Judaísmo. www.morasha.com.br. AMOR A JERUSALÉM. Jerusalém
é a Morada Divina na Terra. Isso significa que a Presença de D’us é mais
perceptível em Jerusalém do que em qualquer outra parte. A cidade mais sagrada
dentre todas foi, é e sempre será a capital eterna dos Filhos de Israel. Em Tishá
b’Av – nono dia do mês de Menachem Av, dia mais triste do
calendário judaico – o Povo Judeu chora a queda do Templo Sagrado, a destruição
de Jerusalém e todos os sofrimentos daí decorrentes, vivenciados por nosso povo
em seu longo exílio depois de expulso de nossa Pátria. O ponto central do luto
em Tishá b’Av é a destruição da cidade de Jerusalém e,
particularmente, do Beit HaMikdash – o Templo Sagrado. A queda
de Jerusalém constitui muito mais do que a destruição da capital histórica do
Povo Judeu. De fato, a queda da cidade e a destruição do Templo Sagrado
representaram um golpe no centro vital do Povo Judeu, pois Jerusalém é o ponto
em que o “cordão de prata”1 da influência Divina se conecta com
a realidade do mundo. Por isso não apenas o Povo de Israel foi profundamente
afetado pelos eventos recordados e pranteados em Tishá b’Av. Na
verdade, o mundo todo foi afetado e não voltará a seu estado normal até que a
cidade e o Templo Sagrado de Jerusalém sejam reconstruídos. A razão disso é o
fato de Jerusalém ser o ponto focal da existência do mundo. O Midrash assim
descreve: “Disse Abba Hanan em nome de Shmuel HaKatan: ‘Esse mundo é como um
olho. O branco dos olhos é o oceano que circunda o mundo; a íris é o mundo que
não é habitado; a pupila é Jerusalém; e o rosto (o observador refletido na
pupila) é o Templo Sagrado. E que ele possa ser prontamente reconstruído, em
nossos dias’ ” (Derech Eretz Zuta 9). Todo mal infligido
sobre Yerushalaim é um mal contra “a menina dos olhos do
mundo”, e, de fato, quando a pupila dos olhos é danificada, a luz fica reduzida
e comprometida. Consciente ou inconscientemente, o mundo inteiro sente a
destruição de Jerusalém. Citando o Livro de Isaías, o Talmud diz: “Desde o dia
em que o Templo foi destruído, os Céus não se fizeram ver em sua plena pureza,
como está dito: ‘Eu encubro os Céus na escuridão e visto-o com vestimentas de
luto’ ” (Talmud Bavli, Berachot 59a, citando Isaías
50:3). Portanto, o luto por Jerusalém é universal – uma tragédia que faz sofrer
todo o Universo. Nossos Sábios usam linguagem metafórica ao ensinar que até
mesmo D’us participa nessa lamentação por Yerushalayim. Em uma
famosa passagem do Talmud, um de seus maiores Sábios, o Rabi Yossi, relata o
que ouviu ao entrar em uma das ruínas da Cidade Santa: “Uma voz Celestial
arrulhava tal qual uma pomba e dizia: ‘Ai dos (Meus) filhos, pois por seus
pecados Eu destruí a Minha Morada, queimei Meu Santuário e os exilei entre os
povos’ ”. Rabi Yossi ouviu, então, de Eliyahu HaNavi, o profeta Elias, que não
transcorria um dia sequer sem que D’us sofresse pela queda do Templo e o exílio
do Povo Judeu (Talmud Bavli, Berachot 3a). Na mesma linha, há um
ensinamento metafórico, no Talmud, que diz: “Desde o dia em que o Templo foi
destruído, D’us não mais conheceu o riso” (Talmud Bavli, Avodá Zará 3b).
