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Texto do Rabi Menachen Mendel, Likutei Sichot, Mishpatim (volume 31,17). OS
QUATRO GUARDIÃES: UM ESTUDO TALMÚDICO. Na porção de Mishpatim, no Livro de
Shemot (Êxodo), a Torá apresenta as leis dos Quatro Shomrim – os Quatro
Guardiães. O Shomer é aquele que é responsável por guardar a propriedade de
outro. A Torá menciona sucintamente as leis dos Quatro Guardiães, ao passo que
um dos Tratados do Talmud Bavli, Bava Metzia, discute e
elucida: “São quatro os guardiães: o não remunerado, o mutuário, o remunerado e
o locatário. O guardião não remunerado jura (sua inocência) e é completamente
isento, desobrigado. O mutuário paga integralmente. O guardião remunerado e o
locatário juram e ficam isentos de culpa pelo animal que quebrou a perna ou
morreu, mas eles pagam se o animal for perdido ou roubado” (Mishná, Bava
Metzia 93a).
Neste artigo, explicaremos as leis básicas dos Quatro Guardiães. Nosso
propósito é introduzir nossos leitores ao estudo do Talmud. Após discutirmos as
leis dos Quatro Guardiães, exploraremos sua dimensão mística. SHOEL, O MUTUÁRIO
OU TOMADOR. No grupo dos quatro guardiães, o Shoel, o mutuário,
assume o nível mais alto de responsabilidade pela propriedade de terceiros a
seu cargo. Isso é compreensível: o mutuário recebe algo que pertence a um
terceiro, em seu próprio benefício, sem pagar ou retribuir por isso. A Torá
espera que ele devolva o que tomou emprestado – um objeto (ou animal) – intacto
e sem danos. Se, enquanto estiver sob sua guarda, a propriedade tomada por
empréstimo for danificada, perdida ou arruinada, o tomador deve substituí-la ou
compensar pelo seu valor. Não importa a forma pela qual a propriedade foi
danificada ou perdida. Também é irrelevante se estava ao alcance do tomador
evitar essa perda ou dano. Ainda que o dano ou perda tenha sido causado por um
raio ou terremoto, cabe ao tomador reembolsar ao proprietário pela perda. Exemplificando:
Suponhamos que um homem de nome Shimon peça emprestado a seu vizinho Reuven o
carro deste último por uma semana. O vizinho concorda com o pedido. Shimon toma
o carro emprestado, mas não paga nada a Reuven pelo empréstimo. Se o carro for
danificado, roubado, perdido ou destruído enquanto estiver sob a guarda de
Shimon, este deverá reembolsar Reuven integralmente pela perda. Como Shimon é o
tomador, ele tem que pagar por qualquer infortúnio com o carro, mesmo se ele
for isento de culpa no ocorrido. (Em certas circunstâncias, a Torá isenta o
tomador de responsabilidade. Estas leis, no entanto, estão fora do escopo deste
trabalho). SOCHER, O LOCATÁRIO. O locatário é semelhante ao tomador, com
uma diferença óbvia e significativa: ele paga pelo uso da propriedade de
outrem. Suponhamos que Shimon tenha pedido emprestado o carro de Reuven, com a
condição de pagar uma taxa de aluguel. O que ocorre se o carro for danificado
ou destruído enquanto estiver sob a responsabilidade de Shimon? Como ele alugou
o carro – pagando por seu uso –, a situação não é idêntica à descrita acima, em
que o empréstimo tinha sido gratuito. Neste caso, Shimon é um locatário, não um
tomador. No Talmud, dois de seus maiores Sábios – Rabi Yehudá (135-217) e Rabi
Meir (o Ba’al Haness) – discordam sobre o grau de responsabilidade
do Socher, o locatário. De acordo com Rabi Yehudá, a Torá iguala o
locatário com o guardião não remunerado (cujas leis de responsabilidade veremos
abaixo): o locatário é responsável apenas se tiver agido com negligência. Rabi
Meir discorda. Em sua opinião, o grau de responsabilidade do locatário é o
mesmo que o do guardião remunerado, que, como veremos adiante, é responsável
pelo que o Talmud considera “danos evitáveis” – roubo e perda. O veredicto –
a Halachá – segue a opinião de Rabi Meir. SHOMER SACHAR, O
GUARDIÃO REMUNERADO. Na opinião de Rabi Meir, o grau de responsabilidade do
locatário é o mesmo que o do guardião remunerado. Quem é o guardião remunerado?
