Hare Krishna. Texto de
Satyaraja Dasa. DEUS E SUAS QUASE MORTES. Esqueça Nietzsche: ele é quase
inocente. Foram protestos no século XX que realmente tentaram “matar”
Deus. Embora Friedrich Nietzsche
(1844-1900) não tenha sido o primeiro filósofo a declarar que “Deus está morto”
– com efeito, seu predecessor Georg Wilhelm F. Hegel (1770-1831) usou os mesmos
dizeres quase vinte anos antes dele – foi Nietzsche que popularizou a ideia.
Em Die
frohliche Wissenschaft - geralmente traduzido como A Gaia Ciência -
publicado em 1882, Nietzsche coloca essas palavras na boca de um personagem
fictício, conhecido simplesmente como “o louco”. Depois de entrar em uma praça
mercantil movimentada, o personagem pergunta: “Onde está Deus?” Reagindo à
audácia dele, muitas das pessoas ali se agrupam e começam a ridicularizá-lo,
instigando-o a responder seu próprio questionamento, o que ele faz: Deus está
morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos
consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais
sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem
nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de
desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato
não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses,
para parecermos apenas dignos dele? Assim, a declaração de Nietzsche não foi
uma negação de Deus, mas uma proclamação de que o mundo moderno - para ele, a
Alemanha do século XIX - havia se afastado do Deus tradicional do cristianismo
e do senso de moralidade oriundo da Bíblia. Quando Nietzsche escreveu “Deus
está morto”, ele se referia à situação da modernidade, indicando que as pessoas
desse tempo haviam saído da sociedade europeia de então, junto de suas leis,
costumes e instituições religiosas. Mas e agora? Através da boca de um louco,
Nietzsche questiona o que devemos fazer agora que a sociedade tirou Deus – ao
menos como Ele era entendido anteriormente – da equação. Nietzsche não quer
dizer que Deus experimentou uma morte física - visto que Deus não é um ser
físico. Em vez disso, ele levanta a hipótese de que, caso a sociedade cristã
comece a duvidar da existência de um ser espiritual, a estrutura moral de tal
sociedade se desintegrará. Nietzsche não está, pessoalmente, tentando matar
Deus; a sociedade já fizera isso. Ele está tentando postular um caminho para a
humanidade se reconstruir no vácuo deixado pela destruição da moralidade
cristã. “DEUS
ESTÁ MORTO” REPRISADO. Depois da época de
Nietzsche, a noção de “Deus está morto” morreu – até a década de 1960, quando
reencarnou através de um grupo informal de teólogos protestantes, incluindo
Thomas Altizer (1927- ), Gabriel
Vahanian (1927-2012), Paul van Buren (1924-1998), William Hamilton (1805-1865)
e outros. Eles expressaram a necessidade de tornar Deus mais relevante no mundo
moderno. Preferindo a concepção de divino de Paul Tillich (1886-1985) como “o
fundamento do ser” - em oposição a uma deidade pessoal -, e dando ouvidos à
insistência de (1) Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) de que os cristãos estavam
em seu momento de maior glória. Esses teólogos queriam recriar a religião desde
a base, começando com a “morte de Deus” como o conhecemos. O empenho deles foi
de tentar acomodar na religião a secularização e um mundo mais apaixonado pela
ciência do que por espiritualidade. Para esse fim, fizeram um uso prodigioso
dos dizeres de Nietzsche. A posição modernista deles reuniu considerável
popularidade no Ocidente, atingindo seu ponto alto quando a capa da revista
Time de 8 de abril de 1966 estampou a matéria “Deus Está Morto?”. O artigo
discutia as possíveis razões para o crescente ateísmo nos Estados Unidos e as
obras dos teólogos do “Deus está morto”. Poucos meses antes, em 9 de janeiro de
1966, o jornal The New York Times publicara uma matéria similar, também
centrada na nova teologia protestante. Nietzsche teria ficado orgulhoso. Mas
nem todos compraram a ideia, nem na época, nem agora. Por exemplo, teólogos
