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AMIZADE. O que é um amigo? Alguém com quem você fala todos os dias? Alguém com
quem você sai para tomar um café e falar sobre como passou o dia? O termo
amizade não tem um significado aceito universalmente. Em certas culturas é
usado com extrema facilidade, em outras, como na Rússia, amizade implica
profundos laços emocionais mais importantes do que qualquer outro tipo de
relacionamento. A Torá dá ao termo amigo grande importância, segundo a obra
"Sabedoria", de Ben Sira: "Um amigo fiel não tem preço; seu
valor está além do que o dinheiro pode comprar". "Um amigo fiel é um
abrigo seguro; aquele que o encontrar, terá encontrado um tesouro". O
amigo é uma mão estendida na hora certa. Ao definir os graus de profundidade de
relacionamentos, a Torá diz "Seu amigo, aquele que é como se fosse sua
própria alma". (Deut.13:7). O amigo verdadeiro é uma alma gêmea. Alguém
que conhece o outro na profundidade de sua alma, em quem confia, com quem
compartilha alegrias e tristezas através de um gesto, um sorriso, uma palavra.
É difícil encontrar um amigo e, ao encontrá-lo, devemos preservá-lo como
verdadeiro tesouro. A Ética dos Pais nos ensina que devemos
"comprá-lo" com amizade, afeto, sinceridade, preocupação. O Rebe
Mendel de Kotz afirmava que cada indivíduo deveria ter pelo menos um amigo a
quem pudesse contar todos os seus segredos, mesmo os mais íntimos. Até mesmo
aqueles que nos envergonham, aquelas emoções ou ideias que são tão delicadas e
íntimas que, ao expô-las, é como se revelássemos a nossa essência. Para o Rabino
Yehoshua Ben Korcha, "o que seu amigo realmente pensa sobre você" é
uma incógnita que faz parte das sete dimensões do desconhecido. Talvez seu
amigo esteja secretamente aborrecido com aquelas armadilhas nas quais você cai
dezenas de vezes, prometendo a si mesmo, não fraquejar mais. Se você soubesse
exatamente a verdade sobre a atitude dele a seu respeito, sua amizade teria
ainda o mesmo valor? A amizade profunda, aquela na qual o amigo se sente tão
próximo do outro, como se fosse uma segunda alma, implica uma certeza de
compreensão que é uma das verdades do amor. Não é necessário esconder desse
amigo os seus defeitos e fraquezas pelo temor de causar zombaria ou aversão.
Esta intimidade com o amigo é possível sem que ele nos exponha a qualquer
humilhação, pois "todos os erros estão cobertos pelo amor". A palavra
"chaver", amigo, em hebraico, faz do mesmo um companheiro do seu
próprio ser. Um companheiro solidário na jornada da vida, nesta "aventura
intelectual" que é a descoberta do seu "eu", na qual se está
plenamente envolvido. Na busca pelo "eu", o amigo ajuda o outro a se
elevar acima de suas próprias necessidades, suas limitações, que muitas vezes o
fazem esquecer o porquê de sua existência. O desafio essencial do homem é viver
plenamente seu potencial. Caso contrário, segundo o Ari (Rabi Isaac Luria
(1534-1572), cabalista de Safed, séc. XVI) a vida não passaria de uma morte
camuflada. Ao vir para este mundo material, nossa alma se afasta - de uma forma
ou outra - de sua verdadeira essência e a meta de nossas vidas é incorporar a
sabedoria da alma. O rabino Shneur Zalman de Liadi (1745-1813) ensina:
"Mesmo que o mundo inteiro diga que você é grande, não o creia; talvez
você seja o maior do mundo, mas ainda assim vive o desgaste do seu próprio ser".
Diferentemente do amor entre um casal ou entre pais e filhos, a amizade não
cega nossa percepção sobre o nosso amigo. O verdadeiro amigo vai, portanto,
exigir que você viva sua própria vida em toda a sua plenitude. Ele o obrigará a
ser você mesmo. Não permitirá que você se satisfaça com menos do que pode ser.
"O homem que tem a sorte de ter um amigo, ouve-o clamar para que viva de
acordo com suas potencialidades. E, como a sua amizade o faz elevar-se até sua
verdadeira essência, cria-se um profundo laço entre os dois". Existem
também amizades perversas, pois está dito: "És amigo daqueles que são
destrutivos" (Provérbios). Estas não visam o crescimento do amigo. Apenas
lhe servem de cúmplice nas ações condenáveis, sem lhe prestar a mínima ajuda para
que viva sua verdadeira dimensão interna. A essência do homem está em seu
intelecto, na sua mente - no seu pensamento, na neshamá, a parte de nossa alma
ligada com o Divino. E isto salienta o fato de que a condição autêntica da
amizade tem relação estreita com nossa mente. O Talmud ensina: "Quando
você abandonar um amigo (...)”. Mas será que realmente abandonamos um amigo? De
forma alguma! Nem em sonho! E segue o Talmud: "(...) separe-se, mas só se
o propósito for um problema intelectual não resolvido". Querendo sua presença,
seu amigo repensará sobre tal divergência e, assim, estará pensando em você.