Ao contrário do locatário, ele não paga pelo uso da propriedade de terceiro mas
sim, recebe pagamento por cuidar da propriedade. Nos dois cenários acima
descritos, Shimon queria tomar emprestado o carro de Reuven. Se ele tomar
emprestado o carro sem pagar por isso, ele é um tomador; se ele pagar pelo
empréstimo, ele é um locatário. Consideremos, agora, uma situação diferente: Shimon
não tem interesse no carro de Reuven – ele não quer pedi-lo emprestado nem alugar.
É Reuven que pede que Shimono guarde. Talvez ele esteja saindo de férias e quer
que alguém cuide de seu carro enquanto ele estiver fora. Se Shimon concordar em
tomar conta do carro de Reuven, mas cobrar para fazê-lo, ele é um guardião remunerado.
A Lei da Torá reza que um guardião remunerado assume uma medida significativa
de responsabilidade pela propriedade a seu cargo. Afinal, ele está sendo pago
para cuidar da propriedade de terceiros. A Torá considera o guardião remunerado
responsável pelo que considera “danos evitáveis”, como roubo e perda. Contudo,
a Torá não o mantém responsável pelo que considera “danos não evitáveis” –
roubo à mão armada e eventos que estão fora de seu controle, como os desastres
naturais. Dissemos acima que o grau de responsabilidade de um locatário é o
mesmo que o do guardião remunerado. Isso significa que este último é
responsável, também, pelos danos evitáveis; no entanto, não é responsável por
danos não evitáveis. Uma vez compreendida a lei do guardião remunerado, podemos
agora voltar para o caso do locatário. Se Shimon aluga o carro de Reuven, e o
carro é roubado ou perdido, Shimon deve reembolsar totalmente Reuven pela
perda. Mas, se bandidos armados roubarem o carro ou este for destruído ou
danificado por um desastre natural, Shimon não terá que reembolsar Reuven pela
perda de seu carro. SHOMER CHINAM, O GUARDIÃO NÃO REMUNERADO. O guardião
não remunerado cuida da propriedade de terceiros como um favor e não recebe
pagamento ou recompensa por fazê-lo. Suponhamos que Shimon concorde em tomar
conta do carro de Reuven, mas se recuse a aceitar pagamento. Ele está fazendo
um favor a Reuven. Ele ajuda os demais e não crê que devamos praticar atos de bondade
esperando algo em troca. O que ocorre se o carro de Reuven for danificado ou
destruído enquanto estiver sob a guarda de Shimon? Pela lei da Torá, como
Shimon é um guardião não remunerado – ele está cuidando da propriedade de
terceiros como um favor, sem receber pagamento ou recompensa por isso –, é
mínima a sua responsabilidade em caso de infortúnio. O Talmud ensina que
contanto que ele tenha dado uma atenção razoável ao objeto sob sua guarda, ele
afirma, sob juramento, não ter sido negligente e é absolvido de qualquer
responsabilidade pelo infortúnio. Na qualidade de guardião não remunerado,
Shimon não tem que reembolsar Reuven, proprietário do carro, por perda ou
roubo; mas a Torá o declara responsável pelos danos no caso de ter sido
negligente ou descuidado. Afinal, ele concordou em tomar conta do carro de
Reuven – algo que poderia ter-se recusado a fazer. Por exemplo, Shimon não pode
estacionar o carro de Reuven num local perigoso, sem travar as portas, deixando
a chave no motor. Se agir com negligência e, por esse motivo, a propriedade sob
sua guarda for danificada, perdida ou roubada, terá de recompensar o
proprietário por perdas e danos. OS QUATRO GUARDIÃES DO MUNDO. Um dos
princípios fundamentais do Judaísmo é que cada versículo e palavra da Torá
contém infinitas camadas de significados. O mesmo é válido para o Talmud. Não
se trata apenas de uma enciclopédia sagrada de leis, discussões, análises e
relatos. Cada uma de suas passagens e ensinamentos contém ensinamentos
profundos e esotéricos. As leis relativas aos Quatro Guardiães são relevantes e
atemporais, mas como veremos, também possuem uma dimensão mística. O Shelah