como Karl Barth (1856-1968) e John Warwick Montgomery (1931- ) contra
argumentaram a teologia de “Deus está morto” com considerável sucesso. Mais
atualmente, o artigo de Michael Shermer (1954- ) intitulado “Por que Nietzsche
e a Revista Time Estavam Errados” feriu tanto a predição de Nietzsche de uma
crescente secularização quanto a posição filosófica dos teólogos do “Deus está
morto”. Como evidência, ele cita o fato de que um número continuamente
crescente de pessoas no Ocidente ainda são religiosas ou espiritualistas,
apesar da ênfase em ciência. Além disso, Shermer aponta, estatísticas indicam
que poucas pessoas sentiram a necessidade de mudar suas crenças para um Deus
despersonalizado ou para formas não tradicionais de religião. RESSUSCITANDO DEUS. Na
primavera de 1966 – quando a Time e outros periódicos faziam ampla cobertura da
temática “Deus está morto” –, Srila Prabhupada (1896-1977) estava iniciando seu
movimento na cidade de Nova Iorque. Julgando pela frequência com que ele usava
os dizeres “Deus está morto”, ele estava ciente das notícias relevantes de
então. Seu primeiro uso documentado da expressão, de fato, aconteceu em abril
de 1966, precisamente quando as publicações nacionais traziam pela primeira vez
ao conhecimento do público essa nova tendência na teologia cristã. Desde então,
a máxima aparecia consistentemente em seus discursos públicos. “Quando fui pela
primeira vez aos Estados Unidos”, ele disse, “eles estavam popularizando a
teoria de que ‘Deus está morto’. Mas eles voltaram a aceitar e disseram: ‘Deus
não está morto, senão que Ele está aqui, com o Swamiji. Parece que Prabhupada
também estava ciente da dimensão protestante, ou ao menos que a ideia havia
penetrado na tradição cristã: “No momento atual, em muitas igrejas cristãs,
está sendo ensinada essa filosofia de que Deus está morto. Porém, no que diz respeito
a nós, não nos é possível aceitar essa filosofia de que Deus está morto. Ao
contrário, pregamos que Deus não apenas não está morto, mas pode ser finalmente
abordado face a face. E o método é muito simples: cantar o santo nome de Deus”.
O guru de Prabhupada, Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Thakura,
(1874-1937) se referiu brevemente ao tema de “Deus está morto” em sua
introdução à Brahma-samhita, escrita na década de
1930. Uma vez que isso antecede o artigo da revista Time em algumas décadas,
ele provavelmente estava fazendo referência a Nietzsche, mas o uso por parte de
Prabhupada parece sugerir sua ciência da manifestação mais contemporânea do
assunto. No tocante aos livros de Prabhupada, a expressão “Deus está morto”
aparece nas obras Bhagavad-gita Como Ele É, Srimad-Bhagavatam, Além da Ilusão e da Dúvida, Mukunda Mala Stotra, Elevação à Consciência de Krishna,
Uma Segunda Chance e muitos outros. Aparece com ainda maior frequência em
livros que são compilações de discursos e conversas dele, como A Ciência da Auto
realização e Em Busca do Verdadeiro Eu, o que indica que ele
considerou o tópico relevante e útil para palestras ao público. Uma
pesquisa online revela que ele se valeu dos dizeres mais de cem vezes em
diálogos, palestras e cartas. POR QUE PRABHUPADA ESTAVA TÃO
INTERESSADO? A máxima “Deus está morto” resume muito do que Prabhupada veio
retificar no mundo ocidental. Por exemplo, consideremos a última frase
proferida pelo personagem louco da obra de Nietzsche: “Não teremos de nos
tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele?” Prabhupada
iguala a noção de “Deus está morto” com a tentativa de usurpar a posição de
Deus. Afinal, por que mataríamos o Supremo se não quiséssemos, ao menos em um
nível subliminar, substituí-lo? Prabhupada diz: “Então, essas teorias ateístas
de que ‘todos são Deus’, ‘eu sou Deus’, ‘Deus está morto’, ‘não existe um
Deus’, ‘Deus não é uma pessoa’ – estamos lutando contra esses princípios. Nós
dizemos: ‘Deus é KRISHNA. A Suprema Personalidade de Deus é KRISHNA. Ele é uma
pessoa, e Ele não está morto’. Essa é a nossa pregação. Portanto, há embate”.
