segunda-feira, 3 de julho de 2023

II. NOÇÃO DE DIREITO ISLÂMICO. ORIGEM HISTÓRICA I

 

Islamismo. Monografia de Zuhra Mohd El Hanini. CAPÍTULO 1 – II. NOÇÃO DE DIREITO ISLÂMICO. ORIGEM HISTÓRICA I. Antes de tratarmos especificamente das bases e princípios do Direito Islâmico, faz-se necessário uma análise histórica da origem da legislação islâmica e seus preceitos, bem como seus efeitos na história. Cabe, portanto, a nós uma breve síntese referente à condição mundial antes do advento do Islam e sua legislação, e quanto aos conceitos de justiça, direito e moralidade que predominavam em tal época dentro dos grandes impérios que lideravam a sociedade contemporânea, para que desta forma, possamos identificar os grandes avanços e o papel desempenhado pelo Islam e sua legislação na reconstrução da humanidade, em seus mais amplos sentidos. Em princípio, podemos constatar que de acordo com o consenso dos historiadores, os séculos VI e VII da era cristã representaram a fase mais decadente que a história da humanidade já conheceu. Foi uma época imersa na ignorância, na animosidade e na decadência, seja moral seja dos valores básicos da vida humana. Foram séculos conhecidos pela tirania, opressão, escravidão e marcantes desigualdades nas classes sociais. O mundo parecia estar caminhando a um precipício do qual não haveria salvação e um abismo que dificilmente conseguiria escapar. Os romanos e persas, os dois impérios que lideravam o mundo, ao mesmo tempo em que desfrutavam do monopólio do poder no Ocidente e Oriente, eram verdadeiros símbolos de opressão, decadência e depravação moral, e haviam-se esquecido de qualquer conceito, inclusive mais primitivo de Justiça. As classes governantes encontravam-se inebriadas pelo poder e pelo esbanjo de riquezas, enquanto os plebeus, que eram a grande maioria, viviam na mais terrível miséria, rebaixados à categoria subumana. Os impostos eram insuportáveis e geravam luta de classes, e os privilegiados pensavam que todo o bem era seu direito exclusivo, e a partir disto criavam leis para privarem os demais. As grandes religiões haviam perdido o prestígio, transformando-se em meros instrumentos nas mãos de eclesiásticos que as corrompiam e adulteravam de modo a satisfazer seus interesses. Dessa forma, já não tinham a oferecer nenhuma mensagem nem qualquer remédio para os males da humanidade, para salvá-la e desviá-la do abismo para o qual se direcionava. A idolatria e a adoção de deuses e divindades, bem como a adoração de reis e imperadores, diante dos quais o povo deveria prostrar-se, tornavam-se cada vez mais comuns nas cultura dos povos naquela época. Outra característica marcante desta época, foram os sistemas de castas e o preconceito tribal, bem como o orgulho racial e a degeneração social. As mais oprimidas, neste contexto histórico, eram as mulheres. Muitas vezes nem sequer eram consideradas seres humanos, e sendo geralmente foco de grandes reflexões filosóficas na Europa, pois a dúvida que assolava os filósofos da época era se as mulheres possuíam alma ou não, e se caso possuíssem se seria está de origem humana ou animal. As mulheres eram vistas como meras propriedades, que da mesma forma que os bens, eram herdadas. Na Enciclopédia Britânica encontramos o estatuto legal da mulher na civilização romana, que estipulava que a mulher era completamente dependente; se casasse, a sua propriedade passava ao poder do marido. A mulher era uma mercadoria adquirida pelo marido, e como escrava adquirida só para o seu benefício, a mulher não podia exercer nenhuma função pública ou civil, não podia ser testemunha, avalista, professora, não podia fazer testamento ou contrato. Na Índia, as mulheres cujos maridos faleciam eram condenadas a uma condição de miséria perpétua, e tornava-se cada vez mais comum a auto imolação (morrer em sacrifício) por parte das viúvas. Dentro deste contexto, é mister ressaltar a posição da península arábica dentro do cenário mundial, uma vez, que a origem do Islam e consequentemente da legislação islâmica se deu neste local. A Arábia estava composta de tribos dispersas em contínuo conflito entre si, havia saques, sequestros para a escravidão, roubos etc., e falta total de segurança. Com relação à religião, a cidade de Meca (Makkah) destacava-se devido ao templo ou casa sagrada conhecida como Kaabah, instituição construída sob inspiração divina por seu ancestral Abrahão, e era considerado um local de adoração, onde eram realizados rituais sagrados e peregrinações, e um local de refúgio a todas as tribos, que frequentemente se dirigiam até esta cidade em determinados meses considerados sagrados para realizar seus ritos. A mais destacada dentre as tribos era a tribo de Quraish, que tinha o domínio da cidade e da casa sagrada. Nesta época havia 360 ídolos ao redor da Kaabah que eram adorados e que representavam a honra de cada uma das tribos da península arábica. Além disso, tais ídolos representavam um acordo comercial realizado entre a tribo de Quraish e as demais tribos. Onde as tribos protegeriam as caravanas comerciais de Quraish ao tempo em que Quraish designava um local prestigioso aos ídolos das tribos na Kaabah, sendo isto uma razão de honra. A cidade de Makkah (Meca na Arábia Saudita), devido a sua localização central no mapa do mundo conhecido na época, era uma cidade de comércio internacional, pois as caravanas comerciais transportavam mercadorias que vinham da China ao Iêmen. Makkah (Meca) foi também o centro de diferentes doutrinas religiosas, e isso produziu