HaKadosh (1565-1630), Rabi Yeshaya HaLevi Horowitz (1555-1630), autor
do clássico Shnei Luchot HaBrit, escreve que “Assim como existem os
quatro guardiães entre o homem e seu semelhante, eles também existem entre o
homem e D’us, Bendito é Ele”. Vejamos, agora, como as leis dos Quatro
Guardiães se aplicam ao nosso relacionamento com D’us. O TOMADOR. Muitas
pessoas estão interessadas em tomar e receber, mas não em dar. Para elas, o
mundo gira em torno delas próprias – seus prazeres, seus desejos e suas
conveniências. Seu propósito na vida é desfrutar do mundo ao máximo sem ter que
pagar por isso. O profeta Isaías assim descreve a filosofia de vida de tais
pessoas: “(...). Eis que há alegria e regozijo, e são abatidos gado e ovelhas,
carne é consumida e vinho é bebido, enquanto dizem; ‘Comei e bebei, porque
amanhã morreremos’! ” (Isaías 22,13). A maioria daqueles que apenas se
preocupam consigo próprios não se sentem agradecidos a D’us pelo que recebem,
pois do contrário teriam menos liberdade de fazer o que quisessem, quando
quisessem. As pessoas cujo único interesse na vida é aquilo que os beneficia e
dá prazer, desfrutam deste mundo de D’us e de sua fartura, mas negam sua
existência ou o ignoram. Mesmo se reconhecem que este mundo a D’us pertence,
elas não têm interesse em relacionar-se com Ele. “A vida é minha”, dizem a
D’us, “e farei com ela o que bem entender”. Vivem como um dos Quatro Guardiães,
o tomador: sótomam – de D’us e de Seu Mundo –, mas não pagam nem retribuem de
alguma maneira. Segundo as leis dos Quatro Guardiães, como D’us Se relaciona
com tais pessoas? Vejamos as leis referentes ao grau de responsabilidade do
tomador: ele é totalmente responsável pelos danos e perdas, mesmo se não tiver
culpa pelo ocorrido. Praticamente, isso significa que como o “tomador” tomou a
seu encargo a sua vida e se fechou completamente a D’us, ele assume total
responsabilidade por tudo o que lhe acontecer. Se ele tiver perdas ou danos em
sua vida, ele terá que assumir a responsabilidade pelos mesmos. Se um trovão,
um furacão ou um terremoto o atingir – literal ou figurativamente –, é problema
e responsabilidade totalmente seu, e o único culpado é ele mesmo. D’us dá livre
arbítrio a todos nós, mas cada um de nós tem que aprender a viver com as suas
escolhas. Se escolhermos ser o tomador – tomando e recebendo, sem dar nada em
troca –, os Céus nos tratarão de acordo a isso. Como o tomador escolhe ser dono
exclusivo de seu destino, quando os problemas baterem à sua porta, ele não terá
ninguém a quem recorrer, mas a si próprio. Como ele optou pela total
independência – como ele não crê em nenhuma forma de reciprocidade –, ele será
totalmente responsável por danos e perdas, mesmo se estes surgirem do nada e ocorrerem
por culpa de terceiros. Ele não terá ninguém com quem compartilhar a perda. Ele
expulsou D’us de sua vida quando tudo lhe sorria. Quando as coisas desandarem,
ele terá que arcar sozinho com tudo. A geração que pereceu no dilúvio de Noé
personifica o tomador. A Torá nos relata que à exceção de Noé, toda aquela
geração era egoísta e corrupta; envolvia-se em roubo e violência, e praticava
atos imorais. Não tinham respeito algum por D’us, por seu mundo nem pelos
outros seres humanos. Para eles, a vida era para divertir-se e não pensavam
duas vezes antes de usar de desonestidade, violência ou imoralidade para obter
o que desejavam. Sabemos bem como termina a história. Veio o dilúvio e matou
todos. Como aquela geração tinha afastado D’us de sua vida, pereceram todos e
eles eram os únicos culpados. Mais ninguém. Eram todos tomadores, e, como
ensina o Talmud, um tomador é responsável por todos os danos e perdas – mesmo
se estes forem consequência de desastres naturais – como foi o Dilúvio. O LOCATÁRIO.
