Lama Padma
Sambhava. O Bardo (em sânscrito Antarabava) é, para o Budismo Tibetano, um estado de existência intermediária entre a morte e o renascimento. São quatro os principais bardos: 1. Bardo do local de nascimento. 2. Bardo do momento da morte. 3. Bardo da verdadeira natureza dos fenômenos. 4. Bardo do renascimento ou do vir a ser. O bardo do local do nascimento contém, ainda, mais dois bardos. 5. Bardo dos sonhos. 6. Bardo do estado de meditação. Totalizando, assim, seis bardos. Uma obra fundamental do Budismo Tibetano é o Bardo Todhol (traduzindo seria "libertação do estado intermediário", conhecido também como o Livro Tibetano dos Mortos. É um texto sagrado que deve ser lido para instruir a consciência de modo que ela saiba como se dirigir à iluminação no momento da morte. Trata-se da principal prática budista tibetana, ou seja, a transferência da consciência (Phowa). O texto a seguir são comentários do Guru Rinpoche ou Lama Padma Sambhava referentes ao Livro Sagrado Tibetano dos Mortos. Agora que o bardo da morte desponta diante de mim, eu vou parar de
prender as coisas, de desejar e me apegar. Vou entrar sem distração na clara
percepção dos ensinamentos; e ejetar a minha consciência para a dimensão da
percepção não nascida. Quando eu deixar este corpo composto de carne e sangue,
saberei ser ele apenas uma ilusão passageira. Vivendo e morrendo
conscientemente. Nos ensinamentos tibetanos, a morte é mais um momento no qual
devemos praticar a atenção plena. Lembrar-se da inevitabilidade de nossa morte,
encarar o fato inescapável da nossa própria mortalidade e da impermanência de
todas as coisas, pode ser a mais liberadora das meditações, porque apresentar a
realidade das coisas como realmente são, ajuda a desalojar o egoísmo grosseiro,
o apego e a miopia - colocando nossas vidas na perspectiva correta. A morte é
um espelho, que reflete e ilumina tanto a vaidade quanto o sentido de nossas
vidas. A morte é o momento da verdade, quando nos encontramos com a realidade
face a face. Para todos nós, é também um momento de oportunidade, quando
podemos atingir nossa natureza original. A morte é mais certa do que o amor, e
com certeza aguarda a todos nós na doença ou na velhice. A sabedoria perene nos
diz que deveríamos nos preparar para o nosso fim, o que nos tornará melhor
preparados para viver, ou morrer, de forma iluminada. Diz-se que na morte
apenas duas coisas contam: o que fizemos em nossas vidas e o estado interior
que temos na hora de morrer. Estes dois fatores determinam o que vem depois.
Buda ensinou que a experiência real do momento de morrer é crucial para o
próximo renascimento, e que no momento da morte ocorrem experiências
espirituais extraordinárias que oferecem um portal para a grande liberação.
Portanto, a atmosfera física e os estados de espírito daqueles que estão ao
redor do moribundo são extremamente importantes, e paz, conforto, gentileza,
amor, aceitação e harmonia ajudam a guiar o morto, da melhor maneira possível,
em sua travessia. Tradicionalmente no Tibete o Bardo Thodol, conhecido no
ocidente como o livro tibetano dos mortos, é lido na cabeceira da cama de
alguém que está morrendo, tanto na hora da morte como por vários dias
subseqüentes. Ele é uma meditação guiada, lida em voz alta, normalmente por um
lama, para ajudar a direcionar o morto ou o moribundo através dos vários
estados de transição no bardo. Este maravilhoso livro antigo é uma escritura de
sabedoria que nos conduz à liberdade e à iluminação através do reconhecimento
da clara luz da realidade na hora da morte, e depois. Ele também mostra como
reconhecer e atingir a clara luz (a qualidade luminosa inata da mente natural)
dentro de cada um de nós, nesta vida. Apesar de ter sido ostensivamente escrito
para oferecer ao morto ou moribundo conforto, orientação e libertação pela
audição, o Bardo Thodol também nos mostra como viver, porque cada momento é
tanto um nascimento quanto uma morte. Bardo é uma palavra tibetana que
significa "No meio" ou "Em transição". Ensina-se que
existem ao todo seis estados de bardo, acabam oferecendo suas oportunidades
