...) Um dia, para livrar-se de sua adversária, tomou de uma faca e vibrou
contra si mesma, mas foi socorrida a tempo de evitar-se um acidente. Vemos, aí, a luta de
dois Espíritos pelo mesmo corpo. Este Espírito, Fredegunda, foi posteriormente
evocado em sessões mediúnicas e convertido ao bem. Mas, voltando aos Possessos
de Morzine, diz Kardec referindo-se ao perispírito:“Pela natureza fluídica e
expansiva do perispírito, o Espírito atinge o indivíduo sobre o qual quer agir,
rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza. (...) Como se vê, isto é
inteiramente independente da faculdade mediúnica (...)” Estes últimos,
sobretudo (os possessos do tempo de Cristo), apresentam notável analogia com os
de Morzine. Na mesma revista e no mesmo ano, selecionamos e pinçamos, para
dimensionarmos a extensão daquela possessão coletiva: “Os primeiros casos da
epidemia de Morzine se declararam em março de 1857 (...) e em 1861 atingiram o
máximo de 120. (...). (...) o caráter dominante destes momentos terríveis é o ódio a Deus e a
tudo quanto a ele se refere”. 1864. Ainda sobre a possessão da Sra.
Júlia, refere-se Kardec na Revista Espírita,: “No artigo anterior (1863) descrevemos
a triste situação dessa moça e as circunstâncias que provavam uma verdadeira
possessão.” O grau de intensidade das possessões e sua reatividade a tentativa de
exorcização, vai bem descrita na Revista Espírita: “Desde que o bispo pisou em
terras de Morzine”, diz uma testemunha ocular, “sentindo que ele se aproximava,
os possessos foram tomados de convulsões as mais violentas; e (...) soltavam
gritos e urros, que nada tinham de humano. (...) As possessas, cerca de setenta, com um
único rapaz, juravam, rugiam, saltavam em todos os sentidos. (...) A última
resistiu a todos os esforços; vencido de fadiga e de emoção, ele (o bispo) teve
que renunciar a lhe impor as mãos; saiu da igreja trêmulo, desequilibrado, as
pernas cheias de contusões recebidas das possessas, enquanto estas se agitavam
sob suas benções”. (...) Encontramos no Evangelho segundo o Espiritismo a seguinte referência
sobre possessão e reforma íntima: “(...) para isentá-lo da obsessão, é
preciso fortificar a alma, pelo que necessário se torna que o obsidiado
trabalhe pela sua própria melhoria, o que as mais das vezes basta para se
livrar do obsessor, sem recorrer a terceiros. O auxílio destes se faz
indispensável, quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque
aí não raro o paciente perde a vontade e o livre arbítrio”. No mesmo livro, há
considerações sobre as causas da possessão: “O Espírito mau espera que o outro, a
quem ele quer mal, esteja preso ao seu corpo e assim, menos livre, para mais
facilmente o atormentar, ferir nos seus interesses, ou nas suas mais caras
afeições. Nesse fato reside a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo
dos que apresentam certa gravidade, quais os de subjugação e possessão.” 1867. Ainda na Revista
Espírita encontramos informações de como é esta perda do livre arbítrio e como
impedi-la: “Objetar-me-eis, talvez, que nos casos de obsessão, de possessão, o
aniquilamento do livre arbítrio parece ser completo. Haveria muito a dizer
sobre esta questão porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças
vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado,
dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é aniquilado,
como foi possível constatar em muitas ocasiões. (...) Procedeis em relação
aos Espíritos obsessores ou inferiores que desejais moralizar (...) algumas
vezes conscientemente, quando estabeleceis, em torno deles uma toalha fluídica,
que eles não podem penetrar sem vossa permissão, e agis sobre eles pela força
moral, que não é outra coisa senão uma ação magnética quintessênciada”. 1868. Em “A Gênese”, Kardec
disserta sobre domicílio espiritual, típico caso de coabitação, ou como agora
quer Hermínio Miranda, “condomínio espiritual, com síndico e convenção”. “Na possessão, em vez
de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao
Espírito encarnado, tomando-lhe o corpo por domicílio, sem que este, no
entanto, seja abandonado por seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte.
A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um
Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado,
pela razão que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no
momento da concepção. De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito serve-se dele como
se seu próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus
braços conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante,
em que o Espírito encarnado fala transmitindo pensamento de um desencarnado; no
caso da possessão é mesmo o último que fala e obra (...)” “Na obsessão há
sempre um Espírito malfeitor. Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom
que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo
de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria seu fato a
outro encarnado”. “Quando é mau o Espírito possessor, (...) ele não toma
moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o (...)” Seguindo ainda, no
mesmo livro: “Parece que ao tempo de Jesus, eram em grande número, na Judéia, os
obsidiados e os possessos (...) Sem dúvida, os Espíritos maus haviam invadido
aquele país e causado uma epidemia de possessões”. Com as curas, as libertações
do possessos figuram entre os mais numerosos atos de Jesus.(...) “Se eu expulso
os demônios pelo Espírito de Deus, é que o reino de Deus veio até vós.” (São
Mateus 12, 22-23). Deduzimos com base no exposto que, para que exista possessão, é preciso
que o Espírito obsessor identifique-se com o Espírito encarnado; aquele atinge
o indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o
magnetiza; o aniquilamento do livre arbítrio parece ser completo, porque a ação
aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o
Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas
cujo pensamento jamais é aniquilado, pois o encarnado é que atua conforme quer,
sobre a matéria de que se acha revestido e portanto aquela dominação não se
efetua nunca sem que aquele que a sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer
por desejá-la; em vez de agir exteriormente ao Espírito encarnado, toma-lhe o
corpo por domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado por seu dono,
pois isso só se pode dar pela morte, por isso, a possessão é sempre momentânea,
temporária e intermitente. Para se libertar da possessão, é preciso fortificar
a alma, pelo que necessário se torna que o obsidiado trabalhe para sua própria
melhoria, estabelecendo em torno de si uma toalha fluídica, que eles não possam
penetrar sem sua permissão, agindo sobre eles pela força moral, por uma ação
magnética quintessenciada. Na possessão isto só é possível, com a ajuda
indispensável de terceiros. Portanto, respondendo às indagações iniciais deste
trabalho, podemos dizer que Kardec analisou todas as facetas e prismas da
possessão e concluiu que existe possessão e também coabitação. Uma obra, como a da
Codificação Espírita, é indivisível e portanto deve ser analisada como um todo,
jamais devendo ser fragmentada ou dividida, na análise de seu conteúdo; existem
vários temas, nas obras básicas (O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O
Evangelho segundo O Espiritismo, A Gênese, O Céu e o Inferno) e na Revista
Espírita, em que as verdades foram estudadas à luz dos conhecimentos adquiridos
no dia-a-dia e suas opiniões, às vezes alteradas, sem que correspondessem a uma
mudança de ideia, mas, sim, a uma evolução de verdade em verdade, degrau a
degrau na escada ascensional do conhecimento, como convém a um cientista sábio,
astuto, inteligente, honesto e, antes de tudo, humilde, coisa rara, aliás. A fé raciocinada sob
a égide desta humildade, aconselhada e praticada pelo mestre lionês, levou-o à
busca incessante da verdade, que sempre caracterizou suas ações, a correta
elucidação conceptual de possessão, incitando-nos também a libertarmo-nos de
duas outras, a dos dogmas e a do fanatismo. Tenhamos igual têmpera e nos deixemos
contaminar pela sua lição e pelo seu exemplo; a lição inclina, o exemplo
arrasta. www.oconsolador.com.br.
Abraço. Davi
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