Contrariamente ao tomador, o locatário está disposto a pagar o preço pelo uso
da propriedade de um terceiro. Quando se trata do relacionamento entre o homem
e o Todo Poderoso, o locatário é aquele que, como o tomador, quer desfrutar do
mundo Divino, mas, contrariamente a ele, o locatário percebe que terá que pagar
o seu preço. O dilema enfrentado pelo locatário é saber o preço que terá que
pagar para desfrutar deste mundo de D’us. Algumas pessoas querem pagar um
pouco, mas não muito. Talvez o preço que queiram pagar é jejuar em Yom
Kipur. Outros acreditam que D’us espera um pouco mais. Para estes, o preço
a pagar talvez inclua ir à sinagoga algumas vezes por ano, ouvir o Shofar em Rosh
Hashaná e participar em um Seder de Pessach. Outros,
ainda, acreditam que D’us espera ainda mais, mas talvez seja suficiente eles
irem à sinagoga em todas as festas e nas sextas-feiras à noite para
cantar Lechá Dodi junto com a congregação. Como o tomador, a
preocupação de vida do locatário é seu bem-estar. Ele está no centro de seu universo
pessoal. Ele cumpre os mandamentos Divinos com o mesmo sentimento com que as
pessoas pagam seus impostos – ele os vê como um mal inevitável que ele preferia
não ter que cumprir. Na Torá, Noé simboliza o locatário. Comparado a seus
contemporâneos que personificam o tomador, Noé era um homem justo, íntegro.
Contudo, a bem da verdade, ele não se importava muito com o mundo de D’us.
Quando o Todo Poderoso lhe ordena construir uma arca, ele o faz para salvar a
si e aos seus – e não se empenha em salvar os outros. Quando D’us lhe ordena
cuidar dos animais na Arca, ele o faz porque percebe que essa tarefa difícil
era o preço que ele teria que pagar por viver e desfrutar do mundo de D’us. Em
outras palavras, a construção da Arca e o cuidado dos animais é o aluguel que
ele deveria pagar ao Proprietário. Noé não é tomador, mas ele é meramente um
locatário. Ele não se importa se D’us destruir o Seu mundo e todos os seus
contemporâneos morrerem, desde que ele e sua família estejam a salvo. Seu
relacionamento com D’us é quase “comercial”: O Senhor me deixa viver no Seu
mundo e eu cumprirei Suas ordens. Qual a lei do locatário? Ele é responsável
pelos “danos evitáveis” – roubo e perda. Éisento de responsabilidade apenas
pelos“danos inevitáveis” – eventos que estão além de seu controle, como os
desastres naturais. Como Noé era um locatário, não um tomador, no tocante a
D’us, ele não pereceu em um desastre natural – o Dilúvio. No entanto, como ele
é nada mais do que um locatário, quando ele emerge da Arca e vê um mundo em
escombros, D’us não ouve seu grito nem sua reclamação sobre toda a morte e
destruição que ele testemunha. Afinal, Noé é um locatário, e como tal, é
responsável pelos danos evitáveis. A Torá chama o Dilúvio de “as Águas de Noé”,
porque ele partilha da responsabilidade por uma perda que ele poderia ter
evitado. Talvez ele pudesse ter influenciado a sua geração a se arrepender. Se
ele tivesse cuidado um pouco mais do mundo de D’us, talvez tivesse conseguido
evitar a destruição da humanidade. O GUARDIÃO REMUNERADO. A Lei Judaica,
como ensina Rabi Meir no Talmud, determina que a responsabilidade do guardião
remunerado é idêntica à do locatário. No relacionamento pessoal com D’us, a
diferença entre o locatário e o guardião remunerado é que o primeiro quer
desfrutar deste mundo de D’us, mas aceita pagar por isso, ao passo que o
