Teosofia.
Por Ricardo Lindemann. Livro A Ciência da Astrologia e as Escolas de Mistérios.
II. DECLÍNIO E REGENERAÇÃO DAS RELIGIÕES. E exortamos os que são pecadores a
entregar-se à consideração das doutrinas que ensinam os homens a não pecar. E
aos que são destituídos de entendimentos, aos que engendram sabedoria, e aos que
são crianças. A elevar-se em pensamentos até a virilidade, e aos que são
simplesmente desafortunados à boa fortuna ou – usando um termo mais apropriado
– à bem-aventurança. E quando os que se voltaram para a virtude tiverem feito
progresso, mostrando que foram purificados pelo Verbo e levando, tanto quanto
puderem, uma vida melhor. E não antes, os convidaremos a participar de nossos
Mistérios”. “Pois falamos sabiamente entre os que são perfeitos”. E diz mais:
“Não à participação nos Mistérios, pois, e à comunhão na sabedoria oculta num
Mistério, que Deus ordenou perante o mundo para a glória de seus santos, não a
isso convidamos o homem mau e o ladrão e o arrombador e o envenenador e o que
comete sacrilégio e o saqueador de mortos e todos aqueles que Celso possa
enumerar, em seu estilo exagerado, mas a esses homens convidamos a que se
curem”. Mas, por outro lado: “ ... quem quer que seja puro não só de toda
mácula, mas do que é tido como transgressões menores, que seja ousadamente
iniciado nos Mistérios de Jesus, os quais com propriedade, são dados a conhecer
apenas aos santos e puros. O iniciado de Celso, em conformidade com isso, diz:
“Deixai vir aqueles cujas almas não têm consciência de nenhum mal. Mas aquele
que age como iniciador, segundo os preceitos de Jesus, dirá aos que foram
purificados de coração. Aquele cuja alma de longa data não tem tido consciência
do mal e especialmente desde que ele se tenha entregado à cura do mundo, que
tal homem ouça as doutrinas que foram reveladas em particular por Jesus a seus
discípulos genuínos. Portanto, na comparação que institui entre os
procedimentos dos iniciados aos Mistérios gregos e os mestres da doutrina de
Jesus. Ele não vê a diferença entre convidar os maus a que se curem e iniciar
nos Sagrados Mistérios os que já estão purificados”. É bastante evidente que
Clemente e Orígenes de Alexandria (185-253) eram iniciados nos Mistérios
Cristãos, pois defendiam abertamente essa estrutura esotérica, com ensinamentos
superiores aos exotéricos dados as multidões. Sobre isso, comenta Orígenes:
“Falar da doutrina cristã como de um sistema secreto é totalmente absurdo. Mas
que existem certas doutrinas não dadas a conhecer às multidões, são (reveladas)
depois que as exotéricas tiverem sido ensinadas. Não é peculiaridade apenas do
Cristianismo, mas igualmente de sistemas filosóficos nos quais certas verdades
são exotéricas e outras esotérica. Temos aqui provas significativas de que os
Mistérios Cristãos existiram. Desnecessário seria dizer que esses ensinamentos
esotéricos foram perdidos pelo Cristianismo. Provavelmente, esse processo de
declínio dos Mistérios Cristãos ocorreu já no século IV, pois sua doutrina foi
condenada como herética pelo Papa Anastácio em 400 d.C. No Édito de Justiniano,
e, em 553 d.C., no Concílio de Constantinopla II. Eis algumas interpretações de
Orígenes que, provavelmente, foram causas de sua condenação. “Que pessoa
inteligente imaginaria, por exemplo, que um primeiro, um segundo, um terceiro
dia, tarde e manhã, aconteceram em sol, sem lua e sem estrelas. E o primeiro,
conforme o chamamos, sem nem mesmo um céu? Quem seria tão infantil a ponto de
