segunda-feira, 26 de novembro de 2018

II. O ELIXIR DA VIDA


Espiritualidade. Texto de N. Sri Ram (1889-1973). Livro Em Busca da Sabedoria. Capítulo XV. O ELIXIR DA VIDA II. Eliphas Levi (1889-1973) fala da morte como “a transfiguração dos vivos”. Ele parece querer dizer que se pode morrer enquanto se ainda vive, que é essencialmente a mudança que a natureza efetua periodicamente com seu mecanismo, mas que pode ser produzido definitivamente de modo livre e voluntário, através da própria inteligência da pessoa, com total percepção daquilo que está se realizando. A pessoa pode ser transfigurada enquanto ainda vive, como Jesus foi transfigurado. Assim a vida na matéria, ou seja, sufocada pelo apego que toda a matéria implica, pode ser transformada em vida em Espírito, ou vida em sua própria liberdade, desabrochando para esplendores desconhecidos. Eliphas Levi faz uma outra observação sobre a morte em seu estilo vivido e poético: “os corpos mortos nada são senão as folhas mortas da árvore da vida que ainda terá todas as suas folhas na primavera”. A vida em sua totalidade, bem como todos os seres humanos, é uma árvore de vida e os corpos mortos não são apenas físicos – mesmo as células no corpo que morrem aos milhões, enquanto o corpo como um todo está vivendo e pulsando, podem ser consideradas como aquelas folhas mortas. Mas também astrais e mentais. Há referências nas primeiras obras da literatura teosófica a “sombras” que nada são senão os remanescentes astrais da entidade que teve sua passagem, reanimada ou por algum tipo de energia de pensamento ou por alguma outra entidade que não sente qualquer repugnância por elas, mas é capaz de utilizá-las. Exceto por determinados grupos de espiritualistas, e talvez alguns ocultistas errantes, a atmosfera presente no mundo moderno não favorece o interesse nesses fenômenos paranormais representados por elementares, espectros, sombras e assim por diante, que no passado pareciam estar mais envolvidos com seres humanos do que atualmente. Da mesma maneira com que as folhas mortas caem da árvore, enquanto a árvore está viva, esses remanescentes, corporificando as tendências Kama-manásicas da entidade que se retrai, desligam-se em determinado estágio do seu progresso e via de regra desintegram-se. A árvore terá folhas novas na primavera porque a própria vida é eterna e imperecível. A árvore da vida que é cada ser humano cresce periodicamente e depois morre até as suas raízes. A árvore continuará submetida àquelas mudanças até que ela esteja totalmente transformada, tornando-se a árvore da vida e sabedoria, nada haverá a abandonar; as folhas que constituem a sua expressão serão sempre como as folhas na primavera, eternamente frescas, sem conterem nenhum elemento que possa nelas causar decadência. Eliphas Levi segue com a observação de que “a ressurreição dos homens assemelha eternamente àquelas folhas”. Estar ressuscitado não significa renascer na matéria, porém nascer no Espírito que é atemporal e, portanto, não à decadência. A energia integrada na corrente individual da vida reascende para o Espírito quando deixa de ser atraída na direção dos canais de matéria e da sensação. Na mitologia indiana, na qual tantas verdades são indicadas de forma alegórica ou em parábolas, métodos aliás muito usado nos primeiros tempos da humanidade, diz-se que os Devas possuem três atributos. A palavra Deva, deve-se realçar aqui, é usada para diferentes classes de entidades não físicas, variando desde espíritos da natureza brincalhões que são como pequenas crianças, em uma extremidade da escala, aos seres elevados, cujas natureza e atividades o homem não pode conceber bem, na outra extremidade. No meio da escala há Devas que, embora não possuindo corpos físicos, são humanos em sua natureza psíquica. O mito refere-se ao aparecimento, em forma física, de tais Devas humanos. Pode-se descobrir que são Devas, segundo se diz, através de três sinais. Os sinais mencionados são todos físicos, mas podem ser interpretados como referindo-se ou à natureza psíquica ou espiritual daqueles seres. Um dos sinais é que o Deva nunca transpira, outro é que ele olha sem piscar os olhos e o terceiro é que ele não forma sombra. Ele não transpira porque o seu corpo é apenas uma forma materializada capaz de realizar aquilo que deseja e não um corpo organizado como o nosso. Mas há o indício de que a maneira em que o Deva vive e age é destituída de esforço. Quando não há esforço ou tensão ao fazer as coisas que se deseja fazer, há sempre vitalidade e frescor. Sem dúvida haverá um dispêndio de energia, mas poderá haver um influxo correspondente de vitalidade. A condição de não piscar os olhos pode ser devida ao