guardião remunerado aceita ajudar a tomar conta do mundo, mas exige que D’us
lhe pague por seus serviços. A lei da responsabilidade é a mesma para o
locatário e para o guardião remunerado porque, em ambos os casos, há um tipo de
relacionamento comercial forjado entre eles e D’us. O locatário tem que
calcular o preço que deve pagar a D’us pelo privilégio de desfrutar de Seu
mundo, ao passo que o guardião remunerado tenta avaliar o escopo de suas
obrigações, bem como quanto ele espera que D’us lhe pague pelos serviços que
prestará. Alguns esperam que D’us lhes recompense neste mundo, enquanto outros
no Mundo Vindouro, e outros, ainda, em ambos os mundos. Alguns guardiães pagos
até se dispõem a cumprir todos os mandamentos Divinos, mas eles cobrarão d’Ele
um altíssimo preço para fazê-lo. Se D’us irá concordar com um acordo desses ou
não, é outra história (...). Recordemos a lei do guardião remunerado. O Talmud
ensina que, como o locatário, ele também é responsável por danos evitáveis –
roubo e perda. Ele só está isento de responsabilidade por danos inevitáveis.
Isso significa que alguém que assume o papel de guardião remunerado é
responsável por transgressões evitáveis – pecados de comissão (roubo) e pecados
de omissão (perda). Como o ser humano que personifica o guardião remunerado tem
um relacionamento tipo “olho por olho, dente por dente” com D’us, a Corte
Celestial tem o direito de constantemente escrutinizá-lo e responsabilizá-lo
por todos os danos evitáveis. Se violar o “contrato” de alguma maneira, ele
terá que pagar multa ou penalidade pela quebra de contrato. Um exemplo de um
guardião remunerado foi o primeiro ser humano, Adão. Conta-nos a Torá: “E o
Eterno, D’us, tomou o homem e o pôs no Jardim do Éden para o cultivar e o
guardar” (Gênese 2,15). Adão foi o paradigma do guardião remunerado: ele tinha
que trabalhar no Jardim do Éden e cuidá-lo, e como pagamento por seus serviços,
ele podia aproveitar de tudo o que o Jardim tinha para oferecer – à exceção do
fruto da Árvore Proibida. Infelizmente, Adão e Eva não foram guardiães
remunerados confiáveis – eles não cumpriram a sua parte no acordo porque a
Serpente lhes prometeu um pagamento ainda melhor do que o oferecido por D’us. A
Serpente – personificação do Yetzer haRá, Inclinação para o Mal,
mestre das mentiras e da enganação – não cumpriu sua promessa. Como Adão e Eva
eram guardiães remunerados, eles eram responsáveis por perda e roubo, ou seja,
tomaram e consumiram o fruto proibido, proscrito por D’us (roubo), e foram
enganados (perda) pela Serpente. Ambos os danos evitáveis. Poderiam ter
ignorado a Serpente e sua oferta tentadora. Poderiam ter optado pornãocomer o
fruto proibido. Consequentemente, como guardiães remunerados, foram
responsáveis pela quebra do contrato. E D’us os expulsou do Jardim do Éden. O
GUARDIÃO NÃO REMUNERADO. O Guardião não remunerado é singular.
Contrariamente aos outros três guardiães, ele não está interessado em receber,
mas apenas em dar. Em seu relacionamento com D’us, ele não pensa em si próprio,
mas apenas em cumprir a Vontade de seu Mestre, e o faz sem esperar qualquer
recompensa, material ou espiritual, que seja. Maimônides (1135-1204) descreve
tais seres humanos: “Aquele que serve a D’us por puro amor altruísta – ele
estuda a Torá e cumpre as Mitzvot e anda nos caminhos da
sabedoria — não por temer o mal (castigo), e não para herdar o bem (recompensa).