supor que Deus, como um jardineiro humano, plantou um jardim no Éden, para os
lados do Oriente. E formou ali uma árvore, visível e sensível, de tal modo que
se conseguisse o poder de viver comento materialmente de seu fruto com os
dentes. E ainda que se pudesse participar do bem e do mal, nutrindo-se do que
vinha daquela árvore? Se dizem que Deus andava a tarde no jardim e que Adão se
escondia sob a árvore. Imagino que ninguém há de questionar serem essas
declarações figurativas, asseverando misteriosas verdades por meio de uma
semelhante história, e não de fatos que ocorreram de modo material. E Caim, ao
se afastar da presença do Senhor, como é simples, e claro para as mentes
atentas, incita o leitor a buscar o significado da presença de Deus ou da de
alguém que dela se afaste. Que necessidade há de mais, quando todos, até mesmo
os atoleimados, podem reunir inúmeros exemplos em que as coisas eram
registradas como tendo acontecido, e que, em absoluto, jamais aconteceram num
sentido literal? Não, mesmo os Evangelhos estão cheios de expressões da mesma
espécie. Como aquela em que o diabo leva Jesus a uma alta montanha, para de lá
mostrar-lhe os reinos de todo o mundo e a sua glória. Quem senão um leitor
descuidado de tais palavras deixaria de condenar os que pensam que, com olhos
da carne. Que necessitavam da altura para ter a visão do que havia abaixo, a
grande distância, os reinos dos persas e dos citas e dos índios e dos partos
haviam sido vistos, E com eles a glória que os homens concediam aos seus
governantes? Incontáveis casos como esses o leitor atento será capaz de
observar, que o farão concordar que, com as histórias que ocorreram
literalmente, estão entrelaçadas outras coisas que na realidade não
aconteceram”. A condenação desse brilhante padre do Cristianismo Alexandrino,
três séculos após a sua morte, a total perda dos ensinamentos dos Mistérios
Cristãos, que representavam a continuidade viva dos ensinamentos que Jesus
teria ministrado somente a seus discípulos. Bastariam para evidenciar o
processo de declínio do Cristianismo, mas depois a intolerância cresceu, vieram
as Cruzadas e a Santa Inquisição ... Mesmo hoje, a Igreja não tem a vitalidade
que tinha na primitiva estrutura de Alexandria. Que dizer então do declínio
ocorrido se compararmos ao período em que Cristo estava vivo? Será necessária
maior prova de que não é a sofisticação da civilização ou a sua
intelectualização que vitaliza uma religião? Sábias são as palavras de Paulo:
“A letra mata, mas o espírito vivifica”. Causas e consequências do declínio. As
causas do processo de declínio das religiões já foram bastante comentadas no
item 4, referente ao fenômeno do declínio. Contudo a citação de Paulo, acima as
sintetiza bem: na falta do êxtase, que é a experiência espiritual por
excelência, o homem tende a apegar-se à letra, às descrições dos outros. Daí
advêm a rigidez, o dogmatismo, a intolerância, o esclerosa mento e o declínio
das religiões. Plotino, falecido em 270 dC, de maneira magistral, enfatiza essa
distinção fundamental entre o mero conhecimento intelectual e a experiência
interior do êxtase, nas Enéadas como segue: “A causa principal da nossa
incerteza é que a nossa compreensão do Um não vem pelo conhecimento científico
nem pelo pensamento, como conhecimento de outras coisas inteligíveis, mas por
um Presença que é superior à ciência. Quando a alma adquire o conhecimento
científico de algo, ela se separa da unidade e cessa de ser inteiramente uma.
