Em nosso estado mental normal, nosso
ego parece enorme e concreto; ele parece ser justamente nosso melhor
amigo, protetor e benfeitor. Mas na verdade, ele é o nosso pior inimigo,
uma fraude que nos engana, fazendo-nos sentir que não podemos existir
ou viver sem ele. Como um monstro morando em nosso coração, ele está
sempre pronto para fazer coisas ruins e causar problemas a nós e aos
outros. Nosso ego tem um monte de truques para se manter na ativa. Por
isso, devemos prestar atenção quando começarmos a nos dizer: Se eu não
cuidar do número um (nós mesmos), não vou trabalhar e vou acabar
passando fome; se eu ficar me distraindo com esse assunto de espaço,
vou acabar virando um vegetal. Posso até morrer! O ego tem mais defesas
que a OTAN. Cuidado! Não há
dúvidas de que é do nosso próprio interesse nos livrarmos desse demônio
interior o mais rápido possível, a menos que sejamos masoquistas e
gostemos da eterna dor física e mental. Ao recolher e responsabilizar
nosso ego de apego a si mesmo por todos os nossos problemas, com certeza
geraremos o desejo de cuidar de nosso mundo interno e de nos livrar
desse ego o mais rápido possível. Para isso, precisamos enxergá-lo como
um mentiroso, examinando se de fato existe como parece ou não. Isso
significa dizer a nós mesmos: Pela lógica, se eu existo tal como
parece, devo ser ou um com todo meu corpo e mente, ou separado e
diferente deles. Se, quando busco o meu ego, não consigo encontrá-lo
nem em minha mente nem em meu corpo, e nem tampouco como algo separado
deles, não tenho outra opção senão aceitar que o que estou percebendo é o
meu falso senso de individualidade. Precisamos expulsar esse fantasma
da máquina. Pensando dessa
forma, começamos a caçar nosso ego aparentemente vivo, nosso verdadeiro
inimigo, e isso nos força a confrontar nossas suposições nunca
examinadas sobre como existimos de fato. Eis um desafio bastante
significativo do ponto de vista emocional: descobrir que nossa percepção
básica da realidade é uma grande bobagem. Essa é a auto cura absoluta, e
por isso devemos prosseguir, cheios de alegria, nesse nível grosseiro
do treinamento espacial. Se
sentirmos que o eu, ou nosso ego, é realmente nosso corpo, como as
indústrias de cosméticos adorariam que nós acreditássemos, então:
1. Qual parte do corpo somos? A cabeça, o coração, os membros?
2. Como tenho muitas partes, devo ter muitos eus e muitos egos.
3.
Se sou o meu corpo, então, mesmo que minha mente não esteja nele, eu
estarei existindo. Quando meu corpo morrer, deixarei de existir. Essa
visão materialista e niilista tem sido desafiada por muitos relatos de
experiência pós-morte, além de testemunhos de tulkus nascidos no Ocidente e no Oriente, terapeutas de vidas passadas etc. 4. Se alguém corta fora nossa perna com um machado, ficamos histéricos e gritamos: Ele cortou minha perna, mostrando assim que sentimos que somos os proprietários de nosso corpo, e não o corpo em si. 5.
Se sentimos que nosso ego é a nossa mente, precisamos examinar o que
nossa mente é. Temos muitos fatores ou aspectos maiores ou menores da
mente: seis sentidos e consciências mentais e cinquenta e um fatores
composicionais, todos os aspectos misturados de clareza e escuridão em
nossa mente. Ora, se tenho tantas mentes diferentes, devo ter muitos
egos diferentes, uma personalidade múltipla esquizofrênica com cinquenta
e sete identidades. 6. Quando alguém nos insulta, pensamos, ele machucou meus sentimentos, mostrando assim que nos sentimos os proprietários de nossa mente, e não a mente em si.