Implícito em “Deus está morto”, está isto: “Se Deus está morto, posso agir como
eu bem entenda. Não devo respostas pelos meus atos a ninguém. Com efeito, eu
sou Deus.” Nas palavras de Prabhupada: Há um ótimo provérbio bengali: sakuni svape garu more na. Sakuni significa
abutre. Um abutre almejava ter a carcaça de algum animal, especialmente uma
vaca. Então, porque por muitos dias não conseguiu obter isso, está amaldiçoando
uma vaca qualquer. “Morra!” Por que ele está amaldiçoando, isso quer dizer que
a vaca morrerá? De igual modo, esses abutres, sakuni, querem que Deus morra. Eles, ao menos, sentem
prazer com isso. “Ah! Agora Deus está morto. Eu posso fazer qualquer bobagem
que eu queira.” Isso está acontecendo. Sakuni está
amaldiçoando. O abutre está amaldiçoando a vaca. Muitos dos teólogos do “Deus
está morto” basearam sua obra no proeminente filósofo protestante do século XX
Paul Tillich, que se referia a Deus como o “fundamento do ser”, em oposição a
uma Pessoa Suprema, ou como “o Deus que está acima do Deus do teísmo.” Assim,
ele perpetuou a doutrina mayavada de
um Absoluto impessoal, mas em termos ocidentais. Com efeito, a palavra BRAHMAN,
o termo sânscrito para o Supremo impessoal, é frequentemente traduzida como o
“fundamento do ser”, a expressão popularizada por Tillich. Prabhupada veio para
o Ocidente a fim de mostrar as limitações dessa concepção imperssonalista. Para
Deus ser completo, Prabhupada ensina, Ele tem que ter tanto os atributos
impessoais quanto pessoais. Muitos dos teólogos do “Deus está morto” basearam
sua obra no proeminente filósofo protestante do século 20 Paul Tillich, que se
referia a Deus como o “fundamento do ser”, em oposição a uma Pessoa Suprema, ou
como “o Deus que está acima do Deus do teísmo.” Assim, ele perpetuou a doutrina mayavada de um
Absoluto impessoal, mas em termos ocidentais. Com efeito, a palavra BRAHMAN, o
termo sânscrito para o Supremo impessoal, é frequentemente traduzida como o
“fundamento do ser”, a expressão popularizada por Tillich. Prabhupada veio para
o Ocidente a fim de mostrar as limitações dessa concepção impersonalista. Para
Deus ser completo, Prabhupada ensina, Ele tem que ter tanto os atributos
impessoais quanto pessoais. Prabhupada via a filosofia do “Deus está morto”
como mera falta de inteligência, ou, pelo menos, falta do tipo de inteligência
que permite a pessoa distinguir entre matéria e espírito. Deus não está morto;
a sua inteligência está morta. Você tem um corpo morto, e se orgulha disso. O
corpo é como um carro. O carro é algo morto, e, se não houver motorista, ele
não funciona. Similarmente, o corpo é algo morto, e, tão logo você, a alma,
deixa o corpo, ele para de funcionar. Isso significa que você está ocupando um
corpo morto. Ele está funcionando apenas enquanto você está ali, mas, na
verdade, o corpo é morto. E você está decorando um corpo morto. Todas as suas
aquisições são simplesmente decorações em um corpo morto. Apranasyaiva dehasya
mandanam loka-ranjanam. Algum sujeito baixo talvez aplauda: “Ah!
Você é muito inteligente! Você está decorando seu corpo muito bem.” Contudo, um
homem inteligente dirá: “Como ele é tolo! Ele está decorando um cadáver.” NO MÍNIMO, UMA
CONCEPÇÃO IMPRECISA. Na Bhagavad-gita (2,27),
KRISHNA declara: “Para aquele que nasce, a morte é certa.” Consequentemente, a
morte de Deus é necessariamente algo impreciso, no mínimo, visto que Ele nunca
nasce. Ele mesmo diz mais adiante na Bhagavad-gita (7,25):
“Eu jamais Me manifesto aos tolos e destituídos de inteligência. Para eles,
estou encoberto por Minha potência interna, em virtude do que eles não sabem
que sou não nascido e infalível.” É claro, proponentes da doutrina do “Deus
está morto” não dizem literalmente que Deus sofre uma morte convencional.