Pois a ciência implica a razão discursiva, e a razão discursiva implica a
multiplicidade. Para alcançar a Unidade devemos, portanto, elevarmo-nos acima
da ciência e jamais nos apartarmos daquilo que é essencialmente um. Devemos
para tanto renunciar à ciência, aos objetos da ciência e a todos os demais
direitos, exceto a esse Um. Mesmo à beleza, pois a beleza é posterior a
Unidade, e deriva desta como a luz do dia provém do Sol. Eis que Platão diz da
Unidade que é indizível e indescritível. Ainda assim, dela falamos e escrevemos
sobre ela, mas apenas para estimular nossa alma pela discussão. E para
encaminhá-las em direção a esse espetáculo divino, como se indicaria o caminho
a alguém que desejasse ver algum objeto. A instrução, na verdade, chega a indicar
o caminho e a nos guiar na senda. Mas obter a visão da Divindade é trabalho
próprio de quem deseja obtê-la”. “Quem nela tentar fixar os olhos conspurcados
pelo vício, olhos tão impuros ou fracos, que não possam suportar o esplendor de
objeto tão brilhante. Esses olhos não verão, nem mesmo se lhes for mostrada uma
visão fácil de compreender. O órgão da visão deverá primeiro se tornar análogo
e semelhante ao objeto que há de contemplar. Os olhos jamais seriam o sol se
primeiro não tivessem assumido a sua forma. Do mesmo modo, a alma jamais veria
a beleza se ela própria, antes, não se tivesse tornado bela. Para conseguir a
visão do belo e da divindade, todo homem deve começar por se tornar belo e
divino”. Fica, pois, evidente que não será jamais no plano intelectual que
chegaremos a uma prova final sobre a existência de uma alma imortal em nós. Ou
de uma alma universal subjacente ao Universo, ou das leis da justiça ou
harmonia que governaria a vida. Essas questões essenciais da religião só podem
ser resolvidas no êxtase. Que é o meio de obtenção do conhecimento místico.
Todavia, como conseguimos evidenciar, pelo menos nos exemplos citados no caso
específico da religião cristã, que de fato existe o processo do declínio. A
ponto de mesmo uma religião civilizada e filosoficamente rica em suas origens,
como a cristã, sofrer as vicissitudes do fanatismo e superstição da Santa
Inquisição. Parece justo afirmar que a hipótese das Religiões Comparadas parece
mais provável de ser verídica. O medo do diabo, da magia, na Idade Média
Cristã, conforme evidenciam os absurdos julgamentos do Santo Ofício. Lembram os
tabus dos polinésios, e religiões selvagens semelhantes ao animismo, fetichismo
etc. Por outro lado, não parece haver evidência histórica de religiões
fetichistas ou animistas que tenham chegado à profundidade filosófica das
darshanas hindus ou das Enéadas de Plotino, nem a sublimidade das escrituras
budistas ou cristãs. Pelo contrário, o que se pode ver como fato histórico é
que a mensagem desses grandes seres sobrevive apesar da ignorância humana, do
fanatismo, da estreiteza mental. Do egoísmo, da brutalidade e do declínio dos
valores civilizatórios. Será que um homem comum conseguiria ser um consolador e
enganador tão eficiente? Por todas essas evidências, parece-nos justo afirmar
que a tese das Religiões Comparadas, de que são os homens divinos a causa das
grandes religiões. Ou melhor, de que esses homens se divinizaram pelo êxtase a
ponto de adquirirem uma sabedoria divina que desafia os milênios. Apesar de só
termos fragmentos de segunda mão dos seus ensinamentos, merece ser considerada
a tese mais provável, mais próxima da verdade. Causas da Unidade das Religiões.
Na medida em que, a partir da evidência dos fatos históricos, verificou-se ser
mais fácil as religiões declinarem, e mais difícil se revitalizarem ou
evoluírem, pareceu-nos mais provável a tese das Religiões Comparadas. Assim
sendo, é interessante retomar a questão da origem comum das religiões a partir
da tese das Religiões Comparadas. Sob esse ponto de vista, a origem comum das
religiões seria a sabedoria divina ou a Teosofia, como Plotino a chamava.