fato de que, sendo uma criação artificial, o corpo não tem todos os processos fisiológicos detalhados; mas também sugere uma tenção concentrada que surge sem esforço do interesse naquilo que ele está observando ou fazendo. O Deva pode comungar, por assim dizer, com tudo que atrai, sem qualquer vascilação ou desvio de atenção, sem uma mente errante. Ele não faz sombra fisicamente, possivelmente porque sua forma, que é ilusória, não é suficientemente densa. Metaforicamente poderia significar que ele tem uma natureza translúcida e não opaca. As características físicas mencionadas talvez sirvam para indicar o tipo de ser que ele é em sua natureza espiritual. A sua qualidade inalterável surge do fluxo de vitalidade que brota de dentro. Quando a fonte interna não estiver bloqueada ou impedida, o fluxo que dela se origina tem as qualidades do frescor e claridade inerentes às águas puras da vida. O homem ressuscitado, que é comparado às folhas na primavera, deve ser presumido como tendo as qualidades espirituais mencionadas, ou seja, ação destituída de esforços, estado desperto permanente (uma radiação constante de consciência) e a pureza que toma a sua natureza translúcida. Jiddu Krishnamurti (1895-1986) faz uma declaração, profundamente interessante quando diz, ou parece dizer, que a morte, a vida e o amor são uma e a mesma coisa. Expresso desta forma pode afigurar-se ininteligível para nós, mas a afirmação pode referir-se a um estado de ser, de mente e coração, que possui a natureza de todos os três – morrer a cada momento para cada partícula de acumulação que compõe o passado, a florescência da vida que está sempre naquele momento que é o presente, e o amor que também se manifesta naquele instante, como sendo algo sempre novo, com uma qualidade que não está baseada no tempo. A vida e a morte são como dois lados de uma moeda. São fenômenos semelhantes ao nascer e o pôr do sol. O sol pode pôr-se em Madras, Índia, e ao mesmo tempo nascer em Chicago, USA. Uma pessoa morre para este mundo, mas simultaneamente aparece em outra parte. Tanto o nascer quanto o morrer são fenômenos ilusórios, causados pela revolução da Terra ao redor do seu eixo e a inclinação do plano do nosso horizonte em relação aos raios solares, enquanto o sol permanece fixo como o centro do seu sistema. Se o sol representa Espírito ou vida em sua fonte, o Espírito, nas palavras do Bhagavad Gita, não nasce e não morre; embora, conforme expresso em uma das cartas dos Mahatmas, “Espírito na matéria é vida”. A vida pode existir em várias formas e gradações. A retirada da vida do envolvimento na matéria, que é uma morte, reintegra-a à sua condição original, que é a ressurreição no Espírito ou liberdade. Esta retirada é um processo de eliminar o passado como é refletido no presente, e ao mesmo tempo, a recuperação da liberdade pela entidade que se permitiu, durante o período de não percepção, ser aprisionada dentro de memórias e obsessões acumuladas naquele passado. A dissolução deste acúmulo, camada por camada, é o “banho em esquecimento” que reintegra a vida individual à sua condição original de novidade e inocência. O que é eliminado naquele banho não é a sua própria natureza, a qual quando se projeta evidencia seu brilho próprio como o ouro puro do qual foi removida a escória, ou como as flores na primavera. Quando tudo que foi acumulado no processo do tempo tiver desaparecido, manifesta-se aquilo que eternamente é. A vida individualizada e a forma sempre caminham juntas. Deve haver um tipo de vestidura para a manifestação da vida, não necessariamente física. Sem alguma forma através da qual possa agir, a vida pode existir apenas como potencialidade, que para nós é uma abstração. Referindo-se ao Espírito, a carta do Mahatma anteriormente mencionada diz: “O que é o Espírito, puro e impessoal, per se? Este Espírito é uma não entidade, uma abstração pura, uma lacuna absoluta para os nossos sentidos, até mesmo para o mais espiritualizado”. Visto que o Espírito em matéria é vida, na fonte ambos são uma e a mesma coisa. A energia que chamamos vida, embora se espalhe no espaço, pode estar contida em um ponto e aparentemente o faz no pralaya, a noite de Brahma (a Divindade na sua primeira manifestação), de acordo com os antigos livros hindus, quando tudo no universo retorna à sua fonte. Esta noite segue-se em um ritmo cíclico ao dia de Brahma, o período ativo do universo, chamado Manvantara. Diz-se que também existem pralayas menores, durante os quais não o todo do universo, porém partes que constituem sistemas em si desaparecem em um sono semelhante ou latência, como poderíamos chamar este estado. Mas, somando-se a estes estados, existe também o