Contudo, a concepção deles tem muitas outras falhas, como Prabhupada demonstrou
nos exemplos citados acima. Hari Sauri Dasa, que serviu como secretário de
Prabhupada e viajou com ele amplamente nos anos de 1975 e 1976, documentou como
Prabhupada falou sobre o “Deus está morto” enquanto em sua presença: Na aula,
Srila Prabhupada continuou a pregar com base nos pontos levantados durante a
caminhada, especialmente a ideia do “Deus está morto”. Mais uma vez, o bom
senso lógico de Srila Prabhupada revelou o pensamento tacanho e limitado dos
pensadores ateístas. “Esta é a nossa opinião […]: Deus não está morto… O que é
a morte? Você tem que mudar de corpo. Pode ser que obtenha um corpo de um nível
superior ou inferior, mas você tem que mudar seu corpo. Existem 8.400.000
espécies de vida, formas de vida. Você tem que aceitar alguma delas. Esse é o
nosso verdadeiro problema. Se esquecermos do verdadeiro problema e dissermos
cega ou tolamente que Deus está morto… Deus pode estar morto, a lei de Deus não
está morta. Suponha que um rei morra. Isso significa que o governo morre?
Significa? O governo continuará. Você pode dizer que Deus está morto – Deus não
está morto, tampouco você está morto –, mas você dizer tolamente que Deus está
morto não significa que a lei dele esteja morta. A lei continua. O rei pode
estar morto. O próximo, o filho dele ou outra pessoa se tornará rei, e a lei do
governo irá adiante. Então, qual é a utilidade de dizer uma tolice como “Deus
está morto”? Prabhupada declarou que todos que proclamam tal filosofia estão de
fato mortos, porque se identificam com o corpo físico grosseiro, que é sempre
morto. Trata-se simplesmente de uma máquina e se move apenas devido à presença
da alma. Assim como KRISHNA censurou Arjuna no começo da Bhagavad-gita,
dizendo que suas preocupações corpóreas eram tolice, Srila Prabhupada também
criticou os pensadores modernos: “Então, todos esses filósofos baixos estão
tentando escrever sobre o corpo. Nada além disso. Contudo, essa não é a
temática para os estudiosos eruditos. O que é este corpo? Uma combinação de
matéria. Ele se move, mas tão logo a alma saia do corpo, ele se torna inútil.
Então, qual é a importância de se falar sobre esse cadaver?” A conclusão de
Prabhupada foi tão esmagadora quanto a própria morte. “Quando a morte vier,
ninguém salvará vocês. Com a declaração de que Deus está morto, vocês estão
desafiando. Quando Deus vier [na forma do tempo] e matar você, ninguém poderá
salvar você. Somos muito tolos por pensar que Deus está morto e que podemos
continuar com nossa vida, e minha esposa, meus filhos, meus compatriotas, minha
nação me salvarão. Isso não é possível.” Em sua filosofia do “Deus está morto”,
Nietzsche estava reagindo ao cristianismo atado a regras de sua era rígida,
como estavam os teólogos protestantes da década de 1960. Mas eles foram longe
demais. Prabhupada veio para esclarecer e retificar tudo através de um processo
devocional de canto e dança. Nietzsche, com efeito, teria apreciado o processo
de Prabhupada, pois se diz que o filósofo alemão demonstrava seu apreço pelo
Sagrado através da dança. Na verdade, Nietzsche dançava todos os dias, dizendo
que essa era sua “única forma de piedade”, seu “serviço divino”. Para concluir,
então, invocarei um dos dizeres mais famosos de Nietzsche: “Eu somente poderia
acreditar em um Deus que soubesse dançar”. Satyaraja Dasa, discípulo de Srila
Prabhupada, é editor associado da Volta ao Supremo norte-americana e editor
fundador do Journal of Vaishnava Studies. É autor de mais de 30 livros sobre a
consciência de KRISHNA. www.voltaaosupremo.com.br. Abraço. Davi. (1).
Editor do
Mosaico. Bonhoeffer foi um cristão polonês com forte testemunho de fé. Injustamente
acusado de participar de conspiração contra a vida do Fuhrer – Adolf Hitler –
foi preso pela SS, e levado para o campo de concentração Flossenburg na Polônia onde morreu
em 1945. Permaneceu fiel a sua fé cristã. Sua obra publicada com o nome de Ética tornou-se pretexto
à que as autoridades alemãs o ligassem a resistência antinazista.
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