específicas. Três delas ocorrem quando ainda estamos vivos: o bardo desta vida
cobre o período inteiro desde que nascemos até a nossa morte; o bardo da
meditação se refere ao estado meditativo quando conseguimos reconhecer nossa
natureza bhúdica; e o bardo do sonho ocorre quando dormimos, e também pode ser
usado para treinar a mente. Os outros três estados de bardo cobrem o período
entre a morte e o renascimento, e constituem o foco primário do Livro Tibetano
dos Mortos. 1. O Bardo da Morte. Este bardo se refere ao processo de morrer em
si. No Tibete, a morte é considerada um processo de purificação, porque estamos voltando
para clara luz, nosso estado natural intrínseco de luminosidade - estamos nos
dissolvendo nele. No momento da morte, esta clara luz da realidade desponta
para cada um de nós. É a nossa própria natureza radiante, algumas vezes chamada
de Rigpa – o estado desperto e iluminado. Entretanto, para podermos realmente
nos beneficiar deste "Momento da Verdade" e atingir a libertação,
precisamos estar preparados. Se não, ele vai nos escapar rapidamente. Como a
maioria de nós ainda está ligada aos hábitos e padrões de comportamento
estabelecidos em vida, não reconhecemos a luminosidade pelo que ela é. Reagimos
de forma não apropriada e inconsciente. Em vez de mergulharmos nela, em um ato
de fé, nos entregando à luminosidade, nos fundindo nela. E assim o momento
passa. As instruções de Kalu Rinpoche para esse momento de grande luminosidade
foram: "Solte o corpo e a mente, e dissolva-se na clara luz da
luminosidade interior. Reconheça o raiar da clara luz e se liberte neste
instante. Enxergue além das ciladas, do dualismo da vida e da morte". 2. O
Bardo do Dharmata (Realidade). Neste segundo estado de bardo, temos outra
oportunidade de atingir a libertação. Kalu Rinpoche dizia que a coisa mais
importante para nos lembrarmos aqui é que, como nos sonhos, tudo o que veremos
aqui é criação de nossas mentes, e pode ser mudado, da mesma forma que se pode
acordar dentro dos sonhos e alterá-los. Neste estado, é como se sonhássemos, e
nada mais pode realmente nos fazer mal. A libertação pode ocorrer se
conseguirmos apagar a resistência e as dúvidas, soltar tudo e nos entregarmos à
luminosidade inata da mente natural. Se não pudermos fazer isso, então o
próximo bardo inexoravelmente começará. 3. O Bardo do Vir a Ser. Neste terceiro
estado de bardo pós-morte, nossas percepções estão voltando. Novamente, temos
preferências e aversões, e somos atraídos para lugares e pessoas que nos são
familiares. À medida que nossos apegos, paixões e propensões cármicas começam a
se afirmar, estamos nos aproximando do renascimento. Nesse momento, faríamos
bem em voltar nossas mentes para as intenções do bodhisativa, que são
beneficiar e servir todos os seres sem exceções. Livres das ciladas da atração
e da repulsão, devemos procurar o meio ambiente oportuno para exercer o voto de Bodhisativa. Se você achar que está neste estado do bardo, através da coragem
destemida e da visão pura, vá além e abandone sua atração e seu desejo pelo
homem e mulher que se unem em união sexual. Em vez disso, perceba este casal
amoroso, que serão seus novos pais, como um casal Bhúdico - Sr. e Sra.
Sabedoria e Compaixão. Graciosamente, entre neste templo humano e encontre sua
nova vida. 4. Vivendo a Morte: Uma Meditação. Todos nós temos que nos defrontar
com as questões da vida e da morte. Quer seja a morte de um familiar idoso ou o
nascimento de um filho, o nascimento e a morte são parte da vida. A filosofia,
a ciência, a religião, as artes lidam com a vida e a morte, e com a morte ou
renascimento. Todos nós nos perguntamos o que acontece quando morremos. Será
que a morte é o nosso fim? E o que isso significa para nós? Como podemos dar
mais sentido às nossas vidas? Existem diversas religiões e culturas, mas todas
compartilham de pelo menos um princípio comum: todas têm ritos, rituais e
especialistas para lidar com a morte e o morrer. Estes ritos nos oferecem
conforto e segurança diante da precariedade e da insegurança da existência.
Será que continuamos? Será que atingimos um fim abrupto? Não existe mais nada?