Para o Povo Judeu, a destruição de Jerusalém é um manto de tristeza e escuridão
que encobre a face da realidade. O lamento pela Cidade Eterna não se limita a
um único dia anual de lamentação – Tishá b’Av. Mas grande parte da
vida judaica é marcada pelo luto pelo hurbán – a destruição da
mais sagrada dentre as cidades. Para nosso povo, não constitui mera poesia o
famoso versículo no Livro dos Salmos, “Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém,
que perca a minha destra a sua destreza! Que se cole minha língua ao palato, se
não me lembrar sempre de Ti, se não mantiver a recordação de Jerusalém acima de
minha maior alegria” (Salmos 137:5-6). De fato, esse versículo traduz uma
realidade viva. Portanto, de acordo com a Lei Judaica e sua tradição, o luto
pela perda de Jerusalém é recordado mesmo nos momentos de maior alegria. Por
exemplo, quando a mesa está posta para receber hóspedes, deve-se deixar de
servir algum alimento em recordação ao hurbán, à destruição. Ao se
construir uma casa, uma parte deve ser deixada incompleta, lembrando-nos da
falta do Templo Sagrado. A lembrança de Yerushalaim deve vir à
frente de todas as ocasiões festivas. Mesmo em meio ao júbilo por um casamento,
a destruição de Jerusalém é recordada na cerimônia religiosa, que é concluída
apenas após o noivo quebrar um copo. Isso nos faz lembrar, mesmo em meio à
alegria pelo início de uma nova família de nosso povo – uma ocasião que deve
ser o auge da felicidade para os recém-casados – que não nos é possível o
júbilo pleno enquanto Jerusalém jaz por terra. Portanto, não apenas nas
ocasiões tristes, mas também nas mais felizes, o Povo Judeu, através dos
tempos, anseia e lamenta continuamente por Jerusalém, há quase dois mil anos. A
Cidade de D’us. Ainda que quase dois milênios tenham transcorrido desde a
destruição do Templo Sagrado, a lembrança de Jerusalém nunca foi borrada da
consciência judaica. Pelo contrário, o tempo transcorrido apenas aumentou e
aprofundou nosso amor e reverência por Yerushalaim – ao ponto
de a mais sagrada das cidades se ter tornado sinônimo da Terra de Israel em sua
totalidade. Durante gerações, todo judeu oriundo da Terra de Israel era chamado
de Yerushalmi (cidadão de Jerusalém). Vale mencionar que ainda
que o Talmud da Terra de Israel (diferentemente do Talmud da Babilônia) tenha
sido escrito e compilado em Tiberíades e Cesareia, ele é chamado de Talmud
Yerushalmi – o Talmud de Jerusalém. Assim sendo, em todas as fontes
judaicas, o termo “a cidade”, sem outras especificações, refere-se a Jerusalém
– a “Cidade de D’us”. Segundo o misticismo judaico, Jerusalém é muito mais do
que uma cidade ou do que o centro espiritual do Povo Judeu. Trata-se do próprio
símbolo da Shechiná – a Presença Divina na Terra. Jerusalém é
o ponto de contato e conexão onde o Infinito encontra o finito, onde tempo e
espaço tocam aquilo que transcende o tempo e o espaço. Essa cidade é tão
central para o Judaísmo que constitui um dos principais temas de nossas preces.
Uma das bênçãos da Amidá (o Shemone Esreh) e
do Birkat HaMazon (a bênção após as refeições que incluam pão)
é um pedido para que D’us reconstrua Jerusalém. A famosa oração do Rabi Shlomo
Alkabetz, o Lechá Dodí – que se tornou parte inseparável do
serviço de Cabalat Shabat (o recebimento do Shabat) em todas
as comunidades judaicas – é essencialmente uma ode a Jerusalém. Lechá Dodí,
uma das orações mais ricas e belas na liturgia judaica, entrelaça todo o anseio
judaico pela redenção com seu ponto focal – Jerusalém. E, de fato, como reza a
canção, a queda de Jerusalém constitui a própria imagem do nosso povo na
Diáspora, e simboliza todo o sofrimento e angústia do Povo Judeu. Ao longo das
gerações, mesmo nas épocas mais trágicas de opressão e perseguição, quando os
judeus estavam impossibilitados de ir a Jerusalém, a cidade nunca deixou de ser
centro espiritual e capital do Povo Judeu. Nunca houve e jamais haverá outro
centro espiritual e nacional judaico a não ser a Cidade Santa. E é interessante
notar que, apesar de ter sido conquistada inúmeras vezes, Jerusalém nunca foi
capital de nenhum outro povo a não ser do Povo Judeu. A alma coletiva de nosso
povo é completamente entrelaçada com Jerusalém. Quando um judeu ora – em
qualquer lugar do mundo onde se encontre – ele se volta para Yerushalaim.