7. "Penso, logo existo". Frase dita pelo filósofo René Descartes (1596-1650), em sua famosa obra Meditações Metafísica. Se sou minha mente, posso viver sem meu corpo. 8. Se sentimos que somos a combinação de nosso corpo e mente, devemos tentar seguir o seguinte raciocínio: Não Sou meu corpo. Não sou minha mente. Mesmo
assim, quando eles estão juntos, chamo-os de "eu". Mas como é possível
que dois "não sou" tornam-se um "eu sou"? Pense nisso! Esse é um enigma
profundo e cheio de sentido, não uma piada. É
o mesmo que chamar de foguete a uma combinação de todas as partes de
um foguete. Na verdade, nenhuma delas separadamente é o foguete, mas à
união de todas as partes damos o nome de foguete. Enquanto estamos
satisfeitos com o simples nome das coisas e não investigamos nosso mundo
com mais profundidade, tudo parece estar certo. Os carros, as pessoas,
os computadores, tudo trabalha e funciona. Mas se verificamos o que há
por trás das ilusões, perceberemos que não há qualquer foguete que
exista independentemente, mas apenas um objeto surgido inter dependente, dependendo de suas partes, causas, condições etc. Esse é o misterioso milagre da realidade. Quando
buscamos as coisas em si, elas desaparecem. Mas quando as aceitamos
elas funcionam maravilhosamente bem, até o momento em que se quebram,
adoecem e morrem. 9. Se
sentimos que nosso eu é diferente de nosso corpo e mente, devemos tentar
imaginar então que nosso corpo foi totalmente destruído por uma bomba
atômica e que nossa mente foi, de alguma forma, desligada, totalmente
aniquilada. Onde estaríamos então? Obviamente, em lugar nenhum. 10. Portanto: Certamente não sou meu corpo, não sou minha mente, nem a combinação de meu corpo e mente; Então, onde estou? Em lugar nenhum. O que percebemos nesse momento, se tivermos feito o jogo da forma adequada, é nada, exceto o espaço absoluto. Esse nada
não é o frio vácuo morto do espaço externo ou a completa negação da
vida que nos ensinaram nas aulas de filosofia. A experiência da
vacuidade, ou do espaço absoluto, é preenchida por uma sensação de
extrema bem aventurança e uma profunda paz. Sem dúvida, segundo os
nossos sentidos, não há nada lá, mas de alguma forma encontramos a
sensação de arrebatadora alegria de tocarmos a essência da vida e o
tecido fundamental da realidade. Ainda assim, não há nada lá. É
fascinante e maravilhoso. Então, compreendemos de verdade o monstro que é
o nosso ego, nos impedindo completamente de ter essa arrebatadora
experiência. O eu é realmente muito egoísta. Todas
as vezes que "caçamos o ego", devemos tentar manter a mente ingênua
como a mente de uma criança. Não é bom começar o jogo pensando, já sei a
resposta ou que tédio!, pois assim não poderemos ter o impacto
emocional do inacreditável fato de que de repente nosso ego desapareceu,
fugiu envergonhado. Quando nosso inimigo interior tiver sido exposto
como uma fraude, um mentiroso e um traidor, a fantasia de sua existência
se desintegrará no nada. Mas não se preocupe: ele voltará para nos
assombrar por muitos e muitos anos. Está apegado a nós tanto quanto nós
estamos apegados a ele. Matar o ego é um processo difícil e demorado.
Mas é absolutamente benéfico e, por isso, devemos persistir com alegria.
Nossa porcentagem de vitória crescerá passo a passo e, um dia, teremos
vencido completamente.
Assim,
tendo exposto nosso ego como uma fraude, usando a luz de nossa
sabedoria, tudo que nos resta é uma negação, um vasto espaço ou
vacuidade que não implica em nada mais, mas prova apenas que nosso ego
independente nunca existiu. O vasto espaço da vacuidade não prova nem
confirma mais nada. As
pessoas comuns, em geral, necessitam de muito espaço individual e sempre
se sentem desconfortáveis em espaços pequenos e em multidões. O
antídoto para essa sensação e para o ser comum é familiarizar a mente
com o vasto espaço interior do não ego, não eu, não meu! A auto cura não
é desenvolver o ego, mas dissolvê-lo no espaço. Assim, sempre nos
sentiremos muito confortáveis e relaxados, mesmo se estivermos rodeados
por trinta pessoas gritando todas ao mesmo tempo. Algumas
pessoas sentem medo quando entram em contato com esse imenso espaço
interior, sentindo que fizeram desaparecer a si mesmas. Mas não há
motivo para se preocupar: apenas fizemos desaparecer temporariamente
nossa alucinação ou fantasia do ego. A energia do apego ao ego é tão
forte nas pessoas comuns que certamente reaparecerá logo. Quando chegar o
momento de você entrar em contato com o espaço interior, não se
preocupe, seu corpo e mente e seu eu, surgidos inter dependente,
ainda estão aqui. Gelso. Auto Cura. Lama Ganchen Rinpoche. Abraço. Davi.
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