Mas ele age de acordo com a verdade apenas por ser a verdade. No fim, o bem
virá ao seu encontro. Essa virtude é enorme e grandiosa, e nem todos os sábios
a merecem, e esse é o nível alcançado por Avraham, nosso Patriarca, a quem D’us
chamou de ‘Aquele que Me ama’, porque ele serviu a D’us unicamente por amor”
(Leis do Arrependimento, 102). Tais pessoas são raras, mas existem. Elas fazem
o que é certo, bom e virtuoso simples e exclusivamente por ser a maneira
correta de se viver. Como ensina Maimônides, nosso patriarca Avraham, o
primeiro judeu, é o paradigma do guardião não remunerado. Ele servia a D’us por
amor, e estava disposto a fazer o que o Altíssimo dele exigisse,
independentemente de quão difícil ou tortuoso. Avraham dedicou sua vida a
executar a Vontade Divina. Consequentemente, desfrutou de um nível extremamente
elevado de Graça Divina. Recordemo-nos da lei do guardião não remunerado: ele é
isento de qualquer responsabilidade, exceto em caso de negligência. Como ele
não espera pagamento ou recompensa por seu serviço a D’us, os Céus o tratam com
grande compaixão, pois a Corte Celestial percebe que quaisquer erros que ele
possa cometer são totalmente não intencionais. Transgressões e pecados não são
parte de sua realidade. Ele pode até cometer erros – que podem ser perdas e
danos não intencionais –, mas recebe perdão pelos mesmos, porque ele trabalha
incessantemente em favor de D’us sem esperar nada em troca. No entanto, a Torá
determina que o guardião não remunerado é responsável em caso de negligência.
Isso significa que mesmo esse guardião não pode agir irresponsavelmente. O
Talmud nos ensina que “não dependemos de milagres”. Ser um guardião não
remunerado – e, portanto, desfrutar do cuidado e graça Divinas – não significa
que a pessoa pode pular pela janela e esperar que a Divina Providência a salve.
Mesmo os guardiães não remunerados não podem negligenciar sua saúde, seu
trabalho e seu sustento, nem sua segurança pessoal. Se agir com negligência e
irresponsabilidade, ele será responsável por danos e destruição, como determina
a lei do guardião não remunerado. Mesmo um ser humano realmente justo e
íntegro, que serve a D’us por amor e vive para cumprir Sua Vontade, deve viver
com cuidado e responsabilidade. OS QUATRO GUARDIÃES E O LIVRE ARBÍTRIO. Um dos princípios fundamentais da Torá é que
D’us atribui o livre arbítrio aos seres humanos. Todos podem escolher como
viver e como se relacionar com D’us e com o Seu mundo. Podemos optar por ser
tomadores, locatários, guardiães remunerados ou guardiães não remunerados, e a
Divina Providência retribuirá conforme nossas opções. Contudo, ter livre arbítrio
também significa que temos o poder de transitar de uma categoria a outra de
guardiães. Mesmo aquele que é um tomador pode dar uma meia-volta de 180 graus
em sua vida e se tornar um guardião não remunerado. Os três Patriarcas –
Avraham (Abrahão), Itzhak (Isaque) e Yaacov (Jacó) – foram paradigmas do
guardião não remunerado. A Cabalá se refere a eles como as “rodas da Carruagem
Divina”. Assim como as rodas de uma carruagem não possuem vontade própria, e
apenas seguem as ordens de seu condutor, também os três Patriarcas viveram apenas
para cumprir as determinações do Condutor do Universo e cumprir Sua Vontade.
Amavam a D’us e O serviam com todo o seu coração e com toda a sua alma. Como
todos nós, judeus, somos não apenas os descendentes, mas também a
personificação de nossos três Patriarcas, cada um de nós tem o potencial de ser
um guardião não remunerado. Trata-se do caminho mais nobre que um ser humano
pode percorrer em sua vida: servir a D’us por amor e buscar a verdade apenas
por ser verdadeira, e a virtude, apenas pela virtude. www.morasha.com.br. Abraço. Davi
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