Todas as sinagogas mundo afora, independentemente de seus costumes e rituais,
em suas diferentes formas e estilos, estão voltadas a uma única direção, apenas
– Jerusalém. São vários os costumes judaicos que expressam a saudade e o anseio
por Jerusalém. Concluímos o Seder de Pessach, o
ritual que celebra a liberdade do Povo de Israel, com um desejo: “O próximo ano
em Jerusalém”, Leshaná Habaá b’Yerushalaim! Em muitos lugares
era costume, até no contrato de casamento, estar escrito que a cerimônia seria
realizada, com a ajuda de D’us, na Cidade Santa, e especificava que – que D’us
não o permitisse – se a redenção ainda não tivesse chegado, o casamento seria
realizado em outro local. Esse costume expressava a esperança e o ideal
inabaláveis de que somente deveríamos estar em Jerusalém. Estar na Cidade
Sagrada – viver em seu meio – é a esperança de todos os judeus. E de fato,
segundo a Halachá (a Lei Judaica), fazer Aliá (literalmente,
subir) – isto é, ir à Terra de Israel, particularmente a Jerusalém, para lá
viver – é da maior importância. Ainda que em quase todas as gerações os povos
que ocupavam a Terra de Israel não dessem aos judeus o direito de fazer Aliá,
nossa esperança de o fazer nunca foi perdida. Jerusalém Terrena e Jerusalém
Celestial. O Talmud Babilônico nos ensina que não existe apenas uma
Jerusalém – a terrena –, mas também uma Jerusalém Celestial. A Jerusalém
terrena – centro espiritual da Terra de Israel, hoje, capital política do Estado
de Israel – é paralela à Jerusalém Celestial, onde há um glorioso Templo Divino
e se encontra toda a majestade do mundo celestial. A Jerusalém Celestial paira
sobre a Jerusalém terrena, da qual depende e floresce. Ensina o Talmud que “O
Santo, abençoado o Seu Nome, decretou: ‘Não entrarei em Jerusalém nas Alturas
até ter entrado na Jerusalém terrena’ ” (Talmud Bavli, Taanit 5ª). Essas
duas cidades – Jerusalém Celestial e Jerusalém terrena – não estarão completas
enquanto todo o Povo de Israel não tiver retornado à sua primeira e única
capital. Jerusalém: centro do mundo. Jerusalém é um lugar único, onde
este nosso mundo terreno e o celestial se fundem e se complementam. A cidade
está à margem do material e do físico, à beira do mundo não-físico. O Pirkei
Avot – um dos tratados da Mishná, núcleo da Torá Oral,
descreve os milagres ocorridos no Templo Sagrado e na própria cidade. É
justamente da santidade intrínseca à cidade que se originam esses milagres –
que, por sua vez, causam a mudança nas leis da natureza. Jerusalém constitui
uma passagem direta entre o mundo terreno e o mundo celestial. É o Portão para
os Céus – a passagem do físico para o espiritual. E é justamente por essa razão
que oramos voltados na direção de Jerusalém, como está escrito na oração do Rei
Salomão: “… e rezarem a Ti voltados na direção da sua terra que deste a seus
pais, para esta cidade que escolheste e para esta casa que construí em Teu
Nome...” (Reis I, 8:48). Todas as nossas orações, proferidas onde quer que
estejamos no mundo, são feitas na direção de Yerushalaim, a Cidade
Santa, de onde ascendem aos Céus. Jerusalém é o lugar mais sensível no mundo.
Tudo o que ocorre na cidade, mais do que em qualquer outra parte, está sujeito
a ter implicações para o mundo todo – tanto nos acontecimentos bons quanto nos
ruins. As preces proferidas na Cidade Santa têm um peso diferente das que são
ditas em outras partes do mundo. Ao se orar na mais sagrada das cidades,
sente-se que as palavras chegam mais facilmente aos Céus. A santidade é mais
tangível e mais perceptível quando se está em Jerusalém. E o impacto dos atos
de alguém que está na cidade são bastante aumentados. Assim sendo, um ato de
bondade realizado na Cidade Santa traz bênçãos para o mundo todo, ao passo que
uma ação negativa cometida no centro espiritual do Universo pode reverberar
muito além de seus limites físicos. Uma Cidade Sagrada, perfeita em Sua
beleza. A conexão de Jerusalém com os mundos superiores produz um fluxo de
santidade que permeia a cidade toda. As migalhas de santidade, as provas de
espiritualidade que estão no ar, são o que dá beleza física à Yerushalaim –
não apenas seus lugares espirituais, mas também os físicos: suas casas, suas
pedras e as pessoas que nela habitam. Jerusalém é o “…lugar de mais bela visão,
alegria de toda a terra...” (Salmos 48:3). À sua maneira única e própria, é a
mais bonita dentre todas as cidades do mundo. Mas sua beleza não provém de
altos edifícios, de arquitetura grandiosa. Aliás, em certos bairros da cidade
vê-se justamente o contrário. Sua beleza, seu sol e sua luz, e várias outras de
suas ricas características, se originam de sua santidade. A espiritualidade que
dela flui é o que a torna linda e graciosa. Tishá b’Av e o Dia de Jerusalém.