Evidentemente, tal sabedoria não é um conhecimento intelectual. Mas um estado
de consciência alcançado pelo êxtase, pelo aumento da percepção da voz do nosso
íntimo, que depende de uma absoluta serenidade ou silêncio da mente. Isso
implica uma mente sem desejos ou conflitos, totalmente desapegada da
transitoriedade da matéria e das sensações que ela produz. Quando um homem
chega a esse estado de ser, sua percepção percebe a divindade, e então ele se
diviniza. Ele pode então dizer: “Eu e o Pai somos um” João 10,30. Assim, por
meio dessa percepção aumentada, ele torna-se onisciente em relação às leis que
regem o crescimento das almas, ao ciclo da vida e da morte, ao retorno cíclico
das almas para aprendizagem, aos diversos níveis de profundidade e consciência
da mente humana etc. Apesar de precisar adequar a sua sabedoria à linguagem e
cultura do povo que ele instrui, sua mensagem será, em essência, a mesma sabedoria
divina que todos os homens divinizados que o precederam tentaram comunicar aos
homens em geral. Daí a semelhança entre as diversas religiões do mundo em seus
ensinamentos essenciais. Mais do que uma semelhança oriunda de uma percepção da
mesma sabedoria, da mesma verdade divina, alguns levantam ainda outra hipótese
mais arrojada. Haveria uma Fraternidade Mística, uma “Comunhão de Todos os
Santos” do mundo, que, sendo inspirada pela própria divindade. Velaria pela
humanidade, fundando aqui e ali novas religiões, trazendo novos ensinamentos e
adequados a cada época e civilização. Tal qual os irmãos mais velhos se
organizam para ajudar os mais moços a crescer e aprender. Conclusão. Pelo
desenvolvimento deste trabalho e a partir dos fatos históricos verificáveis na
história das religiões, parece ser justo afirmar que as grandes religiões
declinam com relativa facilidade, resultando em superstição, fanatismo e
intolerância. Contudo, as religiões primitivas parecem incapaz de,
sofisticando-se a si próprias, conquistarem a profundidade ética e filosófica,
altruísta e mística das grandes religiões. Tal verificação nos conduz à
conclusão de que a tese das Religiões Comparadas é provavelmente a mais
verídica, pois entende que a origem comum das religiões advém da sabedoria
divina. Assim, as religiões se assemelhariam a rios que são puros e cristalinos
próximos à sua fonte, simbolizando o Fundador inspirado ou divinizado pelo
êxtase. Mas que vão se tornando cada vez mais robustos e barrentos à medida que
se afastam de sua fonte, pois vão perdendo a vitalidade ao carrearem os
pedregulhos da superstição e intolerância e a lama dos desejos e interesses
mundanos. Resultando frequentemente em instituições que muito pouco retiveram
do espiritual, mas que cresceram em poder temporal. Parece que esse declínio
das religiões, que é o declínio da sabedoria divina em contato com as
superstições e os desejos humanos, nenhum grande instrutor conseguiu evitar.
Talvez seja mesmo mais fácil começar uma nova religião com renovado vigor. Contudo,
se é que de fato faz algum sentido dizer que há evidências neste trabalho capaz
de sustentar que a religião não é uma mera fuga de realidade. Mas pode ser um fundo real na experiência
direta do êxtase. Também seria forçoso dizer que sem o êxtase nenhuma prova
cabal é possível no campo místico, como o próprio trabalho evidenciou. Pois a
divindade não pode ser ouvida, nem vista, nem percebida pelos cinco sentidos.
Mas pode ser percebida pelo homem desejoso de a perceber. Porém, se tal
afirmação for verdadeira, a intensidade que esse desejo precisaria alcançar
seria, provavelmente, tal que nenhum outro desejo deveria existir. De modo que,
não havendo a menos dispersão de esforço, a energia mental pudesse atingir a
sua intensidade máxima, tradicionalmente chamada de êxtase. Livro A Ciência da
Astrologia e as Escolas de Mistérios. Abraço. Davi
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