mudanças culturais, comerciais e riquezas, sendo, portanto, um centro cultural e de informação e o lugar mais seguro em toda a península arábica, porque era a cidade principal dos árabes. Resumidamente, podemos afirmar que, não havia no século VI da era cristã uma só nação ou algum Estado que tivesse sua base em princípios de igualdade, justiça ou moral, nem tampouco que demonstrasse conhecimento e sabedoria, nem mesmo havia uma religião que se baseasse ou representasse os ensinamentos puros e verdadeiros transmitidos pelos livros sagrados e pelos profetas de Deus. É nesse contexto histórico que em 570 DC nasceu Muhammad Ibn Abdullah (Profeta Maomé), o homem que trouxe a última revelação divina à humanidade para completar as revelações anteriores, com um verdadeiro sistema de vida e legislação universal, baseada na fé, libertando a humanidade dos grilhões da ignorância e escravidão que se encontravam. Muhammad (Maomé), cujo nome completo é Muhammad Ibn Abdullah Ibn Abdul Mutalib Ibn Hashem, era membro de uma tribo tradicional em Makkah (Meca), ficou órfão desde muito cedo, foi criado por seu avô, primeiro, e depois por seu tio, ambos de grande influência. Era um homem de hábitos simples, dado à contemplação, reconhecido no seu meio por sua honradez, sua veracidade e caráter inigualável. Aos 40 anos, recebeu a primeira mensagem divina e, a partir dai, durante os 23 anos seguintes, o conjunto dessas mensagens foi sendo ordenado e sistematizado em um livro, o Alcorão Sagrado, o livro sagrado dos muçulmanos, de onde emana toda a base do Direito Islâmico. Daí iniciou-se uma verdadeira reforma baseada na verdade e na justiça. Segundo as palavras de Herbert George Wells (1866-1946), um historiador inglês: “O mundo nunca havia visto em sua história uma época pior, de maior escuridão e desespero do que o século VI DC. O mundo estava completamente paralisado e a Europa parecia o corpo caído de um gigantesco cadáver”. Wells concluiu suas palavras dizendo: “Até que Muhammad, O Profeta dos muçulmanos, apareceu”. Muhammad (Maomé) não foi simplesmente um líder político ou um reformador, nem se dirigiu a um país ou comunidade em especial, mas sim era um exortador e pregador da palavra Divina para a raça humana, que veio emancipar os homens da adoração aos seus semelhantes, para a submissão ao Criador dos céus e da Terra, e promover o lícito e o bem e proibir o ilícito e a injustiça através do Islam. Ele não ambicionava o poder nem interesses pessoais em sua missão, e isso fica comprovado na história de sua vida e, quando lhe foi oferecido riquezas para que renunciasse a seu objetivo, disse Muhammad (que a paz esteja com ele) “Não quero riquezas nem poderes. Fui enviado por Deus como informador da humanidade. Entrego-vos a Sua Mensagem. Se aceitardes terão felicidade nessa vida e glória eterna na outra vida, se rejeitardes a Palavra de Deus. Ele julgará vós e eu”. E disse também: “Por Deus! Se colocassem o Sol em minha mão direita e a Lua na esquerda para me forçar a renunciar à minha missão, ainda assim eu não desistiria, até que Deus faça prevalecer Sua Obra ou que eu pereça no meu propósito”. Sem dúvida, que a vida de Muhammad encontra-se gravada na história, como jamais homem algum teve, devido ao seu sucesso na reforma e renascimento de uma sociedade em todos os aspectos, sejam religiosos, morais, políticos e jurídicos. Michel H. Hart (1932-  ), um americano cristão, autor do livro The 100 ranking of the most influential persons in history onde enumerou os cem maiores homens da humanidade por ordem de mérito, colocou Muhammad Ibn Abdullah como o homem de maior influência da história. Podemos ainda resumir a influência de Muhammad (que a paz esteja com ele) nas palavras do filósofo inglês George Bernard Shaw (1856-1950) “Sempre respeitei a religião do Profeta Muhammad (Maomé) com alta estima devido à sua extraordinária vitalidade; é a única religão que me parece possuir capacidade assimilativa para a mudança de face da existência que pode atrair qualquer era. Os eclesiásticos medievais, ou por ignorância ou por fanatismo, pintaram o Mohamadanismo (Islam) com as mais negras cores. Eles foram instruídos para odiarem tanto a Muhammad como homem, como a sua religião. Para eles, Muhammad era anti Cristo; eu estudei a esse homem extraordinário e, em minha opinião, longe de ser um anti Cristo ele deve ser chamado o Salvador da Humanidade. Eu acredito que se um homem como ele assumisse o poder do mundo moderno teria sucesso em resolver os problemas dum mundo que teria a tão ambicionada paz e felicidade”. O Islam, em sua palavra, significa libertação de toda a espécie de escravidão, tirania e opressão, principalmente a partir do momento em que estipula claramente a máxima: Não há divindade além de Deus, significando que toda a autoridade reside em Deus, sendo Ele o Soberano, o Rei e o Legislador, enquanto todos os seres humanos são seus servos. Libertando assim o homem da submissão a quem quer que seja dos seus semelhantes, convertendo-se em submissão total somente a Deus, seu Criador. O Islam veio libertando o ser humano da idolatria e das diversas absurdezas de pensamentos e superstições, convidando o homem ao raciocínio lógico e a usar suas faculdades para adquirir uma compreensão abrangente da vida que o cerca, não criando de forma alguma antagonismo entre a razão, a ciência e a religião, uma vez que todos se completam. Universidade da Região da Campanha – Bagé – RS. Brasil. Abraço. Davi.

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