conceito de Nitya Pralaya, que pode ser traduzido por pralaya ou morte a cada momento. Isto pode referir-se à morte por milhões de seres humanos, bem como a outras vidas que acontecem a cada momento. Pode também referir-se àquele estado de mente e coração em que há uma morte para toda experiência, seja marcada pelo prazer ou pela dor, quando seria igualmente uma ressurreição, a cada momento. Tal morte é um pôr do sol perpétuo da consciência individual para aquilo que constitui o passado, constituindo simultaneamente um despertar para aquilo que é o presente. A Morte e a Vida estão sempre interligadas. Ambas parecem estar presentes nos mesmo lugares, como por exemplo, a vida no corpo como um todo e a morte das células que constituem o corpo. A forma ou organização é um agregado de partes e o ciclo vital do todo não coincide com o ciclo vital das partes. Como foi dito em um livro notável intitulado O Sonho de Ravan, por um autor anônimo que contribuiu com a obra em forma de folhetim para a revista da Universidade de Dublin – Irlanda, em meados do século passado, toda a nossa terra é um grande ossário quando se olha para o seu passado. Inumeráveis espécies de vida têm morrido durante milhões de anos e a terra está coberta com a poeira e os fragmentos dos seus corpos. Porém, em meio aos mortos há muito tempo e aos que agora morrem, existe vida em toda a sua variedade e glória. A nascente da vida que está por trás jamais cessa de pulsar, e as suas águas brotam por cada poro possível. Embora o tempo seja todo-destrutivo, pode apenas destruir as formas da matéria. Não pode tocar a vida ou o Espírito que, estando sempre naquele momento ilusório que chamamos o presente, está sempre situado fora das garras do tempo. Eliphas Levi continua a dizer que “formas perecíveis são condicionadas por tipos imortais”. O uso da palavra “condicionado” aqui significa que as formas perecíveis, isto é, cada coisa via, assume um estado, que está sujeito à influência do tipo imortal, o arquétipo ou Ideia de Platão (427 AC 328). Em Isis Sem Véu, Helena P. Blavatsky (1831-1891) afirma que “cada mortal possui uma contraparte imortal, o seu arquétipo no céu”. Céu aqui significa o céu das Ideias Divinas. Ela fala do ser humano mortal, enquanto que as formas perecíveis de Eliphas Levi incluiriam tanto os animais quanto as plantas. A forma perecível precisa ser considerada como uma aproximação, não importando a que distância, de sua contraparte imortal, e tendo sutis fios de conexão com ela. Blavatsky diz que está “indissoluvelmente unida àquele arquétipo”, no caso do homem “unido pelo princípio intelectual espiritual nele existente”. O princípio intelectual não e aquela mente que é influenciada por vários tipos de desejo e sensação, mas é uma extensão pura do Espírito, representando de fato o seu instrumento. Eliphas Levi parece querer dizer que para tudo que é imperfeito e portanto perecível, existe em algum lugar um tipo correspondente que é perfeito e imperecível. Esta forma perecível é uma tentativa da natureza de modelar o padrão daquele tipo imortal. Assim ele diz: “todos aqueles que viveram na Terra ali ainda vivem em novos exemplares de seus tipos”. Todos os tipos de animais certa vez passaram pela superfície da Terra, mas desde então desapareceram. As criaturas que agora vemos são os novos exemplares. Em diferentes períodos de tempo existem formas e diferentes estágios de evolução que exemplificam o mesmo tipo imortal. Não há sugestão de reencarnação aqui: a referência é a tipos. Pode se chamar as formas perecíveis aqui como sendo as sombras das formas perfeitas que estão em outro lugar. Em outras palavras, existe uma sucessão de formas em evolução, cada qual melhor do que a precedente e em algumas formas marcadamente diferentes, mas todas elas refletem em diferentes graus ou formas o mesmo padrão ou tipo ideal. Eliphas Levi, referindo-se às formas perecíveis, indica que conquanto possa haver morte neste lado, existe algo imortal correspondente à forma mortal no outro. A morte é a contraparte da imortalidade. Eiphas Levi também diz que “as almas que ultrapassaram o seu tipo recebem em outro lugar uma nova forma baseada em um tipo mais perfeito na medida em que ascendem na escada dos mundos”. Em outras palavras, existe o tipo e existem as aproximações ao tipo. Quando a vida inerente ou a alma desenvolveu-se além dos limites daquele tipo, ela recebe em outro lugar esta nova forma de que ele fala. Pode ser que ele tenha ideia de vida em outra esfera ou sistema. Se almas individuais alcançaram o cume que pode ser atingido sob determinadas condições, deslocam-se para um conjunto diferente de condições onde podem desenvolver-se ainda