E o céu? E o inferno? Existe vida depois da morte? Vamos nos defrontar com Deus
ou com o carma? Verdade ou consequência? Como podemos ter certeza de qualquer
coisa? Isso pode ser verificado ou estão nos pedindo para acreditar e confiar
em um mito ou na imaginação? Devemos acreditar nas pessoas que dizem ter
voltado das experiências de quase morte? Devemos acreditar em Edgar Cayce e nos
outros videntes? Devemos acreditar nos lama encarnados, muitos dos quais dizem
que se lembram de vidas passadas e parecem ter algum controle consciente sobre
o processo - como se estivessem evoluindo, por escolha, através de diferentes
níveis da escola espiritual? Como podemos saber? Quem sabe? Os budistas
perceberam há muito tempo que contemplar a própria mortalidade é uma prática
que ajuda a ter foco e estabelecer prioridades. A vida espiritual, a jornada de
despertar e dar sentido às nossas vidas enquanto aprendemos a amar, é na
verdade uma questão tanto de vida quanto de morte. A precariedade da vida nos
ajuda a permanecer totalmente dispersos no aqui agora. O que o budismo tibetano
nos oferece, juntamente com seus ensinamentos pragmáticos e éticos, é uma forma
de lidar com a própria experiência da morte - uma forma de encarar a morte no
momento presente. Este treinamento pode nos ajudar muito a lidar com o momento
da morte. Passamos a apreciar mais, estar mais atentos e mais abertos a cada
momento da vida, que se torna mais pungente devido à sua absoluta
impermanência. Ao aprender a deixar esta vida ir embora, aprendemos também a
viver cada momento sem arrependimentos. Aprendemos a tomar decisões sem
arrependimentos. Cada decisão se torna a decisão certa. Quando aprendemos a
largar as coisas em vida, abandonamos nossos rancores, obtemos o perdão e nos
aliviamos do fardo do ressentimento, da amargura e da hostilidade. Assim,
encontramos uma conclusão e podemos soltar velhas tristezas e antigas queixas,
deixando estes padrões congelados morrerem. É assim que morremos sem
arrependimentos, enquanto aprendemos a viver de novo. Aqui, neste momento.
Respiração por respiração. Eis aqui uma meditação que nos ajuda a fazer isso:
Respire profundamente relaxe. Deixe tudo se acomodar. Esteja totalmente
presente, naturalmente presente, sem esforço. Você está se sentando por um
instante, um instante eterno. Não perca o momento. Só existe este. Sinta tudo,
como é. Esteja presente, alerta, desperto e relaxado. Abra-se para a presença
sem esforço, para a consciência pura. A presença total. Tenha consciência de
estar consciente, uma percepção luminosa, sem centro, aqui e agora. Deixe que
tudo aconteça sem esforço, de forma transparente. Abandone o controle, a
manipulação e o julgamento. A cada respiração, solte um pouco mais. A
cada respiração, solte, relaxe, abra e centre-se cada vez mais profundamente.
Cada expiração é uma pequena morte. Simplesmente esteja com a expiração, e a
cada expiração solte um pouco mais. Um pouco mais ... solte os nós do seu
psiquismo. Relaxe. Largue tudo. Solte a tensão dos ombros, expire-a. Expire
aquele pensamento, aquela lembrança, solte, solte, solte (...). Solte a
expiração. Morra um pouco a cada expiração. Morra no momento presente. Qualquer
sensação sinta, deixe-a partir. Largue o corpo, largue a mente, largue os
pensamentos e a personalidade. Largue tudo. Solte. Largue sua auto imagem, sua
casa, suas posses, seus planos, sua carreira. Solte. Tudo está perfeitamente
resolvido na mente natural que não nasce nem morre. Abandone as tentativas de
controlar a mente. A cada expiração, solte. Aperte a embreagem do desapego
espiritual e desengrene a marcha. A cada expiração, solte mais alguma coisa, o
que vier à cabeça, uma sensação, uma emoção, um sentimento, um relacionamento
uma pessoa, um medo, uma posse. Respiração à respiração, momento a momento
simplesmente solte tudo. Habitue-se a evoluir, a se transformar, a passar sem
resistência, sem se agarrar, sem apegos. Respiração a respiração, vá soltando.
Deixe todos fenômenos ilusórios irem embora. A cada respiração, perdoe aos
outros. Perdoe às pessoas de seu passado - aquelas com quem não tem mais
contato, e também as que ainda estão ao seu redor. Perdoe a sí. Aceite os
outros como são. Aceite totalmente a si mesmo. Deixe tudo ser como é. Isto é a
sabedoria em ação. A cada respiração, abandone o medo, a expectativa, a raiva,
o arrependimento, o desejo, a frustração, a fadiga. Abandone a necessidade de
aprovação. Abandone os velhos julgamentos e as opiniões. Morra para tudo isto,
e voe livremente. Eleve-se na liberdade da ausência de desejos. Solte. Deixe.
Veja através de tudo seja livre, completo, luminoso e volte para casa. Com este
tipo de meditação, as camadas sutis que formam quem nós somos começam a se
arrumar, e nós penetramos mais profundamente no nosso estado natural - o estado
despojado do ser autêntico. Isto é uma transformação ocorrida aqui e agora. Um
renascimento espiritual. Fonte: Shunya. Grupo de Estudos e Práticas Budistas.
Abraço. Davi.
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