Em Tishá b’Av, nono dia do mês de Menachem Av, no
ano de 70 da Era Comum, legiões romanas destruíram o segundo Beit HaMikdash –
o segundo Templo Sagrado de Jerusalém, marcando a queda da cidade. Durante
quase dois mil anos, o Povo de Israel, que havia sido expulso de sua terra,
sonhou com sua Pátria, ansiou por retornar, em particular a Jerusalém – símbolo
da alma da Terra de Israel. Durante quase dois mil anos, o Povo Judeu orou – no
mínimo três vezes diariamente, todos os dias do ano – pedindo pela reconstrução
da Cidade Santa e a ela ser reconduzido. Após a Guerra de Independência de
Israel, em 1948, Jerusalém foi dividida, e a Cidade Velha, particularmente o
local onde se erguia o Templo Sagrado, foi tomada pelas tropas jordanianas. A
cidade permaneceu dividida até junho de 1967, quando Israel, vencedor da Guerra
dos Seis Dias, a reunificou. Para celebrar esse grande milagre – sonho de dois
mil anos finalmente realizado – foi instituído o Dia de Jerusalém, Yom
Yerushalaim, celebrado em 28 do mês de Iyar. O Rabinato Chefe
de Israel declarou o Dia de Jerusalém como uma data especial, por celebrar o
retorno do livre acesso ao Kotel – o Muro Ocidental ou Muro
das Lamentações. Há quem pergunte se o Dia de Jerusalém anula o dia de Tishá
b’Av. Será que o retorno do Povo de Israel à Terra de Israel e a
reunificação de Jerusalém tornaram irrelevante o luto de Tishá b’Av?
A resposta a essa pergunta: não. O jejum de Tishá b’Av e as
outras restrições desse dia ainda permanecem em vigor, especialmente porque o
Templo Sagrado continua em ruínas, significando claramente que Jerusalém ainda
não foi reconstruída em toda a sua magnitude. Ademais, o nome Yerushalaim tem
vários significados, sendo um deles “Cidade da Paz”. E, como vivenciamos, todos
os dias, a paz ainda não se instalou em Jerusalém nem no restante do mundo. Portanto,
a lamentação e o jejum de Tishá b’Av ainda têm razão de ser, independentemente
do júbilo pelo Dia de Jerusalém. Contudo, hoje, especialmente para os judeus
que têm o privilégio e a honra de viver em Israel, especialmente em Jerusalém,
o sentimento de luto no dia 9 de Av não é tão intenso quanto
antes do retorno de nosso povo à Terra de Israel – quando éramos impedidos de
viver em nossa pátria ancestral, mais especificamente na Cidade Velha de Yerushalaim.
E, de fato, não apenas no Dia de Jerusalém, mas até mesmo em Tishá b’Av –
o dia mais triste de nosso calendário – podemos nos alegrar pelo fato de termos
merecido – ainda neste mundo terreno – o privilégio de viver na Cidade Santa,
ponto físico e espiritual de conexão com o Mundo Superior. Como profetizou
Isaías: “Regozijai-vos com Jerusalém, e alegrai-vos por ela, todos vós que a
amais! Juntem-se em seu júbilo, todos vocês que choraram por ela” (Isaías
66:10). O Templo Sagrado ainda jaz em ruínas e a paz ainda não cobre o mundo
com seu manto. Portanto, em Tishá b’Av, todos os judeus têm a
obrigação de chorar por Jerusalém, mesmo os que nela habitam. Mas cada judeu,
onde quer que viva, também deve amar esta cidade, a mais especial e sagrada
dentre todas. E esse amor se justifica não apenas pelo fato de ser a capital e
o lar do Povo Judeu, mas porque como Yerushalaim não há outra
cidade no mundo. Há uma Jerusalém terrena e uma celestial – e, às vezes, é
difícil distinguir uma da outra. O chamado cordão de
prata é uma expressão originária do Tanach, sendo encontrada
no livro Cohelet (Eclesiastes), capít. 12, versíc. 6.
Subentende-se que essa expressão se refira à Força Divina que mantém o corpo
ligado ao espírito.
BIBLIOGRAFIA: Steinsaltz, Rabbi Adin Even-Israel, Change
and Renewal: The Essence of the Jewish Holidays, Festivals & Days of
Remembrance. Maggid Books. www.morasha.com.br.
Abraço. Davi
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