Cristianismo. Revista Arautos
do Evangelhos – maio 2022. Por Plínio Corrêa de Oliveira (1908-1995). Ao tomar contato com
a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima que derramara milagrosas lágrimas
em 1972. Doutor Plínio elevou um cântico de amor e admiração cuja unção marcou
quantos o conheceram. PEREGRINANDO DENTRO DE UM OLHAR. Fisionomia igual não conheço.
Tenho-a bem diante de mim e, movido pelo hábito inveterado de tudo observar e
explicar para meu próprio uso, fito-a com atenção. E de repente percebo que entro
dentro dela. Sim, essa fisionomia única como que deflui da face e especialmente
dos olhos. Evolve-me no ambiente que ela cria. Ao mesmo tempo, convida-me a
entrar fundo no seu olhar. Que olhar! Nenhum é tão límpido, tão franco, tão
puro, tão acolhedor. Em nenhum se penetra com tal facilidade. Contudo, nenhum
também apresenta profundidades que se perdem em tão longínquo horizonte. Quanto
mais dentro desse olhar se caminha, tanto mais ele atrai para um indescritível
ápice interior e profundo. Que ápice? O estado de alma que eu seria tentado a
dizer cheio de paradoxo, se a palavra paradoxo, da qual tanto se abusa na
linguagem corrente, não me morresse nos lábios por desrespeitosa. Toda
perfeição – diz a Escola – resulta do equilíbrio e contrários harmônicos. De nenhum
modo é um equilíbrio precário entre contradições flagrantes – e, dizendo-o,
penso nesta pobre paz, esclerosada e vacilante, que o mundo contemporâneo
procura preservar à custa de tantas concessões e tantas vergonhas – , mas uma
harmonia suprema entre todas as formas de bem. É precisamente este vértice, no
qual todas as perfeições se conjugam, que vejo erguer-se no fundo desse olhar.
Vértice incomparavelmente mais alto do que as colunas que sustentam o
firmamento. Vértice do alto do qual um imperativo cristalino, categórico,
irresistível, exclui toda forma de mal, por mais leve e miúdo que seja. Pode
alguém passar a vida inteira caminhando dentro desse olhar, sem jamais tocar nesse
vértice – Caminho inútil? Não. Dentro desse olhar não se anda; voa-se. Não se
passeia; faz-se peregrinação. Aquela montanha sagrada, súmula de todas as
perfeições criadas, o peregrino, sem jamais alcançá-la, cada vez a vê mais
claramente à medida que voa em direção a Ela. Ao longo desta peregrinação da
alma, o olhar no qual voa já não o envolve, apenas. Mas penetra nele. Quando o
peregrino cerra os olhos, julga vê-lo à maneira de luz no mais profundo de si
mesmo. Tenho a impressão de que, se durante toda a vida ele for fiel nesse voo,
quando cerrar definitivamente os olhos, esta luz brilhara no fundo de sua alma
por toda a eternidade. O olhar é a alma da fisionomia. Que fisionomia essa, que
tenho diante de mim! A um tolo pareceria inexpressiva. A um observador destro
ela manifesta uma plenitude de alma maior do que a História, porque toca na
eternidade. Maior do que o universo, porque espelha o infinito. A fonte parece
conter cogitações que, a partir de um presépio e a terminar em uma Cruz,
abarcam todo o acontecer humano. A face toda, o nariz, cuja linha possui um
charme “mais belo do que a beleza” segundo diz o poeta. Os lábios silenciosos,
mas que dizem tudo a todo momento, parecem louvar a Deus em cada criatura
segundo as características de cada uma. E pedir a Deus por toda miséria como se
estivesse a condoer-se das peculiaridades de cada uma delas... Estes lábios têm
uma eloquência perto da qual a de Demóstenes ou a de Cícero não seriam senão
barulheira. O que dizer da cútis: nívea? O qualificativo diz tudo e não diz
nada. Pois, para descrevê-la seria preciso imaginar um níveo que deixasse
reluzir em sua profundidade, com discrição infinita, todos os matizes do arco-íris.
E com isso mesmo inspirasse na alma de quem a contempla todos os encantos da
pureza. Sim, peregrinei neste olhar tão cheio de surpresas. E, inesperadamente,
percebo que o olhar peregrina ao mesmo tempo dentro de mim. Pobre e
misericordiosa peregrinação, não de esplendor, mas de carência a carência, de
miséria a miséria. É só abrir-me a ela que, para cada defeito, ele me oferece
um remédio, para cada obstáculo uma ajuda, para cada aflição uma esperança.
Mas, afinal, quem tenho diante de mim? Uma imagem de madeira como tantas
outras, sem nenhum valor artístico especial. É só a fitar, entretanto, que, sem
mover-se, sem a mínima transformação, essa imagem começa a fazer luzir todos
esses esplendores. Como? Não sei também. É a imagem de Nossa Senhora de Fátima,
a qual verteu lágrimas em Nova Orleans – USA, a propósito dos pecados dos
homens e dos castigos que estes assim acumulam sobre si. Por toda parte ode
vai, a imagem atrai multidões. Insisto, leitor. Se crês na descrição que fiz,
convido-te a que faças por tua vez esta magnífica peregrinação dentro do olhar
da Virgem. Reza então por ti. Reza pela Santa Igreja conturbada e atormentada
como nunca. E por esse enorme Brasil e Mundo de Maria.
Em julho de 1972, uma imagem
peregrina de Nossa Senhora de Fátima esculpida sob a orientação da Irmã Lúcia,
vidente das aparições, verteu lágrimas por treze vezes na cidade de Nova Orleans,
Estados Unidos da América. No dia 21 do mesmo mês O Jornal Folha de São Paulo - Brasil estampava uma impressionante fotografia da imagem em cujos olhos se podia
distinguir com nitidez o brilho das lágrimas, uma das quais já pendia da ponta
do nariz, prestes a cair. Tal fato foi o início de um relacionamento intenso do
doutor Plínio com essa representação de Nossa Senhora que, a partir daquele
momento, ele passaria a chamar de Sagrada Imagem. Revista Arautos dos Evangelhos
– maio de 2022. Abraço. Davi.
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