mais na direção de um tipo superior, porque a capacidade destas almas é ilimitada e infinita. Depois de referir-se a estes protótipos de todas as coisas existentes, ele fala da alma do homem e diz: “as nossas almas são como se fossem a música da qual os nossos corpos são os instrumentos, mas elas não podem fazer-se ouvir sem um intermediário material” – que é precisamente a ideia expressa por Platão ao abordar a natureza da alma. A música exerce efeitos diferentes sobre o homem e difere grandemente em qualidade. Pode tornar-se um mero jogo de ritmos, e pode facilmente transformar-se na mais irreal das fantasias. De fato existem composições musicais que são denominadas “fantasias”, isto é, a sua música é similar a um sonho. Na constituição humana este tipo de ação e experiência está relacionado com a psique, a alma semi material sutil, enquanto distinta da alma espiritual que constitui uma expressão do Espírito. Todo sonho é essencialmente uma projeção do eu psíquico. A alma espiritual, Buddhi, não sonha porque a verdadeira natureza do Espírito deve estar desperta no sentido de sempre perceber aquilo que está para ser percebido, aquilo que é. Quando aquela alma não estiver desperta e ativa, ela pode retirar-se em um estado de pralaya, que, em si, constitui um estado absoluto ou Samadhi, um termo hindu familiar, que é identificado com demasiada frequência e, erroneamente, com total inconsciência. O que o Espírito ou a alma espiritual percebe deve ser a verdade, porém a verdade está dentro de si mesma e é infinita. A alma espiritual é uma corporificação de quaisquer parcelas daquele verdade que foi capaz de atrair para dentro de si. A ação da psique, bem como da individualidade espiritual do homem, seus sonhos e realizações, pode ser representada em forma de música, mas é preciso fazer uma ampla distinção entre a música que exerce um apelo a partes da natureza psíquica, geralmente algo misto, e aquilo que representariam as intuições ou entendimentos da alma espiritual. A qualidade da música diferiria conforme o caso. A música pode induzir a diferentes humores e estados emocionais, e isso foi reconhecido e estudado na música indiana. Os antigos mestres da música gostavam de produzir música capaz de evocar uma atmosfera de amor, de serenidade, de tristeza, de ação enérgica e assim por diante. Lord Byron (1788-1824) escreveu um poema sobre Alexandre, O Grande, que ilustra os notáveis contrastes que a música pode produzir no humor. Existe verdade ou beleza de uma natureza impar em cada ser individual, mas ela está tão profundamente soterrada nele que é difícil percebê-la. Esta beleza ou verdade manifesta-se na alma espiritual e dela se reflete no caráter e na visão do homem. Helena P. Blavatsky, ao traduzir Buddhi como a alma espiritual, deu-lhe uma profundidade de significado que, muitas vezes, não se depreende no uso comum do termo. Buddhi aparentemente possui diversos significados, como podem dizer aqueles que observaram os diferentes contextos em que é usado no Bhagavad Gita. A sua natureza modela a psique em conformidade consigo, que é parte do processo segundo o qual toda a natureza do homem é posta em sintonia com o ser arquétipo. A psique torna-se, então, uma versão ampliada do espiritual, uma versão em um idioma diferente, com notas diferentes, talvez com mais sofisticação, com mais detalhes, ilustrando as qualidades espirituais, porém necessariamente com menos profundidade, menos alcance e penetração interiores, e menos dos indícios desconhecidos que sempre residem em cada partícula da natureza do Espírito. A natureza psíquica é transformada ou transfigurada, ao passo que a alma espiritual meramente se expande e é uma expansão daquilo que nela já está presente. O processo de levar a natureza psíquica à perfeita sintonia com a natureza espiritual pode ser considerado como um processo de remodelar ou reconfigurar, pintando novamente o quadro ou alterando um aspecto comum por variações, e tornando-a uma composição de inacreditável beleza. Essas são todas comparações que de formas diferentes exprimem a mesma verdade. Sempre quando formamos algum conceito da alma, é provável, ao menos em alguns sentidos, que ele seja falho ou imperfeito. A sua natureza pode apenas ser sugerida por símiles. Não pode ser transmitida a uma pessoa que não possui a apreensão necessária para compreendê-la. A afirmação de Eliphas Levi de que “a alma é como se fosse música”, que, sem um corpo ou corpos, não pode ser exteriorizada e expressa, abre muitos vislumbres de pensamento, como o fazem muitas outras afirmações em seu artigo. Livro Em Busca da Sabedoria. Abraço. Davi

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