Isto irá uni-los numa cumplicidade definitiva. No ápice da separação a
esperança de um dia poder reencontrar o amigo para confidenciar um com o outro,
cada um participando ao outro, suas importantes descobertas elevará o nível do
vigor intelectual compartilhado. Pois está escrito: "Um homem afia a mente
de seu amigo " (Provérbios 27:17). Para entender a verdadeira dimensão da
amizade é importante analisar-se a palavra melech, rei, em hebraico, composta
das letras mem, lamed, e caf. Estas letras constituem a plena definição do
homem: mem, da palavra moach, cérebro, inteligência; lamed, de lev, coração,
sensibilidade; caf - de caved, os sentidos. Estes três conceitos correspondem
aos três níveis de alma do homem: a neshamá, que tem como característica o
pensamento, a compreensão superior; ruach, onde se alojam a emoção e nefesh, os
instintos. A verdadeira liberdade é alcançada quando estes três níveis da alma
do homem atuam em equilíbrio. E, quando o ser humano alcança a plenitude nessas
três esferas, tem perfeita consciência da hierarquia dos níveis do ser - ele é
um rei, a quem se aplicam os mandamentos próprios dos reis. Os reis têm 30
privilégios, entre os quais a extraordinária felicidade de ter o direito de
romper qualquer "barreira". Por isso o Talmud afirma que o verdadeiro
amigo liberta o outro de todas as suas prisões internas, ao lhe abrir as portas
de um universo de pura liberdade. Por outro lado, o homem que vive aquém de sua
plenitude - talvez por não ter um amigo que lhe exija seu desempenho máximo - é
apenas um escravo, ao qual se aplicam todas as leis dos escravos. Vive
"pobremente", preso a limites que não consegue superar. Apesar de lhe
parecer muitas vezes ter uma vida muito louvável, esta vida, na verdade,
anula-o. A amizade é acima de tudo uma relação do intelecto. Juntos, os amigos
vivem a mais audaciosa experiência intelectual. Pouco importa se um deles não
compreende uma verdade; o outro a explicará, pouco importando também qual dos
dois a entende ou deixa de entender. A palavra moach, que designa a
inteligência (literalmente, o cérebro), contém 48 facetas segundo o valor
numérico de suas letras. Este número representa as 48 prerrogativas do sábio,
de acordo com o Pirkei Avot, a Ética dos Pais. Quando é dito que "lhe são
revelados os segredos da Torá", a quem mais isto se referiria, senão ao
amigo? Se o ser humano vive a plenitude do seu ser, no nível da alma que D´us
lhe deu, ele é um sábio, desde que um amigo lhe indique todos os novos
atributos que deve adquirir. Essa análise da primeira dimensão do homem - a
inteligência - coloca a amizade no seu nível essencial, o da comunicação. A
segunda dimensão do homem é sua sensibilidade, seu afeto, seu coração. O Pirkei
Avot nos alerta que um bom coração é o que o homem deve permanentemente
procurar, já que é o recipiente de todas as qualidades. Um amigo não esmaga o
outro por suas diferenças. Da forma mais gentil e hábil leva este outro a
entender o que tem a lhe dizer. A sensibilidade está no mesmo nível da
inteligência e estabelece o laço entre o conhecimento e o amor. A terceira
dimensão é a dos sentidos, transfigurados pela inteligência e sensibilidade,
nessa fecundação de todos os níveis que definem o homem. Como a sensibilidade
participa da ambição, que é um desejo como qualquer outro, um amigo pode muito
bem intervir sobre a personalidade do outro, como nos dois outros níveis do
ser, através de seu olhar lúcido e sincero. A relação de amizade implica
confiança, reciprocidade perfeita, sem que se façam contas. Um poderá ser mais
forte que o outro, ou um poderá contar com o outro, depender do outro, mas
deverá sempre haver reciprocidade. Os amigos devem "poder encostar-se um
no outro", contar com o outro. A Torá diz que "Dois é melhor do que
um, pois se um fraquejar, o outro o erguerá. Mas sofra pelo que estiver só,
pois ao cair, não terá quem o reerga". (Eclesiastes 4:9-10). A palavra
hebraica para mão é yad uma das palavras em hebraico que definem a amizade é
yedid, composta de dois yad, ou seja, "de mãos dadas". Com a
intensidade da amizade, o sentimento de confiança se intensifica. A amizade
situa-se também além das relações de força, como as do mestre desatento, que
derrama torrentes de verdades sobre uma alma frágil, que já não aguenta mais
tantos novos conhecimentos. É uma doce e delicada relação, na qual cada um pode
ter seu próprio ritmo e seus defeitos são perfeitamente tolerados. A amizade
pode chegar até o sacrifício da própria vida, para que o amigo viva e reine
perfeitamente feliz. É uma escolha livre, preciosa e definitiva. Permite a
confidência, por mais íntima que seja, sem temer nenhuma condenação, porque a
pessoa se sente amada. Ela sabe dar e não mede o que recebe em troca. E anula
qualquer distância. A amizade entre o rei Davi e Jonathan, descrita no livro de
Samuel, é considerada ideal - uma amizade na qual não havia cobrança, porém
cada um dava o máximo de si próprio, naturalmente. Entretanto, como esse tipo
de amizade é rara, devemos ser cuidadosos ao escolher nossos amigos. www.morasha.com.br. Abraço.
Davi
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